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sexta-feira, 5 de abril de 2019

Hugo Studart: esquerda armada provocou endurecimento do regime militar - Jose Neumanne

Ações da esquerda armada endureceram regime militar, diz professor

Historiador lembra que PC do B foi fundado contra Goulart em 1962, dois anos antes de sua queda, e acha que redemocratização resultou da luta pacífica dos civis

José Nêumanne 04 de abril de 2019 | 19h47
Hugo à frente da ONU em Genebra: seu livro A Lei da Selva trata da guerrilha sob a óptica dos militares. Em Borboletas e Lobisomens, guerrilheiros são protagonistas. Foto: Acervo pessoal
Hugo Studart, autor do livro Borboletas e Lobisomens, revelou que, ao contrário do que se propalou, a esquerda armada não reagiu ao endurecimento do regime militar, mas o contrário. Segundo ele, “o Partido Comunista do Brasil, o PC do B, foi fundado em 1962, em pleno governo democrático de João Goulart, com um programa-manifesto que denunciava o governo burguês de Jango e pregava a luta armada contra ele”. Na edição desta semana da série Nêumanne Entrevista, ele lembrou que “o PC do B enviou seus primeiro militantes para treinamento na Academia Militar de Pequim em fevereiro de 1964, ainda no governou de Goulart, com o objetivo de pegar em armas contra a democracia. Observando o outrora com os olhos de agora, dá para concluir que as organizações da luta armada foram vetores importantes para o endurecimento do regime e a instauração da ditadura militar. E que foi a luta pacífica sob a égide do MDB de Ulysses Guimarães e do Partido Comunista Brasileiro, o velho Partidão, a principal responsável pela redemocratização”. Nas suas contas, na luta militantes de esquerda mataram de 140 a 150 militares, civis e companheiros “justiçados”  e os militares, cerca de 350 guerrilheiros de esquerda.
Hugo, com orientandas na Universidade Católica de Brasília, que lhe davam cartaz por ele já ter trabalhado em redações. Foto: Acervo pessoal
O historiador Hugo Studart tem protagonizado um fenômeno curioso diante da atual conjuntura política brasileira, tomada pelo radicalismo ideológico entre extrema direita e extrema esquerda, em que os dois lados tentam distorcer o passado e recontá-lo segundo as conveniências do presente: o equilíbrio na busca pela verdade histórica. Seu livro mais recente, Borboletas e Lobisomens – Vidas, sonhos e mortes dos guerrilheiros do Araguaia (Francisco Alves Editora), lançado em outubro passado em São Paulo, é um exemplo desse equilíbrio. Por conta dos segredos incômodos que revelou sobre o modo como o Exército exterminou os guerrilheiros, tem provocado reação da direita mais extremada. Paradoxalmente, vêm da extrema esquerda as reações mais violentas – manifestos, atos públicos de repúdio e até piquetes contra os lançamentos – por causa de segredos que os comunistas vinham tentando manter ocultos. A obra, um calhamaço fundamentado em mais de 15 mil páginas de documentos secretos da ditadura e em quase 150 depoimentos orais de sobreviventes, de guerrilheiros, em apenas três meses chegou à terceira edição. Seu livro anterior, A Lei da Selva, no qual revela as estratégias militares na guerrilha do Araguaia, é recordista como referência no livro oficial do governo brasileiro sobre mortos e desaparecidos no regime militar, Direito à Memória e à Verdade, com 53 citações em verbetes, e é apresentado como obra referência pelas bibliotecas de 22 universidades estrangeiras, como Harvard, Yale e Princeton, nos Estados Unidos, e Cambridge, na Inglaterra. Jornalista investigativo ao longo de quase 30 anos, Studart atuou como repórter, editor, colunista e diretor nos principais veículos do País, como O Estado de S. Paulo, Folha de S.Paulo, Veja e IstoÉ. Também recebeu prêmios como o Esso e o Abril de Jornalismo e Wladimir Herzog de Direitos Humanos. Em determinado momento, foi migrando de jornalista para professor e historiador. Detentor do título de doutor em História pela Universidade de Brasília, atuou como professor de instituições como Faculdade Cásper Líbero, em São Paulo, Universidade Católica de Brasília, Ibmec e, atualmente, é professor convidado da UnB, onde ministra o curso de História da Ditadura e da Luta Armada no Brasil. É, ainda, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal e da Academia de Letras de Brasília.
Nêumanne entrevista Hugo Studart
Hugo com a filha Natasha no lançamento de Borboletas e Lobisomens em Brasília. Foto: Acervo pessoal
Nêumanne – O que o levou a deixar o jornalismo profissional para se dedicar à carreira acadêmica?
Hugo – Parte de nossa vida é traçada pelas escolhas puramente humanas, aquela máxima “aqui se planta, aqui se colhe”. Outra parte, acredito, faz parte do Destino. Tempos atrás eu trabalhava como diretor de uma grande empresa de conteúdo digital. Então a bolha da internet estourou e voltei desempregado para Brasília. Um antigo professor da universidade me deu emprego de professor numa faculdade privada. Descobri que a sala de aula é uma paixão profunda, glutona. Então fui terminar meu mestrado e fazer o doutorado como requisitos. Optei pela História, e não pela comunicação, que seria o caminho natural. Foi nesse momento que também descobri a paixão pela História, algo de infância, mas que havia sido adormecido pelo jornalismo. Por mais de dez anos busquei conciliar jornalismo com sala de aula. Houve um momento em que optei por entrar por inteiro na História e na vida de professor. Acredito que seja o Destino traçando meu rumo.
N – Qual é a diferença fundamental que encontrou entre testemunhar e relatar acontecimentos e entrevistar personagens e pesquisar documentos e buscar testemunhos vivos para resgatar momentos mais obscuros no tempo?
