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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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domingo, 6 de agosto de 2023

O Brasil possui elites, ou pelo menos uma elite? - Paulo Roberto de Almeida

O Brasil possui elites, ou pelo menos uma elite?

 

 

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Uma reflexão histórico-sociológica sob a forma de uma dúvida existencial.

 

 

Dificilmente se pode dizer que temos, que tivemos, ou que possamos ter, uma elite, na acepção estrita do termo. 

Na verdade, o que temos, o que tivemos, de mais frequente, são ou foram oligarquias diversas, que se sucedem, se alternaram no poder, com outras oligarquias que apareceram, ou algumas que voltam, sob outras formas. 

 

Por exemplo: a oligarquia escravocrata no Império, a do café com leite no começo da República, a urbano-industrial com os militares modernizadores dos anos 1930 aos 80, novamente a do agronegócio desde então, junto com o próprio mandarinato estatal e o estamento político, e assim vai. 

Elites mesmo, ou uma elite, são, e foram, entidades ou categorias inexistentes na história do Brasil.

Oligarquias, apenas oligarquias setoriais, são o que sempre tivemos, na mais pura acepção do conceito!

 

Isso é ruim?

Pode ser, e é, ao não se ter uma visão abrangente e unificada dos interesses nacionais, mas apenas interesses parciais, setorizados, de interesses grupais, tribais, corporativos, que, cada uma dessas oligarquias temporariamente dominantes, puxam a brasa para a sua sardinha, ou seja, fazem planos e desviam recursos para si próprias, em lugar de pensar no que falta para ultrapassarmos certas barreiras ao desenvolvimento econômico e social inclusivo e abrangente da nação (outra coisa que não tenho certeza que somos).

 

Por exemplo: nunca tivemos uma oligarquia que favorecesse a educação de massa de qualidade, apenas projetos setoriais para a qualificação educativa dos setores temporariamente dominantes em cada uma das fases acima mencionadas.

Em consequência, nossa produtividade do capital humano sempre foi medíocre, dada a ignorância que sempre grassou entre as massas. O Brasil, por exemplo, só atingiu o nível de escolarização (taxa de matrícula no primário, para a faixa etária dos 7 aos 11 anos) que os paises mais avançados — Estados Unidos ou Alemanha, entre outros — já exibiam no INÍCIO do século XIX quase ao final do século XX, ou seja, 150 anos depois (e isso unicamente do ponto de vista quantitativo, isto é ,o enrollment rate, a taxa de matrícula, sem mencionar a gigantesca defasagem do ponto de vista qualitativo.

 

Como é que se pode desenvolver um país— e retirá-lo das garras do populismo demagógico e excludente — sem educação de massa de qualidade? 

Impossível!

Aliás, até hoje, 200 anos depois da independência, não conseguimos, as oligarquias não conseguiram, criar um sistema de educação de massa de qualidade: as “elites” temporariamente dominantes trataram apenas da qualificação educacional dos seus setores, das suas próprias famílias; o povão inculto continuou inculto.

 

Existe alguma chance de termos uma “oligarquia educacional” no Brasil?

Dificilmente. A oligarquia mais funcional que tivemos, a dos militares modernizadores dos anos 1930 aos 80, criou uma escola pública razoavelmente funcional, mas apenas para a classe média urbana, deixando a maior parte dos pobres urbanos e a imensa maioria das populações rurais de fora de qualquer sistema educacional decente. Quando esse restrito arquipélago de escolas republicanas começou a ruir, sob o peso da urbanização e da massificação democrática de meados dos anos 1960, a classe média emigrou para o sistema escolar privado, e deixou a massa dos pobres urbanos e rurais ao relento, senão no completo abandono. Os militares investiram mundos e fundos na educação dd terceiro grau e na pós-graduação, que era o que faltava para os filhos das oligarquias dominantes no último grande impulso modernizador, que tivemos dos anos 1950 aos 80.

