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domingo, 4 de agosto de 2019

Diplomata critica Itamaraty por veto a prefácio de Ricupero: ‘stalinismo diplomático’

Diplomata critica Itamaraty por veto a prefácio de Ricupero: ‘stalinismo diplomático’

O movimento suprapartidário Livres também se manifestou contra a atitude, defendendo o ex-ministro dos governos de Itamar Franco e FHC
Rubens Ricupero (Foto: Reprodução / El País)
O movimento suprapartidário Livres e o diplomata Paulo Roberto de Almeida se manifestaram em suas redes sociais nesta quinta-feira (1) contra o veto do Itamaraty à publicação de um livro que contém prefácio de Rubens Ricupero. Ricupero, célebre diplomata que ocupou ministérios nos governos de Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, é membro do Conselho Acadêmico do Livres. [1]
As manifestações aconteceram porque o embaixador Synesio Sampaio Goes Filho submeteu uma biografia de Alexandre de Gusmão, diplomata do século XVII, à apreciação do Itamaraty, mas o órgão só aceitou fazer a publicação se o prefácio assinado por Ricupero, desafeto do ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, fosse retirado. Ricupero tem feito críticas à conduta do ministério.

O Livres considerou que a atitude foi “uma postura de aparelhamento e confusão entre público e privado, além de um grande desrespeito ao embaixador”. Enfatizou ainda que Ricupero é “um grande brasileiro, com imensos serviços prestados ao Brasil”. Já Paulo Roberto de Almeida, que também é desafeto de Ernesto Araújo e crítico contundente do governo Bolsonaro, comparou o gesto às etapas da prática de censura sob o regime stalinista.
Para o diplomata, o Itamaraty está adotando um “stalinismo diplomático”: “se o prefácio fosse escrito por um bolsonarista, mas que defendesse posturas divergentes da atual diplomacia, seria provavelmente publicado junto com a biografia”, avaliou Paulo Roberto.

Política externa na era bolsonarista: video de palestra na UERJ (3/4/2019)

Recebi hoje, de meu amigo Hugo Rogelio Suppo, coordenado do NEIBA, Núcleo de Estudos Internacionais Brasil-Argentina da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, o jornal relativo ao primeiro semestre, contendo o link do vídeo gravado em Facebook de minha palestra feita no começo de abril último.
Eu havia preparado algumas notas, que transcrevo novamente abaixo, mas estou agora vendo pela primeira vez minha sofrível apresentação nesta gravação de qualidade também sofrível. Não li essas notas, pois elas já estavam disponíveis no meu blog, e fiquei respondendo diversas perguntas formuladas na ocasião. Devo ter guardado essas perguntas escritas, e vou verificar se consegui responder satisfatoriamente a todas elas, do contrário retomarei os temas.
Mas está registrada a palestra, conforme registro abaixo: 

3445. “De uma diplomacia a outra no Itamaraty: conceitos e práticas”, Em voo, Brasília-BH-Rio de Janeiro, 3 março 2019, 4 p. Notas para palestra no programa de pós-graduação em RI da UERJ, a convite do prof. Hugo Rogelio Suppo. Postado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/04/de-uma-diplomacia-outra-palestra-na.html); disseminado no Facebook (link: https://web.facebook.com/paulobooks/posts/2390788537651249). Divulgado no InfoNEIBA, jornal informativo do Núcleo de Estudos Internacionais Brasil-Argentina, ano VII, n. 1, 2º. Semestre de 2019, p. 9 (disponível no Facebook do Neiba, link: www.facebook.com/421490077895591/videos/833245283679185/). 

