Da banalidade do mal que acaba de ser extirpado depois de quatro anos de infortúnio nacional
Paulo Roberto de Almeida
O novo governo, com a eventual ajuda de certo Judiciário, ainda vive no rescaldo dos absurdos perpetrados durante quatro anos de bolsonarismo destrambelhado. O Brasil vai demorar para se liberar de quatro anos de pura loucura, ignorância e vulgaridade no poder. Como foi possível termos atravessado algo tão disfuncional na suprema esfera da governança?
À medida em que são revelados os traços mais grosseiros da Famiglia no poder entre 2019 e 2022, suponho que os generais e outros altos oficiais que sustentaram tamanha loucura comecem a sentir enorme vergonha por terem participado da maior degradação jamais vista no supremo comando da nação. Shame on you!
Se não bastassem as falcatruas na sede do poder, a desumanidade revelada no tratamento de indígenas— que são basicamente seres humanos como quaisquer outros — é algo tão estarrecedor que até o emprego de conceitos extremos como genocídio e nazismo pode aparecer como necessário. Apenas seres cruéis poderiam ser coniventes com as barbaridades agora reveladas.
Parece a banalidade do mal, de que falava Hannah Arendt sobre um mero executor da barbárie nazista contra outros seres humanos, alguns por serem simplesmente judeus, outros por serem apenas indígenas.
O Brasil se descobriu tingido pela mesma enfermidade mental e moral que contaminou no passado um dos povos mais cultos do mundo: a psicopatia no comando da nação produz algumas das monstruosidades que já atormentaram artistas como o Goya da invasão francesa na Espanha ou o Picasso de Guernica.
Por enquanto dispomos das fotos de ianomamis levados ao extremo da desnutrição fabricada pelas mãos de agentes de uma vontade maior.
O que descobriremos doravante, quando registros e testemunhos sustentarão uma visão desimpedida sobre esses tempos tão sórdidos e macabros que acabamos de descobrir?
Precisaremos de um novo Conrad para descrever o horror do parêntese bolsonarista?
Apenas uma certeza: a descrição objetiva e a interpretação circunstanciada do que acabamos de viver não pertence apenas ao domínio da ciência política ou da sociologia. Será preciso recorrer à psiquiatria e às demais ciências do espírito humano para tentar entender o que se passou na mais alta cúpula do poder.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 4/02/2023