H – Costumo instigar meus alunos a buscar um diálogo entre jornalismo e História fazendo uso de uma expressão do filósofo Walter Benjamin: o jornalismo é a História do agora, da mesma forma que a História é o jornalismo sobre o outrora. Só se consegue fazer jornalismo interpretativo se houver o entendimento do passado, ou seja, quanto mais amplo e profundo o conhecimento histórico, melhores são a compreensão do presente e a prospecção do futuro. Além disso, a metodologia e a pesquisa do jornalismo são muito mais dinâmicas, eficientes e consolidadas que as da História. Para se ter ideia, o jornalismo reconhece a validade das entrevistas orais desde o início do século 19, enquanto na História ainda é forte a resistência aos testemunhos e grande o fetiche por documentos, documentos esses quase sempre forjados e conjurados, jamais precisos. Enfim, a pesquisa histórica ainda tem muito a aprender com a apuração jornalística, da mesma forma que o jornalismo precisa da História para compreender o presente e analisar as perspectivas futuras.
Hugo com Jadiel Camelo, parceiro na pesquisa de campo feita no território da guerrilha no Araguaia. Foto: Acervo pessoal
N – O que despertou seu interesse na história trágica da guerrilha rural do PC do B na região do Araguaia, em plena guerra suja travada pelos grupos armados de esquerda contra as Forças Armadas do Estado brasileiro, naquela conturbada segunda metade do século 20? E o que têm que ver borboletas e lobisomens com isso tudo?
H – Eu estava apurando, como jornalista, a morte da guerrilheira urbana Iara Iavelberg, que era amante do capitão guerrilheiro Carlos Lamarca, quando cheguei a um coronel que resguardava em casa um acervo fantástico de documentos do Araguaia. Foi então que comecei a pesquisar sobre o tema, ainda em 1998. Mais tarde, ao entrar para o mestrado em História pela Universidade de Brasília (UnB), optei pelo tema, tendo como corte pesquisar como os militares conseguiram derrotar a guerrilha rural. A dissertação virou livro, A Lei da Selva, que foi muito premiado na época e acabou sendo adotado como livro-referência por 22 universidades estrangeiras, como Harvard, Yale e Princeton, nos Estados Unidos, e Cambridge, na Inglaterra. No caso do livro Borboletas e Lobisomens – Vidas, sonhos e mortes dos guerrilheiros do Araguaia, ele é produto da minha tese de doutorado, também pela UnB. A ideia era tecer um díptico, como duas tábuas independentes que formam um quadro só. A Lei da Selva trata da guerrilha sob o ponto de vista dos militares. Já em Borboletas e Lobisomens os guerrilheiros são os protagonistas da mesma história.
Hugo com o livro Borboletas e Lobisomens, sucesso literário e acadêmico, editado pela Francisco Alves, no lançamento em Brasília. Foto: Acervo pessoal
N – Como o senhor conseguiu pistas para abordar um assunto polêmico e guardado sob sete capas, por um lado, e oculto por trás de uma cortina de mistificação ideológica, por outro?
H – É um fato curioso que, terminada a guerrilha, nem os militares revelaram como venceram, nem o PC do B contou como perdeu. O partido só começou sua abertura a partir de 1996, ainda assim de forma lenta, segura e gradual, revelando seus arquivos somente para historiadores ideologicamente confiáveis (para eles, é claro). Paradoxalmente, as principais revelações estão vindo de militares. Desde a virada do ano 2000, uma dúzia de militares já abriu seus acervos privados para pesquisadores e jornalistas, como é o caso do coronel Lício Maciel. Ou ainda escreveram seus próprios livros, como no caso do coronel Djalma Madruga. Da minha parte, consegui que o então ministro da Defesa Nélson Jobim permitisse o acesso aos arquivos secretos do antigo SNI (Serviço Nacional de Informações) e do Cisa (Centro de Informações da Aeronáutica). Mas os melhores documentos ainda são os revelados pelos acervos privados de militares. Acabei conseguindo reunir um acervo entre 15 mil e 20 mil páginas de documentos secretos, que fundamentaram minhas pesquisas.
Hugo na sala de aula na UnB com colegas, ambiente pelo qual trocou as redações dos periódicos em que trabalhou. Foto: Acervo pessoal
5 – Quais foram os maiores obstáculos que encontrou para conseguir as informações de que precisava para pintar o retrato exaustivo e completo que terminou por conseguir fazer?
H – Outro paradoxo é que, apesar de existirem milhares de páginas de documentos disponíveis, a quase totalidade deles tem pouca serventia. Há um mito muito grande em torno desses tais documentos secretos da ditadura. Não há grandes revelações nesses papéis, mas fragmentos dispersos, como cacos de cerâmica da arqueologia que necessitam de uma boa interpretação para deles se extrair alguma informação interessante. Enfim, esses documentos apontam pistas e indícios de fragmentos de História. Esse foi o maior obstáculo, a imprecisão documental sobre fatos realmente relevantes, apesar de o acervo disponível ser enorme. Contornei os obstáculos com a experiência de repórter investigativo, recorrendo a depoimentos orais de militares, de guerrilheiros sobreviventes e de moradores da região. Só assim foi possível  tecer uma boa trama histórica.
Hugo na reserva indígena Sororó, na região da guerrilha do PC do B no Araguaia. Foto: Acervo pessoal
N – O que aproveitou de sua experiência de repórter no trabalho de campo de sua pesquisa e que vícios da imprensa o atrapalharam no mesmo mister?
