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quinta-feira, 1 de abril de 2021

Preto no Branco, um documentário de Silvio Tendler - A censura antes da Imprensa no Brasil, sobre Hipólito da Costa, o primeiro estadista do Brasil

FILME | 

Preto no Branco, a censura antes da imprensa, 2009

Silvio Tendler


1.871 visualizações

7 de out. de 2014



Hipólito da Costa (1774-1823) é uma figura desconhecida fora dos círculos acadêmicos, mas tem uma dupla condição que o imortalizou como um dos Heróis da Pátria: ele é o pai da imprensa brasileira e da imprensa livre portuguesa. Rompeu com a rigorosa censura de Portugal e publicou de 1808 a 1823 o Correio Braziliense, que circulava dos dois lados do Atlântico. Preto no Branco mostra o impacto da longa censura imposta pelos portugueses e suas consequências para a formação do pensamento crítico brasileiro. A série sublinha que Portugal foi um dos últimos países europeus a permitir a impressão de livros e que nas colônias do Novo Mundo, ao contrário da Espanha, não era autorizado que se instalassem tipografias. A primeira prensa só chegou em 1808, com a transferência da família real e era censurada. A série conta como Hipólito driblou a proibição, em Londres, sozinho, escreveu um jornal em forma de revista que mudou a história da imprensa brasileira.

Episódio 01 – A Censura antes da Imprensa (26’25”) Episódio 02 – O ofício das Palavras (29’32”) Ficha Técnica: Argumento: Aberto Dines Roteiro: Alberto Dines, Silvio Tendler e Lilia Diniz Direção: Silvio Tendler] Com Marcio Vitto e Amir Haddad Entrevistas com: Alberto Dines, Isabel Lustosa, Antonio F. Costella, Paulo Roberto de Almeida Produtora executiva: Ana Rosa Tendler Editor: Zé Pedro Tafner Assistente de direção: Jô Serfaty Consultoria de pesquisa: Lilia Diniz Fotógrafo: Victor Burgos Ilustração caricaturas: Eduardo Baptistão Ilustrações: Felippe Sabino Videografismo: RadiográficoTrilha: Lucas Marcier – Estúdio Arpx Fotógrafo estúdio: André Carvalheira Ator Hipólito da Costa: Marcio Vitto Ator inquisidor: Amir Haddad Assistente de produção: Samya Rodrigues Direção de arte: Débora Mazloum Assistente de arte: Rafael AguiarFigurino: Rosângela Nascimento Assistente de figurino: Egas de Carvalho Ramos Maquiador: Sandro da Silva ValérioEletricista: Wallace Silveira dos Santos Maquinária: Leonardo Carlos F. de Oliveira Informações Adicionais: Produzida para a TV Brasil.


Eu participei das entrevistas sobre Hipólito da Costa, com base nos meus trabalhos de pesquisa sobre o primeiro estadista do Brasil, e o criador da imprensa livre no Brasil e em Portugal, ainda que com base em Londres. Foi a origem do Correio Braziliense.

Aqui, novamente, o link para este documentário: 

https://www.youtube.com/watch?v=wq_XshBckmM

Vou participar de um debate proximamente: 

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Meus trabalhos sobre Hipólito: 

834. “Hipólito da Costa e o nascimento do pensamento econômico no Brasil”, Washington, 3 dez. 2001, 26 p. Ensaio histórico para colaboração ao volume XXX da reedição facsimilar do Correio Braziliense, sob coordenação de Alberto Dines (adines@uol.com.br) e Isabel Lustosa (bellus@ruralrj.com.br). Publicado sob o título de “O nascimento do pensamento econômico brasileiro” in Hipólito José da Costa, Correio Braziliense, ou, Armazém Literário (São Paulo: Imprensa Oficial do Estado; Brasília, DF: Correio Braziliense, 2002; reedição facsimilar; ISBN: 85-7060-103-4; v. XXX, p. 323-369); e no Observatório da Imprensa (n. 232, 8.07.03; http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/alm080720031.htm). Relação de Publicados ns. 386 e 432.


835. “Um Taliban na Corte do Bey de Argel”, Washington 4 dezembro 2001, 2 p. Transcrição tirada de Hipólito José da Costa, Correio Braziliense ou armazém literário (São Paulo: Imprensa Oficial; Brasília: Correio Braziliense, 2001), v. I, jun. 1808, seção “Miscelânea”, p. 72-73, relativamente aos piratas da Barbária, assimilados aos talibans da era moderna. Revisto em 11.12.01. Publicado em Espaço Acadêmico (Maringá: UEM, a. 1, n. 7, dez. de 2001; link: http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/35902/20981). Reproduzido, na versão inicial, no Observatório da Imprensa (n. 151, de 12.12.01, link: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/al121220012.htm) e no Correio Internacional, (Relnet). Relação de Publicados n. 300, 301, 303.


