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segunda-feira, 25 de abril de 2011

O poeta enterra a Coca-Cola (ou quase): Fernando Pessoa

Nem sempre poetas são bons publicitários. Fernando Pessoa, por exemplo, foi um desastre para a Coca-Cola...
Descubram...

Fernando Pessoa, empregado de escritório
Por Adelto Gonçalves, de Santos, São Paulo
Via Política, 17/04/2011

Fernando Pessoa, de Almada Negreiros
Canonizado no altar dos pais da pátria portuguesa, em vida ninguém dedicou muita atenção a ele. Mas como era o poeta além do mundo das letras? Como agia e pensava no campo dos negócios para ganhar a vida? Uma obra recém lançada na Itália trata de responder a estas questões sobre Fernando Pessoa.

I

Em janeiro de 1926, aos 38 anos de idade, com alguma experiência no campo econômico e comercial, o poeta Fernando Pessoa (1888-1935) entendeu que tinha conhecimentos suficientes para editar uma publicação mensal ligada a esses dois setores, a Revista de Comércio e Contabilidade, que fundou em Lisboa em parceria com seu cunhado Francisco Caetano Dias.

Mas, olhando sem parti pris, o currículo que o poeta carregava era o de empreendedor desastrado e de empregado de escritório, um guarda-livros, tal como o seu heterônimo Bernardo Soares, que, se experiência tinha, seria só para ensinar a arte do trabalho contábil. Na verdade, Pessoa ganhava a vida mais como tradutor de inglês para o português, o que lhe permitia desempenhar a atividade para várias casas comerciais, aproveitando-se da larga dependência de Portugal em relação à Inglaterra.

Como empreendedor, de fato, nunca teve êxito: a própria publicação dedicada ao comércio e à contabilidade teria vida efêmera, apenas seis números, assim como a editora e tipografia Íbis, que, instalada em 1907 no bairro da Glória, mal chegou a funcionar. Em 1921, fundou a Editora Olisipo, de ruinosa carreira comercial. Nela publicou os seus English Poems I e II e English Poems III, e A invenção do dia claro, de Almada Negreiros (1893-1970). Em 1923, a Olisipo lançou o folheto Sodoma divinizada, de Raul Leal (1886-1964), que foi alvo de um ataque moralizador da Liga dos Estudantes de Lisboa e apreendido por ordem do governo, junto com as Canções, de António Botto (1897-1959).

Pela Olisipo, Pessoa pretendia lançar uma série de livros importantes – a maioria traduzidos (ou com tradução prevista) por ele mesmo, talvez para evitar maiores custos. Na acanhada Lisboa de sua época, com meia dúzia de livrarias e editoras, esse também não seria um ramo muito promissor para quem não dispunha de maiores recursos para empreendimentos mais ousados num mercado restrito. E já ocupado por algumas casas tradicionais, que se acotovelavam no Chiado e na Baixa.

Levando em conta, porém, a boa formação que Pessoa recebera na África do Sul, de 1896 a 1905, seria de esperar que tivesse tido uma carreira profissional de maior sucesso – a vida que podia ter sido, e que não foi, como diria o poeta Manuel Bandeira (1886-1968) –, e não a obscura vida de empregado de escritório, o que lhe permitiu apenas viver em quartinhos em casas de familiares ou alugados na rua da Glória, no largo do Carmo, nas ruas Passos Manuel, Pascoal de Melo, D. Estefania e Almirante Barroso, entre outros locais, até que se transferiu de vez para a casa da família na rua Coelho da Rocha, 16, onde viveu os últimos 15 anos de sua vida e hoje está a fundação que leva o seu nome.

Para aqueles que hoje medem a importância de um homem pelo saldo de sua conta bancária, decididamente, Fernando Pessoa não teria sido alguém que pudesse dar lições de empreendedorismo ou organização comercial. Nem mesmo ânimo – ou, quem sabe, maiores recursos financeiros – teve para estudar na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, quando retornou de sua temporada africana, como pretendia. Talvez tivesse tido uma boa carreira como professor, se houvesse primeiro superado a timidez, o que nunca fez.

Fernando Pessoa, de Almada Negreiros


Ao passar os anos de sua formação em Durban, na África do Sul, à época colônia britânica, em companhia da mãe e do padrasto, o jovem Pessoa teve a oportunidade de estudar na Convent School, uma escola privada (liceu) e, depois, na Commercial Schoool, de 1902 a 1903, e na Durban High School, sob a orientação de Mr. W.H. Nicholas, homem de personalidade notável que, possivelmente, serviu de modelo para o seu heterônimo Ricardo Reis.

Na Durban High School, fez um curso de contabilidade e comércio, depois de ter sido um aluno brilhante no liceu nas disciplinas de Humanidades, como se pode constatar no livro Fernando Pessoa na África do Sul: a formação inglesa de Fernando Pessoa, de Alexandre E. Severino (Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1983). Se a sua educação havia sido essencialmente humanista até àquela altura, o que o teria levado à mudança tão brusca? Provavelmente, porque sua família entendia que um curso comercial lhe daria conhecimentos mais práticos para ganhar a vida. Até porque na colônia britânica não havia, àquela altura, escolas superiores, o que se deu só a partir de 1918. Se quisesse (e pudesse), teria de fazer o curso superior em Londres.

II

Fosse como fosse, foi em seu arsenal de conhecimentos comerciais que Fernando Pessoa se baseou quando decidiu escrever textos para a Revista de Comércio e Contabilidade. São textos um tanto ingênuos, do ponto de vista comercial, que incluem uma visão do mundo da publicidade, mas que trazem a marca inconfundível do literato que os produziu. Tanto que levou o ficcionista, poeta e jornalista português António Mega Ferreira, ex-editor do Jornal de Letras, a recolhê-los em Fernando Pessoa em O comércio e a publicidade (Lisboa, Cinevoz/Lusomedia, 1986).

São estes textos que agora ganham versão em italiano em Fernando Pessoa: Economia & commercio: impresa, monopólio, libertà (Perugia, Edizioni dell´Urogallo, 2011), traduzidos pelo professor Brunello De Cusatis, da Faculdade de Letras e Filosofia da Universidade de Perugia, autor de uma esclarecedora introdução. O volume inclui ainda o iluminado ensaio-posfácio “O evolucionismo comercial de Fernando Pessoa”, do poeta, tradutor e ensaísta Alfredo Margarido (1928-2010), recentemente falecido, a cuja memória o livro é dedicado.

Tudo o que se disse linhas acima se pode constatar neste trecho: “Um comerciante, qualquer que seja, não é mais do que um servidor do público, ou de um público; e recebe uma paga, a que chama o seu “lucro”, pela prestação desse serviço. Ora toda gente que serve deve, parece-nos, buscar a agradar a quem serve. Para isso é preciso estudar a quem se serve (...); partindo não do princípio de que os outros pensam como nós, ou devem pensar como nós (...), mas do princípio de que, se queremos servir os outros (para lucrar com isso ou não), nós é que devemos pensar como eles” (FERREIRA, 1986, p. 46).

Pode-se a partir deste texto concluir que Pessoa pensava um pouco longe para o seu tempo. Afinal, naqueles anos em que a publicidade ainda começava a se impor, poucos fabricantes levavam em conta pesquisa de mercado antes de lançar qualquer produto. Funcionavam como senhores todo-poderosos que seguiam só a própria intuição e gosto – o público que tratasse de consumir o que ofereciam. Até porque a concorrência era mínima. E Pessoa já advogava que se devia consultar o gosto do consumidor antes de colocar qualquer novidade no mercado. Era um pensamento revolucionário.

III

Foi a partir de 1925 que Pessoa passou a trabalhar também na área de publicidade e propaganda, ao conhecer Manuel Martins da Hora, que seria o fundador da Empresa Nacional de Publicidade, a primeira agência de publicidade de Portugal. Mas a experiência não foi bem sucedida, como lembra De Cusatis na introdução. Foi por volta de 1926-1927 que o poeta imaginou um slogan para a Coca-Cola, que então estava sendo lançada em Portugal, representada pela firma Moitinho d´Almeida Lda., empresa para a qual o poeta prestou serviços como profissional autônomo.

O slogan dizia: “Primeiro estranha-se. Depois entranha-se”. Há um jogo de palavras que se pode chamar de inventivo ou genial, mas, por trás, havia certa sugestão que hoje nem mesmo um publicitário muito ousado seria capaz de formular, ainda mais pensando nas conveniências de seu cliente. Em outras palavras: o que se queria dizer com aquilo é que, primeiro, a bebida teria um gosto um tanto estranho para a época, mas que, depois, com a continuidade, poderia oferecer certo êxtase, obviamente em função de sua toxicidade.

O resultado foi óbvio: não durou muito para que a autoridade sanitária de Lisboa proibisse a distribuição do produto e determinasse o seu sequestro. Convenhamos: do ponto de vista comercial, foi um desastre. A tal ponto aquilo ficou marcado que a Coca-Cola só haveria de voltar ao mercado português quase meio século depois, ao final da ditadura fascista (1928-1974), cujo grande ícone foi o professor António de Oliveira Salazar (1889-1970).

Olhando com olhos comerciais, o slogan só poderia ter saído da cabeça de um inconsequente. Só mesmo um nefelibata seria capaz de imaginar que aquilo não poderia trazer consequências funestas para seu cliente, ainda mais na sociedade portuguesa de então em que as forças do fascismo começavam a cobrir a nação com suas asas funéreas. Isso não significa dizer que o slogan não tenha qualidades.

Pelo contrário. Preenche todos os requisitos modernos que se exigem de um bom slogan publicitário. Tanto que, recentemente, em Portugal, por ocasião do lançamento do Frize, uma água limão-cola, o slogan foi recriado para: “Primeiro prova-se; depois aprova-se”, como observou Andréia Galhardo, da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Fernando Pessoa (UFP), do Porto, no artigo “Sobre as práticas e reflexões publicitárias de Fernando Pessoa”.

IV

É claro que, ao que se saiba, até hoje, ninguém escreveu isto com todas as letras, até porque Pessoa foi canonizado e entronizado no altar dos pais da pátria portuguesa, ainda que, em vida, nunca ninguém lhe tenha dado muita importância. Até para publicar seus versos sempre encontrou dificuldades, o que o levou a acumular seus escritos numa arca, que foi o inestimável espólio que legou à Literatura Portuguesa.

Mas, seja como for, Pessoa não pode ser tomado como gênio das finanças ou da publicidade - até porque, nestes dois campos de negócios, a genialidade está diretamente ligada à capacidade de fazer os clientes obterem lucros e, obviamente, também lucrar muito com eles. Nem por isso se pode deixar de reconhecer em Pessoa, depois da leitura destes textos didáticos, um funcionário de boa formação comercial e econômica, mas daí a imaginá-lo um mago das finanças ou do mercado é ir além da conta.

Não se pode deixar de assinalar também que Pessoa sempre foi um antidemocrata pagão, antiliberal e anticatólico, mais propenso a aceitar as ideias da maçonaria, o que fez no artigo “As Associações Secretas: análise serena e minuciosa a um projeto de lei apresentado ao Parlamento", publicado em 1935 no Diário de Lisboa, e de certo esoterismo, características que De Cusatis ressaltou com sagacidade em Esoterismo, mitogenia e realismo político em Fernando Pessoa. Uma visão de conjunto (Porto, Edições Caixotim, 2005).

Era um homem um tanto contraditório, uma alma angustiada, o que, provavelmente, o levou à dependência alcoólica. Mas era, sobretudo, um excepcional poeta. Educado em escolas que seguiam as mais puras tradições britânicas, se tivesse ido para Londres, em 1905, em vez de Lisboa, como era de sua pretensão, para tornar-se um poeta inglês, é de imaginar que teria tido melhor sorte na vida, mas aqui de novo adentramos o perigoso terreno do imponderável: a vida que podia ter sido, e que não foi...

