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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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domingo, 5 de março de 2023

Sobre as joias contrabandeadas e retidas - Paulo Roberto de Almeida

Sobre as joias contrabandeadas e retidas 

(mas quantos presentes mais passaram incólumes em comitivas presidenciais?):


A submissão ao poder, de qualquer cor política, sempre foi um traço forte na cultura da corporação diplomática, tida como uma das de melhor qualidade na burocracia estatal do Brasil. Mas não se pense que outras corporações de Estado, a da Receita Federal por exemplo, sejam imunes à proverbial sujeição do funcionário à “autoridade”.

Certas características “feudais” sobrevivem à margem da legislação republicana: a famosa expressão orwelliana, segundo a qual “todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais do que outros”, se aplica de forma bem mais disseminada do que o imaginado e o esperado em corporações estatais que, obviamente, são formadas por humanos, com todos os seus vícios, paixões e, sobretudo, ambições.


Tudo isso para, finalmente, perguntar o seguinte: o que deu no Itamaraty, para tentar uma “carteirada” manifestamente ilegal, e contrária à legislação, mas feita em caráter institucional, em direção da Receita Federal, para atender a um pedido do já agonizante presidente decrépito e contraventor da lei até a raiz dos cabelos?

Por isso, volto à constatação inicial: foi a cultura da submissão ao poder, qualquer que seja ele, em qualquer tempo.


No final do segundo mandato do agora presidente em terceiro mandato, embaixadores se prestaram submissivamente a atender aos pedidos do presidente que deixava o cargo no sentido de enviar garrafas de vinho de boa qualidade para abastecer a adega de um famoso sítio em Atibaia, que também recebeu muitos “presentes” e que depois tiveram de ser retornados ao acervo presidencial por ordem judicial.

Presentes trocados por ocasião de visitas e viagens de cúpula deveriam ser objeto de rigoroso controle do cerimonial diplomático e dos órgãos de registro dos bens públicos.

Posso apostar como a tal cultura da submissão deforma os procedimentos seguidos nessas ocasiões. 


A falta de transparência em determinadas corporações estatais — a dos militares em primeiro lugar — alimenta uma onda de irregularidades, e de possíveis e prováveis malversações, muito mais ampla do que os poucos casos revelados ocasionalmente pela imprensa. 

Mais um sintoma dos males nefastos do patrimonialismo que caracteriza de modo secular a formação da cultura social luso-brasileira. Foi uma das primeiras deformações culturais da construção da nacionalidade portuguesa, deve ser a última a ser extirpada da psique brasileira.

O Itamaraty não ficou imune a essa enfermidade, como de resto praticamente todas as demais corporações de Estado, mesmo aquelas integradas por mandarins da melhor qualidade intelectual.


Por essa, e por outras razões, sempre me insurgi contra uma obediência cega ao famoso moto da corporação diplomática — esta retirada da cultura militar — que reza que o diplomata deve obedecer aos princípios da “hierarquia e disciplina”. Talvez, mas sem o excesso de zelo que possa incorrer, justamente, na indesejável cultura da submissão ao poder. 

Como diria Lord Acton, numa das frases mais citadas do seu legado intelectual, “o poder corrompe, o poder absoluto corrompe absolutamente”. Resistir disciplinadamente a ações contrárias à lei, independentemente da hierarquia na qual se encontra um membro da corporação, deveria ser a regra sem exceção. Sabemos que nem sempre é assim.


Conclusão: o Itamaraty escorregou feio nessa questão das jóias milionárias do contraventor presidencial. Infelizmente prevaleceu a cultura da submissão. Esperando que ela não subsista na presente administração, assina esta nota um modesto membro da corporação diplomática.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 5/03/2023


sábado, 4 de fevereiro de 2023

Da banalidade do mal que acaba de ser extirpado depois de quatro anos de infortúnio nacional - Paulo Roberto de Almeida

Da banalidade do mal que acaba de ser extirpado depois de quatro anos de infortúnio nacional

Paulo Roberto de Almeida

O novo governo, com a eventual ajuda de certo Judiciário, ainda vive no rescaldo dos absurdos perpetrados durante quatro anos de bolsonarismo destrambelhado. O Brasil vai demorar para se liberar de quatro anos de pura loucura, ignorância e vulgaridade no poder. Como foi possível termos atravessado algo tão disfuncional na suprema esfera da governança?

À medida em que são revelados os traços mais grosseiros da Famiglia no poder entre 2019 e 2022, suponho que os generais e outros altos oficiais que sustentaram tamanha loucura comecem a sentir enorme vergonha por terem participado da maior degradação jamais vista no supremo comando da nação. Shame on you!

Se não bastassem as falcatruas na sede do poder, a desumanidade revelada no tratamento de indígenas— que são basicamente seres humanos como quaisquer outros — é algo tão estarrecedor que até o emprego de conceitos extremos como genocídio e nazismo pode aparecer como necessário. Apenas seres cruéis poderiam ser coniventes com as barbaridades agora reveladas. 