947. “Um Tocqueville avant la lettre: Hipólito da Costa como founding father do americanismo”, Washington, 20 setembro 2002, 5 p. Ensaio sobre o Diário de Minha Viagem para a Filadélfia, de Hipólito José da Costa, mostrando suas características pioneiras de primeira obra representativa do americanismo brasileiro. Publicado no Observatório da Imprensa (nº 191, 25.09.02; http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/al250920021.htm) com o título “Hipólito José da Costa, repórter”; e na Achegas, revista de ciência política (Rio de Janeiro, n. 9, 16.05.03; ISSN: 1677-1855; link: http://www.achegas.net/numero/nove/paulo_almeida_09.htm). Republicado em Meridiano 47 (Brasília: vol. 3, n. 28-29, novembro-dezembro 2002, p. 13-15; ISSSN 1518-1219; link para o boletim: http://periodicos.unb.br/index.php/MED/issue/view/558; link para o artigo: http://periodicos.unb.br/index.php/MED/article/view/4423/3702). Ensaio incorporado ao livro: Paralelos com o Meridiano 47: Ensaios Longitudinais e de Ampla Latitude (Hartford, 2015). Relação de Publicados n. 366 e 418.


1042. “Um Tocqueville avant la lettre: Hipólito da Costa como founding father do americanismo brasileiro”, Washington, 29 abr. 2003, 5 p. Reformulação do trabalho n. 946, para servir como Introdução à reedição facsimilar do livro de Hipólito José da Costa Pereira, Diário de Minha Viagem para Filadélfia, 1798-1799 (Rio de Janeiro: Publicações da Academia Brasileira, 1955), pelo Senado Federal. Não publicado.


1243. “O intelectual Hipólito José da Costa como pensador econômico”, Brasília, 12 abr. 2004, 11 p. Ensaio baseado no trabalho n. 834, preparado para o colóquio Tradição e Modernidade no Mundo Ibero-Americano (Rio de Janeiro, 10-12/08/2004; temas: intelectuais, discussões conceituais sobre Iberismo e práticas culturais. Recebida, em 16/04/2004, confirmação de aceitação no colóquio, por e-mail de Maria Emilia Prado. Feito resumo em 7/08, para apresentação oral no Colóquio. Publicado, som o título “Hipólito José da Costa: pioneiro do pensamento econômico brasileiro” na revista História Hoje (ANPHU, v. 2, n. 6, ISSN 1806-3993); e publicado na versão original, sob o título “O intelectual Hipólito José da Costa como pensador econômico” in Gunter Axt e Fernando Schüler (orgs.), Intérpretes do Brasil: ensaios de cultura e identidade (Porto Alegre: Artes e Ofícios, 2004; ISBN: 85-7421-113-3; p. 49-61). Relação de Publicados n. 499.


1897. “Hipólito da Costa: um jornalista de sete instrumentos”, Rio de Janeiro, 29 maio, Brasília, 10 junho 2008, 3 p. Depoimento concedido à TV Brasil no quadro do programa especial do Observatório da Imprensa sobre Hipólito José da Costa e os 200 anos da imprensa no Brasil. Não registrado de forma independente. Integrado seletivamente ao programa e descrito em matéria do Boletim Observatório da Imprensa (10.06.2008; link: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=489JDB010; Programa “200 Anos da Imprensa no Brasil – Parte 2”, apresentado em 10 de junho de 2008, sob n. 465, no link: http://www.tvebrasil.com.br/observatorio/videos.htm#). Relação de Publicados n. 841.


1933. “Hipólito antes do Correio Braziliense: um repórter autodidata”, Brasília, 4 outubro 2008, 11 p. Contribuição, elaborada com base no trabalho 946, para a revista Estudos em Jornalismo e Mídia (Florianópolis: Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da UFSC, vol. 5 nº. 2, segundo semestre de 2008; ISSN: 1806-6496, número especial sobre o tema “Correio Braziliense e seu tempo”; link: http://www.posjor.ufsc.br/revista/index.php/estudos/issue/view/14/showToc; Daisi I. Vogel, editora-responsável (daisivogel@yahoo.com.br); Artigo PRA: Ano V - n. 2 pp. 57-67; jul./ dez. 2008; link: http://www.posjor.ufsc.br/revista/index.php/estudos/article/view/161/153). Relação de Publicados n. 851.


1941. “Dois tocquevilleanos brasileiros: Hipólito da Costa e Oliveira Lima”, Brasília, 19 outubro 2008, 18 p. Contribuição para número especial da Revista Espaço Acadêmico (Ano VIII, nº 90, novembro de 2008), com base nos trabalhos 1933 e 1876. Relação de Publicados n. 868. Academia.edu (https://www.academia.edu/attachments/32900201/download_file).