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 4 de agosto de 2019

De uma diplomacia a outra: palestra na UERJ (3/04/2019) - Paulo Roberto de Almeida

De uma diplomacia a outra no Itamaraty: conceitos e práticas
Paulo Roberto de Almeida
(3445. Em voo, Brasília-BH-Rio de Janeiro, 3 março 2019)
 [Objetivo: Notas para palestra no programa de pós-graduação em RI da UERJ; finalidade: atender a convite do prof. Hugo Rogelio Suppo]

No contexto da verdadeira revolução cultural que parece atingir – este é o termo que cabe explicitar– tanto a diplomacia quanto a política externa no Brasil do governo Bolsonaro, tudo indica existir uma perfeita identidade entre conceitos e práticas. Nem sempre foi assim, tendo em vista as fronteiras nem sempre muito claras entre o discurso oficial e a prática concreta, tanto nos temas da política doméstica, quanto nos assuntos de política externa. Em geral os discursos das autoridades pretendem uma perfeita consonância com os interesses mais amplos da população, da nação como um todo, quando na verdade os dirigentes estão agindo sob influência de interesses partidários – ou seja, de apenas uma parte da sociedade –, quando não numa colusão com o poder econômico, isto é, os tradicionais lobbies setoriais, que financiam os mesmos políticos em atuação no governo. Em outros termos, fala-se uma coisa, pratica-se outra.
No quadro atual, no governo da Bolsofamiglia, podemos até afirmar a existência de uma identidade não perfeita, mas bastante coerente, entre ideias (se existem), crenças (certamente existem), preconceitos (são os mais abundantes) e muito amadorismo e alguma ignorância (também presentes), ou seja, conceitos, e as práticas, praticamente inéditas, certamente inusitadas, no âmbito do que passa por política externa nacional, mas que é apenas uma manifestação prática da metafísica olavista (ou bolsonarista) em ação. De fato, como antecipado no parágrafo precedente, a despeito da dissociação esperada entre discursos otimistas e realidades mais prosaicas, como é normal em todos os governos normais, no governo diferente da Bolsofamiglia existe essa associação entre conceitos e práticas, como amplamente revelado nos primeiros cem dias do atual governo. Vejamos que tipo de avaliação seria possível fazer desses 3 primeiros meses.
Uma avaliação ponderada dos cem primeiros dias da administração Bolsonaro na área da política externa pode ser feita em dois planos: o formal, que é o da diplomacia enquanto instrumento governamental de atuação do Brasil em suas relações exteriores, e o substantivo, que é o conteúdo mesmo da política externa, tal como determinada pelo Presidente da República e implementada pelos seus auxiliares da área.
No caso do governo Bolsonaro, o que se constata, em primeiro lugar, é o caráter inédito tanto da diplomacia quanto da política externa, com respeito a padrões históricos da diplomacia e da política externa, ou se quisermos, posturas mais tradicionais, num e noutro terreno. No primeiro aspecto, assistimos a uma espécie de “revolução cultural” na diplomacia, com uma quebra generalizada de hierarquia – que os militares diriam tratar-se de “coronéis mandando em generais” –, expressa na substituição dos antigos subsecretários-gerais (nove embaixadores anteriormente, ou seja, ministros de primeira classe, com experiência de postos no exterior) por sete novos secretários, todos ministros de segunda classe, que passaram a chefiar embaixadores como chefes de departamento, que em geral pertencem a um estrato geracional superior ao do próprio chanceler, que é o que poderíamos chamar de um “junior ambassador”, ou seja, alguém que nunca exerceu chefia de posto no exterior.
