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sábado, 2 de novembro de 2019

Debate sobre o Brasil no mundo: a politica externa e a diplomacia bolsonarista


Debate sobre o Brasil no mundo: questões de política externa

Paulo Roberto de Almeida
  
Dez meses do novo governo: já se pode fazer um balanço da política externa?
A despeito das muitas dúvidas sobre o possível itinerário exposto durante a campanha e no seu imediato seguimento, assim como ao início do governo Bolsonaro, bem como sobre as muitas mudanças observadas em sua implementação prática, é possível, sim, tentar um balanço da política externa do Governo Bolsonaro, ainda que persistam enormes incertezas quanto à adequação desses títulos: “política externa do governo Bolsonaro” ou “diplomacia do governo Bolsonaro”. Isso se deve a que nunca tivemos, antes, ao início ou depois, uma exposição clara, abrangente, sistemática sobre o que seria a política externa desse governo, pois nem o presidente, nem o seu chanceler, ou os assessores envolvidos nessa área jamais apresentaram um documento ou discurso organizado sobre quais seriam as prioridades estratégicas, os objetivos táticos, os desdobramentos multilaterais, regionais ou bilaterais daquilo que poderia se apresentar como uma diplomacia própria, ou uma política externa clara e definida.
Sempre tivemos invectivas, começando pelo fato de que tanto o presidente quanto o chanceler proclamaram que, com eles, teríamos uma “política externa sem ideologia”, e um “comércio exterior sem ideologia”. Ora o que mais tivemos, do começo até aqui, com algumas poucas correções pragmáticas – devidas a outros agentes, não aos dois – foi uma política externa ou uma diplomacia com ideologia, muita ideologia, em vários aspectos revertida pela ação dos homens de negócios ou funcionários mais racionais desse governo. Sob esse aspecto, portanto, o balanço a ser feito é o de uma desconstrução quase completa da “diplomacia sem ideologia”, uma completa revisão das invectivas lançadas ao início.
Num certo sentido, nunca tivemos, até aqui, uma “política externa brasileira” ou uma “diplomacia brasileira”, e sim uma “diplomacia do bolsonarismo”, que é um ajuntamento heteróclito, confuso e muito pouco coerente de slogans, de grandes frases e de sonhos bizarros, que combinam posturas absolutamente heterodoxas advindas, sugeridas ou impostas por um guru estranho, expatriado do Brasil, que foi várias vezes indicado como o inspirador de várias “ideias”, se de ideias se tratam, do presidente e dos seus três filhos ativos na política. Acrescente-se que o chanceler escolhido jamais foi conhecido por ser um discípulo ou aderente a essas ideias estranhas, tendo construído artificialmente um perfil adaptado ao cargo, fazendo publicar um bizarro arrigo no qual colocava Trump como um pretenso salvador do Ocidente expressamente concebido e divulgado para conquistar o posto.
Quais eram, finalmente, os grandes objetivos do bolsonarismo diplomático? Em primeiro lugar, havia a pressão da bancada evangélica – uma das bases do eleitorado bolsonarista – para a mudança da embaixada brasileira junto ao governo de Israel da capital reconhecida, Tel Aviv, para a capital política do Estado judeu, Jerusalém. Como sabemos, esse objetivo, totalmente ideológico, se frustrou, uma vez que surgiram reações da ampla comunidade de produtores e de negócios vinculados à exportação de carne halal aos países árabes, ou muçulmanos, da região e em outros continentes. Em seu lugar, anunciou-se a abertura de um escritório de comércio e investimentos em Jerusalém, uma localização totalmente desprovida de sentido, uma vez que as principais áreas vinculadas à tecnologia e negócios se situa justamente em Tel Aviv, Haiffa e outras localidades próximas da costa.