2929. “Dez grandes derrotados da nossa história (ou, como o Brasil poderia ter dado certo mas não deu)”, Brasília 7-9 fevereiro 2016, 14 p. Relatos breves sobre dez grandes derrotados na história do Brasil: 1) Hipólito José da Costa Pereira; 2) José Bonifácio; 3) Irineu Evangelista de Souza; 4) Joaquim Nabuco; 5) Rui Barbosa; 6) Monteiro Lobato; 7) Oswaldo Aranha; 8) Eugênio Gudin; 9) Roberto Campos; 10) Gustavo Franco. Para o site Spotniks, para atender pedido de Rodrigo da Silva (rodrigo@spotniks.com), que pretendia um trabalho sobre “O Brasil virou piada internacional. E essas são as x principais razões para isso”. Revisto em 9/02/2016, enviado com ilustrações dos “derrotados”. Publicado em Spotniks (14/02/2016; link: http://spotniks.com/dez-grandes-derrotados-da-nossa-historia-ou-como-o-brasil-poderia-ter-dado-certo-mas-nao-deu/); reproduzido no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/02/dez-grandes-derrotados-de-nossa.html) e disseminado no Facebook (link: https://www.facebook.com/paulobooks/posts/1087134464683336). Relação de Publicados n. 1211.


3317. “Hipólito da Costa: o primeiro estadista do Brasil”, Brasília, 8 agosto 2018, 25 p. Artigo sobre o primeiro jornalista independente do Brasil como homem de Estado, para a revista 200, do projeto Bicentenário, sob editoria do embaixador Carlos Henrique Cardim. Revisto em 27/08/2018. Divulgado no blog Diplomatizzando (3/010/2018; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2018/10/hipolito-jose-da-costa-o-primeiro.html), em Academia.edu (link: https://www.academia.edu/s/23837e7fa3/hipolito-da-costa-o-primeiro-estadista-do-brasil-2018). Revisto para redução do tamanho do texto, em 22/11/2018, 16 p.; enviado a Carlos H. Cardim e Erlon Moisa. Publicado em versão abreviada na revista 200 (Brasília: MRE, ano I, n. 1, outubro-dezembro de 2018, ISSN: 2596-2280; pp. 186-211). Revista completa divulgada na plataforma Academia.edu (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/08/revista-200-n-1-2018-unico-numero-gt-do.html). Relação de Publicados n. 1298. 


3493. “A revolução liberal de 1820 como precursora da independência do Brasil: o papel do Correio Braziliense de Hipólito da Costa”, Brasília, 20 julho 2019, 1 p. Proposta de paper a ser apresentado como colaboração ao Congresso Internacional sobre a Revolução de 1820 (mail: cbr1820@gmail.comhttps://cbr1820.com/call-for-papers/). Painel temático: As revoluções na América do Sul. Apresentação de texto, se aceito, devida para 31 de maio de 2020, com base no trabalho 3317: “Hipólito da Costa: o primeiro estadista do Brasil”.


sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Visitacoes do Santo Oficio no Brasil (acumulando milhagens?) - Aldair Carlos Rodrigues

Ações do Santo Ofício no Brasil

Igreja e Inquisição no Brasil | Aldair Carlos Rodrigues | Alameda, 406 páginas, R$ 60
BRUNO FEITLER | Pesquisa Fapesp, n. 234 | AGOSTO 2015
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© EDUARDO CESAR
EDU_0017
Há não muito tempo, a menção da Inquisição no título de um livro, mesmo acadêmico, remetia inapelavelmente às fogueiras ou em todo caso à perseguição de hereges e à repressão de minorias. A historiografia brasileira, a partir dos anos 1960, produziu então textos importantes para um melhor entendimento das mentalidades e dos matizes da religiosidade dos moradores da América portuguesa. Há cerca de duas décadas começaram a surgir estudos que, impulsionados por esses primeiros, se interessaram cada vez mais pela estrutura que permitiu com que essas perseguições ocorressem. De lá para cá, o conhecimento das estruturas e do funcionamento da Inquisição portuguesa aprofundou-se, graças à influência da produção italiana e portuguesa. Pelo que toca esta última, foram fundamentais os trabalhos de José Pedro Paiva e de Fernanda Olival sobre as lógicas institucionais e sociais do Antigo Regime português e sobre a influência do Santo Ofício sobre a sociedade. O presente livro de Aldair Carlos Rodrigues, Igreja e Inquisição no Brasil, origina-se dessas várias correntes historiográficas, mas oferece um conhecimento mais detalhado e profundo de algumas das questões tratadas pela produção anterior sobre a Inquisição (com a qual poderia sem dúvida ter dialogado um pouco mais do que fez). A obra é, assim, uma grande e durável contribuição para a área, além de explorar e esclarecer pontos importantes e inéditos da história das instituições religiosas do Brasil Colônia.
Quem eram os agentes da Inquisição no Brasil? Quais as ligações entre Inquisição e clero local? Qual o seu impacto social? Defendido como tese de doutorado na Universidade de São Paulo (USP) em 2012 e agraciado com o Prêmio Capes de História e com o Grande Prêmio Capes de Tese Darcy Ribeiro, ambos em 2013, o trabalho de Rodrigues busca entender a Inquisição a partir de uma ótica relacional. Ou seja, não se pode responder às questões acima sem inserir o Santo Ofício de modo pleno no contexto eclesiástico e social locais.
Partindo desse postulado metodológico, foi-lhe necessário conhecer em detalhe o sistema de provisões e as carreiras do clero secular da América portuguesa, usando como base principal de análise o centro-sul da colônia. A partir de um conhecimento profundo da documentação, Rodrigues mostra como esses cargos entravam claramente na economia da mercê (a retribuição por serviços por meio de honras e/ou ofícios), tanto régia quanto episcopal, e como eram essenciais para a reprodução das elites locais, que rapidamente os monopolizaram, servindo também às famílias em busca de ascensão social. Isso não impediu que a Coroa continuamente afirmasse, mais ainda no final do período estudado, que o duplo padroado sob o qual o clero do Brasil existia (o régio e o da Ordem de Cristo) dava-lhe primazia na escolha e nomeação dos benefícios locais, podendo assim passar por cima das escolhas dos bispos. Já as nomeações ao cargo de comissário inquisitorial eram um elemento a mais de distinção para essa elite, confirmando sua limpeza de sangue. Como afirma Rodrigues, tanto a Igreja quanto a Inquisição dispunham, desse modo, “de instrumentos eficazes de intervenção no campo social, gerindo recursos simbólicos que exerciam forte impacto na estruturação e reiteração das hierarquias sociais”. Apesar disso, a intervenção de Lisboa na escolha dos cônegos, dignidades e outros beneficiados foi pequena.
No que concerne ao funcionamento e aos meios de ação da Inquisição, uma das conclusões mais importantes do trabalho é de que a formação da rede de comissários não significou uma autonomia do Santo Ofício em relação às estruturas da Igreja. Muito pelo contrário, fica claro que os inquisidores se corresponderam preferencialmente com um pequeno grupo de comissários que não por acaso faziam parte da cúspide da hierarquia eclesiástica local. Não se tratava, como lembra Rodrigues, de uma exclusividade do caso brasileiro, mas, tendo em vista a falta de um tribunal local da Inquisição, essas conexões sem dúvida hipertrofiavam-se.
Fica ao leitor, com esse importante trabalho, a descoberta dos detalhes dessas carreiras epíscopo-inquisitoriais e dos meios de ação do tribunal do Santo Ofício no Brasil.