Essa revolução cultural também se traduziu numa completa reorganização do Itamaraty, em sua estrutura funcional, o que poderia ser benéfico em termos de ajustes nos processos de trabalho, mas que no caso foi conduzida de forma autoritária, sem qualquer consulta a própria Casa, o que também é inédito na história do Itamaraty. Divisões foram extintas, novas criadas, todas elas renomeadas – o que implicou na substituição de centenas de plaquetas de identificação de setores e áreas –, mas também com um alto grau de arbítrio, próprio ao chanceler designado. Os Estados Unidos, por exemplo, que antes estavam integrados ao Departamento da América do Norte, agora desfrutam de um Departamento exclusivo, ao passo que toda a Europa – considerada um “vazio cultural”, em artigo altamente bizarro do então candidato a chanceler– foi relegada a um único departamento na Secretaria de Negociações Bilaterais com o Oriente Médio, a Europa e a África, o que certamente deve ter deixado os europeus bastante descontentes. Imagino que seja por isso que muitos dos embaixadores europeus em Brasília tenham procurado bem mais o vice-presidente, general Hamilton Mourão, do que o próprio chanceler ou o secretário geral do Itamaraty. Essa é a revolução cultural organizacional, feita por cima, “von Oben”, como diria o próprio chanceler.
No plano substantivo, o que se observou foi uma outra formidável revolução copernicana nos fundamentos e princípios da política externa, que deixou a tradicional postura equilibrada seguida durante décadas em favor de uma aliança estreita, não com os Estados Unidos propriamente, mas com o governo Trump. Talvez neste caso o chanceler formalmente designado tenha sido menos importante na inversão de tendência do que a própria família Bolsonaro, em primeiro lugar aquele que já foi designado como o “chanceler paralelo”, e que talvez seja o efetivo, ou principal: o atual presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados. O inacreditável é que esse representante do povo brasileiro usurpou o seu mandado ao ter proclamado, nos EUA, a impossível e improvável adesão de “todo o povo brasileiro” ao projeto do presidente americano de construir um muro na fronteira com o México, ao mesmo tempo em que classificava como “vergonha” a existência de tantos imigrantes brasileiros ilegais nos EUA. Esse senhor, preconceituoso e mal informado, talvez não saiba que esses trabalhadores brasileiros criam riqueza nos EUA e a remetem ao Brasil – vários bilhões de dólares por ano –, o que é um aporte significativo em nossa balança de transações correntes, sob a forma de transferências unilaterais, ou seja, sem contrapartidas. 
Essa outra revolução na política externa vem sendo contida, controlada e propriamente tutelada pelos militares membros do governo, que têm atuado como verdadeiros diplomatas, ao contrário do atual chanceler, cuja adesão ao aventureirismo eleitoral trumpista, no caso da Venezuela, beira a intervenção nos assuntos internos de outro Estado, o que colide não só com a nossa Constituição (artigo 4º), como também com princípios consagrados do direito internacional. Esse comitê de tutela militar sobre o chanceler também se exerceu precocemente quando da inacreditável aceitação de um projeto de base militar americana no Brasil, prontamente e cabalmente rejeitada pelo ministro da Defesa e pelos demais militares. 
Existem ainda vários aspectos bizarros na atual política externa, como essa luta insana contra o monstro metafísico do “globalismo”, uma fantasmagoria sem qualquer fundamento na realidade, mas que foi inculcada no atual chanceler – que a ela aderiu provavelmente de maneira oportunista – por aquele a quem eu chamo de “sofista da Virgínia” e de “Rasputin de subúrbio”. As iniciativas mais danosas em relação a Israel ou à China também foram contidas, revertidas ou minimizadas, por mentes mais sensatas da atual administração ou de fora dela, como a comunidade de negócios, os próprios chineses ou os mesmos militares. 
