Ações do Santo Ofício no Brasil
Quem eram os agentes da Inquisição no Brasil? Quais as ligações entre Inquisição e clero local? Qual o seu impacto social? Defendido como tese de doutorado na Universidade de São Paulo (USP) em 2012 e agraciado com o Prêmio Capes de História e com o Grande Prêmio Capes de Tese Darcy Ribeiro, ambos em 2013, o trabalho de Rodrigues busca entender a Inquisição a partir de uma ótica relacional. Ou seja, não se pode responder às questões acima sem inserir o Santo Ofício de modo pleno no contexto eclesiástico e social locais.
Partindo desse postulado metodológico, foi-lhe necessário conhecer em detalhe o sistema de provisões e as carreiras do clero secular da América portuguesa, usando como base principal de análise o centro-sul da colônia. A partir de um conhecimento profundo da documentação, Rodrigues mostra como esses cargos entravam claramente na economia da mercê (a retribuição por serviços por meio de honras e/ou ofícios), tanto régia quanto episcopal, e como eram essenciais para a reprodução das elites locais, que rapidamente os monopolizaram, servindo também às famílias em busca de ascensão social. Isso não impediu que a Coroa continuamente afirmasse, mais ainda no final do período estudado, que o duplo padroado sob o qual o clero do Brasil existia (o régio e o da Ordem de Cristo) dava-lhe primazia na escolha e nomeação dos benefícios locais, podendo assim passar por cima das escolhas dos bispos. Já as nomeações ao cargo de comissário inquisitorial eram um elemento a mais de distinção para essa elite, confirmando sua limpeza de sangue. Como afirma Rodrigues, tanto a Igreja quanto a Inquisição dispunham, desse modo, “de instrumentos eficazes de intervenção no campo social, gerindo recursos simbólicos que exerciam forte impacto na estruturação e reiteração das hierarquias sociais”. Apesar disso, a intervenção de Lisboa na escolha dos cônegos, dignidades e outros beneficiados foi pequena.
No que concerne ao funcionamento e aos meios de ação da Inquisição, uma das conclusões mais importantes do trabalho é de que a formação da rede de comissários não significou uma autonomia do Santo Ofício em relação às estruturas da Igreja. Muito pelo contrário, fica claro que os inquisidores se corresponderam preferencialmente com um pequeno grupo de comissários que não por acaso faziam parte da cúspide da hierarquia eclesiástica local. Não se tratava, como lembra Rodrigues, de uma exclusividade do caso brasileiro, mas, tendo em vista a falta de um tribunal local da Inquisição, essas conexões sem dúvida hipertrofiavam-se.
Fica ao leitor, com esse importante trabalho, a descoberta dos detalhes dessas carreiras epíscopo-inquisitoriais e dos meios de ação do tribunal do Santo Ofício no Brasil.
Bruno Feitler é professor de História Moderna na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).