Bruno Feitler é professor de História Moderna na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

sábado, 5 de abril de 2014

Judeus na Inquisicao espanhola: uma historia de cinco seculos



In Spain, a Family Reunion, Centuries Later

At twilight, I roamed a honey-colored labyrinth of brick houses in Segovia’s medieval Jewish quarter, walking a cobblestone path in the footsteps of my distant ancestor from 16 generations ago.
In the shadows, I reminded myself that every element in his story is true: a Vatican power struggle; an Inquisition trial that confused our family’s religious identity for generations; and a neighborhood infested with spies, from the queen’s minions to the leather maker and butcher.
I was hunting for documents, landmarks and even medieval recipes that could bring to life the family history of Diego Arias Dávila, a wealthy 15th-century royal treasurer to King Enrique IV who was loved and loathed for the taxes he extracted. Call it ancestral tourism, a quest for roots, branches and a family reunion across centuries.
My quest was inspired, in part, by the ancient Spanish custom of Holy Week religious processions: brotherhoods of penitents in robes and peaked hoods that for centuries marched through the narrow lanes in different regions in cities like Seville, Málaga and Segovia. The first time I saw them was in the south of Spain, passing an old Jewish quarter of whitewashed houses where the images plunged me into a medieval era when inquisitors in anonymous hoods confronted suspected heretics, including my own ancestors.

During Easter week, the brotherhoods in Segovia, in central northern Spain, parade with lifelike wooden sculptures of Jesus and Mary past the Gothic cathedral in the center of town and the illuminated Alcázar, the towering castle of the kings of Castile and León.
I feel shivers of the past each time I walk the path along the limestone ramparts — facing the dusky blue Guadarrama mountain range. Perhaps in some ways I know the Arias Dávila family better than my own generation. When I learned their fate, I felt my own identity shatter and shift, changing who I am.
Their dramas are preserved in Inquisition folder 1,413, No. 7, in handwritten script and housed in the Madrid national archives. Almost 200 pages are devoted to their daily habits, gleaned from neighbors turned spies — wedding rituals, burial clothes, prayers and frequently the adafina lamb stew of chick peas and cinnamon they savored, slow cooked on hot embers overnight and served on the Sabbath.
For these rituals, Diego Arias Dávila — and other Jewish ancestors who were Christian converts — were investigated by the Spanish Inquisition in 1486 for heresy. Their religious crime: maintaining a double Jewish life in secret.

On this journey to Segovia, perhaps I could find their missing tomb — their remains whisked away to evade the reach of inquisitors looking for telltale signs of Jewish burial rituals. Or maybe I could reclaim the shards of the identity of my family who converted to Christianity centuries ago to survive but guarded a Jewish legacy in secret for generations from Spain to Costa Rica to California.
Not many people come to explore the roots of a family tree in this rocky crag of about 55,000 people, nestled between two river valleys 55 miles north of Madrid. But there are plenty of tourists who arrive in Segovia by bus and train, bound for the granite Roman aqueducts that loom over the entrance to the historic quarter and the taverns serving the Segovian specialty of baby suckling pig. Most vanish before sunset.
Then the rhythm of the city shifts to a meditative, unhurried one. For me, it’s a contemplative time to savor Segovia’s historical charm by its Gothic 16th-century cathedral and a leafy plaza of outdoor cafes where Queen Isabella was crowned — power used in 1492 to expel thousands of Jews who faced the choice of fleeing, converting to Christianity or preserving their religion in secret.
Ana Sundri Herrero, of the city’s tourism center, told me during one of my visits last spring and summer that there isn’t much demand for genealogy information although Spain has a vast diaspora of emigrants that dates back centuries.