17/4/2011
Fonte: ViaPolítica/o autor

ECONOMIA & COMMERCIO: IMPRESA, MONOPOLIO, LIBERTÁ, de Fernando Pessoa. Introdução, tradução e notas de Brunello De Cusatis, com posfácio de Alfredo Margarido. Perugia: Edizioni dell´Urogallo, 286 págs., 2011, 18 euros.
Site: www.urogallo.eu

Adelto Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003).
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domingo, 24 de abril de 2011

Bonus demografico no Brasil: e o lado "malus"?

Este editorial do Estadão chama a atenção para uma questão importante: as vantagens que podem advir da máxima proporção de população economicamente ativa nos próximos 20 ou 30 anos.
Não sou tão otimista assim. Acho que o Brasil deixará passar boa parte do período com crescimento medíocre -- em vista da alta tributação, baixo investimento, mediocridade na inovação -- e não acumulará riqueza suficiente para o período pós-bônus, quando teremos muitos velhos na população e um déficit maior ainda (do que já existe hoje) na Previdência.
O fato é que não apenas não fazemos as reformas necessárias -- na Previdência, no mercado de trabalho, na educação -- e não temos ganhos de produtividade suficientes para sustentar o período posterior, quando os custos serão maiores que os benefícios do chamado bônus.
Ou o Brasil reforma e aumenta radicalmente seu desempenho educacional, ou o bônus demográfico será uma oportunidade perdida.
Por enquanto estamos perdendo tempo.
Paulo Roberto de Almeida

O bônus demográfico do Brasil
Editorial - O Estado de S.Paulo
24 de abril de 2011

Dadas as deficiências estruturais do Brasil, há quem considere discutível a opinião de James O"Neill, criador da sigla Bric, de que já nos desenvolvemos a ponto de não mais sermos classificados como "economia emergente". Uma coisa, porém, é certa: a nossa taxa de natalidade já é muito semelhante à dos países industrializados. Segundo a OCDE, a taxa de fertilidade da mulher brasileira é hoje de 1,8 filho, em média, índice bastante próximo ao dos países ricos (1,7 filho por mulher). Se o País souber aproveitá-lo, esse bônus demográfico deve permitir que a renda per capita do brasileiro aumente 2,5% ao ano entre 2010 e 2050, segundo as projeções dos especialistas. Na metade do século, haverá o problema de envelhecimento da maior parte da população, mas ao longo desta e das próximas décadas, a qualidade de vida dos cidadãos tende a melhorar e a sua capacidade produtiva, a aumentar, assim como seu nível de poupança, desde que o País seja capaz de tirar o atraso em áreas como educação e saúde.

É importante notar que o crescimento demográfico no Brasil diminuiu sem medidas coercitivas do governo, como as em vigor na China, onde a taxa de fertilidade caiu para 1,5 filho por mulher em razão de uma legislação draconiana, inaceitável nos países democráticos. Sem dúvida, a alta taxa de natalidade, característica dos países mais pobres, agrava os problemas sociais e, sob esse ponto de vista, o Brasil avançou muito em relação ao período de 1950/80, quando a população acusava uma taxa de crescimento de 2,8% por ano, em média. O mesmo não se pode dizer da Índia, cuja taxa de fecundidade ainda é de 2,7 filhos por mulher. No grupo dos Bric, o Brasil também está em situação mais favorável do que a Rússia, que registra uma taxa de natalidade negativa de 0,6, ou seja, muito abaixo do nível de reposição, tornando mais graves os problemas de envelhecimento da população.

Um conjunto de fatores contribuiu para a transição demográfica por que passa o Brasil. Com a crescente urbanização do País e a expansão da indústria e da área de serviços, um número cada vez maior de mulheres passou a trabalhar fora de casa, sendo incluídas na População Economicamente Ativa (PEA). Segundo estudo do demógrafo José Eustáquio Diniz Alves, do IBGE, a taxa de atividade total das mulheres com mais de 10 anos subiu de 13,6% da PEA em 1950 para 26,9% em 1980 e 44,1% em 2000, estando atualmente em mais de 60%, com tendência a crescer. As contingências do trabalho e da vida urbana, bem como os novos métodos anticoncepcionais, contribuíram decisivamente para o declínio da taxa de fecundidade.

Ao lado disso, a taxa de dependência demográfica vem despencando. Em 1950-1980, cada 100 pessoas em idade produtiva tinham, em média, 82 dependentes. A projeção para 2010/2030 é de que o número de dependentes deve cair para 42 pessoas inativas (crianças e idosos) para cada 100 em atividade. Somente a partir de 2025, segundo o estudo, a taxa de dependência voltará a se elevar, diminuindo a proporção dos que trabalham em relação aos que já se aposentaram.

São nítidas as vantagens desse processo, que terá um impacto macroeconômico ainda mais pronunciado nas próximas quatro décadas, pois significa "maior capacidade de poupança, condição indispensável para a elevação dos investimentos necessários ao desenvolvimento", diz Alves.

Um trabalho dos professores Cássio Turra e Bernardo Queiroz, da UFMG, mencionado em estudo do Banco Mundial sobre o assunto, considera que o "primeiro dividendo" demográfico foi usufruído no período 1970/2010, tendo contribuído com 30% do crescimento econômico do País, embora tenha ficado aquém do que seria ideal. O "segundo dividendo" demográfico, que seria colhido entre 2020 e 2050, possibilitaria um acúmulo de capital associado à forma de trabalho mais madura, aumentando a produtividade do trabalho (Estado, 7/4).

Quer dizer, o Brasil tem aproveitado o bônus demográfico, mas menos do que poderia. Como o Banco Mundial sugere, o País terá de promover mudanças no mercado de trabalho e na Previdência Social para estimular sua poupança para investimentos.

sábado, 23 de abril de 2011

Pessach, a travessia: atualizando propostas biblicas... (PRA)

Não, não sou nenhum profeta. Mas, de vez em quando resolvo dar uma ajuda na obra de alguns, não meus predecessores, mas pessoas com a cabeça no lugar, que fizeram coisas boas para a humanidade.
A comunidade judaica está terminando de comemorar as festas do Pessach, a libertação do povo hebreu do cativeiro egípcio e a travessia do Mar Vermelho em direção à "terra prometida" (parece que ainda ficou alguma coisa na promessa, pois o pau continua comendo solto por lá).

Dizem que se fosse hoje, Moisés estaria com seu iPad e um GPS orientando o povo judeu, com a ajuda do Google Earth. Ao chegar no Mar Vermelho, ele não hesitaria: daria uma twitada, ou chamaria o comando do Estado-Maior do Exército Israelense pelo seu iPhone, e imediatamente teríamos uma ponte móvel sobre o mar, e tudo se daria na mais perfeita ordem e organização, sem precisar ficar errando 40 anos no deserto (gente desorientada).

Pois bem, eu também sou dado a ajudar esse pessoal, por isso mesmo resolvi completar a obra do profeta, reescrevendo sua obra mais famosa. A dele não tem copyright, mas a minha tem. Assim que se vocês forem usar, favor remeter a este profeta, não ao outro, que já não pode reclamar.

Dez Novos Mandamentos
(apenas uma sugestão...)

Paulo Roberto de Almeida

Todo mundo conhece os antigos mandamentos, quero dizer, os dez mandamentos do Antigo Testamento, aqueles que Moisés trouxe do Sinai justo no momento em que o povo de Israel, por acaso o povo eleito e supostamente bem comportado, se deleitava na maior esbórnia, ali mesmo, ao pé do monte. Aí o Charlton Heston quebrou aquelas pedras imensas – sim, eles tinham sido esculpidos na própria pedra, pela mão do Senhor – na cabeça de dois ou três recalcitrantes, derrubou o bezerro de ouro e mandou parar com o Carnaval. Bem, deixemos de brincar de Hollywood e vamos ao que interessa.
Os antigos, ou melhor, os dez mandamentos são aqueles dos quais todo mundo já ouviu falar e que pelo menos deveriam ser conhecidos de cor e salteado. Para os mais esquecidos, não custa lembrar (resumidamente):

1. Não terás outros deuses além de mim (reserva de mercado?).
2. Não pronunciarás o meu santo nome em vão (mas, por vezes não se sabe bem qual era esse nome, exatamente).
3. Guardarás o dia santo (às vezes é na sexta, outras no sábado, ou ainda no domingo, whatever...).
4. Honrarás o pai e a mãe (mas sempre lembram que o primeiro pode ser uma simples hipótese).
5. Não matarás (inclusive porque, no Antigo Testamento, tinha a lei do talião).
6. Não roubarás (salvo se for em caso de absoluta necessidade alimentar e se a propriedade não estiver cumprindo sua função social).
7. Não desejarás a mulher do próximo (dizem que foi aí que o sete adquiriu aquele risco no meio, pois o pessoal começou a gritar: “risca o sete, risca o sete!”).
8. Não cometerás adultério (outro mandamento difícil esse).
9. Não levantarás falso testemunho contra o teu próximo (a distância é crucial em certos casos).
10. Não cobiçarás as coisas alheias (mas tem gente que interpreta isso num sentido simplesmente metafórico).

Pois bem, visando despretenciosamente à elevação espiritual, ética e material da humanidade, pretendo oferecer aqui um complemento moderno a esses preceitos, duplicando os dez mandamentos de Moisés (antigos, velhíssimos, mas ainda válidos, não custa lembrar). Bem sei que os dez primeiros estão sendo obedecidos mal e porcamente, com casos notórios de infração reiterada ao espírito e à letra daquelas simples regras de convivência civilizada. Bem que o Charlton Heston poderia voltar para aplicar uns cascudos no pessoal mais arredio. Em todo caso, pensando que nunca é demais esperar o melhor de cada ser humano, permito-me traçar nesta pedra virtual dez novos mandamentos, para os quais não faço questão de copyright (aliás, no filme eles vinham escritos em inglês medieval e em letras góticas, lembram-se?).

1. Não terás maior amor do que o amor à natureza e aos semelhantes, segundo o princípio absolutamente universal de que todos os seres humanos nascem iguais e devem ter iguais chances de se afirmarem na vida; farás da Terra um lugar habitável por todos, não um paraíso para uns poucos, um purgatório para a maioria e um inferno para muitos milhões, como ainda ocorre.

2. A educação para o trabalho é o princípio unificador de toda a vida civilizada e por isso a instrução básica (geral, irrestrita e de qualidade) e a educação humanista serão as tarefas maiores de cada sociedade.

3. A família e os filhos, como núcleo social igualitário mas organizado, continuam sendo a maior riqueza da sociedade humana e por isso serão o critério básico de organização social e moral de todas as civilizações; o tratamento concedido à mulher define o padrão civilizatório ideal e o seu status na sociedade é o critério básico de progresso humano e social.

4. A tolerância mútua, incondicional e irrestrita, deve ser a norma da vida civilizada em todas as áreas culturais e espirituais e as religiões se enquadrarão nesse princípio contra todo e qualquer particularismo exclusivista e contra quaisquer tendências ao proselitismo.

5. As políticas públicas se guiarão, antes de mais nada, pela racionalidade entre meios e fins, respeitados os direitos das minorias e a conservação da natureza; os homens públicos se guiarão, sobretudo, pelo bem-estar das gerações seguintes às suas.

6. O livre-arbítrio, a liberdade individual, a democracia política e a solidariedade social são os princípios maiores de toda organização política eticamente responsável; responsabilização e transparência definem o funcionamento da ordem política.

7. Direitos humanos são inalienáveis e imprescritíveis e as comunidades organizadas se levantarão contra os tiranos que atentarem contra esses direitos; os direitos dos indivíduos passam antes dos poderes dos Estados.

8. A solução pacífica das controvérsias é o único meio aceitável de resolução de disputas; as comunidades organizadas se encarregarão de prevenir e remediar os possíveis atentados a esta norma de justiça universal.