O outro objetivo, nebuloso, consistiria em revisar as relações com a China, pois ela estaria, supostamente, “comprando o Brasil”, nas palavras do presidente, e não comprando do Brasil. A alegação, completamente sem fundamento, foi desmontada ainda antes da posse do governo, por uma hábil reação da embaixada e do próprio governo da China, a que se seguiu um posicionamento consistente do vice-presidente Hamilton Mourão, responsável pela representação brasileira na COSBAN, a comissão bilateral de alto nível, tendo ele chegado a defender a autonomia brasileira na questão do sistema 5G da Huaiwei, sob pressão do governo Trump, ao qual o governo Bolsonaro devota indisfarçável admiração e seguimento.
O aspecto mais importante das mudanças anunciadas na política externa do Brasil seria, justamente, uma aliança estreita, não com os Estados Unidos, mas com o governo Trump, segundo antecipavam, desde antes do mandato, o próprio candidato e sobretudo o seu filho com pretensões “diplomáticas” que por duas vezes passeou pelos Estados Unidos com o boné da campanha Trump 2020. Proferiu outras barbaridades também, mas nenhuma tão gigantesca quanto o oferecimento de uma base militar americana no Brasil, feito pelo chanceler no próprio dia da posse, ao Secretário de Estado americano, atitude tão submissa que foi prontamente rejeitada pelo ministro da Defesa e pelos demais militares do governo. Mas a adesão ao programa de Trump para a região – em outras esferas igualmente – teve continuidade pela aderência aos planos aventureiros (e eleitorais) de Trump e de seu antigo conselheiro de Segurança Nacional, John Bolton, para a Venezuela, no sentido de provocar uma ruptura no seio do Exército chavista, forçando ajuda “humanitária” nas fronteiras do país com a Colômbia e o próprio Brasil, em Roraima. Os militares brasileiros foram prudentes o suficiente para descartar completamente qualquer solução militar para a “resolução” do problema venezuelano e por uma segunda vez paralisaram o chanceler em seus propósitos.
Registre-se, por importante, que a postura do chanceler nessa questão contrariou não apenas as tradições rigorosamente aderentes ao direito internacional da diplomacia profissional do Brasil, como sobretudo princípios constitucionais do país, em especial aquele que trata da não intervenção nos assuntos internos de outros Estados. Pode parecer incrível, mas é um fato que tanto o presidente – com suas invectivas contra ou a favor de dirigentes estrangeiros – quanto o chanceler, que segue de forma canina o presidente, são capazes de afrontar valores e dispositivos constitucionais, assim como princípios de direito internacional há muito tempo consagrados em nossas cultura e prática diplomáticas. O mesmo cenário de confrontação externa manifestou-se na questão das queimadas na Amazônia, suscitando legítimas preocupações na opinião pública internacional, como tal repercutidas em declarações de dirigentes estrangeiros, que receberam acerbas respostas do presidente brasileiro. Manifestações de total descortesia e em contradição com os novos requerimentos do politicamente correto permearam visitas externas do presidente ao Chile e ao Paraguai, quando aproveitou para elogiar ditadores de triste memória na repressão implacável contra opositores políticos nesses países. A indignidade chegou ao clímax ao ter o presidente ofendido a ex-presidente do Chile, Michelle Bachelet, atual Comissária de Direitos Humanos da ONU, cujo pai morreu na prisão da ditadura Pinochet, da mesma forma como já tinha ofendido o pai do atual presidente da OAB do Brasil, morto pela ditadura militar.
Todas essas graves distorções das práticas diplomáticas do Brasil foram amplamente superadas pela extrema grosseria com que o presidente recebeu a dupla vitória – primeiro nas primárias, depois nas eleições – do novo presidente argentino Alberto Fernández, o que representa praticamente um rompimento unilateral de relações com nosso principal vizinho. Em suma, os desastres diplomáticos já produzidos em dez meses pelo presidente e seus assessores nessa área causaram imensos prejuízos concretos ao Brasil, e diminuíram sensivelmente o prestígio da diplomacia brasileira em âmbito mundial, sobretudo nos temas ambientais, em direitos humanos e também na sua adesão aos líderes da nova direita mundial.