H – Sem dúvida, foi a experiência das entrevistas orais que mais me ajudou, as técnicas e a experiência na abordagem e na persuasão das fontes. Não é fácil convencer um militar, há 40 anos em obsequioso silêncio, a revelar em detalhes como torturou e matou um guerrilheiro. E consegui inúmeros relatos na primeira pessoa do singular, usando como metodologia revelar o nome daqueles que eram oficiais, mas preservando sigilo dos subalternos que apenas cumpriam ordens. Um caso bem difícil, presente em Borboletas e Lobisomens, foi o relato de um militar sobre como executou a guerrilheira Áurea Elisa Valadão. Havia bem uns dez anos que mantínhamos contatos periódicos, mas ele não me havia contado nada. Eu estava atrás dos chamados mortos-vivos, os guerrilheiros que fizeram delação premiada e trocaram de identidade. Sabia que havia uma mulher, mas não quem. Um dia, saindo da aula na universidade, apareci de surpresa na casa desse militar. Ele me recebeu no portão. Fui logo dizendo: “Hoje você vai cantar”. Essa expressão era usada pelo pessoal da repressão que interrogava prisioneiros, significa falar, contar o que sabe. “Tem uns dez anos que almoçamos na churrascaria Pampa, tomamos muito uísque e até agora você não me contou nada. Fulano já cantou, sicrano já cantou, só falta você”. Ele baixou a cabeça e me mandou entrar. Tomamos umas quatro ou cinco doses de uísque falando banalidades. Mais de uma hora depois, ele me chamou para um quarto reservado e perguntou: “O que você quer saber?”. Comecei a perguntar e ele a responder. Foi o depoimento mais revelador e surpreendente de todos. Só um repórter investigativo teria conseguido estabelecer a empatia necessária. Se eu tivesse chegado com gravador e questionário, como ensinam as técnicas rígidas da história oral, teria sido rechaçado.
N – Concluído seu livro de 858 páginas, um portento, quais são as suas conclusões pessoais a respeito da contribuição dos grupos armados da esquerda para o recrudescimento da repressão do regime autoritário ou a reconstrução da democracia, tal como foi empreendida depois de esmagado militarmente o movimento?
H – Se me permite uma retificação, a tese de doutorado é que tem esse absurdo de páginas. O livro tem apenas 660 páginas, bem mais leve, pois extraí muita citação teórica e diálogo acadêmico com pena dos leitores. Sobre a pergunta em si, lembro que o marco inicial da luta armada é o atentado ao Aeroporto de Guararapes, no Recife, em julho de 1966, que pretendia matar o então ministro da Guerra, Arthur da Costa e Silva, mas acabou matando dois inocentes e ferindo 14 pessoas. Foi um desastre sob o ponto de vista político e histórico. O presidente Castelo Branco era um democrata moderado, tão moderado que hoje seria do DEM. Ainda era um regime civil-militar, com viés autoritário, mas que poderia verter para a democracia liberal plena. Mas aquele atentado provocou a ascensão da linha dura militar ao poder. Ato contínuo, começaram a proliferar novas organizações da luta armada, como a ALN (Ação Libertadora Nacional), de Carlos Marighella, e a VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), do capitão Carlos Lamarca, com atentados terroristas. Os generais foram reagindo com o endurecimento, até a instauração do regime autocrático, a ditadura pura e simples, a partir do AI-5 (Ato Institucional n.º 5). A esquerda alega hoje que pegou em armas como reação à ditadura, tese essa inicialmente apresentada pelo historiador Jacob Gorender. Contudo outros historiadores, como Daniel Aarão Reis e Luís Mir, apresentam a tese de que o projeto da luta armada é anterior e quase nada tem que ver com o movimento de 1964. Ou seja, que os guerrilheiros não eram reacionários, mas, sim, protagonista daquele tempo, reacionários eram os militares. Alinho-me a essa tese, tanto que o Partido Comunista do Brasil, o PC do B, foi fundado em 1962, em pleno governo democrático de João Goulart, com um programa-manifesto que denunciava o governo burguês de Jango e pregava a luta armada contra ele. Lembro que o PC do B enviou seus primeiro militantes para treinamento na Academia Militar de Pequim em fevereiro de 1964, ainda no governou de Goulart, com o objetivo de pegar em armas contra a democracia. Observando o outrora com os olhos de agora, dá para concluir que as organizações da luta armadas foram vetores importantes para o endurecimento do regime e a instauração da ditadura militar. E que foi a luta pacífica sob a égide do MDB de Ulysses Guimarães e do Partido Comunista Brasileiro, o velho Partidão, a principal responsável pela redemocratização.
Hugo autografa seu livro sobre guerrilha, alvo de protesto veementes dos dois lados da luta. Foto: Acervo pessoal
N – Até que ponto, a seu ver, a experiência amarga do campo de batalha inóspito levou as Forças Armadas, em geral, e o Exército Brasileiro, em particular, a adotarem a sábia, sensata e prudente atitude de garantia da ordem no Estado de Direito, papel fundamental, segundo o testemunho do mais lúcido sobrevivente desse entrevero, o jornalista e político Fernando Gabeira, em sua colaboração nos meios de comunicação?
H – É pacífico que as Forças Armadas, vitoriosas no campo de batalha, perderam a guerra da História para aquilo que os militares chamam hoje de guerra cultural, ou guerra de narrativas. Aliás, eles foram e ainda estão sendo massacrados pelas esquerdas nos campos da cultura, educação, comunicação e diretos humanos. Os militares estavam desde 1985 aquietados nos quartéis, em silêncio obsequioso, batendo continência aos civis, inclusive a comunistas como Aldo Rebello, do PC do B, que foi ministro da Defesa. Até que apareceu o fenômeno Bolsonaro e eles retornaram à ribalta. Mas, conforme suas palavras, Nêumanne, eles permanecem adotando a sábia, sensata e prudente atitude de garantia da ordem no Estado de Direito. É público que, no meio do caminho, se cogitou de três golpes de Estado, sendo um deles um golpe jurídico. O primeiro foi quando a então presidente Dilma propôs ao general Eduardo Villas Bôas, comandante do Exército, a decretação do estado de defesa para impedir a votação do impeachment. Depois o mesmo Villas Bôas impediu que o Supremo libertasse Lula, o que provocaria uma convulsão social com desfecho imprevisível. Por fim, por ocasião do atentado ao candidato Jair Bolsonaro, ele segurou o ímpeto das tropas de virar a mesa. Por isso Villas Bôas é tão festejado como um fiador da democracia. Mas ele não é voz isolada, ao contrário, representa a opinião hegemônica das Forças Armadas nessa opção sábia, sensata e prudente de se perfilar pela garantia da ordem no Estado de Direito, como bem observou Gabeira.