9. O reconhecimento do mérito individual deve ser estimulado e reconhecido, e por isso as sociedades se esforçarão para dar chances iguais de partida a todos os indivíduos pertencentes a grupos menos favorecidos.

10. O progresso científico, guiado pelos princípios morais delineados nos demais mandamentos, é a condição indispensável do progresso humano e das liberdades individuais e por isso ele não será jamais obstado por qualquer princípio religioso, por relativismos culturais ou particularismos sociais que possam existir.

A vantagem dos antigos mandamentos sobre os meus é que eles tinham uma estrutura simples, uma linguagem direta e comandavam, de fato, coisas elementares (ainda que difíceis, algumas delas): não farás isso ou aquilo, ponto. Esses novos têm mais de recomendação política do que de imperativo moral, e por isso mesmo são muito mais difíceis de serem implementados. Independentemente de seu aspecto de “programa de governo”, eles podem apontar alguns caminhos na direção da elevação social, econômica e cultural, se não moral, da humanidade.
Mas existe uma “coisa” que não sofre limitações de nenhuma espécie, que não se submete às conhecidas restrições da lei da escassez dos economistas, que não depende de nenhum regime político particular para ser observada. Esta “coisa” se refere à natureza fundamental do ser humano, em sua dimensão propriamente relacional e ela poderia ser traduzida da seguinte forma: todas as pessoas, independentemente de idade, credo, raça, convicções políticas e times de futebol, têm o inalienável direito de amar e serem amadas, sem distinção de natureza, e sem qualificações de qualquer espécie. Amar no sentido lato e estrito, sem necessidade de se explicar ou de se justificar. Simples assim, mas isso não conforma exatamente um mandamento: trata-se da própria vida.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 4 de julho de 2006

(PS.: Novos desenvolvimentos e sugestões serão bem acolhidos, pois não há, nem pode haver numerus clausus em se tratando de trabalhar para o bem da humanidade.)

A Arte da Resenha: para uso de aprendizes, neófitos e outros amantes de livros (PRA)

Este texto foi elaborado em 2006, e permaneceu relativamente desconhecido desde então. Creio que merece maior e melhor divulgação, em prol dos malucos por livros, como eu mesmo...
Paulo Roberto de Almeida

A arte da resenha
(para uso de aprendizes, neófitos e outros amantes de livros)

Paulo Roberto de Almeida
(um book-addicted e dependente livresco terminal...)

Não conheço as regras, se existem, que eventualmente se aplicariam à prática das resenhas literárias e confesso que nunca vi nenhum “manual do resenhista profissional” (creio que isso não existe, ainda que possa haver mercado para algum tipo de “How to do a perfect review” ou então “An Idiot’s Guide for Reviewing Books”). Em todo caso, não pretendo, no presente texto, ou em qualquer outro contexto, preencher essas lacunas ou responder a questões do tipo “tudo o que você sempre quis saber a respeito das resenhas de livros e nunca teve a quem perguntar”.
Meu propósito é mais modesto e totalmente auto-explicativo. Pretendo, apenas, delinear alguns princípios constitutivos do que poderia ser considerado uma resenha em moldes “normais”, uma vez que este gênero, em especial no Brasil, parece ter derivado para o equivalente das modernas guerras de religião, com trucidamentos impiedosos de um lado e excessos encomiásticos de outro. Sem pretender fazer um “Book review for beginners”, vejamos o que poderia ser dito de razoável neste campo da leitura crítica.

Como sou um book-lover irrecuperável, um leitor compulsivo e um anotador doentio – tendo já preenchido, desde a adolescência, vários cadernos de leituras, antes de passar às notas de computador –, pratico, desde o início desse meu não tão secreto vício da leitura contínua, o hábito dos resumos e das resenhas críticas. Faço-o por absoluto gosto da leitura anotada, e do debate crítico, ainda que unilateral e à distância, com o autor de cada um dos livros que leio. Antes – e durante certo tempo – tinha por hábito anotar à margem dos livros, o que só podia fazer, evidentemente, com aqueles que me pertenciam, sendo escusado fazê-lo, por respeito aos demais leitores e ao patrimônio bibliotecário, naqueles livros tomados de empréstimo, outro hábito secular meu, se ouso dizer, desde tempos imemoriais. Em todo caso, eu já freqüentava bibliotecas antes de aprender a ler, na “tardia” idade de sete anos. Creio que meu primeiro trabalho publicado, já na adolescência, foi uma resenha de um livro de Erich From – acho que foi Medo à Liberdade, versão brasileira, pela Zahar, de Escape From Freedom (1941) –, impresso em mimeógrafo a álcool num num jornalzinho do grêmio acadêmico do colegial e que caberia algum dia recuperar.
Essas anotações à margem – que aumentam o valor dos livros usados quando seu autor é algum personagem famoso, cuja biblioteca foi reciclada ou doada por herdeiros “desprezíveis” – são incômodas, posto que “telegráficas” e incompreensíveis, ademais de incompletas, fora do contexto em que foram feitas. Daí minha inclinação, desde muito cedo, pela anotação crítica dos pontos relevantes de cada obra e uma avaliação final sobre a contribuição daquele livro para o conhecimento de algum campo especializado. Sim, devo confessar também que, salvo em raras ocasiões, minhas resenhas críticas sempre se dirigiram a obras de não ficção, uma vez que me confesso, não um “objeccionista” de obras puramente literárias, mas um leitor relativamente incapaz de realizar análises de obras de literatura stricto sensu. Meu “pecado original” sempre foi, e permanecerá sendo, a resenha de obras de não ficção, em especial no campo das humanidades, o que inclui também a economia e algumas vertentes das ciências “duras”.

Dito isto, vejamos agora o que eu considero que deva ser, ou constituir, uma resenha. Talvez fosse o caso de começar por dizer o que NÃO deve ser uma resenha.
Seria preciso, em primeiro lugar, que haja um mínimo de empatia entre o autor e o objeto em questão, ou seja, algum vínculo de interesse mais forte entre o resenhista e a obra examinada. Ainda que se possa conceber um exercício de crítica implacável, ou a condenação sem apelo de uma obra resenhada, não conviria que o animus examinandi do resenhista fosse totalmente negativo em relação ao autor do livro ou a temática do próprio. Resenhas sob encomenda, ou como obrigação profissional, podem correr esse risco, ainda que seja concebível a existência – aliás reconhecida – de resenhistas profissionais, pagos pelos órgãos da imprensa, para fazer exatamente esse tipo de trabalho. Mas, seria importante que o resenhista disponha de certa liberdade na escolha dos livros a serem examinados, como forma de garantir a já referida empatia.
Em segundo lugar, uma resenha tampouco deveria tentar descobrir supostas motivações pessoais do autor do livro sob exame, idéias que não estão explícitas, de forma transparente, na obra em questão. O único critério válido é o exame da obra em si, seus argumentos intrínsecos e explícitos, não o que possa pensar o autor sobre assuntos da vida civil ou suas opiniões expressas em outras circunstâncias e ocasiões, a propósito de outros temas. O que autor pensa deve se esconder atrás da obra, cujo conteúdo deve permanecer como critério único e exclusivo da atenção do resenhista.
Uma resenha também NÃO deve servir como meio de vingança por querelas passadas ou diferenças políticas e ideológicas que possam até dividir os “interlocutores” na vida civil. Trata-se de prática bastante comum nos meios de comunicação fortemente partidarizados ou dominados por alguma personalidade identificada com determinadas causas políticas e sociais. Não se pode excluir, é verdade, a exposição e o exame das posições políticas do autor da obra, mas o próprio resenhista deveria tentar separar esse aspecto da avaliação da obra, a não ser que esse aspecto seja inerente à temática exposta.

Vejamos, agora, o que pode ser uma resenha. Ela pode, obviamente, ser muitas coisas, ao mesmo tempo ou alternativamente, mas tudo depende da finalidade ou destinação da resenha em causa. Não estou considerando aqui “press releases” das próprias editoras ou notas factuais com finalidades puramente comerciais ou de simples informação e registro. Uma resenha deve conter uma exposição do conteúdo do livro, uma observação sobre o eventual ineditismo ou caráter original das informações ou dados nele contidos e alguma apreciação crítica sobre seu valor enquanto obra literária (ou científica, no sentido amplo).
Quanto à forma das resenhas, não existem propriamente padrões fixos. Os modelos consagrados são os mais variados possíveis, indo das pequenas notas às resenhas quilométricas. Essas variedades tendem a distribuir-se segundo os meios de divulgação. Jornais e revistas de informação geral parecem reservar espaço para apenas dois tipos de “resenhas”: curtas notas de registro sobre a publicação das obras correntes, isto é, a produção comercial das editoras, e resenhas stricto sensu que informam sobre o conteúdo e discutem as principais idéias ou argumentos do autor. Já os veículos especialmente consagrados à discussão da produção literária – periódicos especializados e suplementos literários dos próprios jornais – costumam abrigar resenhas lato sensu, que soem ser de maior amplitude.
Confesso minha preferência pelos artigos-resenhas – ao estilo dos review-articles do quinzenal literário The New York Review of Books (não confundir com The New York Times Book Review, o suplemento literário dominical desse jornal) – pois neles é possível discutir um grande problema mediante a apresentação de um ou mais livros que tratem do assunto em pauta. Trata-se de um gênero de resenhas muito pouco cultivado no Brasil, praticamente sem espaço em nossa imprensa, pois mesmo as revistas que agora surgiram para tratar de livros – como a Entrelivros, por exemplo – não ostentam, a propriamente falar, essas resenhas-artigos que fazem a fama da NYRB (a Entrelivros, aliás, publica resenhas do NYTBR). Nem sempre se trata de livros – pode ser uma exposição, ou um filme –, mas sempre é uma peça literária no mais alto sentido intelectual da palavra.

A forma não é, contudo, o coração da resenha, uma vez que ela pode ser tão mutável ou inovadora quanto os gêneros literários. O essencial da resenha está naquilo que é transmitido ao leitor, seu espírito e seu discurso. Uma resenha deve conter, antes de mais nada, um resumo dos argumentos principais do livro sob exame, dispensável, na parte relevante, quando se trata de uma trama policial, quando sequer se sugere o famoso “whodunit”, mas podem ser dadas as circunstâncias do crime. A exposição honesta, concisa e objetiva do teor do livro é um elemento essencial da resenha bem conduzida, sem a qual ficam lacunares tanto a discussão dos argumentos ou idéias do autor do livro quanto a crítica que se pretende fazer deles.
Uma vez apresentado o livro, idealmente no primeiro terço da resenha, caberia ao comentarista agregar outros elementos que permitam situar o livro no seu contexto, um pouco como sua posição no “estado da arte” daquele campo do conhecimento, o que no caso dos romances representaria discutir o que ele traz de novo ou de original em relação ao gênero no qual ele se situa. Essa parte também pode vir ao início, se há espaço suficiente para o resenhista começar o exame de uma obra pela avaliação do campo mais vasto no qual ela se situa.
O terceiro elemento central de uma resenha, obviamente, é a avaliação crítica do resenhista, sua apreciação favorável ou a indicação das limitações da obra em exame. Este ponto é um componente indispensável de toda resenha, ainda que bastante flexível em relação às possibilidades abertas segundo o veículo ao qual a resenha se destina. Uma revista acadêmica tem padrões bastante rígidos para a elaboração desse tipo de nota crítica, ao passo que um pasquim literário oferece latitude para considerações de ordem mais subjetiva. A resenha verdadeira sempre termina por algum julgamento de valor, o que por vezes descamba para alguma condenação sem recurso, segundo as escolas e clãs em que se divide a chamada république des lettres. São raros, contudo, os casos nos quais a resenha nada mais representa do que uma estocada mortal nas pretensões do autor a uma brilhante carreira literária. No mais das vezes, os golpes são superficiais, apenas para não inflar por demais o ego do autor, quando se trata do pura literatura.
Nos campos das ciências humanas e da economia, que constituem meus terrenos de manobras favoritos, a seriedade é de rigor, mas também já assisti a descomposturas em regra, quando não a poderosos tiros de canhão, como acontece nas verdadeiras guerras de religião, que nestes casos separam a esquerda – dominante nos meios da academia – de uma suposta direita, sempre envergonhada e quase inexistente. O que ocorre, geralmente, é que uma ala ignora a outra, sendo que a esquerda faz resenhas favoráveis de sua tribo e os liberais só se interessam pelos livros que eles reputam ter qualidades suficientes para merecer uma avaliação crítica. Não vou listar os veículos preferidos de uma ou outra escola, mas no terreno universitário todas as revistas estabelecidas ostentam, por dever de ofício, seções de resenhas, nas quais os mestrandos e outros candidatos a títulos podem exercer seus talentos até serem chamados a assinar verdadeiros artigos “científicos”.