Impactos das rupturas diplomáticas em setores de interesse concreto do Brasil
Dois “triunfos” diplomáticos foram pomposamente saudados pelo governo Bolsonaro nos primeiros meses de sua gestão: o apoio do governo Trump ao ingresso do Brasil na OCDE, e a conclusão do acordo de liberalização comercial entre o Mercosul e a União Europeia, apresentados como realizações prometedoras de um novo papel para o Brasil no cenário internacional. Ambos se revelaram de fugaz sustentação, e de fato se encontram concretamente num impasse que promete se prolongar pelo futuro indefinido, e a causa de ambos se encontram em gestos desastrados que se originam no próprio Brasil. Vejamos.
A adesão à OCDE pode estar ameaçada pela retirada do apoio americano – numa terrível derrota da carta trumpista da diplomacia brasileira –, mas o fator principal de obstrução pode estar localizado na paralisia imposta ao compartilhamento de informações sobre operações fraudulentas e lavagem de dinheiro entre órgãos brasileiros de investigação e controle, por força de liminar monocrática do presidente do STF; esse gesto pode deixar o Brasil de fora da OCDE, independentemente do apoio político de todos os atuais membros, uma vez que rompe compromissos brasileiros assumidos no âmbito do combate nacional e cooperação internacional contra crimes financeiros transnacionais, ademais da adesão do Brasil à Convenção sobre Corrupção nos Negócios Internacionais (Anti-Bribery Convention).
A outra grande frustração é ver enviado às calendas o acordo Mercosul-EU, dados os gestos negativos já anunciados por diversos países europeus, essencialmente pela política julgada excessivamente leniente do governo brasileiro em face de desmatamento e queimadas amazônicas e o seu frouxo comprometimento com metas do desenvolvimento sustentável. É um fato que o presidente mantém a mesma postura de “desenvolvimentismo destrutivo” dos recursos naturais a que assistiu na era militar do Brasil Grande Potência, quando o próprio conceito de sustentabilidade não existia e as preocupações com isso eram precárias ou mesmo inexistentes. Acoplada a esse fato, o desprezo pela causa indígena é evidente em sua postura de aproveitamento das terras indígenas para fins produtivos (agrícolas ou minerais), no mesmo sentido das práticas adotadas durante o regime militar.
Os equívocos que apareceram ao início tanto nas relações com a China – nosso principal parceiro comercial desde mais de dez anos e provedor da maior parte dos saldos de comércio exterior – quanto em relação à comunidade árabe-muçulmana parecem próximos de ser contornados, por visitas mais marcadas por pragmatismo do que impulsos ideológicos ou religiosos. Mas, um desastre maior pode estar à espreita, na relação bilateral com a Argentina e na questão do Mercosul, em função da agressividade inusitada demonstrada pelo presidente em face do retorno dos peronistas ao poder. A (falta de) diplomacia bolsonarista insiste em queimar todas as pontes na importantíssima relação Brasil-Argentina, alimentando uma birra unilateral que pode resultar em cizânia bilateral, com efeitos e consequências imprevisíveis no futuro de curto prazo. Por causa de um presidente totalmente inconsequente, despreparado e pouco instruído pelo seu chanceler acidental, os dois países – ou seja, centenas de milhares de empresas, milhões de trabalhadores e consumidores, investidores, todos – podem sofrer perdas irrecuperáveis no terreno econômico, sem mencionar os possíveis prejuízos políticos, na região e fora dela, advindos dessa quase ruptura de relações cordiais. Junto com a adesão inconsequente ao presidente americano, o afastamento igualmente inconsequente do novo presidente argentino constitui um dos problemas de grande relevo no presente momento, e ambos seriam impensáveis caso a diplomacia brasileira fosse administrada de maneira responsável, não com as tonalidades ideológicas que lhe foram impostas por amadores despreparados.
Muitas outras questões poderiam ser levantadas a propósito dos equívocos conceituais da política externa bolsonarista, bem como dos erros de gestão de uma diplomacia entregue a decisores completamente ineptos no trato da agenda internacional e das relações exteriores do Brasil. Esses equívocos de concepção e erros de implementação decorrem, obviamente, de fatores ideológicos altamente bizarros para os padrões tradicionais da diplomacia brasileira, geralmente conduzida de modo profissional, em bases sumamente técnicas e dotadas de certo equilíbrio de posturas que preservam o caráter não partidário na defesa dos grandes interesses nacionais, exatamente o contrário do que se assiste atualmente na formulação e execução de nossa política externa. Até quando isso pode durar? Pode-se estender por todo o atual mandato presidencial ou ser oportunamente corrigido quando os desastres já criados e outros a serem certamente criados causarem prejuízos sensíveis à comunidade de negócios do país, que então forçarão uma mudança de postura no atual ministério das alucinações exteriores.