Other countries with a more recent history of mass migration, such as Ireland and Scotland, are aggressively promoting genealogical records on government-sponsored websites to increase tourism. And Irish and Scottish businesses have seized it as an attraction. The Shelbourne Hotel in Dublin offers a special genealogy butler to guide guests. The Four Seasons hotel in Prague also offers a genealogy service to fashion tours to track the neighborhoods of grandparents.
For my own quest, I cobbled together a strategy with a right and left-brain approach that started with an emotional immersion in Andalusia and then a methodical genealogical search to track family lines that led north to Segovia.
For one summer, my husband, Omer, and daughter, Claire, and I moved to the south of Spain, to Arcos de la Frontera. We settled in one of the white houses, an ex-bordello clinging on the side of a limestone cliff and a short walk from the remains of a Jewish quarter and a synagogue transformed into an orphanage during the Inquisition.
I moved there to learn the history and geography of the country and to understand why ancestors left or stayed and submerged their identity. I traveled to Arcos frequently, fascinated that food, art, music and culture could help me travel back in time — especially the brotherhoods that in some cases played historic roles as enforcers during the Inquisition.


I felt chills at the sharp notes of saeta music — distinctive to the region and sung a cappella in the streets during Holy Week. The music echoes the rising and falling chant of the Jewish Kol Nidre, a Yom Kippur prayer. And some flamenco experts believe that converts sang the saetas to passing Holy Week images of Jesus and Mary to demonstrate loyalty, but with a double meaning for insiders.
For the left brain side of my hunt, I started researching all the family branches. My search dated back to 2001, after a move from New York to Europe, a moment in middle age that strikes most of us when we think about roots and what we can pass on to our children.
In my work as a journalist, people had long inquired about my byline, Carvajal, a Sephardic Jewish name that in some spelling variations means lost place, rejected. But I knew nothing about the past. My father, Arnoldo Carvajal, had grown up in Costa Rica and emigrated to San Francisco with his mother and sister while a teenager. He married, and with my mother raised six children. We were Catholic, attended weekly Sunday Mass, ate fish on Fridays and wore it all: Catholic school uniforms of green plaid skirts and medieval-style scapulars tucked around our necks.
After I started my search, I found many clues to our submerged Jewish identity from relatives, but I hit brick walls on the Carvajal line. A 19th-century Costa Rican ancestor had not registered a husband, giving her Carvajal name to a newborn, registered as a "natural son," the polite Spanish term for illegitimate.

I had made a critical error by not looking at other family lines, ignoring an ancestral habit of intermarriage among Costa Rican cousins. I realized later it was a sign that they were marrying one another to protect secrets and preserve rituals like the menorah that my cousin said he found in my great-aunt’s bedroom after she died in 1998.
My grandmother’s line on the Chacón side led to Spaniards who abandoned prosperous lives in Andalusia in the 16th century. One was a judge who died of a heart attack on the way to the Spanish colony of Costa Rica, and another, his young son, who drowned on the same journey in the Río Negro in Honduras. Each new generation fit together in a crossword puzzle of wives and husbands — a search for birth and death certificates that emerged in fits and starts, aided by sites likefamilysearch.org or ancestry.com.
Segovia startled me when it surfaced in my puzzle. I knew of no family tie to the city. But my grandmother’s line leapt a new generation in the 16th century, to Isabel Arias Dávila, the wife of the first governor of Costa Rica, who emigrated from Segovia during the Inquisition.
With that name, I rapidly learned about the Inquisition trial that tangled the family’s identity for generations and forced others to lead new lives as conquistadores in Spanish colonies. The patriarch was Diego Arias Dávila, whose family converted when he was a boy and whose son Juan was the bishop of Segovia for 30 years.