Resumindo, e dando as “palavras-chave”, eu diria que uma boa resenha deveria ser feita dos seguintes elementos:

(a) Objeto: apresentação resumida do livro, com suas partes ou seções constitutivas e algum destaque para o argumento principal;
(b) Desenvolvimento: discussão das idéias centrais do autor, sua coerência intrínseca, sua validade extrínseca e contexto mais amplo nas quais elas podem ser inseridas;
(c) Avaliação: apreciação crítica, tanto do ponto de vista do conteúdo quanto do método, se for o caso, com balanço da contribuição do autor para a área do conhecimento;
(d) Prolegômenos e derivações: havendo espaço e possibilidade, a resenha pode começar discutindo o próprio campo no qual se situa a obra, fazendo um balanço do “estado da arte” e antecipando seu possível impacto para os estudos futuros naquele campo.

Voilà, creio ter apresentado o meu “manual” da resenha honesta, mas na verdade devo confessar que sou muito pouco sistemático, no sentido dos pontos acima resumidos. O que acaba valendo, para mim, é, finalmente, a empatia para com o livro ou o autor, elementos centrais, senão essenciais, de toda boa resenha.
Vale!

Brasília, 24 de janeiro de 2006

O programa nuclear iraniano e o Brasil: um perito responde a questoes

Um alto funcionário do setor nuclear brasileiro revelou-me, no ano passado, o teor de suas respostas a consultas de um pesquisador brasileiro em relações internacionais, consultando-me sobre um ou outro ponto de seu interesse. Desconheço se suas respostas foram publicadas, onde o foram, se eventualmente o foram e quanto disso tornou-se público.
Como o assunto parece ter evoluído, e como o governo brasileiro atual parece ter assumido outras atitudes -- embora os envolvidos, do governo passado, ainda teimem em defender suas posições --, o funcionário em questão autorizou-me a publicar suas respostas, enviadas em confiança.
Creio que elas refletem um conhecimento mais técnico, mas também político, das implicações do envolvimento do governo anterior com o governo iraniano e permitem detectar certas contradições nas posições de analistas (jornalistas, acadêmicos), que continuam a manter ilusões sobre a natureza exata do chamado "acordo iraniano".


A questão do programa nuclear iraniano
Funcionário governamental brasileiro do setor nuclear

1) Quais são os pontos positivos do acordo assinado entre Brasil, Irã e Turquia? E os negativos?
Em primeiro lugar, é preciso que fique bem claro que não se trata de um acordo, como a imprensa vem falando (alguns até falaram de “tratado internacional”, numa incompreensão manifesta do que sejam acordos ou tratados internacionais). Formalmente, se trata de uma simples declaração, como aliás expressamente mencionado no ato assinado pelos três ministros das relações exteriores: “Tendo-se reunido em Teerã em 17 de maio, os mandatários abaixo assinados acordaram a seguinte Declaração”. É surpreendente, assim, que jornalistas e analistas políticos continuem a falar em acordo. Pela sua forma e, sobretudo, pelo seu teor trata-se, pura e simplesmente, de uma espécie de “nota trilateral unilateral”, entendendo-se por isso uma declaração que os três ministros oferecem ao mundo num gesto de boa vontade, que serve mais para enganar os incautos, e todos aqueles propensos a acreditar em tudo o que certos dirigentes proclamam, do que para resolver de fato a questão.
Como ponto positivo, não vejo absolutamente nenhum, pois para isso teria de ter havido progressos em relação aos entendimentos que os países 5+1 vinham mantendo desde muito tempo com o Irã, e até aqui sem qualquer resultado prático. A declaração – que diz claramente que se trata de um “ponto de partida”, mera peça de papel destinada a criar a “oportunidade de começar um processo prospectivo, que criará uma atmosfera positiva, construtiva, não-confrontacional” – representa, num certo sentido, um retrocesso, já que ela remete vagamente a novas etapas de consultas e negociações para o que é um processo já suficientemente mapeado em seus contornos básicos: a necessidade de o Irã submeter o seu programa nuclear, em sua integralidade, aos controles da AIEA. Ora, o pretenso “acordo”, de fato uma declaração puramente retórica, em nenhum momento toca nessa questão crucial.
A declaração apresenta, portanto, diversos pontos negativos; pode-se dizer que ela constitui uma completa e rotunda manifestação de fracasso: o Irã continua a tergiversar em torno de seu programa nuclear, e os dois países que desempenharam esse patético papel de patrocinadores de uma operação “engana-ingênuos” se prestaram a ser manipulados por um regime que vem se colocando, por suas próprias ações, à margem da comunidade internacional. O que é preciso acrescentar, também, é que jornalistas brasileiros não sabem ler declarações, e muito menos interpretá-las.

2) Como tal negociação se insere na política externa do governo Lula?
Falar de negociação seria dar muita relevância ao que constitui, tão simplesmente, mais uma operação de pirotecnia externa de um governo que tem uma necessidade obsessiva de buscar os holofotes da mídia mundial, tão somente para construir uma falsa imagem de líder internacional para o presidente Lula. Como no caso de outras operações do gênero, de tão triste registro nos anais da diplomacia brasileira, se trata de uma cortina de fumaça em torno do nada, pois nenhum resultado concreto foi obtido, a não ser a vaga promessa de troca de combustível por urânio enriquecido, a ser hipoteticamente detalhada em eventuais negociações ulteriores.
Assim ocorreu com outras proezas antecipadas por esse governo – ingresso do Brasil no Conselho de Segurança, integração da América do Sul e conclusão das negociações comerciais multilaterais – que da mesma forma redundaram no mais completo fracasso. É lamentável ver o Brasil democrático dar seu apoio a regimes autoritários na região, como o dos irmãos Castro (aliás, um dos últimos totalitarismos remanescentes no planeta), à ditadura nascente do bufão de Caracas, para nada dizer da inacreditável solidariedade com o personalismo caudilhista de Evo Morales, que expropria investimentos brasileiros na Bolívia e é pelo menos conivente com o envio de toneladas de coca de seu país ao Brasil; sem mencionar Sudão e Coréia do Norte.
De forma geral, este governo está pronto a dar sua aprovação a qualquer gesto gratuito de ofensa aos Estados Unidos por parte dos piores regimes do planeta, por que isto faz parte de sua natureza primária, de sua essência. Não se trata do antiamericanismo “normal” do Itamaraty, que sempre foi naturalmente antiamericano, mas moderadamente; se trata do antiamericanismo exacerbado do PT e de seus patéticos seguidores no Itamaraty. Tem sido assim na região, onde sistematicamente estão sendo criados organismos que excluem expressamente os EUA de qualquer papel significativo na cooperação regional; agora se pretende também estender as mesmas posições no plano universal, em iniciativas de tal dimensão megalomaníaca que não encontram paralelos na história precedente de nossa diplomacia.

3) Por que os EUA se mostraram insatisfeitos com tal acordo? Quais os interesses secundários por de trás?
Os Estados Unidos de Obama, depois de alguma ilusão com a retórica aparentemente amistosa do Itamaraty, se deram conta do verdadeiro sentido da ação diplomática do Brasil. Em primeiro lugar, não cabe falar de “acordo”, como já explicitado acima. A declaração de Teheran, imediatamente saudada pelos seus próprios promotores como uma vitória da diplomacia – e inacreditavelmente acolhida pela imprensa mundial como uma nova era nas relações mundiais de poder, como sendo a da emergência das potências médias – teve seu conteúdo corretamente avaliado pelas principais potências ocidentais, que focaram o que ficou obscurecido no pretenso “acordo”. O essencial do dossiê iraniano se refere ao programa nuclear desse país, que as principais potências garantidoras do TNP suspeitam de ter objetivos militares, questão ainda não suficientemente esclarecida. Mas o fato, corretamente percebido pelos EUA e demais países, é que o pretenso “acordo” de Teheran não toca absolutamente nesses aspectos, e não oferece nenhuma garantia quanto ao que essas potências garantidoras do TNP demandam desde o início: a supervisão integral das atividades de enriquecimento de urânio do Irã pela AIEA, de conformidade com as disposições aplicáveis em casos similares.
Se por “interesses secundários” se entende a preocupação dessas potências com a proliferação nuclear, pode-se dizer que, efetivamente, esses são os interesses por trás das pressões que são feitas desde muitos anos em relação às atividades nucleares do Irã. Conhecendo-se o perfil dos dirigentes políticos iranianos, pode-se dizer que esses interesses, primários, no caso, e essas preocupações são perfeitamente legítimos e justificados.

4) Não é legítimo o enriquecimento de urânio iraniana para fins pacíficos? Existem violações ao Tratado de Não-Proliferação Nuclear para tamanho receio dos EUA e outros países?
Há uma pressuposição ingênua – aliás comprada pelo seu valor face pelo Brasil e por grande parte da imprensa brasileira – de que o programa iraniano se destina a fins inteiramente pacíficos. Se este é o caso, por que então o país persa se empenha, desde longos anos, num jogo de gato e rato com a AIEA? A violações começam justamente pela indisponibilidade de submeter o conjunto de suas instalações, equipamentos e estoques de material aos controles da AIEA. Não por outra razão o Conselho de Segurança da ONU já aprovou resoluções tendentes a enquadrar o Irã no regime normal de não-proliferação, mas o país se recusa a colaborar com os procedimentos aplicáveis ao caso. Atividades de enriquecimento legítimo não precisam recorrer aos subterfúgios que caracterizam o Irã.

5) Existem de fato duas linhas de política externa diferentes postas em contraposição? A do dá ou desce e a da negociação?
Os termos usados pelo presidente são tão vulgares, e chulos, que não merecem qualquer comentário. A única coisa que poderia ser dita, justamente, é que as potências garantidoras do TNP vêm tentando a via da negociação, até agora sem sucesso, desde o início desse processo. O entendimento primário que o presidente mantém sobre procedimentos de política externa o fazem interpretar o mundo com essa visão maniqueísta, que na verdade apenas revela o antiamericanismo elementar que caracteriza toda a sua diplomacia.

6) A imagem do Estado brasileiro realmente se desgastou com o episódio? A ONU não sinalizou que aprova a iniciativa trilateral?
Não propriamente a do Estado brasileiro, mas certamente a da diplomacia de Lula, crescentemente identificada com o apoio insensato a regimes pouco palatáveis em diversas regiões do globo. O ridículo ativismo bolivariano no caso patético de Honduras – onde rompemos diversas tradições de nossa diplomacia, a começar pelo princípio da não-intervenção – e a inaceitável solidariedade com a ditadura castrista – em face das flagrantes violações aos direitos humanos que ocorrem num dos dois últimos totalitarismos comunistas ainda remanescentes no mundo – são apenas dois exemplos de uma diplomacia deplorável para os padrões profissionais a que estávamos acostumados no Itamaraty. Isso é o resultado do seqüestro do Itamaraty pelos interesses partidários do PT e seus instintos primários, em nítida contradição com os interesses permanentes do Brasil.
Quanto à ONU, ela ainda não se pronunciou formalmente sobre o pretenso “acordo” de Teheran. O que ocorreu foi um apoio inicial do Secretário Geral da ONU, Ban Ki Moon, provavelmente mal assessorado, ao princípio das negociações com o Irã, o que aliás os países vem conduzindo desde o início, contra a manifesta má vontade do regime iraniano.