Paulo Roberto de Almeida
São Paulo, 2/12/2019

terça-feira, 22 de outubro de 2019

In Brazil, Growing Inequality Fuels Fires Burning The Amazon - Marina Guimarães

In Brazil, Growing Inequality Fuels Fires Burning The Amazon

View of fire from the BR163 highway, near Itaituba, Para state, Brazil, in the Amazon rainforest, on September 10, 2019. (Photo by Nelson Almeida/AFP via Getty Images)
This article was originally published in Latin America News Dispatch. View the original story here.

NEW YORK — The fires in the Brazilian Amazon continue to burn more than two months after they first darkened the skies of São Paulo and caused an international outcry. As the rainforest speeds closer to its tipping point, when it will no longer be able to recover from deforestation, most of the outrage is focused on Brazilian President Jair Bolsonaro’s environmental policies. But experts say the fires will continue, even if Bolsonaro changes these policies.
The country’s extreme social and economic inequality also contributes to deforestation. The number of fires in the rainforest tripled from 2018 to 2019, mirroring the growth of inequality in Brazil. According to a study conducted by FGV Social, a Brazilian higher education institution and think tank, inequality in the country has grown steadily since the end of 2014, with the income of the poorest half of the population declining 17 percent and the income of the richest 1 percent growing by 10 percent. The study cites higher cost of education and a rising unemployment rate as the main reasons for these numbers.
Gabriel Santos is a member of the Brazilian political movement Acredito, which aims to decrease inequality in the country and engage more Brazilians in politics. Santos, who came to New York City for last month’s Climate Week, running in conjunction with the United Nations General Assembly, said the sole focus on the environment in combating the Amazon fires is the wrong approach.
“Deforestation and preservation are also economic, social and political matters,” Santos said. “The singular focus on the environmental question, however, ignores all other factors that also contribute to deforestation.”
Data provided by the Brazilian Institute of Geography and Statistics shows that 40 percent of Brazilians older than 25 did not finish elementary school. Schools play an important role in teaching young Brazilians about conservation and sustainability, but they fail to do so when their students drop out. “How do you expect people who have never had access to education to be aware that they are indeed committing a serious crime, mostly in times of an economic crisis?” Santos said. “Of course, there are people who are consciously deforesting, but that is not always the case, and this is something we need to start talking about.”
Brazil is the world’s largest exporter of beef, and 80 percent of the rainforest’s deforestation is related to cattle ranching, according to the Yale School of Forestry and Environmental Studies. The land’s low cost and relatively easy transportation make cattle ranching a profitable and attractive business opportunity, together with soy cultivation in the Amazon, the study said. But the perceived economic benefits aren’t the only reason people are burning the rainforest, said Frederico Seifert, a finance manager at an environmental performance analysis company in Brazil called SITAWI.
“There is a predominantly false idea among some people in the region that burning up trees in the Amazon to make space for cattle and soy cultivation is an easy way out to make profit out of the forest, mostly poor Brazilians after the financial collapse,” Seifert said. He added that this idea undermines other reasons people set fires in the Amazon. “Socially, Brazil is still behind, and this is one of the main issues that affect all significant areas in the country. Environmental consciousness is missing. People need to be educated and be aware that we actually need the Amazon.”
The rhetoric of Bolsonaro and his administration hasn’t helped raise this consciousness. Before he assumed office, Bolsonaro chose Ernesto Araújo as Brazil’s next foreign minister, despite —or perhaps because of— Araújo’s claims that climate change is a Marxist plot, echoing some of Bolsonaro’s own beliefs. In August, Bolsonaro fired Ricardo Galvão, the director of Brazil’s National Space and Research Institute, known as INPE, after Galvão said deforestation was 88 percent higher in June 2019 than it was in the same month in 2018. In response, Bolsonaro called INPE’s findings “lies” and said two months later at his first UN General Assembly that the forest remains “untouched despite related NASA data which proves the increase of the fires.”