Hugo com mascote da Brigada de Infantaria na Selva em Marabá, capital da guerrilha, durante viagem de pesquisa historiográfica. Foto: Teresa Sobreira
N – Como o senhor observa e interpreta a tentativa nostálgica, que os historiadores chamam de “retrotopia”, de reescrever a experiência dramática daqueles anos, enfrentando a historiografia reconhecida, tida pelos novos ocupantes do poder na República como crônica fictícia dos derrotados, sob a égide de Jair Bolsonaro, negando o golpe de Estado e a natureza ditatorial do regime militar?
H – É de George Orwell a máxima: “Quem controla o passado controla o futuro, quem controla o presente controla o passado”. Bolsonaro dá mostras explícitas de profunda preocupação pela reconquista dos corações e mentes dos brasileiros por meio da hegemonia na cultura, na educação e na comunicação, aquele projeto de Gramsci ao qual o presidente tanto se refere com ojeriza. Avalio, contudo, que não seja uma boa estratégias essa opção pela negação, muito menos pela reinterpretação histórica, como essa do chanceler Ernesto Araújo de dizer que o nazismo seria de esquerda. Se Bolsonaro quiser “controlar o passado”, conforme a expressão de Orwell, o melhor caminho me parece ser encarar uma nova Comissão da Verdade, contabilizando as vítimas dos dois lados da luta. É quase certo que acabe chegando a uma conta próxima a 140 ou 150 vítimas na esquerda, ante 350 vítimas entre militares. Se quiser mesmo ganhar a guerra de narrativas e a hegemonia cultural, o presidente vai precisar implementar projetos consistentes na educação, na cultura e na comunicação.
Hugo com Ena Galvão, confreira na Academia de Letras de Brasília, na livraria.Foto: Acervo pessoal
N – O senhor se surpreendeu com a reação indignada dos que se sentiram traídos por seu trabalho imparcial, e, a partir de sua experiência nesse campo, o senhor está disposto a relatar a nossos leitores quais poderão vir a ser, a seu ver, as consequências da guerra ideológica que pode vir a ser travada nos câmpus universitários e no ambiente da educação em geral, no Brasil, neste momento em que a saída do estágio de indigência total dos níveis de ensino é comprometida pela resistência da esquerda e da direita, incapazes de abrir mão de seus mitos para o cumprimento do papel basilar do Estado e dos educadores em sua missão de lecionar e preparar as gerações do futuro para lhe darem acesso a uma sociedade civilizada?
H – De fato, houve uma forte reação negativa da parte do PC do B contra meu trabalho, tanto que eles já divulgaram 23 manifestos, mais de quatro horas de gravação e fizeram quatro atos públicos de repúdio, incluindo um piquete contra o lançamento do livro no Rio de Janeiro. A razão? Ora, ousei revelar alguns fatos incômodos à narrativa do partido, como a existência dos mortos-vivos, aqueles que fizeram delação premiada e trocaram de identidade, ou a existência de uma guerrilheira infiltrada que foi responsável por pelo menos cinco mortes, mas hoje ocupa posição de relevo na hierarquia do Grupo Tortura Nunca Mais. Por outro lado, revelei detalhes de 22 execuções de prisioneiros pelos militares. Busquei ser equilibrado, jamais neutro. É justamente isso que está faltando nas universidades brasileiras, equilíbrio e sensatez intelectual, sobretudo a convivência pacífica com a diversidade de ideias. Mas isso não deve acontecer tão cedo. As universidades tendem a virar uma espécie de bunker da resistência da esquerda a este governo, talvez até do próximo. Desde os anos 80, a universidade brasileira vive a era do pensamento único. A bibliografia hegemônica e, por vezes, absoluta em alguns campos do pensamento oscila entre autores marxistas e estruturalistas. Foram praticamente banidos os pensadores da liberdade e da democracia. Nem me refiro aos conversadores ou aos de direita, mas aos liberais. De uns tempos para cá, muitos estudantes universitários observam que há uma dissonância entre a realidade do mundo e o que apregoam os livros e os professores. Mas não têm contraponto bibliográfico, não têm outras referências que os auxiliem a formar outro ponto de vista. Então acabam caindo no niilismo. O mesmo fenômeno ocorre no ensino básico. Foram banidos dos currículos escolares todos os clássicos da literatura, sobretudo os autores e obras que tratam dos conceitos de povo brasileiro e de Nação brasileira, como Monteiro Lobato, Machado de Assis, Érico Veríssimo e, no caso das universidades, Gilberto Freyre e até Darcy Ribeiro. Simplesmente foram banidos. Não adianta enviar memorando às escolas mandando cantar o Hino Nacional. Precisa é lembrar que, como ensinou Lobato, “um país se faz com homens e livros”. Se Bolsonaro e seus generais quiserem de fato vencer a tal guerra cultural, precisam enviar Machado e Veríssimo às escolas. O resto é consequência. E não adianta esperar resultados imediatos, são árvores que vão demorar umas três décadas para dar frutos.
No Araguaia, Hugo tentou entender por que, “terminada a guerrilha, nem os militares revelaram como venceram, nem o PC do B contou como perdeu”. Foto: Acervo pessoal