 

Foi só: depois dos anos 1980 fomos dominados por oligarquias atrasadas, e cada vez mais tacanhas, o que deixou o Brasil entregue a um estamento político fragmentado em interesses setoriais exclusivis e excludentes. Os pobres continuaram ao relento, servindo apenas de massa de manobra eleitoral. 

A classe média não teve força, capacidade ou tirocínio para formular um projeto de desenvolvimento abrangente que favorecesse sobretudo os mais pobres, inclusive porque estava principalmente ocupada em defender das ondas de hiperinflação criadas e exacerbadas pelo desenvolvimentismo nacionalista e protecionista favorecido pelas oligarquias militares, industriais e depois corporativas-sindicalistas ou do agronegócio, que assumiram o poder a partir dos anos 1960 e que se perpetuaram desde então.

 

Ainda estamos nisso, com oligarquias e corporações dominantes que se digladiam na luta pelos recursos públicos sempre exíguos, despojos do Estado cobiçados pelos diversos setores e categorias do estamento político, representantes atrasados, intelectualmente medíocres, que se apropriaram do Estado, junto com os próprios mandarins estatais nas últimas décadas. Dentre estes últimos ressalte-se a aristocracia do Judiciário, a mais voraz na captura de recursos públicos derivados do orçamento da República.

 

Vamos conseguir ter uma elite nacional modernizadora, progressista, esclarecida, nos próximos anos? Desculpem, mas sou cético, moderadamente cético, ao contemplar o que temos no país e à nossa volta. Não por deformação étnica ou cultural, mas pelo peso das instituições que nós mesmos criamos, desde a independência, mecanismos de controle social e político tipicamente oligárquicos, não elitistas (no bom sentido do conceito).

A América Latina melhorou muito nos últimos 200 anos? Certamente, no plano absoluto das conquistas materiais de cunho quantitativo. No plano relativo das conquistas qualitativas avançamos muito pouco, e com isso fomos superados ou distanciados no confronto com outras sociedades ou nações.

Trata-se de uma maldição? Certamente que não! Apenas a falta de elites, ou de uma elite!

Vamos conseguir nos próximos anos?

Provavelmente não, apenas em mais algumas décadas.

É o tempo que levará para termos uma educação de massas de qualidade, pois é delas que poderá sair uma elite consciente das necessidades do país.

Estamos a caminho?

Ainda não. Mas chegará, um dia.

Pelo menos espero.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 451, 6 agosto 2023, 3 p.

 

 

domingo, 21 de maio de 2023

Timothy Snyder: Oligarchies in Russia and Ukraine post 1991

 Oligarchies in Ukraine and Russia

Ukraine lectures 19

May 21, 2023


https://substack.com/app-link/post?publication_id=310897&post_id=122067026&utm_source=post-email-title&isFreemail=true&token=eyJ1c2VyX2lkIjoxNDQ3NjY0NiwicG9zdF9pZCI6MTIyMDY3MDI2LCJpYXQiOjE2ODQ1ODY2OTIsImV4cCI6MTY4NzE3ODY5MiwiaXNzIjoicHViLTMxMDg5NyIsInN1YiI6InBvc3QtcmVhY3Rpb24ifQ.ykXFkUePRdX9_o3dZHhTH5G323azXQguDjwfYg2QrkQ


Apologies: I took a weekend off from posting my Making of Modern Ukraine lectures because I had a couple of other important pieces published: the one on “War and Politics” here as well as the one on nuclear propaganda in the New York Times.

The purpose of this lecture is to evaluate the Ukrainian and Russian states as they emerged after the end of the Soviet Union in 1991. I begin though with an excursus into postwar Polish history. It is very important to establish how the Polish factor changed, such that Russia became the most important “other” in Ukrainian history. The efforts of Polish thinkers and then Polish diplomats to create a new paradigm in Polish-Ukrainian relations bore fruit in the 1990s; this success was one reason why Poland was able to join NATO and the EU. Ironically, the very absence of of Polish-Ukrainian conflict made it difficult to remember just how important the Polish factor had always been. 