7) Não se está dando mais importância para os agentes envolvidos do que para o próprio teor do acordo? No que se refere ao conteúdo do documento: ele é eficiente tendo em vista que apenas uma quantidade limitada de urânio será enriquecida na Turquia? E o resto que continua no território iraniano?
Esse é um ponto importante, mas os observadores ainda não parecem ter se dado conta desse aspecto: está sendo mais importância à ação diplomática do Brasil e da Turquia – que são meros intermediários para uma determinada finalidade – do que o conteúdo mesmo do assunto em causa: o programa nuclear do Irã, que resta largamente obscurecido pelas suas manobras diversionistas e obstrucionistas. É inacreditável que a diplomacia brasileira tenha se prestado ao papel de linha auxiliar de um regime que já demonstrou seu nítido desprezo pelos direitos humanos, pelas liberdades democráticas e pelo cumprimento de suas obrigações internacionais.
Quanto à operação em si, é claro que desde a oferta feita em outubro de 2009, o Irã acumulou uma quantidade superior de material nuclear do que aquela que seria supostamente colocada sob a responsabilidade da Turquia, segundo modalidades pouco claras, aliás, o que permitiria ao Irã retroceder nos supostos compromissos assumidos ao abrigo de uma declaração vaga e desprovida de qualquer mecanismo de verificação. Toda a operação, aliás, revela um amadorismo diplomático que não combina absolutamente com as tradições diplomáticas do Brasil.

8) Quais são as perspectivas futuras desta questão geopolítica?
Difícil dizer, nesta fase, mas é evidente que o Irã construiu, para si mesmo, um difícil contencioso com a comunidade internacional que pode ter desdobramentos imprevisíveis nos meses à frente. De imediato, o Irã está encaminhando o Oriente Médio em direção de uma competição nuclear que é notoriamente prejudicial aos objetivos de paz e de segurança internacionais, que devem ser defendidos por todos os países comprometidos com princípios basilares da Carta da ONU. É lamentável que a diplomacia brasileira não esteja atentando para esses aspectos potencialmente desestabilizadores da aventura nuclear iraniana, e que ela continue a emprestar seu apoio a um regime problemático desse ponto de vista.

9) Israel atacou uma embarcação com fins humanitários em alto mar. Como isto se encaixa à discussão? Fala-se que Israel possuem diversas bombas atômicas. Por que também não passa pelas mesmas pressões que o Irã? Caso seja por que não assinou o Tratado de Não-Proliferação, o que ocorreria caso o Irã denunciasse este mesmo Tratado?
O infeliz episódio do ataque israelense a barcos de uma pretensa “flotilha da liberdade” – na verdade, de militantes pró-Hamas, ou manipulados por esse movimento terrorista – não tem nada a ver com o dossiê nuclear iraniano, a não ser muito indiretamente e circunstancialmente. Israel possui, obviamente, uma capacidade nuclear, ainda que seus contornos exatos permaneçam indefinidos. Não foi Israel, contudo, que prometeu obliterar do mapa do Oriente Médio um outro Estado e sim o regime iraniano. A capacitação nuclear israelense tem, nitidamente, propósitos dissuasivos e defensivos, e Israel jamais ameaçou qualquer país vizinho com uma guerra nuclear; apenas alertou que se defenderia por todos os meios disponíveis de um ataque que colocaria em risco sua existência como Estado independente e pacífico. Não sendo signatário do TNP, Israel não tem, formalmente, de cumprir com suas obrigações, às quais se obrigou o Irã (e não vem cumprindo).
O Irã, como qualquer outro Estado soberano da comunidade internacional, tem todo o direito de denunciar e de retirar-se de qualquer tratado a que tenha aposto sua assinatura, inclusive o TNP e seu estatuto de membro da AIEA. A Coréia do Norte fez justamente isso, e se transformou em pária da comunidade internacional. Com o Irã ocorreria provavelmente o mesmo, com o elemento adicional disso servir para deslanchar uma provável corrida armamentista na região, com possíveis desdobramentos nucleares (legais e ilegais), que não contribuiriam em nada para os objetivos de estabilidade e de paz na região e de segurança estratégica, num contexto mais amplo. Todos os Estados responsáveis e os países amantes da paz deveriam estar conscientes desse fato. É lamentável que a atual diplomacia partidária do Brasil não atente para esse lado da questão: ou é muita ingenuidade, ou é má-fé; em ambos os casos, é deplorável do ponto de vista de nossas tradições diplomáticas. Como diplomata profissional, tenho vergonha de nossa atual diplomacia; acho que ela vai deixar uma herança muito negativa nos anos à frente. Será muito difícil reconstruir a confiança nas características impecáveis de nossa diplomacia antes desse governo. Na prática, o PT, com a conivência de alguns chefes do Itamaraty, a colocou ao duplo serviço de seus obscuros interesses partidários e aos de uma ideologia anacrônica.

3 de junho de 2010.

Politica Externa Brasileira: antecipando as mudancas (um texto de 2010)

O texto que segue abaixo foi elaborado em Shanghai, em setembro de 2010, sob solicitação externa, e nele tentei ser moderado em relação aos absurdos visíveis que se cometiam na política t do Brasil nessa época: amizades e intimidades com ditadores e violadores dos direitos humanos, intervenção nos assuntos internos de outros países, desejos megalomaníacos de grandeza, enfim, toda sorte de despautérios que necessitavam de correção.
Minha única virtude foi a de anunciar que essas mudanças viriam...
Paulo Roberto de Almeida

O legado de Lula em política externa: corrigir as amizades bizarras
Paulo Roberto de Almeida
Shanghai, 16 setembro 2010

Ao cabo dos dois mandatos de Lula, a posição do Brasil no cenário internacional se encontra realçada. Saber quanto desse prestígio é devido à sua diplomacia, qual é o efeito da ascensão geral dos emergentes, ou quanto pode ser atribuído ao próprio país, enquanto economia estabilizada com base na política econômica do governo anterior de FHC, são dúvidas legítimas na avaliação desse legado na frente externa.
Numa linguagem coloquial, pode-se dizer que a diplomacia de Lula teve bem mais transpiração do que inspiração, registrando-se a preeminência da forma – o hiperativismo presidencial, feito de incontáveis viagens ao exterior – sobre a substância, ou seja, resultados efetivos da agitação. Olhando-se por esse lado, a constatação que se faz é a de muitos dossiês abertos e poucos sucessos alcançados.
As prioridades externas de Lula podem ser alinhadas em três conjuntos de objetivos: (a) a conquista de um assento permanente para o Brasil no Conselho de Segurança das Nações Unidas; (b) o reforço, a consolidação e ampliação do Mercosul; (c) a conclusão da Rodada Doha da OMC e a “correção de rumo” nas negociações do projeto americano da Alca.
Ora, com exceção da “implosão da Alca” – que era, digamos, uma meta “negativa” – nenhum dos demais objetivos foi alcançado, sequer de modo parcial. É certo que o prestígio internacional do Brasil e sua audiência internacional cresceram no período, mas isso se deu sobretudo em função da preservação da estabilidade macroeconômica e da ausência dos equívocos econômicos de tipo populista cometidos por outros governos na região.
Algo dos fracassos pode ser atribuído às concepções partidárias, equivocadas, do PT, e impostas ao Itamaraty, sobretudo no caso, inexplicável, dos recuos em direitos humanos, das estranhas amizades com personagens de regimes pouco freqüentáveis no plano internacional ou da prevalência de critérios ideológicos nas preferências políticas externas. Em diversas ocasiões, o próprio presidente manifestou seu apoio político a candidatos de esquerda em eleições na região, o que rompe com a tradição brasileira de não ingerência nos assuntos internos de outros países. Outra manifestação indevida da mesma tendência foi a clara tomada de posição no caso da crise política em Honduras, quando o Brasil ficou caudatário das posições chavistas no imbróglio. O próximo governo, qualquer que seja ele, precisaria restabelecer os fundamentos profissionais, e não partidários, da diplomacia brasileira.

Shanghai, 16 setembro 2010

Publicado como “Corrigir amizades bizarras internacionais é desafio”, no portal iG, Último Segundo, “Era Lula e os Desafios de Dilma” (2/12/2010; link: http://ultimosegundo.ig.com.br/governolula/artigo+corrigir+amizades+bizarras+internacionais+e+desafio/n1237826574910.html).

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Academicos escrevem sobre politica externa (grande bocejo...)

Sempre me pergunto o que pensam os acadêmicos. Acho que pensam muito e mas sua reflexão é sempre carente de algum elemento mais consistente. Aliás, como as próprias políticas brasileiras, internas e externa. Improvisação é o nosso forte, ao contrário do que pensam muitos vizinhos.
Não creio, por exemplo, que o Itamaraty está à deriva. O governo certamente sim, mas o Itamaraty é profissional. Apenas que ele necessita refletir os "impulsos" -- este é o conceito -- de um governo que não sabe bem o que quer, ou se sabe, não pensou ainda em como obter.
Nossos principais problemas estão aqui no Brasil, não lá fora. Mas isso, nem o governo, nem os acadêmicos parecem ter percebido.
Um dia chega, talvez tarde...
Paulo Roberto de Almeida

TENDÊNCIAS/DEBATES
Itamaraty não pode ficar à deriva
MARCELO COUTINHO
Folha de São Paulo, sexta-feira, 22 de abril de 2011

O Itamaraty já entendeu que estamos em uma transição de poder no mundo, mas se enganou quanto ao estágio dessa transição e seus efeitos

Virou lugar-comum no governo classificar a atual fase da política externa de "consolidação". Ideia sem sentido. Afinal, em matéria de direitos humanos houve sensíveis mudanças, felizmente para o bem.
O governo Lula aproximou-se de ditadores que Dilma agora censura.
Mesmo com essa modificação, parte do mundo passou a olhar com desconfiança para o Brasil nessa matéria, levando inclusive a OEA a interferir em assuntos internos, como a construção de Belo Monte, e com isso estabelecer uma crise.
Se, por um lado, o elemento de descontinuidade na diplomacia é motivo de comemoração, por outro, não apaga marcas e salienta um aspecto variável preocupante da política externa brasileira. Tais mudanças indicam que o Itamaraty nem sempre dispõe de bons cenários de referência.
No mundo árabe, por exemplo, o governo buscou identificação com velhos regimes autoritários. Investimos anos em relações acríticas, chegando mal a uma região em fim de ciclo político. Mais uma vez atrás dos acontecimentos, Brasília assistiu o desenrolar do maior processo histórico dos últimos 20 anos.
As alterações periódicas em nosso relacionamento internacional, mesmo as que corrigem erros, retiram força da política externa brasileira. Leva-se menos a sério um país que oscila a cada troca presidencial e apresenta uma política de interregno, ziguezagueando entre "realpolitik" e liberalismo.
O Itamaraty já entendeu que estamos em uma transição de poder no mundo. Mas se enganou quanto ao estágio dessa transição e seus efeitos. Além disso, confundiu uma interessante posição de centro flexível no espectro político com um vaivém improdutivo.
Estressamos relações com os EUA para apaziguá-las sobre bases indefinidas. A China é concorrente industrial e, simultaneamente, a maior parceira. Depois dos Rafales franceses, piscamos para os caças americanos, não nos dando conta de que ambos são da Otan, de cujas pretensões no Atlântico Sul o próprio governo suspeita. Os russos são dos Brics, mas, por algum motivo, não podemos cogitar seus aviões de combate.
Embora tenha perdido importância, a visita de Obama serviu para restabelecer um canal mais aberto de diálogo entre a Casa Branca e o Palácio do Planalto. Foi uma massagem ao ego brasileiro. Insuficiente, mas não desprezível.
Obama cedeu um meio apoio ao Brasil para a vaga fixa no Conselho de Segurança da ONU. Menos do que o necessário. "Apreço pela aspiração brasileira" pode significar apenas que os EUA admiram a vontade do país em assumir responsabilidades. O pronunciamento chinês de apoio foi quase tão vago.
Ninguém imagina que uma reforma que amplie o principal foro de decisões mundiais poderá deixar o Brasil de fora. A governança global precisará refletir o novo conjunto de forças internacionais também nas questões de guerra e paz.
Cabe a nós mantermos firmeza.
Sem maiores conflitos no Pacífico, Washington segue como ator-chave no sistema internacional.
Sua influência hemisférica é grande e representa, até certo ponto, desafio à ascensão brasileira, cuja perícia diplomática consistirá em abrir condições políticas à acomodação externa do nosso crescimento. Para o país que deseja ser tratado como igual pelos EUA, a inconstância não é bom negócio.
O Itamaraty vive pressões pendulares, ora para o Ocidente rico, ora para os países em desenvolvimento. Nós não podemos ficar à deriva, levados por correntes para o Norte e para o Sul.