Como se pode constatar, tanto as práticas efetivadas, quanto aquelas frustradas – por ação do agronegócio, por exemplo, ou do comitê militar de tutela, que pode ser bem mais efetivo – encontram-se em perfeita consonância com os conceitos, e preconceitos, que embasam o atual governo na sua ação externa, ou o que passa por sua diplomacia. Se formos verificar a metafísica olavista e alguns dos slogans bolsonaristas – que não chegam a conformar, um e outro, uma verdadeira doutrina acabada ou completa –, poderemos facilmente comprovar que a identidade entre ideias e crenças bizarras, de um lado, e práticas inéditas na diplomacia, de outro, se mantém quase que integralmente. Isso é, como já afirmado, inédito nos anais da diplomacia brasileira e do próprio governo, sem que se possa dizer que tal identidade se manterá ao longo da atual administração, dadas as muitas contradições, e reações, que tais crenças e práticas revelam aos olhos dos observadores atentos ou dos espíritos mais críticos, como este que aqui escreve, com certo conhecimento de causa e comprometimento com a causa de uma diplomacia normal (ou pelo menos não tão contestável).
Em resumo, nos cem primeiros dias da administração Bolsonaro coexistiram iniciativas certamente inéditas no terreno da diplomacia e da política externa, sem que preocupações cruciais com respeito ao papel do Brasil no tocante à agenda externa – em comércio, Mercosul, meio ambiente, direitos humanos e democracia, e no respeito aos valores e princípios caros à nossa tradição diplomática – tenham sido sequer tocados em termos de planejamento ou de ações diplomáticas visando maior inserção internacional do Brasil. O Itamaraty permanece em grande medida paralisado pelas coisas estranhas que vem ocorrendo na Casa de Rio Branco desde o início de 2019, e não parece perto de enveredar pelo dinamismo conhecido em tempos mais amenos de exercício normal de sua diplomacia profissional. 
Se durante o lulopetismo, tivemos o que pode ser chamado de “diplomacia partidária”, a do partido hegemônico, e que levou o Brasil a alinhar-se com algumas das mais execráveis ditaduras do continente ou alhures, nos tempos atuais temos, ao que parece, uma espécie de “diplomacia familiar”, feita de preconceitos mal informados, de iniciativas francamente bizarras e vários outros erros na seleção de prioridades para a agenda diplomática nacional, inciativas voluntaristas e carentes de qualquer exame técnico mais acurado, que podem custar caro ao Brasil, se efetivamente implementadas, nos meses e anos à nossa frente. Um consenso parece estar se formando na chamada comunidade epistêmica de relações internacionais do Brasil, no sentido em que os aspectos mais “heterodoxos” da atual diplomacia e na política externa precisam ser contidos, e talvez revertidos, em benefício do próprio Brasil e no de seu atual governo. 
Em política externa, como na interna, tudo depende dos resultados efetivos, mas, num julgamento talvez precipitado, os resultados registrados até aqui – a aliança com Trump, a escolha de um lado nos difíceis problemas do Oriente Médio e outras opções altamente divergentes com respeito à memória histórica da diplomacia profissional do Brasil – são bastante preocupantes para os que vivem nessa comunidade setorial. Cem dias talvez sejam um prazo muito curto para julgar quanto a esses resultados, mas estaremos atentos aos desenvolvimentos futuros. 