The bishop’s internal political struggle with the inquisitor Tomás de Torquemada turned into an epic legal clash that reached all the way to the Vatican. The Grand Inquisitor battled the bishop by probing his family for evidence of their double life. His parents and grandmother were investigated posthumously, among them Diego Arias Dávila.
I knew the contours of their story the first time I arrived last spring in Segovia’s Jewish quarter, which dates back to the 13th century. Today it still gives the eerie sense at some moments that little has changed among the three-story houses where inhabitants once worshiped at one of five synagogues, some still intact.
The mansion of Abraham Seneor — a contemporary of Diego Arias Dávila and a royal financial adviser who converted in 1492 — has been meticulously restored by the city and was transformed into a museum for the Jewish quarter in 2004. There conversos like the Arias Dávila family worshiped in secret in a private synagogue, according to accounts of the time.
Up until the early 1990s, Segovia did not promote this quarter, which is set off from the rest of the walled city by brick arches that were gated in the 15th century to separate Jews from Christians. But since then the local government and state invested heavily to restore the quarter. Now its streets have an air of calm: clean brick and stone facades, rhythmic detailing of balconies and hanging plants at the windows.
To restore my own family history, I knew I needed a very special kind of guide. On my own, I had failed to find the missing tomb of Diego Arias Dávila, though I had located the family coat of arms in the cathedral of Segovia.
Typically most cities in Spain have a cronista, a historian with a passion for the place and its quirks. I had found one earlier in Arcos de la Frontera, Manuel Pérez Regordán, a retired accountant who was so obsessive that he self-published four volumes of history told through each one of its little streets.
In Segovia, the tourist office led me to a high school teacher named María Eugenia Contreras, who is researching the Arias Dávila family for a doctorate.
It was María Eugenia who guided me through Segovia’s tranquil neighborhoods, passing a park with nesting storks where the Mercedes convent once stood. It was the site of the last official tomb of Diego Arias Dávila, and his wife, Elvira, also a Christian convert. But even Maria Eugenia did not know what happened to their remains. They had been moved too many times. She gave me a huge gift, though, when she told me about a Salamanca professor who had painstakingly transcribed the handwritten Inquisition testimonies of 200 witnesses against the family.
I found the title — in pristine condition — through an online used-book store in Spain. It was a window into their lives — the lettuce and unleavened bread they ate at Passover, their donations of oil to the local synagogues and the telling anecdote that as he lay on his deathbed at 86, Diego Arias Dávila thundered at the Franciscan friars who had come to administer last rites to go to the devil.
He lived in an enormous palace on the southern side of the city that is dominated by its fortress tower and plastered in Segovia’s unique limestone patterns. Today, a neighboring street is named for the family. A sign also marks the landmark tower, but with no reference to the Inquisition.
The first time I tried to enter the palace, I was turned away because it was closing time. The next morning, the first floor was bustling with people waiting to pay bills. Fittingly, the Arias Dávila palace has been transformed into government tax offices — a perfect legacy for a royal treasurer.
In theory, I should have felt something, but I didn’t. I studied the palace’s coffered ceilings and the stone carvings of the coat of arms of the Arias Dávila family, but the government office could be anywhere with its counters, red chairs and bureaucrats.
Instead I felt the pangs of yearning for home — añoranza in Spanish — when I sat in a windswept little plaza at sunset near the city’s stone walls. It was loud with birdsong. A few neighbors occupied plastic chairs, and tables were cluttered with iced tinto de verano wine cocktails.
The square lies near Calle Martínez Campos, where a vanished synagogue stood that was funded by Diego’s wife, Elvira, and her presence, after reading the Inquisition transcripts, was inescapable. I wondered, as I sat in the square, if Segovia had absorbed some of her burdens and if places, like people, can be scarred by history.
Elvira converted as a young girl with her family in the 15th century in the midst of spreading anti-Semitism.
Yet it was clear from the Inquisition testimony that she yearned to maintain family bonds: taking pleasure in Jewish weddings and holidays, leaving explicit instructions before her death about who should be at her bedside. Those family ties remained so strong that she managed to share something precious with us 16 generations later. Perhaps some things are meant to be.
I was startled when I discovered her real name was actually Clara, changed after her conversion. It means clear and bright. By coincidence — or maybe not — we named our daughter the French version, Claire.
As I sat in the little plaza in Segovia, watching the pale stone walls and the blue night deepen, I knew that I could not change what is past. But I can change the story we tell about ourselves, and by doing that I can change our future.
Doreen Carvajal is a correspondent at the International New York Times in Paris and author of a memoir, “The Forgetting River.”
Correction: April 4, 2014
An earlier version of a picture caption with this article misstated the location where the photo was taken. The photo, of the author’s grandmother, father and aunt, was taken in Costa Rica, not the Dominican Republic.