domingo, 31 de março de 2019

Daniel Aarão Reis: 1964, Historia e Memoria (FSP)

Daniel Aarão Reis: Historiador rebate mitos sobre o golpe de 1964


Ilustríssima / Folha de S. Paulo, 31/03/2019

À esquerda e à direita, Daniel Aarão Reis revê fantasmas que cercam a ditadura

A orientação do presidente Jair Bolsonaro para que unidades militares comemorem neste domingo o golpe de 31 de março de 1964, que iniciou a ditadura no país, suscitou polêmicas que merecem análise mais equilibrada, evitando-se “histórias oficiais” à direita e à esquerda.

Vamos por partes. Em fins de março de 1964 instaurou-se no país uma ditadura através de um golpe de Estado. Trata-se de um fato objetivo. Um presidente legítimo, João Goulart, foi deposto pelas armas, ao que se seguiu um regime de exceção, em que o direito da força prima sobre a força do direito. Em outras palavras: em que a vontade do poder se sobrepõe, ou nega, à existência das leis, (re)criando legislações a seu bel-prazer.

Entretanto, a ditadura não se tornou vitoriosa apenas pela ação militar. Foi um golpe civil-militar. Houve apoio social, que se exprimiu nas Marchas da Família com Deus e pela Liberdade no país, na força das tradições conservadoras e autoritárias.

Naquele momento encontramos as raízes que explicam, ao menos em parte, a ascensão atual da extrema direita no país. Além disso, dirigentes civis, políticos, empresários e religiosos participaram do golpe, além instituições, como a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) e as principais mídias.

A simpatia suscitada pelo golpe era consequência do medo de uma ditadura comunista. A chamada Guerra Fria, entre os EUA e a União Soviética, estava no auge. Na América Latina, a Revolução Cubanaacontecera. No Brasil, um amplo movimento reformista propunha mudanças estruturais, visando a “democratização da democracia”.