Paulo Roberto de Almeida
Autor do livro: Contra a corrente: ensaios contrarianistas sobre as relações internacionais do Brasil, 2014-2018 (Curitiba: Appris, 2019).
Em voo: Brasília-BH-Rio de Janeiro, 3 de abril de 2019

sábado, 27 de julho de 2019

Para ser uma "república de bananas" o Brasil precisa ser uma República antes, não um assunto de família

Diplomata brasileiro compara Brasil a “República das bananas”

EPA/Joedson Alves
O diplomata do Ministério das Relações Exteriores brasileiro (Itamaraty) Paulo Roberto de Almeida afirmou este sábado, à agência Lusa, que o Brasil assemelha-se a uma “República das bananas” devido ao “nepotismo” da nomeação de Eduardo Bolsonaro para embaixador.
O Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, anunciou no dia 11 de julho a sua intenção de indicar o seu terceiro filho, o deputado Eduardo Bolsonaro, para embaixador do Brasil em Washington, capital dos Estados Unidos da América, uma possibilidade que, segundo Paulo Roberto de Almeida, tem prejudicado a imagem internacional do país.
Só Repúblicas de bananas têm esse ‘familismo’, esse nepotismo, filhotismo, essa personalização de relações políticas importantes, como são as diplomáticas, num sistema que antigamente pertencia à aristocracia, às oligarquias, e que hoje é inaceitável para os padrões de uma diplomacia consolidada no sistema burocrático”, afirmou o ex-embaixador em entrevista à Lusa.
O diplomata não tem dúvidas ao declarar que Eduardo Bolsonaro não “tem capacidades” para atender as necessidades do cargo, apesar do chefe de Estado brasileiro confiar nas competências do filho, realçando o facto de falar várias línguas e de conhecer a família do Presidente norte-americano, Donald Trump,
Ele não é capacitado, vamos ser muito claros. Acaba de fazer 35 anos, não tem formação adequada, conhece muito pouco, ou nada, de relações internacionais. Essa adesão às teses de Trump é algo estranho e até bizarro, porque certamente o Presidente norte-americano já colocou o Brasil naquela lista dos ‘shithole countries’, ou seja, um desprezo total por Estados que fornecem imigrantes ilegais aos EUA”, frisou o diplomata de carreira.
Paulo Roberto de Almeida exerceu diversos cargos na Secretaria de Estado das Relações Exteriores e em embaixadas e delegações do Brasil no exterior, tendo sido ministro-conselheiro na Embaixada do Brasil em Washington, entre 1999 e 2003.
Na sua passagem pelos Estados Unidos, Paulo Almeida seguiu de perto a situação de muitos brasileiros em situação irregular naquele país, reforçando, porém, a natureza “honesta” e “trabalhadora” da grande maioria desses cidadãos.
Em março deste ano, numa passagem pelos EUA, Eduardo Bolsonaro, que além de deputado é presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, classificou os imigrantes brasileiros em situação ilegal como uma “vergonha para o país”, uma atitude que não agradou a Paulo Almeida.
Dizer que é uma vergonha para o Brasil ter imigrantes ilegais nos EUA não é verdade. Eles são pessoas que não tendo oportunidades no Brasil, como muitos outros latinos, africanos ou asiáticos, devido a crises económicas ou a guerras civis, buscaram com os pés uma vida melhor com as suas famílias”, garantiu o também professor universitário.
Questionado se a nomeação de Eduardo Bolsonaro para o cargo de embaixador não será uma estratégia de política externa delineada pelo Presidente, Paulo Roberto de Almeida disse que se foi essa a intenção, tratou-se de um “erro fundamental”.
“Pode ser que na conceção primária de política externa de Jair Bolsonaro fosse uma estratégia, mas é um erro fundamental.(…) Nos últimos 70 anos, na grande organização burocrática de relações internacionais do sistema da ONU, a diplomacia é conduzida pelos canais oficiais dos Ministérios das Relações Exteriores. Temos carreiras diplomáticas que compreendem todo um treino ao longo de décadas, para postos de certa importância. O filho do Presidente, certamente, não tem nenhuma capacidade para ser embaixador em quaisquer condições normais”, reforçou.
No entanto, para o diplomata, não é apenas a nomeação de Eduardo Bolsonaro como embaixador que afeta a imagem do país sul-americano. Também as adesões do Brasil a teses minoritárias o preocupam.
Nas últimas semanas, o Brasil ficou ao lado de países como o Iraque, Paquistão e Arábia Saudita, em causas vinculadas a Direitos Humanos na ONU, em relação a ideologia de género, sexualidade, ou proteção das mulheres, o que, na voz de Paulo Almeida, causa “perda de prestígio” do país, no plano internacional.
Em março deste ano, Paulo Roberto de Almeida foi demitido da presidência do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (Ipri), cargo que ocupava desde 2016, naquele órgão vinculado ao ‘Itamaraty’, nome como é conhecido o Ministério das Relações Exteriores do Brasil, passando a ocupar um cargo na divisão de arquivo da mesma pasta.
Apesar de crítico dos Governos do Partido dos Trabalhadores (PT), foram as opiniões negativas tecidas ao Governo de Bolsonaro no seu blogue pessoal, nomeadamente ao ministro das Relações Exteriores brasileiro, Ernesto Araújo, que terão levado à sua exoneração.
Pelo menos é nisso que o diplomata acredita, apesar de essa tese ter sido contrariada pelo executivo, que afirmou que a demissão “já estava decidida” antes mesmo da polémica.
À lusa, o ex-embaixador reforçou críticas a Ernesto Araújo, dizendo que o atual chefe da diplomacia brasileira foi uma “péssima escolha para o cargo”, e que acredita que o ‘chanceler’ conseguiu liderar um Ministério devido a “oportunismo”.
Acho que foi uma péssima escolha. Não se sabia nenhuma adesão dele a teses de direita, e acho que construiu isso de forma artificial nas relações com Eduardo Bolsonaro ou Olavo de Carvalho (considerado ‘Guru’ de Bolsonaro. (…) Do ponto de vista internacional, alguém que resolver empreender uma campanha contra o globalismo, multilateralismo e comercialismo é alguém que em deficiências de raciocínio lógico em relação ao sistema internacional”, depreendeu.
“Eu não consigo compreender como é que um diplomata formado na escola do Itamaraty, nas leituras e na experiência internacional consiga aderir a teses tão bizarras quanto essas, a não ser por puro oportunismo”, concluiu Paulo Roberto de Almeida em entrevista à agência Lusa.