Some of Bolsonaro’s non-environmental policies are also contributing to the inequality growth, critics say, which may add fuel to the fires. Since his inauguration, Bolsonaro has been trying to transfer control of decisions on Indigenous land rights from Funai, a Brazilian agency that works for the protection of the Indigenous, to the Ministry of Agriculture, a move largely seen as reducing the power of the Indigenous and transferring it to large-scale farmers and other industries that want to develop the Amazon.
Franz Baumann, former United Nations special adviser on environment and peace operations, connected the Bolsonaro administration’s actions directly to the Amazon fires. “There have always been fires in Brazil — man-made, since natural ones are quite rare — but the uptick this year, induced by the new government, is concerning,” Baumann wrote in an email.
While opening up the Amazon for development could allow for short-term economic growth for some Brazilians, it doesn’t address the lack of education that lies at the heart of the country’s inequality. Seifert said addressing this issue is crucial in saving the Amazon. Banning deforestation alone isn’t enough.
“Environmental policies need to achieve more of an economic character,” Seifert said. “Otherwise this problem will never end. Brazil needs to stimulate the national economy so that it will grow, and people won’t feel the need to deforest anymore.”

segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Os desastres da política externa do olavo-bolsonarismo - Paulo Roberto de Almeida


Os desastres da política externa do olavo-bolsonarismo

Paulo Roberto de Almeida
  
As decepções e mesmo as derrotas eram previsíveis: conduzida por amadores da própria família presidencial e por um aspone medíocre de um partido sem qualquer credencial no setor, e que, sob recomendação de um guru destrambelhado e completamente inepto em relações internacionais, escolheram um chanceler amestrado para operar a máquina do Itamaraty (sem maiores credenciais para fazê-lo, e devendo sua designação à montagem improvisada de qualificações artificialmente moldadas para agradar os novos donos do poder), a diplomacia “terraplanista” só podia dar errado em toda a linha, e isso pela absoluta ignorância, despreparo e vulgaridade do titular.
Primeiro, foi a servidão voluntária e sabuja demonstrada não em relação a um país, os EUA, mas a um dirigente tosco, Trump, que já tinha amplamente demonstrado as mesmas más qualidades que o seu novo admirador beato. A submissão às piores loucuras do “laranjão” grosseiro e autocentrado, foi muito além do antigo entreguismo tupiniquim, que só queria ampla associação com o capital estrangeiro via investimentos diretos privados, jamais subordinação da política externa a uma potência qualquer, mesmo sendo ela a líder ocidental na luta contra o comunismo. Essa primeira grande ilusão terminou por ser desfeita na questão da OCDE, e parece comprometer irremediavelmente as chances de ter um de seus pimpolhos — o 03, o chanceler real, mas totalmente inepto para o cargo — aprovado como embaixador na capital do império.
Segundo, foi a grosseria demonstrada pelo titular principal no tratamento da questão das queimadas amazônicas, tanto interna quanto externamente, o que implodiu imediatamente a implementação do acordo UE-Mercosul laboriosamente construído pela equipe econômica (com a participação marginal do Itamaraty), sem chances de aprovação pela parte europeia no futuro previsível. A culpa, no caso, incumbe inteiramente ao chefe de Estado, um antidiplomata absoluto, no caso secundado por assessores militares que continuam a ser paranoicos amazônicos, como nos velhos tempos da ditadura militar.