domingo, 19 de janeiro de 2014

A Inquisicao no Brasil - Aldair Carlos Rodrigues

Inquisição tropical: estudo derruba ideia de que perseguição foi pequena no Brasil
·       Tese de doutorado revela que Santo Ofício criou ‘elite’ de delatores
MARCELLE RIBEIRO 
O Estado de s.paulo,18.01.2014
Fotomontagem. Edital que ficava afixado nas igrejas para incitar denúncias contra os que eram considerados hereges se mistura às imagens do Brasil da época Editoria de arte
SÃO PAULO - Havia apenas dois anos que Antonio Gonçalves Pereira, mercador de secos e molhados de Minas Gerais, tinha começado a usar casaca, peruca e espadim, quando tentou fazer parte do quadro de “funcionários” da Inquisição no Brasil. Filho de lavradores do Norte de Portugal, ele conseguiu mudar de vida em terras brasileiras com o comércio em Minas e tinha, em 1755, “boas casas”. Mas faltava-lhe destaque na sociedade e prestígio. Em busca de status, candidatou-se a um cargo civil no Santo Ofício, conquistado depois de três anos de um processo de apuração sobre suas origens. Com o título de “Familiar do Santo Ofício”, estava apto a investigar o passado de quem queria um cargo na Inquisição e a prender os suspeitos de “heresia”, acusados de fazer pacto com o demônio e ter outra fé que não a cristã.
Pereira foi um dos 1.907 civis - não clérigos - que foram empossados no cargo de “familiar” da Inquisição entre 1713 e 1785 no Brasil, atraídos principalmente pelo status que a função proporcionava, segundo o pós-doutorando em História da Universidade de Campinas (Unicamp) Aldair Carlos Rodrigues.
Em sua premiada tese de doutorado na Universidade de São Paulo (USP), intitulada “Poder eclesiástico e Inquisição no século XVIII luso-brasileiro: agentes, carreiras e mecanismos de promoção social”, Rodrigues revela um lado menos conhecido da Inquisição: o dos brasileiros que queriam trabalhar para o Santo Ofício. E mostra que, diferentemente do que muitos livros didáticos ensinam, a Inquisição esteve, sim, muito presente no Brasil.
- A Inquisição foi muito importante para a formação da elite colonial no Brasil. Os novos ricos pressionavam para entrar na Inquisição, pois era uma forma de ascender socialmente - diz Rodrigues, cuja tese recebeu os prêmios Capes 2013 e Grande Prêmio Capes Tese Darcy Ribeiro, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), do Ministério da Educação.
Atestado de “sangue puro"
Ter um cargo na Inquisição significava ter um dos atributos mais desejados na época: um atestado de que seu sangue era “puro”, ou seja, que a pessoa não pertencia a raças consideradas “infectas” pelo Santo Ofício, como judeus (inclusive os recém-convertidos), muçulmanos, negros e indígenas.
A perseguição da Inquisição na Península Ibérica a pessoas de outras religiões tem relação com a ocupação histórica da região. Em Portugal, a Inquisição foi estabelecida em 1536 e na Espanha no final do século XV, num contexto em que a Península Ibérica, durante boa parte da Idade Média, foi ocupada pela população islâmica, oriunda do Norte da África e do Oriente Médio. Também havia no local muitos judeus, devido à diáspora judaica.
No final da Idade Média, os Estados foram criados profundamente identificados com a fé cristã, expulsando a população islâmica. O judaísmo também passou a ser considerado um grande “problema” na Península Ibérica. Muitos judeus foram expulsos da Espanha e de Portugal. Outros foram convertidos à força ao catolicismo: eram os chamados “cristãos-novos”. Mas mesmo quem se convertia era considerado suspeito de praticar o judaísmo em segredo.
- A “limpeza de sangue” começa a ser uma questão de honra nessa sociedade, num contexto de ortodoxia (da fé católica) e da eliminação do islamismo e do judaísmo. Os Estatutos de Limpeza de Sangue, em todas as instituições, principalmente as que tinham maior prestígio, impediam a entrada de descendentes de judeus, muçulmanos e mulatos - conta Rodrigues.
Antes de permitir que civis integrassem seus quadros, o Santo Ofício fazia uma grande investigação sobre o passado do candidato ao cargo de “familiar”, que durava entre um e seis anos em sua maioria. Eram ouvidas testemunhas e analisados documentos até de gerações anteriores dos candidatos. Tanto rigor na apuração fazia com que a sociedade não ousasse questionar a “limpeza de sangue” dos quadros da Inquisição. Os próprios civis pagavam os processos, que eram caros.
- Através dos “familiares” é que a Inquisição se enraizou no Brasil. A sociedade da época aderiu à Inquisição - afirma Rodrigues.
Segundo o pesquisador, uma vez empossados no cargo de familiar, os “familiares” recebiam uma medalha para provar sua função, que eles usavam todos os dias (apesar de isso não ser o recomendado).
- Havia vários “familiares” corruptos. Alguns prendiam pessoas sem que a Inquisição tivesse ordenado ou usavam seus cargos para perseguir inimigos e suas famílias - revela
Rodrigues conta ainda que os “familiares” recebiam um pequeno salário por dia de trabalho, de valor inexpressivo, mas além do status, tinham vários outros benefícios: ganhavam direito a foro privilegiado para crimes como agressões físicas e não pagamento de dívidas, podiam usar armas de defesa e de ataque e roupas especiais e eram isentos de alguns impostos.
Os “familiares” ajudavam os funcionários eclesiásticos do Santo Ofício - os chamados comissários, que chegavam a 198 no século XVIII no Brasil. Além de prenderem acusados de delitos pela Inquisição, eram os “familiares” que, quando algum civil se candidatava a um cargo no Santo Ofício, ouviam testemunhas e os próprios candidatos no processo.
Ação sob o controle de Portugal
A pesquisa de Rodrigues, que será publicada em forma de livro em fevereiro, mostra que, de Portugal, a Inquisição tinha total controle sobre os suspeitos de delitos e o trabalho de seus funcionários no Brasil: a troca de correspondência era intensa. Da Europa, o Santo Ofício sabia até sobre os comunicados que eram pendurados nas portas das igrejas brasileiras.
Segundo a professora Anita Waingort Novinsky, do Departamento de História da USP, nos 300 anos de atuação da Inquisição no Brasil a instituição prendeu mais de mil pessoas. Como não havia tribunal do Santo Ofício no país, elas eram levadas para serem julgadas em Portugal.
- A Inquisição matou e queimou 21 brasileiros. Alguns eram estrangulados e depois queimados. Nos casos mais severos, eles eram queimados vivos. De oito pessoas que foram condenadas mas não foram encontradas, o Santo Ofício fez bonecos de pano, que foram queimados - lembra Anita.
A professora conta que os condenados que não eram mortos perdiam os seus bens (tomados pela Inquisição e muitas vezes pelos próprios “familiares”) e tinham a família amaldiçoada.
- Homens com dinheiro eram reduzidos à miséria e acabavam mendigando. Miguel Teles da Costa, que era capitão-mor de Paraty, Itanhaém e Ilha Grande, ou seja, era dono dessas terras, acabou mendigando - relata a historiadora.
Na opinião de Anita e Rodrigues, os livros didáticos brasileiros deveriam ser alterados, para eliminar a falsa ideia de que a Inquisição praticamente não esteve presente no Brasil.
- Como é que pode estar correta uma História do Brasil que omite um dos fenômenos mais fortes que existiu na vida econômica, politica e cultural do pais? - questiona Anita.