quarta-feira, 24 de julho de 2019

Estrutura, rotina, foco: o que mudou no Itamaraty bolsonarista - Tiago Cordeiro (Gazeta do Povo)

Estrutura, rotina, foco: o que mudou no Itamaraty de Ernesto Araújo

Ernesto Araújo (dir.) e o presidente do Paraguai, Mario Abdo Benítez, na frente do Palácio do Itamaraty.
Ao anunciar a escolha do diplomata Ernesto Araújo para o posto de ministro das Relações Exteriores, o presidente Jair Bolsonaro afirmou, em sua conta de Twitter: “A política externa brasileira deve ser parte do momento de regeneração que o Brasil vive hoje”. O primeiro semestre do governo foi marcado, de fato, por uma série de mudanças na política internacional do país. Mas algumas alterações sofreram recuos.
“Bolsonaro entregou mudança profunda em áreas que agradam sua base mais conservadora — sobretudo direitos humanos, meio ambiente, comportamento na ONU. Onde a mudança prometida assustou os interesses de sua base parlamentar, ele recuou. É o caso de Mercosul, da China e da mudança da embaixada para Jerusalém”, afirma Matias Spektor, professor associado e vice-diretor da Escola de Relações Internacionais da FGV. “Bolsonaro também recuou quando o tema tinha chance de alienar sua base militar: a Venezuela.”
Mas, no dia a dia do Itamaraty, essas transformações estão acontecendo em ritmo bastante acelerado. A estrutura e a rotina dos diplomatas brasileiros mudaram muito, na comparação com o cenário das últimas décadas.

