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terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Uma nota pessoal sobre mais uma postura vergonhosa de nossa diplomacia - Paulo Roberto de Almeida

 Uma nota pessoal sobre mais uma postura vergonhosa de nossa diplomacia 

Paulo Roberto de Almeida


O governo é grotescamente bolsonarista, e o Itamaraty precisa dar tratos à bola para se equilibrar numa patética isenção em face do conflito na Ucrânia, selvagemente atacada pelo autocrata Putin, que desrespeitou várias vezes os espírito e a letra da Carta das Nações Unidas.

Tanto a nota do Itamaraty quanto a declaração do representante junto às Nações Unidas, feita em sessão do CS, são também grotescas, ao deixar de registrar FATOS e ao deixar de condenar AÇÕES CONTRÁRIAS ao Direito Internacional.

O chefe de Estado de um país membro permanente do CSNU declara que resolveu reconhecer a “independência” de duas províncias que ele mesmo armou e sustentou e que na sequência envia tropas numa suposta “missão de paz” está cometendo violações ao Direito Internacional, como já tinha sido o caso da invasão da Crimeia, em 2014, sobre a qual o governo Dilma, em nome do Brasil, silenciou. 

O mesmo ocorre atualmente: a nota e a declaração são vergonhosas pelo que silenciam e escondem: a mentira, a agressão, o caráter inaceitável dos FATOS perpetrados contra um PRINCÍPIO fundamental da política externa e da diplomacia brasileiras, e que já tinha sido proclamado em 1907, por Rui Barbosa, na segunda conferência internacional da paz da Haia: a IGUALDADE SOBERANA DOS ESTADOS. 

A Rússia viola seguidamente esse princípio, mas o governo bolsonarista e o Itamaraty também o violam, ao não reconhecer a sua VIOLAÇÃO neste caso, por quem é o agressor. O contorcionismo verbal dessas peças vergonhosas é grotesco, como sempre foi grotesco o desgoverno atual, ao renegar nossas mais caras tradições diplomáticas e os valores e princípios de nossa anterior política externa, assim como da própria Constituição. 

Para que não se diga que não existem precedentes a essa ruptura inaceitável do Direito Internacional, vou citar apenas um, entre vários outros, por parte de um governo que também quebrou nossas mais sólidas tradições diplomáticas: em 2006, quando a Bolívia de Morales rasgou um tratado bilateral solenemente firmado entre o Brasil e a Bolívia e um acordo legal entre aquele governo e a Petrobras, e mandou TROPAS para ocupar instalações legitimas da empresa naquele país, o governo Lula — não o Itamaraty — emitiu uma nota vergonhosa respaldando aquelas ações ilegais do governo boliviano e se colocando numa posição de subserviência em face da ilegalidade (da qual ele já tinha conhecimento prévio, ou seja, tratou-se de um “traição à pátria”, como poderiam dizer os militares). 

Sinto vergonha, como diplomata brasileiro, por essas rupturas inaceitáveis por parte de dois governos do Brasil, em 2006 e em 2022, de nossas mais caras tradições diplomáticas, a do respeito ao Direito Internacional e ao princípio Pacta sunt servanda, a inviolabilidade dos tratados entre Estados soberanos, o que a Bolívia perpetrou lá atrás contra o Brasil e o que a Rússia de Putin perpetra agora contra a Ucrânia, contra a Carta da ONU e contra toda a comunidade internacional. 

Esse não é o Itamaraty ao qual servi durante toda a minha carreira. À época da primeira violação aqui mencionada, em 2006, eu também denunciei a atitude pusilânime (na verdade traidora) do governo Lula, e enfrentei um longo ostracismo na carreira por parte de todos os governos do PT, mas nunca me intimidei. Da mesma forma denuncio hoje a postura vergonhosa do desgoverno atual e, infelizmente, a da diplomacia brasileira.

Certos princípios e valores não são indiferentes à minha consciência de cidadão e diplomata, como sua violação não pode passar impunemente pela minha avaliação desses episódios.