Parece a banalidade do mal, de que falava Hannah Arendt sobre um mero executor da barbárie nazista contra outros seres humanos, alguns por serem simplesmente judeus, outros por serem apenas indígenas. 

O Brasil se descobriu tingido pela mesma enfermidade mental e moral que contaminou no passado um dos povos mais cultos do mundo: a psicopatia no comando da nação produz algumas das monstruosidades que já atormentaram artistas como o Goya da invasão francesa na Espanha ou o Picasso de Guernica. 

Por enquanto dispomos das fotos de ianomamis levados ao extremo da desnutrição fabricada pelas mãos de agentes de uma vontade maior.

O que descobriremos doravante, quando registros e testemunhos sustentarão uma visão desimpedida sobre esses tempos tão sórdidos e macabros que acabamos de descobrir? 

Precisaremos de um novo Conrad para descrever o horror do parêntese bolsonarista?

Apenas uma certeza: a descrição objetiva e a interpretação circunstanciada do que acabamos de viver não pertence apenas ao domínio da ciência política ou da sociologia. Será preciso recorrer à psiquiatria e às demais ciências do espírito humano para tentar entender o que se passou na mais alta cúpula do poder.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4/02/2023

terça-feira, 28 de setembro de 2021

Bozo, o aprendiz de genocida - Celso Rocha de Barros (FSP)

 Bozo, o aprendiz de genocida (Mao e Stalin mataram muito mais), só porque não teve tempo de matar mais…

Paulo Roberto de Almeida

A CPI provou tudo

Celso Rocha de Barros, Folha de S. Paulo (27/09/2021)

A CPI encontrou os documentos, fez a conta e descobriu o CPF dos culpados

A CPI da Pandemia, que se aproxima de seu fim, provou a ocorrência do maior crime da história republicana brasileira. Encontrou os documentos certos, fez as contas certas e descobriu o CPF dos culpados.

A CPI provou, com documentos, que Jair Bolsonaro se recusou a comprar as vacinas oferecidas pela Pfizer e pelo Instituto Butantan, e que só comprou metade da oferta do consórcio Covax Facility.

Tudo documentado.

Com esse número de vacinas não compradas e os documentos que provam as datas em que elas poderiam estar disponíveis, os cientistas foram trabalhar. Eles sabem o quanto o número de mortes costuma cair conforme a vacinação progride.

Na conta do epidemiologista Pedro Hallal, feita a pedido da Folha, só as vacinas da Pfizer e do Butantan teriam salvado cerca de 90 mil pessoas. Bolsonaro matou essa gente só com duas decisões.

Por sua vez, o jornal O Estado de S. Paulo calculou que, só com as vacinas recusadas do Butantan, todos os idosos brasileiros teriam sido imunizados com duas doses até o fim de fevereiro, estando, portanto, todos imunizados a partir do meio de março. Entre o meio de março e o momento em que a reportagem foi publicada (27 de maio), 89 mil idosos morreram de Covid. Supondo que a mortalidade pós-vacinação de idosos fosse igual à do Chile (20% dos doentes), Bolsonaro matou, com uma única decisão, cerca de 70 mil idosos só entre o meio de março e maio deste ano.

Todas essas contas, que ainda não usam os números de vacinas que Bolsonaro se recusou a comprar do consórcio Covax Facility, foram apresentadas à CPI. O Ministério da Saúde tem gente que saberia refutá-las, se elas estivessem erradas. Ninguém se pronunciou.

A CPI também descobriu o que Bolsonaro estava fazendo em vez de comprar vacina: mandando os trabalhadores brasileiros para a rua para adoecer, mentindo que haveria remédio caso eles ficassem doentes.

A CPI documentou a existência de um gabinete paralelo de médicos estelionatários que, por dizerem o que Bolsonaro queria ouvir, tornaram-se mais influentes do que os técnicos do Ministério da Saúde. Foram eles que promoveram os tratamentos com remédios como a cloroquina, muito depois da ciência ter demonstrado que eles eram ineficazes.

Mais recentemente, veio à luz o caso da Prevent Senior, que executou experimentos em pacientes inocentes com o protocolo bolsonarista de cloroquina e similares. O tratamento fracassou, os pacientes morreram, mas os dados foram falsificados para que não se soubesse que os pacientes haviam morrido de Covid.

Finalmente, a CPI descobriu que o governo Bolsonaro se esforçou para que uma, e só uma, vacina específica fosse aprovada: a Covaxin, que ofereceu suborno à turma do deputado Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo Bolsonaro na Câmara. O negócio foi denunciado antes de ser efetivado, mas não por iniciativa de Bolsonaro.

Em resumo, a CPI provou que Bolsonaro matou mais de cem mil brasileiros, mentiu para eles que haveria remédio caso adoecessem, e acobertou gente de seu governo que tentava roubar dinheiro de vacina.

As revelações da CPI terão algum efeito político? Tem gente poderosa trabalhando para que não. Mas as provas que a CPI recolheu não vão embora. Ficarão lá, à espera de um Brasil que volte a ter instituições que não se vendam nem tenham medo do próprio Exército.