Itamaraty ganha estrutura diferente

A decisão de retirar poder dos diplomatas e aumentar consideravelmente a participação de políticos ligados ao Poder Executivo nas negociações internacionais foi formalizada logo nos primeiros dias do novo governo, quando, no dia 9 de janeiro, um decreto autorizou a concessão de cargos de chefia para não diplomatas. A mudança rompe um paradigma antigo na diplomacia brasileira, o de que o ministro era um posto político, indicado pelo presidente, mas os demais cargos eram organizados considerando a hierarquia interna.
Essa valorização da antiguidade e do currículo foi alterada pelo decreto, que não só permite que os integrantes do gabinete do ministro não sejam diplomatas de carreira, como também possibilita que diplomatas de nível hierárquico mais baixo possam ocupar postos antes ocupados por profissionais mais antigos.
O mesmo decreto extinguiu a Divisão de Mudança do Clima e a Subsecretaria Geral de Meio Ambiente Energia e Ciência e Tecnologia. No lugar, criou um Departamento do Meio Ambiente, subordinado à nova Secretaria de Assuntos de Soberania Nacional e Cidadania.
Com isso, mudou o posicionamento de duas áreas que, até a gestão passada, eram cruciais para fornecer dados e subsídios para as negociações brasileiras a respeito de questões ambientais e de clima. A mudança foi acompanhada da decisão do presidente Bolsonaro de que o Brasil desistiria de sediar a próxima Conferência do Clima, em 2020.
Além disso, o currículo do Instituto Rio Branco, o centro de formação de diplomatas no Brasil, vem sendo alterado. A disciplina História da América Latina foi extinta e surgiram cadeiras voltadas para o estudo de obras clássicas. Além disso, a ementa do curso de Política Internacional mudou, com o objetivo de, nas palavras do ministério, afastar os futuros diplomatas de “amarras ideológicas eventualmente adquiridas em sua formação anterior”.
Outra mudança expressiva foi a demissão do diplomata Paulo Roberto de Almeida, crítico do filósofo Olavo de Carvalho, da direção do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais.

Itamaraty 'encolhe' na gestão de Ernesto

O Itamaraty também está menor: em maio, o governo reduziu 138 postos, sendo 84 de diplomatas e 54 para oficiais e assistentes de chancelaria. Com isso, o total de vagas para trabalho no exterior vai cair de 1.842 para 1.704.
O presidente também mandou fechar seis embaixadas que ficam na América Central: São Cristóvão e Nevis, Antígua e Barbuda, São Vicente e Granadinas, Granada, e Dominica. Internamente, o governo avalia que outras três representações poderão ser fechadas, todas na África: Serra Leoa, Libéria e Líbia.
“Os cortes orçamentários para a manutenção de embaixadas, consulados e outros postos dizem respeito, acima de tudo, à situação fiscal de penúria em que se encontra o Estado brasileiro”, afirma o professor Matias Spektor. “O Itamaraty, como o resto da máquina do governo, vem sofrendo sucessivas ondas de ajuste desde o governo Dilma e nada indica que esse quadro dramático vá mudar no curto prazo.”
Já Marco Aurélio Nogueira, coordenador do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), considera que os cortes serão acompanhados de um rearranjo interno. “O objetivo alegado é de caráter fiscal: reduzir gastos. Mas, por trás dele, há também uma inflexão política, destinada a afastar diplomatas mais refratários à orientação prevalecente, que inclui um retrocesso no modo como o Itamaraty tratava de questões de direitos e reconhecimento no âmbito internacional”, critica.
Alguns cortes começaram antes mesmo da posse. Apesar disso, em paralelo aos cortes, o governo anunciou em junho a realização de um novo concurso para novos diplomatas, com 26 vagas de diplomatas.

Foco da diplomacia mudou

Outra mudança se manifesta na orientação geral para o foco da diplomacia nacional. Tradicionalmente, o Brasil se mantém neutro em relação a situações de conflitos, como as disputas entre Israel e Palestina. E busca alinhamento com países em desenvolvimento, como as nações africanas e os integrantes dos Brics, o bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
Com a nova orientação, a diplomacia brasileira busca alinhamento com Israel, Estados Unidos e Europa Ocidental – como indica a tentativa de entrar para o chamado clube dos ricos, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
“O Brasil sempre procurou atuar no sistema internacional como um agente negociador e plural. Na gestão atual, essa linha foi substituída por um alinhamento incondicional aos Estados Unidos de Trump e pela adoção de um unilateralismo inadequado para os tempos atuais”, afirma Marco Aurélio Nogueira.
Para Maurício Santoro, professor-ajunto do Departamento de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, é a aproximação com os americanos a maior marca do governo atual. “O ponto mais importante do primeiro semestre do governo Bolsonaro são os esforços do governo em se aproximar dos Estados Unidos, com a obtenção do status de aliado extra-OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte, a aliança militar do Ocidente) e do apoio de Trump para o ingresso do Brasil na OCDE”.