Terceiro, o rompimento virtual de relações pessoais com o provável futuro presidente argentino, e danos irreparáveis nas relações entre os dois grandes vizinhos platinos e sócios no Mercosul, devido a agressões verbais incompreensíveis e irreparáveis por parte do mesmo personagem tosco e vulgar, jamais controlado pelo seu chanceler acidental; ao contrário, este acrescentou a indignidade ao insulto, ao comparar o provável vencedor a uma boneca russa, com dois ou três esquerdistas dentro, numa inacreditável demonstração de grosseria diplomática inadmissível num funcionário de carreira (só pode ter sido por seguidismo burro ao chefe). Como reparar e superar esse terceiro grande desastre ainda é uma incógnita no futuro das relações bilaterais e da agenda do Mercosul, já estressada por uma ignorância do titular da Economia sobre a importância do bloco para o Brasil, e não só economicamente.
Esses três grandes desastres diplomáticos — o fim do sonho do ingresso rápido na OCDE e da aliança com o império, a virtual postergação indefinida do acordo UE-Mercosul e a queima gratuita de pontes na principal relação bilateral — se tinham agregado à crônica de outros pequenos desastres anunciados ainda durante a campanha: a devoção evangélica a Jerusalém, o afastamento irracional do principal parceiro comercial e o anticlimatismo burro defendido pelos encarregados do 1/2 ambiente, ministro setorial e chantecler, felizmente contornados por assessores mais racionais ainda presentes e pela pressão do agronegócio, visivelmente preocupado pelas perdas imensas que decorreriam dessas três outras loucuras diplomáticas.
Tem muitas outras bobagens, reais e potenciais, na frente antidiplomática do governo, entre elas o fracasso imediato da adesão ao aventureirismo eleitoral trumpista na questão da Venezuela, a luta insana contra a “ideologia do gênero”, contra um suposto globalismo e o “marxismo cultural” no plano mundial, a aliança com líderes da extrema-direita nacionalista em outros países e outras obsessões ideológicas dos novos cruzados no poder.
Tudo isso conforma um desastre político e diplomático sem precedentes em nossa trajetória de quase dois séculos de lenta construção de uma política externa respeitável e respeitada em âmbito mundial, e mais do que vergonhoso para o corpo profissional do Itamaraty.
Continuarei acompanhando as confusões na área externa, com a compreensível preocupação de um profissional do setor, estarrecido com a diminuição do nosso prestígio internacional, em proporções nunca antes vistas em nossa história diplomática. Lamento ter de desempenhar esse papel de alerta, mas estou seguro de interpretar o sentimento e as apreensões da maior parte dos meus colegas de carreira e de muitos observadores externos.
Ao corpo diplomático estrangeiro, que ainda busca explicações para certos atos inexplicáveis dos atuais titulares do setor, caberia uma palavra de caução quanto a possíveis novos desenvolvimentos nessa área, que não posso oferecer neste momento, por absoluta falta de clareza em torno da possível trajetória a partir dos desastres atuais já enunciados: ou recrudescimento nos erros e equívocos já materializados, ou modesta correção de rumos, que no momento julgo ser improvável. Isso exigiria uma revolução mental por parte do principal responsável e um abandono dos assessores ineptos que não me parece perto de ocorrer. Ou seja, o Brasil poderá continuar exibindo mediocridade governamental e diplomática pelos três anos à frente.
  
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 14/10/2019