quarta-feira, 3 de outubro de 2012

A nova Inquisicao do seculo 21: ainda religiosa...

Parece que querem me impedir de ser blasfemo, de ser iconoclasta, de xingar deus e todos os seus profetas. Eu normalmente não faço isso, mas não gostaria de ser impedido de fazer, se por acaso me desse vontade.
Paulo Roberto de Almeida 


Censura em nome de Deus

Por Rui Martins, de Genebra
Correio do Brasil, 2/10/2012 

O Egito, aproveitando a onda criada pelo filme anti-Islã, tentou mas não conseguiu criar o delito de difamação de religião, na movimentada reunião do Conselho de Direitos Humanos, no Palácio das Nações, em Genebra.
Deus tem de ser respeitado, nisso todas as religiões, circuncisas ou não, estão de acordo.
E, por tabela, têm de ser respeitados aqueles que representam Deus na Terra – podem ser Jesus, Maomé, Buda, o Papa – ou os livros nos quais se acredita estar a Revelação divina, no caso a Bíblia, o Corão, o Talmud.
A questão de se instituir a censura em nome de Deus e das religiões foi o tema mais debatido nos últimos dias, na Comissão de Direitos Humanos, tanto em Genebra como em Nova Iorque, transformada ao que parecia na comissão de defesa dos direitos divinos.
A questão, que divide principalmente os países ocidentais e os países árabes, surge sempre, nestes últimos doze anos, durante os trabalhos da Comissão de Direitos Humanos. E este ano, o filme islamófobo e as caricaturas de Maomé na revista Charlie Hebdo, foram o pretexto para a delegação do Egito levantar a necessidade de se criar, ao nível internacional da ONU, a proibição de se criticar ou difamar as crenças religiosas.
Para facilitar a digestão do reconhecimento de uma censura mundial, os egípcios, apoiados por países árabes, tentaram assimilar a difamação das religiões com racismo. Aproveitaram para isso um projeto contra o racismo proposto pela África do Sul, no qual tentaram incluir um parágrafo dedicado à « discriminação de toda religião, bem como os atos visando os símbolos religiosos e pessoas veneradas ».
A jogada foi inteligente e, deixando-se de lado denúncias relacionadas com torturas de pessoas e violações reais de direitos humanos em muitos países, os debates sobre religião prolongaram-se por três dias.
O Egito, desta vez, perdeu a parada, mas conseguiu deixar marcada a exigência dos muçulmanos. Do texto inicial do parágrafo foi retirada a parte relacionada com a difamação de religiões e de pessoas veneradas. E, sem dúvida, os egípcios voltarão à carga no próximo ano. É de se prever que, se o Ocidente não mantiver uma oposição cerrada, em nome da liberdade da expressão, a ONU acabará por aceitar a criação da censura religiosa.
Para as delegações dos países ocidentais, o que se defende na Comissão de Direitos Humanos é o direito individual de se praticar ou não uma religião. A questão dos insultos ou difamação de religiões já existe na legislação nacional de alguns países, e isso se considera como suficiente.
Por exemplo, no caso das caricaturas de Maomé publicadas na revista Charlie Hebdo, algumas associações muçulmanas na França entraram com um processo contra a revista. Uma iniciativa legal que caberá a um juiz ou tribunal decidir.
Entretanto, antepor as religiões ao direito individual poderá se transformar num perigoso precedente, pois justificará os excessos já cometidos em muitos países teocráticos e impedirá aos não religiosos qualquer menção contra credos religiosos. E, em pouco tempo, todas as religiões acabarão aproveitando a brecha aberta pelos muçulmanos para sacralizar uma censura religiosa, fatal à liberdade de expressão.
Rui Martins, correspondente em Genebra