Hoje mesmo, ao conversar com um jornalista, eu evocava a tremenda ironia que existe ao se constatar, no Brasil, uma tendência a que os debates relevantes para o País, como os de política econômica, não se façam com relação à situação do futuro de sua economia e da sociedade no quadro da globalização, mas em direção do passado, de volta ao protecionismo e ao dirigismo dos anos do regime militar, e talvez até da era Vargas.
Eu mencionava a republicação pelo Ipea, certamente bem-vinda, do famoso debate entre Eugenio Gudin e Roberto Simonsen, em 1945, em torno das melhores para guiar a economia brasileira no pós-guerra, insistindo o primeiro, economista de corte neoclássico, nos bons fundamentos da economia e nos ganhos de produtividade, solicitando o segundo. industrial de sucesso, planejamento indicativo e dirigismo estatal, com controle dos vetores mais relevantes, sobretudo no setor externo. Pois bem: não contente em republicar esse debate, com um clara torcida pelo segundo, o Ipea também publicou um outro volume, conectado a esse, de "estudos" em torno das questões principais, mas deformando claramente as posições de Gudin, como se ele fosse contra a industrialização e o desenvolvimento do Brasil.
Tanto Gudin estava certo que a agricultura se converteu hoje no setor mais dinâmico da economia brasileira, exatamente como ele dizia que deveria ocorrer antes até de 1945. Parece incrível, mas como dizia outro economista, Roberto Campos, mas o Brasil é um país que não perde a oportunidade de perder oportunidades. Foi preciso mais de meio século para se demonstrar que Gudin estava correto, e que o segredo de nosso desenvolvimento estava nos ganhos de produtividade, não nesses "estímulos" estatais que só criam empresários rentistas, que vivem de subsídios públicos e de proteção.
O artigo abaixo confirma que temos a incrível capacidade de voltar ao passado.
Paulo Roberto de Almeida
Saudades dos anos 80Alexandre Schwartsman
Folha de S. Paulo, Quarta-feira, 18 de agosto de 2010
Dá uma sensação que beira a desesperança quando empresários pedem o fechamento da economia
Eu até poderia me surpreender, mas, como economista trabalhando no Brasil há mais tempo do que quero confessar, sinto que não tenho esse direito. Mesmo assim, quando líderes empresariais vêm a público pedir o fechamento da economia brasileira às importações, bate uma sensação que beira a desesperança.
Depois de anos de uma bem-sucedida (ainda que limitada) experiência de aumento da integração comercial do país, resta ainda quem abertamente defenda o retorno à situação que vivemos por mais de 50 anos, cujos resultados foram a estagnação da produtividade, o baixo crescimento e a elevação da concentração de renda.
O caso mais patológico foi, é claro, a malfadada política de reserva de mercado para informática, proposta por expoentes da corrente ironicamente autodenominada "desenvolvimentista", que gerou uns poucos ricos às expensas de consumidores e de empresas obrigados a pagar, por produtos de baixa qualidade, preços muito superiores aos praticados no exterior.
Todavia, esse é apenas o exemplo mais doentio do caso do amor da indústria nacional com o protecionismo. Há meros 20 anos, as importações equivaliam a 5,5% do PIB, dos quais quase a metade correspondia a petróleo e derivados, cuja produção doméstica era insuficiente.
Sob tais circunstâncias, os incentivos para a inovação eram mínimos e, consequentemente, o crescimento da produtividade foi medíocre, quando não negativo.
Dado, porém, que é precisamente o aumento da produtividade o fator crucial para a expansão sustentada do produto ao longo de muitos anos, também não se estranha o baixo dinamismo da economia brasileira por mais de 20 anos, que coincidiu, não por acaso, com o fim do processo de urbanização do país.
Por fim, a restrição às importações também permitiu a elevação das margens de lucro dos setores protegidos, cuja contrapartida é a redução do salário real. Posto de outra forma, a proteção beneficiou os setores intensivos em capital, implicando elevação do retorno sobre este à custa da redução do rendimento do trabalho, ou seja, maior concentração de renda.
E é a esse estado de coisas que alguns pretendem retornar, justificando que a elevação das importações teria prejudicado o crescimento da produção local. Isso no contexto de elevação da produção industrial superior a 16% e de um provável aumento do PIB na casa dos 9% na primeira metade do ano.
De fato, caso nossas projeções para as contas nacionais estejam corretas, a demanda doméstica deve ter crescido cerca de 10% no primeiro semestre deste ano, ou um pouco mais de R$ 150 bilhões (a preços de 2010).
Já as importações medidas em reais, deduzindo combustíveis, cresceram (também a preços de 2010) em torno de R$ 35 bilhões, um aumento de 30%, valor consistente com a experiência dos últimos anos.
Em outras palavras, mais de três quartos do crescimento da demanda doméstica foram atendidos pela produção local.
Isso se traduziu em forte redução da ociosidade na economia. No segundo trimestre deste ano, por exemplo, o nível de utilização da capacidade na indústria atingiu 82,7%, nível superado, por pouco, apenas no período entre o quarto trimestre de 2007 e o terceiro de 2008.
Já a taxa de desemprego caiu abaixo de 7% no último trimestre, o valor mais baixo da série. Ambas as observações sugerem que a economia se encontra bastante próxima do seu limite e que, portanto, as importações desempenham papel crucial para complementar a oferta doméstica num quadro de elevada demanda interna.
Se isso é verdade, o que poderia explicar esse acesso de nostalgia?
Quero crer que não seja um caso de sadismo, que sente saudade da estagnação econômica e da queda do salário real.
Provavelmente, não deve ser mais do que a percepção de que as importações limitam bastante o poder de certas indústrias de impor seus preços; é ruim para seus lucros, mas muito bom para o Brasil.
ALEXANDRE SCHWARTSMAN, 47, é economista-chefe do Grupo Santander Brasil, doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central. Escreve às quartas-feiras, quinzenalmente, neste espaço.