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Matéria sobre minha demissão referida acima: 

"Diplomata é demitido após republicar textos que debatem crise na Venezuela
Paulo Roberto de Almeida foi demitido do cargo de diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI)
Brasília, DF e São Paulo, SPFolhapress[04/03/2019] [18:32]"

Leia mais em: https://www.gazetadopovo.com.br/politica/republica/diplomata-e-demitido-apos-republicar-textos-que-debatem-crise-na-venezuela-6xe3y9t95gd3y4ytbf9gd9r1h/

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"O embaixador Paulo Roberto de Almeida foi demitido nesta segunda-feira (4) do cargo de diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI), órgão vinculado ao Ministério das Relações Exteriores. Ele assumiu a direção do instituto em meados de 2016, durante a gestão de Michel Temer (MDB). 


A demissão ocorreu após Almeida republicar, em seu blog pessoal, também nesta segunda-feira (4), três textos recentes sobre a crise na Venezuela, um assinado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, outro pelo embaixador e ex-ministro Rubens Ricupero e o terceiro pelo atual ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. 


Araújo, em seu texto, critica as posições de FHC e Ricupero sobre a situação venezuelana, afirmando que os dois "escreviam seus artigos espezinhando aquilo que não conhecem, defendendo suas tradições inúteis de retórica vazia e desídia cúmplice". 


No texto em seu blog, Almeida diz querer estimular o debate sobre a política externa brasileira com a republicação dos artigos. 


No dia 24 de fevereiro, o embaixador agora demitido havia publicado um texto crítico ao escritor Olavo de Carvalho, que indicou ao presidente Bolsonaro nomes para compor o ministério do atual governo, entre eles, o de Araújo. 


Almeida foi comunicado da dispensa por telefone pelo chefe de gabinete de Araújo, Pedro Wollny. Procurado, não quis comentar os motivos da demissão. 


"Meu blog é um espaço de liberdade, de debate aberto e de interesse público", disse. "Aparentemente vou ter de voltar à biblioteca do Itamaraty para poder trabalhar", afirmou, em referência aos quase 14 anos de governos petistas em que afirma ter sido excluído de qualquer atividade no ministério. 


"Durante todo esse tempo de exílio involuntário, fiz da biblioteca do Itamaraty o meu escritório de trabalho, uma vez que não dispunha de nenhum outro local na Secretaria de Estado das Relações Exteriores", disse Almeida. 


Rubens Ricupero vê na dispensa de Almeida um "ato confessadamente de repressão político-ideológica, de patrulhamento ideológico que lembra os momentos mais sombrios da ditadura militar, da qual o atual presidente é confessadamente admirador". 


Segundo Ricupero, "aparentemente, não é debate que deseja a direção do Itamaraty, pois a simples republicação de artigos lhe inspira medidas repressivas". "À luz desse fato concreto, qual é a autoridade moral que tem esse governo para denunciar a repressão do regime de Maduro?" 


Leia mais: Discreto e rigoroso, substituto de Moro assume Lava Jato após carnaval


O Itamaraty afirmou que a mudança da diretoria do IPRI, "no contexto da troca da grande maioria das chefias do ministério das Relações Exteriores, já estava decidida e foi comunicada ao atual titular". 


Paulo Roberto Almeida é diplomata desde 1977 e já serviu nas embaixadas de Paris e de Washington, entre outros postos de destaque. Em 1984, obteve o doutorado em Ciência Política pela Universidade Livre de Bruxelas, na Bélgica. 


Fundado em 1987, o IPRI é um instituto voltado ao desenvolvimento e à divulgação de estudos e pesquisas sobre temas relativos às relações internacionais, à realização de cursos, seminários e conferências na área de relações internacionais, entre outras atividades."


Leia mais em: https://www.gazetadopovo.com.br/politica/republica/diplomata-e-demitido-apos-republicar-textos-que-debatem-crise-na-venezuela/

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