Aparentemente, havia ali um equilíbrio de forças, contribuindo para o acirramento das contradições.

Assim, a vitória fulminante do golpe de 1964 foi uma surpresa, mesmo para os golpistas mais otimistas.

Como compreender a derrota das esquerdas? Seria resultado de vacilações de suas lideranças mais importantes, que temeriam enfrentamentos imprevisíveis? De organizações populares muito dependentes do Estado e de suas iniciativas? De dúvidas de militantes acerca de engajar-se ou não numa luta decisiva para defender aquela República? Um pouco de tudo isto? O fato é que, até hoje, a derrota das esquerdas carece de melhor compreensão.

Muitos que apoiaram a instauração da ditadura a desejavam de curta duração. Ela eliminaria as forças de esquerda e as eleições do ano seguinte se realizariam. Aí houve uma surpresa. Os chefes militares apropriaram-se do poder por longo tempo, afirmando a preeminência indisputada das corporações (Exército, Marinha e Aeronáutica). Daí ser exato conceituar o regime como uma ditadura militar.

O primeiro governo ditatorial, chefiado pelo general Castelo Branco, apostou numa orientação liberal. A ideia era enterrar as heranças varguistas e a cultura política nacional-estatista. A aposta foi perdida. A propósito deste governo, brotou a formulação de que teria sido uma ditadura branda, uma “ditabranda”.

Como então classificar, entre outras arbitrariedades, as prisões e cassações de direitos políticos e civis, as torturas acobertadas, a dissolução dos partidos políticos, o fechamento do Congresso e a alteração arbitrária da legislação eleitoral? Recusar evidências não é rever a história, mas negá-la. É negacionismo, a eliminação da história.

Os governos ditatoriais seguintes, principalmente no período Médici-Geisel (1969-1979), retomaram o parâmetro nacional-estatista, mas excluindo o povo. Isso não os impediu de conservar e ampliar apoios civis.

Daí ter surgido a ideia de uma ditadura civil-militar, para aprofundar a reflexão sobre as complexas relações entre a ditadura e a sociedade, e evidenciar as cumplicidades de segmentos civis, inclusive de camadas populares. Muito já se fez para desvendar essas cumplicidades, muito ainda há que se fazer para compreender como se comportaram os cidadãos comuns sob a ditadura. Mais pistas poderão daí advir para entender o “mito Bolsonaro”.

A ditadura, porém, sempre suscitou oposições, moderadas e radicais. No grupo dos moderados estavam muitos apoiadores iniciais do golpe, depois decepcionados com os militares, e os que nunca aceitaram a ditadura, mas também não acreditavam em enfrentamentos violentos. Entre os radicais encontravam-se as correntes revolucionárias, armadas, que tentaram derrotar os militares, destruir o capitalismo e construir uma sociedade alternativa. Almejavam uma ditadura revolucionária que asseguraria a transição nos moldes do socialismo autoritário plasmado pela Revolução Russa e confirmado pelo exemplo cubano.

A ditadura massacrou os radicais —com o uso e o abuso da tortura como política de Estado— e neutralizou os moderados, alguns dos quais também presos e torturados. Mais tarde, muitos destes últimos contribuiriam no processo de transição rumo à restauração democrática.

Entre os críticos da ditadura houve um triplo equívoco. Imaginaram-na destinada à estagnação econômica, à subserviência aos EUA e à pura e simples repressão violenta, exercida por boçais. Não foi o que aconteceu. O capitalismo mudou de patamar, embora à custa de desigualdades sociais e regionais. Recuperou-se o nacional-estatismo como programa. E a própria repressão, sempre impiedosa, combinou-se com políticas de conciliação e de acomodação. Anos de chumbo, certamente. Mas também de ouro, e para não poucos.

A transição começou no início do governo Geisel, em 1974, e foi até a aprovação da Constituição de 1988. Foi transicional, estendendo-se no tempo, e transacional, baseada na negociação. A primeira fase terminou com a extinção dos atos institucionais, em 1979. Estendeu-se, a partir daí, outra etapa, em que já não havia ditadura, mas ainda não surgira um Estado democrático de Direito. A tese, ainda dominante, de que a ditadura terminou com a posse de José Sarney, em 1985, tende a privilegiar a preeminência militar e ocultar a participação civil no processo ditatorial.

É certo que o último general presidente, João Figueiredo, tomou posse ainda nos marcos da ditadura, mas governou sem o apoio dos atos institucionais. Sua gestão se conciliava com os aparelhos repressivos e com atentados terroristas de extrema direita, mas os tribunais agiam com autonomia. Não havia presos políticos. A imprensa não era mais censurada. Os partidos políticos e os sindicatos funcionavam em liberdade.

Nas eleições de 1982, elegeram-se candidatos das oposições, e os resultados não foram questionados. Houve ainda greves parciais e gerais, além do gigantesco movimento pelas eleições diretas para a Presidência da República em 1983 e 1984. Tudo isso aconteceu às claras, nas ruas, sem repressão sangrenta. Como falar, então, em ditadura? Trata-se de uma impropriedade.