Russia and Ukraine both emerge from the Soviet Union, but diverge in their domestic politics. Both suffered from the problem of oligarchy: concentration of wealth and associated political power. In Ukraine this led to a certain pluralism; in Russia, one person eventually became the boss of bosses. By the 2010s, the state and societies were more different than (I think) the people in question sometimes realized; this became apparent during Ukrainian protests for democracy and for European integration, which are subjects of lectures to come.

The video is here and the podcast version is hereor here. Sorry I forgot to post the links last time! They are always the same, so if you are following these lectures, you could just bookmark them. 

man holding a book statue
Lviv, Market Square. These statues are currently stored to preserve them from Russian bomb and missile attacks, and the square is full of sandbags.

Readings:

Plokhy, Gates of Europe, chapter 26.

Serhy Yekelchyk, The Conflict in Ukraine, Oxford: Oxford University Press, 2015, chapter 4.

Peter Pomerantsev, Nothing is True and Everything is Possible, New York: Public Affairs, 2014, Act 1: Reality Show Russia, 1-77.


sábado, 13 de novembro de 2021

Mini-reflexão sobre os desafios de uma nova conjuntura histórica de transformação - Paulo Roberto de Almeida

Mini-reflexão sobre os desafios de uma nova conjuntura histórica de transformação

  

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

  

A decisão de unir os democratas contra o fascismo, as oligarquias e os privilégios chega muito tarde: deveria ter sido feita desde a redemocratização, mas o sectarismo de certas forças o impediu. Esperamos que seja sincera desta vez, e não apenas uma manobra política oportunista.

O personalismo e o salvacionismo ainda estão muito presentes na vida política e no mores social do Brasil. Esperamos que a próxima etapa seja a da construção de consensos programáticos em torno de projetos de reconstrução democrática do Brasil e de um vasto empreendimento de crescimento sustentado, com mudanças estruturais e distribuição social dos benefícios desse crescimento. 

Com isso, virá o desenvolvimento social inclusivo, focando exclusivamente nos mais pobres. Sem isso, teremos a continuidade da dominação oligárquica que sempre caracterizou o Brasil, inclusive quando as esquerdas estiveram no poder, com a divisão dos democratas racionais e a intrusão das forças do atraso a pretexto de “governabilidade”. 

A união dos democratas tem de ser feita em torno de propostas e projetos, não em torno de pessoas, e com base na sociedade civil, não no estamento político, sob o risco de mais uma vez nos desviarmos da rota da mudança transformadora, se os líderes desse processo insistirem na união pelo topo, onde estão os oportunistas que querem mudar só um pouco para que nada mude de fato, nas esquerdas e na direita.

O Brasil já perdeu tempo demais, com seus empreendimentos oligárquicos, aliás desde 1822, em 1889, 1930, 1964 e depois (não vou me estender, pois os sectarismos afloram). 

Se falharmos novamente, serão mais uma ou duas gerações perdidas, na opção pelo atraso e pelo declínio: basta olharmos o mundo para constatar que a involução política e cultural é sim possível, como ocorre há muito tempo com certos vizinhos, como já ocorreu com uma grande civilização do passado, e como está justamente ocorrendo com a maior potência planetária. 

A seleção darwiniana nunca significou um itinerário retilíneo em direção ao progresso, mas pode conduzir a impasses e acidentes históricos. Também tem aqueles que sequer aceitam a perspectiva darwiniana e acabam se unindo às forças do atraso, que sempre são as velhas oligarquias. 

O Brasil terá estadistas capazes de conduzi-lo pela via do progresso social, com coragem e tirocínio suficientes para empreender reformas estruturais em favor dos mais pobres? Não tenho muita certeza disso, mas é preciso mais uma vez renovar nossas apostas na racionalidade das pessoas de bom-senso e naquelas dotadas de responsabilidade social. 

As eleições são uma boa oportunidade de fazê-lo. Vamos engajar um debate aberto, desprovido de a-prioris e de exclusivismos.

É a minha aposta e esperança.

 

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4015: 13 novembro 2021, 2 p.