MARCELO COUTINHO, professor de relações internacionais da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro ) e do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro), é coordenador do Laboratório de Estudos da América Latina (Leal).

Terceira carta aos leitores do blog Diplomatizzando (uau: 355!)

Terceira carta aos leitores do blog Diplomatizzando
Paulo Roberto de Almeida

Meus caros leitores (agora em número de 355 seguidores),

Escrevo muito, eu sei. Nem sempre dirigido a alguém em particular, geralmente textos de caráter impessoal, de cunho acadêmico, de análises políticas ou econômicas, frequentemente críticas, algumas ácidas, em face do que observo no Brasil (e no resto do mundo). Sim, sou um leitor compulsivo, o que é um vício adquirido na primeira infância e do qual não consigo me redimir (nem quero). Sei que por vezes isto é um incômodo (quando estou dirigindo, por exemplo, fica difícil continuar as leituras, mas aí estou com as notícias no rádio), mas carrego esta sina com bom humor e ótima disposição.
Sempre estou pensando em algo (obviamente), quero dizer, em coisas novas, diferentes, sobretudo quanto não tenho nada para fazer, o que é raro, como vocês podem adivinhar, mas também acontece: quando estou embaixo da ducha (alguns minutos apenas, hélas, mas confesso que gostaria de ficar mais), quando estou passeando com os cachorros (quase uma hora, noite adentro), ou quando vou dormir (e o sono pode durar uma infinidade para me abater, dependendo justamente do que estou “pensando”, ou arquitetando).
Quando não estou lendo, me deslocando, trabalhando, fazendo compras, ou comendo, estou escrevendo, invariavelmente, ou num dos meus dois caderninhos de bolso (um pequeno para o bolso da camisa, outro médio, no bolso do paletó), ou num dos três ou quatro computadores nos quais trabalho alternadamente (sim, preciso reduzir o número, pois a bagunça nos arquivos tende a crescer). Depois que escrevo, publico, e cada vez mais – não por decisão minha, mas por demandas externas – publico sob encomenda, em colunas regulares, o que não é, esclareço, minha preferência pessoal (como não sei dizer não, acabam abusando da minha boa vontade). Gosto mesmo de escrever ao léu, por impulso do momento, os temas que decido, na perspectiva que prefiro, com os argumentos que defendo.

Como já escrevi em outros trabalhos, meu único critério na escrita, ou na argumentação oral, é o da honestidade intelectual, que significa mais ou menos o seguinte: procure coletar todas as fontes de informação sobre um determinado assunto a que você pode ter acesso pelas vias normais (e elas são infinitas, hoje em dia); leia tudo cuidadosamente; coloque todas essas informações nos seus devidos contextos (histórico, ambiental, geopolítico, econômico, relacional, etc.); reflita seriamente sobre as implicações de tudo isso para o Brasil, para o mundo, para você mesmo; ordene seus pensamentos segundo prioridades muito simples, que o ajudem a oferecer soluções para determinados problemas da sociedade, do Brasil e do mundo, em função daquilo que é relevante em nosso mundinho meio desconjuntado: economia de meios, boa relação de custos e benefícios, utilidade para o maior número, melhoria das condições de vida (material ou espiritual) das “populações” implicadas (que, por vezes, podem ser uma só pessoa); por fim, tente antecipar as consequências de seus atos, pois que sempre existem efeitos (por ação ou omissão) daquilo que fazemos ou deixamos de fazer.
Estes são meus critérios – aqui um pouco mais elaborados ou racionalizados do que o que de verdade acontece na vida prática, sempre mais bagunçada, claro – e é em função deles que escrevo e publico o que penso, sem pensar em agradar ninguém, e sem esconder de ninguém o que realmente penso. Confesso que tenho certa alergia à burrice – deve ser um defeito de quem leu muito e continua a ler exageradamente, e que acha que ninguém tem do direito de ser ignorante, já que as informações estão livremente disponíveis, mas também sei que a maior parte da humanidade tem preguiça e não lê quase nada, assumindo passivamente o que entra pela televisão aberta – mas confesso que também tenho, e em grau infinitamente maior, desprezo pela desonestidade intelectual, o que infelizmente encontro sempre pela frente: geralmente nos políticos, mas também entre colegas de academia, que não teriam o “direito” (penso eu) de ignorar os dados da realidade para defender ideias idiotas e propostas nocivas para a sociedade.
Sou intolerante, apenas nesses casos, tolerando na maior parte das vezes erros e equívocos que emergem da falta de estudos e de reflexões (já que, afinal de contas, ninguém tem a obrigação de ser intelectual). Mas, e aqui creio fazer a minha parte, sempre procuro diminuir o quantum de equívocos que existe na humanidade (e ele é enorme, obviamente), contribuindo da melhor forma possível para o que eu chamo de obra de “elevação espiritual da humanidade” – pelo menos neste cantinho de mundo que é o meu – escrevendo e divulgando o que é fruto de minhas leituras e experiências de vida. Este é o sentido deste blog e por isso creio que tenho o dever e prestar contas aos meus leitores, que são vocês aqui presentes, e aos quais sou grato pela vigilância demonstrada nos muitos comentários que recebi, direta e indiretamente (nem todos publicados), nos pedidos de ajuda para estudo ou trabalhos, nas simples mensagens de solidariedade, de cumprimentos, de críticas. Sem leitores, não existiriam escritores, e eu sou devedor, em primeiro lugar a todos os que me lêem.

Escrevi uma primeira carta aos leitores deste blog em Shanghai, em setembro de 2010, quando eles eram apenas pouco mais de duas centenas, para dizer-lhes, justamente, de meus deveres para com eles (vejam aqui, neste link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2010/09/aos-leitores-deste-blog-conversa-tete.html). Pouco depois, em Kyoto, em outubro do mesmo ano, eu dava continuidade ao diálogo com os seguidores e leitores deste blog, discutindo as reações de alguns comentaristas, e prometendo escrever mais (vejam este link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2010/10/segunda-carta-aos-leitores-do-blog.html). Não o fiz, pois viajei, me reinstalei, e só agora acabei recebendo minha mudança da China – duas enormes burocracias no meio – e pude retomar algumas leituras interrompidas então.

Enfim, esta terceira carta não tem muito a ver com as duas primeiras, embora represente uma continuidade do diálogo, num momento em que “meus” leitores aparentemente chegaram à marca dos 355 seguidores (talvez mais, talvez menos, dependendo de quem acesso, quem repassa, quem lê e como lê). Não creio que eles me devam qualquer explicação sobre os motivos pelos quais seguem este blog (alguns por razões talvez inconfessáveis, a maior parte por real interesse, suponho), mas esse simples fato, objetivo, me faz refletir que também tenho certas responsabilidades para com todos esses leitores, curiosos, passantes, navegantes, interessados e críticos de ocasião.
A minha primeira responsabilidade seria a de não decepcionar os leitores, entregando-lhes gato por lebre, como se diz. A segunda é a de preservar o padrão e os princípios que me motivam a ler, estudar, refletir, escrever e publicar, entre esses princípios o primordial e já referido da honestidade intelectual. O blog representa para mim uma espécie de divertissement intelectual, ou seja, nada de muito sério que me distrai de minhas ocupações principais – no plano profissional e acadêmico – e que se refletem em meus trabalhos mais “sérios” – geralmente coletados em meu site pessoal, www.pralmeida.org, salvo copyright de algum editor comercial – mas ainda assim material sério de informação e alguma coisa para divertir, no meio de tanta tragédia e misérias humanas.
Como disse, leio muito – praticamente todos os grandes jornais diários de maior importância internacional, as principais revistas, e dezenas de outros sites, blogs e arquivos que, remetidos por entidades ou correspondentes pessoais, ocorrem de cair sob a minha lupa implacável – e procuro socializar minhas leituras mais interessantes (algum besteirol também, que ninguém é de ferro) com meus leitores e passantes ocasionais. O resultado deve ser satisfatório, pois o número de “assinantes” deste serviço não pago (mas que me dá muito trabalho) tem aumentado regularmente. Amigos já me recomendaram deixar tudo isto de lado, para me concentrar no que é essencial: terminar dois ou três livros de pesquisa que estão no meu pipeline há algum tempo, e fazer coisas mais sérias do que responder a aluninhos em busca de alguma “facilidade universitária”.
Talvez faça isso, no que certamente vou decepcionar alguns leitores, mas de fato preciso me concentrar no que é essencial, e naquilo que apenas eu poderia fazer, que é produzir trabalhos originais com a profundidade que meus estudos e pesquisas me permitem fazer, exclusivamente. Fazer blog, divulgar matérias de imprensa, precedidos, ou não, de comentários inteligentes, isso qualquer um pode fazer, o que me leva às recomendações smithnianas sobre a divisão social do trabalho: eu deveria me concentrar naquilo que apenas eu posso fazer, usando todas as minhas vantagens absolutas e relativas, estas ricardianas...
Que seja!

Em todo caso, gostaria de desejar boa Páscoa a todos os meus leitores – uma oportunidade para se empanturrar de chocolate e para mergulhar em mais leituras e escritos – e dizer que vou tentar moderar minha frequência neste espaço, para liberar mais tempo para coisas um pouco mais profundas e que exigem maior dedicação e empenho redacional.
Quero agradecer a todos e a cada um pela confiança demonstrada – que se revela nos comentários publicados – e dizer-lhes que tentarei cumprir meus objetivos de vida, sempre de forma honesta e dedicada: ler com paixão, escrever com reflexão, viver a vida com emoção, sempre distribuindo o que temos de melhor a oferecer aos que nos cercam e um pouco a todos os demais membros da imensa família humana. O mundo ainda é o que é, e que todos reconhecemos não ser o ideal – muito menos o Brasil – mas já melhoramos bastante em relação a um passado não muito distante (a geração de meus pais e avós, por exemplo, atravessou duas guerras devastadoras, e outras catástrofes “magníficas”), e esperamos melhorar ainda mais nos anos à frente.
Espero continuar dando minha contribuição para esses pequenos progressos da humanidade em direção a melhores materiais e elevação espiritual.
Vale.

Paulo Roberto de Almeida
(Brasília, 22 de abril de 2011)


Cartas anteriores:

2194. “Aos leitores deste blog Diplomatizzando”, Shanghai, 28 setembro 2010, 2 p. Conversa com os seguidores do blog, e seus leitores eventuais, em torno do espírito do blog, seus objetivos e as responsabilidades e princípios do autor. Postado no blog (link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2010/09/aos-leitores-deste-blog-conversa-tete.html).

2209. “Segunda carta aos leitores do blog Diplomatizzando”, Kyoto, 22 outubro 2010, 2 p. Continuidade do trabalho 2194, sob a forma de diálogo com os seguidores e leitores do blog, discutindo as reações de alguns comentaristas. Postado no blog (link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2010/10/segunda-carta-aos-leitores-do-blog.html).