Em outubro de 1988, a nova Constituição encerrou a transição, mas não agradou a todos. Conservando a cultura nacional-estatista, irritou os liberais. Desagradou também as esquerdas, ao não priorizar a reforma agrária e reivindicações históricas, como a estabilidade no emprego e a semana de trabalho de 40 horas.

Por outro lado, junto a inovações concernentes aos direitos civis, políticos e sociais, nela permaneceram as marcas da transição longa e negociada, os legados da ditadura. Entre outros, a hegemonia do Poder Executivo e da União, o modelo econômico, o monopólio dos meios de comunicação e da terra, a hegemonia do capital financeiro e a tutela —mal disfarçada— das Forças Armadas. Uma Constituição híbrida. Chamá-la de “cidadã”, como quis Ulysses Guimarães, foi uma licença poética.

De 1988 a 2018, 30 anos se passaram. O que se fez em relação à memória da ditadura? Infelizmente, muito pouco. Como em relação à ditadura do Estado Novo (1937-1945), prevaleceu a ideia de que “olhar pelo retrovisor” revolveria “feridas abertas”. É verdade que pesquisas foram empreendidas nas universidades e que a mídia divulgou controvérsias.

Nada capaz, todavia, de fazer a sociedade ver que a ditadura não era um passado que passara, mas algo que permanecia, através de seus legados. Não se convocaram as Forças Armadas para um debate sobre suas funções numa sociedade democrática. Ao contrário, só foram chamadas para assegurar a ordem pública, cumprindo papel de polícia, o que só fez aumentar seu prestígio. É certo que uma Comissão Nacional da Verdade funcionou, mas suas resoluções cedo caíram no esquecimento.

Enquanto isso políticos e partidos, de esquerda e de direita, compraziam-se em dizer, por motivos variados, que a democracia no país estava consolidada. Seus erros geraram consequências, com o ressurgimento, à luz do dia, das tradições conservadoras e autoritárias que permaneciam subterrâneas, mas vivas.

Compreendê-las e superá-las, através do debate e das lutas políticas, é um desafio e tanto. Esconder evidências históricas ou distorcê-las não será um bom caminho para a sempre necessária “democratização da democracia” brasileira.

Gostaria agora de explicitar de que ponto de vista falo, pois ninguém pensa sem premissas ou princípios. Depois de uma longa trajetória, identifiquei-me com o socialismo democrático, ainda por nascer, a ser alcançado pela persuasão, pela participação e pelo voto, distante do capitalismo, sempre desigual e injusto, e também do socialismo autoritário. Essas referências não devem incidir sobre o que é essencial no ofício do historiador —a busca da evidência e da verdade.

Atento a isto, Nikita Kruschev, secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética entre 1953 e 1964, advertiu que a “história era muito séria para ser deixada nas mãos de historiadores”. Exprimiu a ambição do Estado de controlar a historiografia e fazê-la serva das “histórias oficiais”.

Aos historiadores cabe resistir, afirmando, para além de interpretações que podem e devem variar, os compromissos éticos com as evidências e as verdades —por mais fugazes e provisórias que essas sejam, apenas entrevistas como ruínas sob os relâmpagos das tempestades, na bela metáfora de Walter Benjamin.

*Daniel Aarão Reis, professor de história contemporânea da Universidade Federal Fluminense, é autor de “A Revolução que Mudou o Mundo” e “Ditadura e Democracia no Brasil”.

domingo, 3 de fevereiro de 2019

A economia do regime militar - paper Paulo Roberto de Almeida

Meu primeiro artigo publicado no ano de 2019, ainda que tenha sido escrito e apresentado em 2018: 


3252. “A trajetória econômica do Brasil na era militar: crescimento e crises”, Brasília, 27 fevereiro 2018, 26 p. Paper preparado para apresentação na 7ª Conferência Internacional de História Econômica da ABPHE (Ribeirão Preto, em 10-11 de julho de 2018), na área de “Brasil e América nos séculos XX e XXI”. Publicado nos Anais do encontro; in: OLIVEIRA, Lélio Luiz de; MARCONDES, Renato Leite e MESSIAS, Talita Alves de (orgs). In: Anais do 7ª Conferência Internacional de História de Empresas e IX Encontro de Pós Graduação em História Econômica. Ribeirão Preto: USP/ABPHE, 2019. ISBN: 978-85-68378-02-1; link do evento: http://www.abphe.org.br/ix-encontro-de-pos-graduacao-em-historia-economica); link do artigo: http://www.abphe.org.br/uploads/Encontro_2018/ALMEIDA.%20A%20TRAJETÓRIA%20ECONÔMICA%20DO%20BRASIL%20NA%20ERA%20MILITAR_CRESCIMENTO%20E%20CRISES.pdf). Disponível em Academia.edu (link: http://www.academia.edu/38275891/3252TrajetoriaEconRegimeMilitar.pdf). Relação de Publicados n. 1300.