Deixo registrada minha inconformidade com tal situação, assim como já o fiz no passado, aqui relembrado.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 22/02/2022


“NOTA À IMPRENSA [MRE] Nº 28

Situação na Ucrânia

Publicado em 22/02/2022 10h31

Diante da situação criada em torno do status das autoproclamadas entidades estatais do Donetsk e do Luhansk, o Brasil reafirma a necessidade de buscar uma solução negociada, com base nos Acordos de Minsk, e que leve em consideração os legítimos interesses de segurança da Rússia e da Ucrânia e a necessidade de respeitar os princípios da Carta das Nações Unidas. Apela a todas as partes envolvidas para que evitem uma escalada de violência e que estabeleçam, no mais breve prazo, canais de diálogo capazes de encaminhar de forma pacífica a situação no terreno.

Declaração do Representante Permanente Embaixador Ronaldo Costa Filho no Debate do Conselho de Segurança da Nações Unidas sobre a Questão da Ucrânia- 21 de fevereiro de 2022:

“Senhor Presidente,

Quando esta Organização foi criada, em 1945, confiou ao Conselho de Segurança a responsabilidade primária pela manutenção da paz e segurança internacionais. A tensão dentro e ao redor da Ucrânia está-se agravando diariamente – na verdade, a cada hora –, tornando esta citação habitual da Carta de extraordinária importância e relevância.

Todos sabemos como a situação tornou-se crítica. O Brasil vem acompanhando os últimos acontecimentos com extrema preocupação. Nas atuais circunstâncias, nós, neste Conselho, em representação da comunidade internacional, devemos reiterar os apelos à imediata desescalada e nosso firme compromisso de apoiar os esforços políticos e diplomáticos para criar as condições para uma solução pacífica para esta crise.

O sistema de segurança coletiva das Nações Unidas baseia-se, em última análise, no pilar do direito internacional. Este, por sua vez, está assentado em princípios fundamentais consagrados na Carta: a igualdade soberana e a integridade territorial dos Estados-Membros; a restrição no uso ou na ameaça de uso da força; e a solução pacífica de controvérsias. No entanto, nosso pilar e nossos princípios não produzirão resultados a menos que as preocupações legítimas de todas as partes sejam levadas em consideração, e a menos que haja pleno respeito pela Carta e pelos compromissos existentes, como os Acordos de Minsk.

Nesse sentido, renovamos nosso apelo a todas as partes interessadas para que mantenham o diálogo com espírito de abertura, compreensão, flexibilidade e senso de urgência para encontrar caminhos para uma paz duradoura na Ucrânia e em toda a região. Um primeiro objetivo inescapável é obter um cessar-fogo imediato, com a retirada abrangente de tropas e equipamentos militares no terreno. Tal desengajamento militar será um passo importante para construir confiança entre as partes, fortalecer a diplomacia e buscar uma solução sustentável para a crise. Acreditamos firmemente que este Conselho deve cumprir sua responsabilidade central de ajudar as partes a se engajarem em um diálogo significativo e eficaz para alcançar uma solução que aborde efetivamente as preocupações de segurança na região. Não nos enganemos: no final das contas, estamos falando sobre a vida de homens, mulheres e crianças inocentes no terreno.

Muito obrigado.”


sexta-feira, 24 de abril de 2020

Profunda vergonha de nossa atual diplomacia - Paulo Roberto de Almeida

Como diplomata, ou melhor, como simples cidadão brasileiro, estudioso de nossa história diplomática, lamento profundamente que a atual diplomacia bolsonarista tenha descido tão baixo na escala dos princípios e valores que sempre foram os nossos no trabalho normal da política externa, de um país outrora integrado e ativo nas frentes abertas à nossa inserção internacional pela via da cooperação em prol da humanidade.

O Brasil hoje virou um pária no cenário mundial, desprezado pelas mais vibrantes democracias, ignorado pelos chefes de Estado que possuem visão de ação conjunta em prol da Humanidade.

Como cidadão, mas também como servidor do Estado, declaro-me em total oposição a tudo o que o presente (des)governo representa supostamente em nome do povo brasileiro.

 Solitariamente, apenas em função de minha própria consciência, mas também confiante numa função voluntariamente assumida de representação da quase totalidade do corpo diplomático do Brasil, declaro que essa diplomacia e esse governo não representam o povo brasileiro e, ao contrário, envergonham profundamente a nação.

PS.: Minha nota foi formulada nas primeiras horas da manhã desta sexta-feira, 24 de abril, sem qualquer conexão com a demissão do ministro da Justiça Sergio Moro, e se referia exclusivamente ao ambiente diplomático e à política externa governamental.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 24 de abril de 2020