Diplomacia lulista: desenterrando velhos escritos... (PRA)

Parece incrível, mas acontece.
Escrevo tanto (deve ser uma mania, talvez uma compulsão, mais provavelmente um vício e uma loucura terminal, mas que ainda não me matou...), e publico tanto (e nem sempre me avisam quando alguma coisa minha saiu em algum lugar), que por vezes me escapa um artigo ou outro publicado em algum veículo menos relevante.
Mas, neste caso, não se trata de um veículo "irrelevante" e sim da revista da qual sou editor adjunto, para a qual faço pareceres (rigorosos, como devem ser) e com a qual colaboro desde seu segundo nascimento em Brasília, em 1993 (um renascimento ou uma reencarnação que tem muito a ver com meu ativismo acadêmico).
Pois bem, acabei não registrando a publicação do artigo abaixo, o que só vim a constatar porque um amigo me mandou um trabalho sobre temas relativamente similares, quais sejam: as interpretações sobre a diplomacia do "nunca antes" (e espera-se que "nunca mais", ou em todo caso, "não mais agora, ou daqui por diante"). Acabei me lembrando deste, fui buscar e, êpa!, ai aparece este arquivo de um texto publicado, mas não devidamente registrado.
Agora corrigi minha lista de publicados, incluindo a posteriori o registro abaixo, e deixo o artigo à disposição dos eventuais interessados. Esclareço que ele foi foi concebido no final de 2005 e preparado e elaborado no começo de 2006, com os registros de publicações até os primeiros meses desse último ano. Minha bibliografia -- sobretudo de artigos de imprensa -- era muito maior, mas tive de deixar de lado por imposições de espaço editorial.
Creio que caberia uma atualização, ou um novo artigo, enfatizando talvez novas tendências entre apoiadores e críticos da diplomacia lulista e fazendo um balanço de seus resultados (if any). Aliás, já fiz isso em outros escritos. Vou preparar uma lista atualizada desses trabalhos sobre diplomacia brasileira e política externa do governo Lula (não são a mesma coisa, para os entendidos).
Por enquanto fiquem com este registro:

Uma nova ‘arquitetura’ diplomática?: Interpretações divergentes sobre a política externa do Governo Lula (2003-2006)
Brasília, 19 maio 2006, 24 p. Artigo de revisão bibliográfica sobre a diplomacia do governo Lula. Relação de Originais n. 1603; Publicados n. 739bis.
Revista Brasileira de Política Internacional (ano 49, n. 1, 2006, ISSN 003U-7329; p. 95-116; link: http://www.scielo.br/pdf/rbpi/v49n1/a05v49n1.pdf).

E por falar em balanço dos resultados, deixo este registro de um artigo ainda não suficientemente divulgado, mas que está em Francês:

La diplomatie de Lula (2003-2010): une analyse des résultats
In: Denis Rolland, Antonio Carlos Lessa (coords.), Relations Internationales du Brésil: Les Chemins de La Puissance; Brazil’s International Relations: Paths to Power (Paris: L’Harmattan, 2010, 2 vols; vol. I: Représentations Globales – Global Representations, p. 249-259; ISBN: 978-2-296-13543-7).
Postado no blog Diplomatizzando (http://diplomatizzando.blogspot.com/2010/10/relations-internationales-du-bresil.html).
Relação de Originais n. 2184; Publicados n. 998.

Preciso colocar em ordem meus escritos, meus arquivos inacabados, meus livros, minhas bibliotecas, minha vida...
Ufa!

Siglas: do BRIC ao BRICS, ao BRIS, a BRISA: volare... dipinto di blu...

Quando se usam siglas emprestadas, e quando se bota tudo num caldeirão, ou num moedor de carne, para atender a desejos inconfessáveis e a ambições não reveladas, corre-se o risco de ver emergir siglas ainda mais confusas, e situações curiosas, no limite do risível.

Pois este parece o destino do novo animal político na fauna geopolítica planetária: o BRIC, ou BRICS, ou talvez BRIS, quem sabe BRISA, como acaba de sugerir um leitor deste blog, e que pode acabar em alguma outra coisa ainda não definida.

Vejam o que me escreveu um correspondente a propósito deste meu post:

Dos BRICS ao BRIS?: ilusoes anti-hegemonicas (inclusive do Brasil)
(21 de Abril de 2011)

Anônimo disse...
Sugerimos no lugar de BRICS o acrônimo BRISA!(...se a intenção é viver dela..!)
Vale!

Sexta-feira, Abril 22, 2011 10:24:00 AM

Concordo inteiramente. O BRIC surgiu porque a Rússia se sentia desconfortável no G8 (que na verdade continuava a se reunir sob o formato de G7 para as questões "sérias", como as financeiras, e guardava para o formato G8 apenas as questões amenas, suscetíveis de acomodar as posições de uma ex-superpotência em declínio) e porque o Brasil, ou melhor, certo presidente queria porque queria aparecer na liga das grandes potências, na companhia dos grandes, enfim essas megalomanias de declinantes e ascendentes, muito comuns em adolescentes e senis...
A inclusão (indesejada para os demais) da África do Sul pelas mãos da China não parece ter resolvido muitos dos problemas internos do grupo (ou bloco, ou fórum, whatever...) e deve complicar ainda mais as suas possibilidades de coerência e de coordenação internas, para uma instância que já não tinha muitos pontos em comum de uma agenda que era mais do contra do que a favor de algo: contra a arrogância imperial, contra o unilateralismo, contra o congelamento do poder mundial, etc., etc., etc...

De fato, como sugere meu anônimo correspondente, o nome BRISA é muito mais condizente com o espírito e a letra desse grupo que carrega nas tintas para não precisar explicar substância, e pode ir assim levando na maciota dos ventos alísios, até surgirem desafios reais (que, espera-se, eles resolvam).
A questão da Líbia, por exemplo, era uma excelente oportunidade para uma postura conjunta dos BRICS, ou da BRISA: eles resolveram se abster, o que pode até ser considerado uma posição: uma posição pela não posição, pelo atentismo, pela lavagem de mãos, pelo muro...

Boa sorte ao BRISA... ou ao BRICS, whoever, whatever...

Paulo Roberto de Almeida

Pausa para... alguns pensamentos cristaos a proposito da Pascoa

Não tenho certeza de que tudo esteja conforme ao original, já que recebi por uma dessas infindáveis correntes de internet, na qual tudo se transforma, nada se mantém igual, e tudo é reciclado (sem pagar os devidos direitos autorais ao autor).
Publico como recebi, creditando a autoria do texto a Luiz Fernando Veríssimo, que já foi mais engraçado, quando ele não apoiava ditaduras como a de Fidel Castro -- o que suponho que só faça por anti-imperialismo primário e anti-americanismo infantil -- e quando ele não apoiava governos corruptos e mistificadores como o que acaba de passar.
Não que tudo isso mude minha opinião positiva sobre este texto deveras engraçado, mas pelo menos me oferece a oportunidade de manifestar minha opinião sobre um dos nossos melhores escritores (e humorista eventual). Mesmo os melhores escritores (como Saramago, por exemplo) podem ser singularmente idiotas quando se trata de questões políticas e econômicas.
Deixando de lado esta longa (e chata) introdução, vamos ao que interessa.
Paulo Roberto de Almeida

Por favor resolva essa confusão

-Papai, o que é Páscoa?
-Ora, Páscoa é... bem... é uma festa religiosa!

-Igual ao Natal?
-É parecido. Só que no Natal comemora-se o nascimento de Jesus, e na Páscoa, se não me engano, comemora-se a sua ressureição.

-Ressurreição?
-É, ressurreição. Marta , vem cá !

-Sim?
-Explica pra esse garoto o que é ressurreição pra eu poder ler o meu jornal.

-Bom, meu filho, ressurreição é tornar a viver após ter morrido. Foi o que aconteceu com Jesus, três dias depois de ter sido crucificado. Ele ressuscitou e subiu aos céus. Entendeu ?

-Mais ou menos... Mamãe, Jesus era um coelho?
-O que é isso menino? Não me fale uma bobagem dessas! Coelho! Jesus Cristo é o Papai do Céu! Nem parece que esse menino foi batizado! Jorge, esse menino não pode crescer desse jeito, sem ir numa missa pelo menos aos domingos.

Até parece que não lhe demos uma educação cristã ! Já pensou se ele solta uma besteira dessas na escola ? Deus me perdoe ! Amanhã mesmo vou matricular esse moleque no catecismo!

-Mamãe, mas o Papai do Céu não é Deus ?
-É filho, Jesus e Deus são a mesma coisa. Você vai estudar isso no catecismo. É a Trindade. Deus é Pai, Filho e Espírito Santo.

-O Espírito Santo também é Deus?
-É sim.

-E Minas Gerais?
-Sacrilégio!!!

-É por isso que a ilha de Trindade fica perto do Espírito Santo?
-Não é o Estado do Espírito Santo que compõe a Trindade, meu filho, é o Espírito Santo de Deus. É um negócio meio complicado, nem a mamãe entende direito. Mas se você perguntar no catecismo a
professora explica tudinho!

-Bom, se Jesus não é um coelho, quem é o coelho da Páscoa ?
-Eu sei lá ! É uma tradição. É igual a Papai Noel, só que ao invés de presente ele traz ovinhos.

-Coelho bota ovo ?
-Chega ! Deixa eu ir fazer o almoço que eu ganho mais !

- Papai, não era melhor que fosse galinha da Páscoa ?
-Era... era melhor,sim... ou então urubu.

-Papai, Jesus nasceu no dia 25 de dezembro, né ? Que dia ele morreu ?
-Isso eu sei: na Sexta-feira Santa.

-Que dia e que mês?
- (???) Sabe que eu nunca pensei nisso ? Eu só aprendi que ele morreu na Sexta-feira Santa e ressucitou três dias depois, no Sabado de Aleluia.

-Um dia depois!
-Não três dias depois.

-Então morreu na Quarta-feira.
-Não, morreu na Sexta-feira Santa... ou terá sido na Quarta-feira de Cinzas ? Ah, garoto, vê se não me confunde ! Morreu na Sexta mesmo e ressuscitou no sábado, três dias depois!

-Como ?
- Pergunte à sua professora de catecismo!

-Papai, porque amarraram um monte de bonecos de pano lá na rua ?
-É que hoje é Sabado de Aleluia, e o pessoal vai fazer a malhação do Judas. Judas foi o apóstolo que traiu Jesus.

-O Judas traiu Jesus no Sábado ?
-Claro que não ! Se Jesus morreu na Sexta !!!

-Então por que eles não malham o Judas no dia certo ?
-Ai...

-Papai, qual era o sobrenome de Jesus?
-Cristo. Jesus Cristo.

-Só ?
-Que eu saiba sim, por quê?

-Não sei não, mas tenho um palpite de que o nome dele era Jesus Cristo Coelho. Só assim esse negócio de coelho da Páscoa faz sentido, não acha?

-Ai coitada!
-Coitada de quem?

-Da sua professora de catecismo!

Texto de Luiz Fernando Verissimo

Diplomatizzando: Dos BRICS ao BRIS?: ilusoes anti-hegemonicas (inclusive do Brasil)

Diplomatizzando: Dos BRICS ao BRIS?: ilusoes anti-hegemonicas (inclusive do Brasil)

Paraninfo nao apareceu na formatura: ficou constrangido pelos direitos humanos?

Gesto incompreensível esse de, sendo paraninfo escolhido pela turma de formandos, sequer aparecer para cumprimentar os diplomados, limitando-se a enviar uma mensagem (certamente preparada por outros), dizendo o que pensa de si mesmo...
Deve ser constrangimento pelas diferenças apontadas pela imprensa -- aliás constatadas por todos os que lêem -- no sentido de haver uma diferença marcante entre sua política externa -- de amizade com ditadores e violadores dos direitos humanos -- e a da sua sucessora, de comprometimento firme com a defesa dos direitos humanos.
Paulo Roberto de Almeida

Dilma atrela diplomacia a direitos humanos
Lisandra Paraguassu
O Estado de S. Paulo, 20 de abril de 2011

Em discurso no Itamaraty, presidente diz que tema será defendido ‘sem concessões’

BRASÍLIA - Em contraste com o tom contemporizador com países violadores dos direitos humanos adotado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a presidente Dilma Rousseff mostrou nesta quarta-feira, 20, que o tema está no centro da política externa brasileira.

Apesar das preocupações com as reformas das instituições internacionais, como a Organização das Nações Unidas, ou com a sempre presente necessidade de atrair investimento e tecnologia para o País, Dilma declarou, no primeiro discurso sobre relações internacionais de seu governo, que o tema será promovido e defendido "em todas as instâncias internacionais sem concessões, sem discriminações e sem seletividade".

O discurso foi dirigido a uma plateia de formandos do Instituto Rio Branco e diplomatas, na cerimônia de conclusão de curso da turma de 2010 do instituto. Pela primeira vez, a presidente falou claramente sobre o que considera objetivos da política externa brasileira no seu governo. E afirmou que, apesar de ver a preocupação com os direitos humanos como algo que já existia no governo Lula, o assunto será, "mais ainda agora", uma preocupação do governo brasileiro.

Lula, escolhido paraninfo da turma, mandou um texto de apenas uma página, que foi lido pelo assessor para Assuntos Internacionais do Planalto, Marco Aurélio Garcia. Nele, o ex-presidente louvou as ações do Itamaraty durante seus dois mandatos e definiu como mera "continuidade" de seu governo a gestão Dilma no campo da política externa.

A presidente deixou clara, também, a importância que dá à reforma das Nações Unidas, especialmente ao seu Conselho de Segurança - tema de interesse especial do Brasil, que espera, com essa reforma, obter uma vaga permanente no conselho. "No momento em que debatemos como serão a economia, o clima e a política internacional no século 21, fica patente também que, do ponto de vista da segurança, a ONU também envelheceu", sustentou a presidente.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Sera que o Brasil aguenta mais 4 ou 8 anos de Republica Sindical?

Não sei se aguenta, provavelmente sim, embora tenha de locupletar a chamada "nova burguesia do capital alheio". Mas assim vai crescer pouco e continuar a ser arrastar penosamente em direção à modernidade.
Do que eu tenho certeza é de uma coisa: a mediocridade intelectual continuará pujante e desfilando nos salões da República com cada vez mais vigor.
Avançando para trás, parece ser o destino do Brasil nos próximos anos.
Paulo Roberto de Almeida

Companheiro de toga
DIEGO ESCOSTEGUY E MURILO RAMOS
Revista Época, 21/04/201

O governo nomeia para o STJ Antônio Ferreira, advogado sem currículo – mas ligado ao PT

APARELHAMENTO
A carreira de Antônio Carlos Ferreira, advogado próximo ao PT e ao Sindicato dos Bancários, deslanchou quando Lula assumiu a Presidência. Agora, essa proximidade o levou ao STJ
O advogado Antônio Carlos Ferreira formou-se numa faculdade que nem sequer consta da lista das 87 recomendadas pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Não fez mestrado. Em 30 anos de carreira, nunca publicou um artigo jurídico. Só teve um grande cliente: a Caixa Econômica Federal, onde entrou há mais de 25 anos. Nas poucas e magras linhas de seu currículo oficial, porém, não há menção ao dado mais relevante de sua trajetória: desde 1989, ele é filiado ao Sindicato dos Bancários de São Paulo, entidade alinhada com o Partido dos Trabalhadores. Militante informal do partido, Antônio Carlos fez carreira na Caixa com a ajuda dos companheiros. Em 2000, a pedido do atual tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, tornou-se chefe do setor jurídico do banco no Estado de São Paulo. Quando Lula assumiu a Presidência, três anos depois, o PT emplacou Antônio Carlos no comando da Diretoria Jurídica da Caixa – uma posição para lá de poderosa, da qual dependem todos os grandes negócios do banco.

Antônio Carlos, um companheiro discreto e disciplinado, nunca criou problemas para o partido. Deu aval a contratos tidos como ilícitos pelo Ministério Público Federal, como no caso da multinacional de loterias Gtech, e testemunhou silenciosamente ações ilegais, como a quebra ilegal do sigilo bancário do caseiro Francenildo. No caso da Gtech, acusada pelo MP de pagar propina ao PT para renovar por R$ 650 milhões um contrato com a Caixa, Antônio Carlos e sua equipe mudaram o entendimento jurídico sobre o assunto – o que permitiu a renovação exatamente nos termos pedidos pela multinacional, ainda no começo do governo Lula.

Anos depois, em 2006, ele jantava com o então presidente da Caixa, Jorge Mattoso, quando um assessor do banco entregou a Mattoso um envelope com os extratos bancários do caseiro que denunciara malfeitorias do ministro Antonio Palocci. O misterioso perdão milionário concedido pela Caixa ao grupo Bozano e ao Banco Santander, revelado por ÉPOCA na semana passada, também passou, sem nenhum questionamento, pelo crivo da turma de Antônio Carlos. (Por meio de sua assessoria, ele negou participação nos casos que passaram por sua área e disse não ter visto o conteúdo do envelope com os extratos bancários do caseiro.)

Antônio Carlos permaneceu na diretoria da Caixa até agosto do ano passado. Na última terça-feira, a presidente Dilma Rousseff o nomeou para uma vaga no Superior Tribunal de Justiça, o STJ, a segunda corte mais importante do país. Para ocupar esse cargo, a Constituição exige que o candidato detenha “notório saber jurídico” e “reputação ilibada”. Caberá agora ao Senado sabatiná-lo. A reputação foi colocada em xeque por sua atuação na Caixa. Com relação ao notório saber jurídico, é difícil encontrar lentes para enxergar esse atributo em Antônio Carlos – a não ser lentes vermelhas, partidariamente embaçadas.

Na Caixa, o novo ministro do STJ aprovou contratos irregulares, como o da multinacional Gtech
Ao comparar-se seu currículo ao dos demais 29 ministros da corte ou aos de seus concorrentes ao posto, as credenciais de Antônio Carlos parecem frágeis. Todos exibem cursos de pós-graduação ou, no mínimo, longa carreira no Judiciário. Foi, portanto, preciso muito lobby para que o nome de Antônio Carlos chegasse à mesa da presidente Dilma – lobby do PT e de ministros que foram ligados ao partido, como Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF). Foi uma espécie de retribuição. Como sempre tratou muito bem o poder, pelo poder também foi muito bem tratado. Quando Antônio Carlos era diretor jurídico da Caixa, o banco concedia generosos patrocínios para eventos do Judiciário. O banco deu R$ 40 mil para financiar a festa promovida para Dias Toffoli, quando ele conseguiu ser nomeado para o STF, em outubro de 2009. Antônio Carlos foi à festa, claro.

A indicação de Antônio Carlos veio de uma lista sêxtupla da OAB. Na votação entre seus pares, ele ficou em sexto. Encaminhou-se essa lista ao STJ. Antônio Carlos pulou para o primeiro lugar na lista enviada ao governo. Os dois competidores finais de Antônio Carlos apresentavam cursos de pós-graduação – mas pouca simpatia político-partidária. Em Brasília, é essa a linha que conta mais no currículo.

Cuba: tentando renovar o socialismo com "jovens" de 80 anos...

Maravilha de renovação: o dirigente que acaba de ser nomeado tem 84 anos...
Mais vigor impossível...
Interessante que o novo dirigente, que tem 80, disse que o socialismo vai continuar, que capitalismo nunca voltará a Cuba.
Assim seja...
Paulo Roberto de Almeida

Cuba muda para ficar igual
Editorial - O Estado de S.Paulo
21 de abril de 2011

Uma economia tentando sobreviver - ou melhor, existir - mediante lenta e limitada abertura para o mercado - que, por sinal, não existe - sob o comando da mão de ferro da velha-guarda de Sierra Maestra. Na política, nenhuma perspectiva imediata de liberalização. Esta é a Cuba que emerge do 6.º Congresso do Partido Comunista Cubano (PCC), encerrado na terça-feira em Havana, que aprovou um documento programático, Linhas da Política Econômica e Social, contendo mais de 300 pontos que deverão orientar os ajustes a serem feitos no modelo econômico da ilha que nunca funcionou.

O 6.º Congresso do PCC, convocado depois de 14 anos, também elegeu oficialmente Raúl Castro para as funções que já vinha exercendo desde 2006, de secretário-geral do Comitê Central do partido. Contrariando a expectativa de que a oportunidade poderia ser aproveitada para iniciar a renovação do comando do país, para a segunda secretaria, antes ocupada por Raúl, foi nomeado o general José Ramon Machado, de 84 anos, que também é o primeiro vice-presidente. No mesmo dia foi divulgado documento por meio do qual o ex-presidente Fidel Castro renunciou formalmente à chefia suprema do PCC - da qual estava afastado, bem como da presidência, por motivos de saúde, desde 2006 -, anunciou que não mais ocupará cargos no partido ou no governo e conclamou a juventude cubana a continuar "construindo o socialismo".

Desde que substituiu o irmão, Raúl Castro tem anunciado medidas destinadas a enfrentar o estado de catalepsia econômica, em que o país mergulhou desde que, com o fim da União Soviética, 20 anos atrás, Havana parou de receber regularmente os generosos recursos com que Moscou mantinha sua cabeça de ponte comunista na América Latina. Mas, mais uma vez se evidencia que, pelo menos enquanto os Castros e a velha-guarda de 1959 continuarem no poder, o que certamente acontecerá enquanto viverem, está afastada qualquer possibilidade de uma economia de mercado na ilha. Raúl Castro foi categórico em seu pronunciamento no encerramento do congresso: "Assumo minha última tarefa com a firme convicção e compromisso de honra, que o primeiro-secretário do comitê central do Partido Comunista de Cuba tem como sua principal missão defender, preservar e prosseguir aperfeiçoando o socialismo e não permitir jamais o retorno do regime capitalista". Assim, o sistema econômico cubano continuará se baseando na planificação e "na propriedade socialista dos meios fundamentais de produção", mesmo que se venha a levar em conta "as tendências do mercado". O que se pode esperar, segundo o presidente, é a "atualização do modelo" com maior autonomia às empresas estatais e maior estímulo à entrada de capital estrangeiro no país.

O isolamento de Cuba pós-URSS ajuda a entender, mas não é suficiente para explicar a paralisia econômica das duas últimas décadas. O maior problema é que a radicalização do modelo comunista, durante os mais de 30 anos em que o que restou da diáspora da economia cubana para a Flórida após a vitória da revolução sobreviveu praticamente às expensas de Moscou, acabou deixando o país inabilitado para a tarefa de produzir ele próprio a riqueza de que necessita para prosperar. Ainda hoje, a maior parte dos bens de produção e de consumo, principalmente alimentos, de que a ilha necessita é importada.

Não obstante, timidamente, Havana começa a adotar medidas liberalizantes elementares como a permissão para que a população compre e venda imóveis residenciais, da mesma forma como foi autorizada, há pouco tempo, a adquirir telefones celulares e computadores pessoais, etc. Resta saber com o que os cubanos, que ganham em média, US$ 20 por mês, poderão comprar mais do que podem comprar hoje.

Além do mais, esse "poder de compra" ainda será afetado pelas medidas de contenção de despesas que o governo já anunciou, como a demissão de 500 mil funcionários públicos ociosos ou a distribuição dos cartões de racionamento apenas para os mais necessitados. Sem falar, é claro, num mínimo de liberdade política, de respeito aos direitos humanos. Tudo isso certamente terá que esperar pela era pós-Castros.