A trajetória econômica do Brasil na era militar: crescimento e crises

Paulo Roberto de Almeida
Diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, IPRI-Funag;
Professor de Economia Política no Centro Universitário de Brasília (Uniceub).
OLIVEIRA, Lélio Luiz de; MARCONDES, Renato Leite e MESSIAS, Talita Alves de (orgs). In: Anais do 7ª Conferência Internacional de História de Empresas e IX Encontro de Pós Graduação em História Econômica. Ribeirão Preto: USP/ABPHE, 2019. ISBN: 978-85-68378-02-1; link do evento: http://www.abphe.org.br/ix-encontro-de-pos-graduacao-em-historia-economica); link do artigo: http://www.abphe.org.br/uploads/Encontro_2018/ALMEIDA.%20A%20TRAJETÓRIA%20ECONÔMICA%20DO%20BRASIL%20NA%20ERA%20MILITAR_CRESCIMENTO%20E%20CRISES.pdf). Relação de Publicados n. 1300.


1. A economia do Brasil no pós-guerra até o início dos anos 1960
No período anterior ao regime militar, o Brasil continuava a ser, como aliás desde meados do século XIX, basicamente um vendedor de café, produto que ainda compunha 60% da pauta exportadora no início dos anos 1960. A agricultura ainda representava mais de 28% do PIB em 1960, contra apenas 26% da indústria, ainda assim um progresso em relação ao período anterior à guerra, quando o setor primário ascendia a mais de um terço do produto nacional, contra menos de 18% da indústria. A opção básica dos dirigentes econômicos no pós-guerra foi por políticas de crescimento voltadas para o mercado interno, para a capacitação nacional e para o controle dos chamados “setores estratégicos” da economia nacional, ainda que esses dirigentes fossem conscientes das necessidades básicas em aportes estrangeiros para que esse processo obtivesse sucesso: capitais de empréstimos, financiamentos multilaterais, investimentos diretos, assistência técnica (sobretudo em formação de capital humano) e know-how estrangeiro para sustentar o esforço de industrialização substitutiva.
O processo inflacionário e as crises políticas que afetaram os dois governos do início dos anos 1960, o breve de Jânio Quadros (janeiro-agosto de 1961) e o errático do vice-presidente João Goulart (setembro de 1961 a março de 1964), combinaram-se para afetar drasticamente o processo de crescimento econômico, com notável redução da taxa de investimentos em função das indecisões e equívocos de políticas econômicas registradas no período. Jânio Quadros tinha iniciado o seu governo com uma forte desvalorização cambial, a unificação das taxas e uma série de medidas ortodoxas, bem recebidas pelos credores externos; conseguiu renegociar a dívida externa, diferindo pagamentos entre 1961 e 1965 por um valor superior a 1 bilhão de dólares, dos quais 80% nos Estados Unidos e Canadá, e o restante na Europa (Abreu: 2013, 221) . Sua renúncia, após seis meses, impediu porém a continuidade do programa de estabilização.
O governo Jango, tanto em sua fase parlamentarista (até janeiro de 1963) quanto na retomada do presidencialismo, até tentou conciliar políticas de estabilização com medidas distributivas e de reformas econômicas, mas falhou por inépcia administrativa e indecisões políticas do presidente, desautorizando até seus assessores econômicos mais sensatos, como San Tiago Dantas, por exemplo. O ministro extraordinário do planejamento, Celso Furtado, atribuía “causas estruturais” à inflação e ao desequilíbrio externo, ao passo que os economistas mais ortodoxos chamavam a atenção para os déficits do Tesouro e para o tratamento pouco responsável das questões salariais. Os objetivos contraditórios do Plano Trienal de Celso Furtado – reforma fiscal para elevação das receitas tributárias, mas inibição do investimento privado; redução do dispêndio público via diminuição dos subsídios ao trigo e ao petróleo, mas política de recuperação salarial; captação de recursos no mercado de capitais, sem regulação adequada e sem remuneração compensatória da inflação; mobilização de recursos externos num ambiente de crescente nacionalismo e hostilidade ao capital estrangeiro –, ademais da aceleração do processo inflacionário (73% em 1963, contra 25% previstos no Plano), condenaram-no ao fracasso antes mesmo que o governo Goulart fosse derrubado numa conspiração militar. A economia cresceu apenas 0,6% em 1963, como reflexo do baixo nível de investimentos realizado no período.
As consequências se fizeram sentir logo em seguida, com uma deterioração sensível da situação: a inflação deixa a casa dos 20 a 40% ao ano no período JK para o dobro do percentual nos anos 1963 e 1964. A poupança externa cai como proporção do PIB, os fluxos de IED voltam a declinar e as taxas de investimento e de crescimento também caminham para baixo. Estava armado o cenário para uma grave deterioração da situação econômica, com uma queda acentuada no PIB e no produto industrial, ao passo que a inflação destruía a poupança da classe média, que apoiou a conspiração de políticos da oposição e de líderes militares na consecução do golpe de Estado que derrubou Goulart em março de 1964. (...)
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Ler a íntegra do trabalho neste link: