O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

Meu Twitter: https://twitter.com/PauloAlmeida53

Facebook: https://www.facebook.com/paulobooks

quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

A Theory of International Organization - book by Liesbet Hooghe; Tobias Lenz; Gary Marks

A Theory of International Organization

  • Liesbet Hooghe; Tobias Lenz; Gary Marks:
  • A Theory of International Organization
  • OUP Oxford, 2019, ISBN: 9780191079610


Why do international organizations (IOs) look so different, yet so similar? The possibilities are diverse. Some international organizations have just a few member states, while others span the globe. Some are targeted at a specific problem, while others have policy portfolios as broad as national states. Some are run almost entirely by their member states, while others have independent courts, secretariats, and parliaments.
Variation among international organizationsappears as wide as that among states. This book explains the design and development of international organization in the postwar period. It theorizes that the basic set up of an IO responds to two forces: the functional impetus to tackle problems that spill beyond national borders and a desire forself-rule that can dampen cooperation where transnational community is thin.
The book reveals both the causal power of functionalist pressures and the extent to which nationalism constrains the willingness of member states to engage in incomplete contracting. The implications of postfunctionalist theory for an IO's membership, policy portfolio, contractual specificity, and authoritative competences are tested using annual data for 76 IOs for 1950-2010.
Transformations in Governance is a major academic book series from Oxford University Press. It is designed to accommodate the impressive growth of research in comparative politics, international relations, public policy, federalism, environmental and urban studies concerned with the dispersion of authority from central states up to supranational institutions, down to subnational governments, and side-ways to public-private networks. It brings together work that significantly advancesour understanding of the organization, causes, and consequences of multilevel and complex governance. The series is selective, containing annually a small number of books of exceptionally high quality by leading and emerging scholars.The series targets mainly single-authored or co-authored work, but it is pluralistic in terms of disciplinary specialization, research design, method, and geographical scope. Case studies as well as comparative studies, historical as well as contemporary studies, and studies with a national, regional, or international focus are all central to its aims. Authors use qualitative, quantitative, formal modeling, or mixed methods. A trade mark of the books is that they combine scholarly rigour withreadable prose and an attractive production style.The series is edited by Liesbet Hooghe and Gary Marks of the University of North Carolina, Chapel Hill, and the VU Amsterdam, and Walter Mattli of the University of Oxford.

  • OUP Oxford; August 2019
  • ISBN: 9780191079610
  • Read online, or download in secure PDF or secure ePub format
  • Title: A Theory of International Organization
  • Series: Transformations in Governance
  • Author: Liesbet Hooghe; Tobias Lenz; Gary Marks
  • Imprint: OUP Oxford

In The Press

Deep thinking and theorizing as well as profound and methodologically advanced empirical analysis - if you ask for the impossible and want to have both in one book, this one has it. A Theory of International Organization is at its core about the tension between scale and community. It develops a sophisticated and encompassing set of insights into the working of International Organizations in an interdependent world constituted of (mostly) nationalcommunities. This book is one of the most important contributions to a new wave of theorizing about world politics that overcomes old schisms. It is a must-read for all serious students of International Relations.

About The Author

Liesbet Hooghe is the W.R. Kenan Distinguished Professor of Political Science at UNC-Chapel Hill and Robert Schuman Fellow at the European University Institute, Florence. In 2017 she received the Daniel Elazar Distinguished Federalism Scholar Award of the APSA. Born and educated in Belgium with a PhD. from the KU Leuven, she was a Fulbright fellow at Cornell University and a postdoctoral fellow at Nuffield College, Oxford. She joined the University of Toronto in 1994and moved to UNC-Chapel Hill in 2000. Between 2004 and 2016, she also held the Chair in Multilevel Governance at the VU Amsterdam. Hooghe is the former chair of the European Politics Society section of the APSA and of the European Union Studies Association. Her chief focus is multilevel governance,European integration, political behavior, and international organization.
Tobias Lenz is Assistant Professor of Global Governance and Comparative Regionalism at the University of Goettingen, and the German Institute of Global and Area Studies (GIGA), Hamburg. During the academic year 2015/16, he was a Max Weber Fellow at the European University Institute (EUI), Florence. Previously, he worked as a postdoctoral fellow in a research project on the authority of international organizations, directed by Liesbet Hooghe and Gary Marks, at the Free University of Amsterdam, Netherlands. Lenz holds a PhD in International Relations from Oxford University and has held visiting fellowships at the Free University of Berlin, UNC Chapel Hill, and the University of Colorado at Boulder. His research deals chiefly with global and regional organizations, institutional design andchange, legitimacy and diffusion.
Gary Marks is Burton Craige Professor of Political Science at UNC-Chapel Hill, and a Robert Schuman Fellow at the European University Institute, Florence. He was educated in England and received his Ph.D. from Stanford University. He was a recipient of the Humboldt Forschungspreis (Humboldt Research Prize) in 2010 and of a €2.5 million Advanced European Research Council grant (2010-2015). In 2017 he received the Daniel Elazar Distinguished Federalism Scholar Award of the APSA. Heco-founded the UNC Center for European Studies and EU Center of Excellence in 1994 and 1998, respectively. Marks has had fellowships at the Free University of Berlin, the Hanse Wissenschaftskolleg, Pompeu Fabra, the Institute for Advanced Studies Vienna, Sciences Po, Konstanz University, McMaster University, the University of Twente, and was National Fellow at the Hoover Institution. His research and teaching are chiefly in comparative politics, multilevel governance, and measurement.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

Compras Governamentais: Brasil adere a acordo multilateral

Um grande avanço, não só para aumentar a concorrência, como para diminuir a corrupção sistêmica nessa área.

Brasil adere a acordo que abre compras governamentais a empresas estrangeiras

Decisão que será anunciada este semestre dá mesmo tratamento a empresas nacionais e do exterior em licitações

O Globo, 8/01/2020

BRASÍLIA - O governo brasileiro vai anunciar, ainda neste semestre, a adesão do Brasil ao acordo de compras governamentais, firmado no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) por 48 países, entre os quais os da União Europeia (UE), os Estados Unidos e o Japão. A ideia é permitir que as empresas brasileiras tenham acesso a um mercado de US$ 1,7 trilhão por ano nas licitações públicas em outros países. 
O mercado brasileiro também é promissor: dados do Ministério da Economia mostram que, em 2017, o setor público — União, estados e municípios — contratou cerca de R$ 78 bilhões em bens e serviços, o que inclui desde equipamentos para obras a material de escritório e merenda escolar.
Pelo acordo, os governos dos países signatários são obrigados a dar tratamento isonômico a empresas nacionais e estrangeiras nas licitações públicas. Isso significa, por exemplo, o reconhecimento mútuo de documentação dos fornecedores, o que pode representar uma redução concreta de barreiras à participação de firmas de outros países nas operações. A empresa também não precisará ter um representante no Brasil para participar da concorrência.
A avaliação dos técnicos da área econômica é que, quanto maior o número de concorrentes, mais reduzidas são as chances de corrupção. Segundo explicou uma fonte, “isso dificulta a combinação de jogo entre empresas”.
O Brasil sempre foi pressionado a entrar nesse acordo, mas resistiu tanto nos governos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso como nos mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva. Nas negociações para a criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) — abortadas logo no início do governo Lula —, os EUA tentaram inserir, sem sucesso, compras governamentais como parte do tratado continental.
Na época, a diplomacia brasileira considerava que o melhor seria discutir o tema de forma multilateral, na OMC. Porém, desde o governo do ex-presidente Michel Temer, a situação começou a mudar. Compras governamentais passaram a fazer parte de acordos negociados pelo Brasil com outros parceiros sul-americanos, como Peru e Chile.
Também há um protocolo de intenções com esse objetivo firmado com os demais sócios do Mercosul (Argentina, Paraguai e Uruguai).
No ano passado, já sob o governo do presidente Jair Bolsonaro, o Brasil e os demais sócios do Mercosul incluíram compras governamentais nos acordos com a União Europeia e a Efta (Associação Europeia de Livre Comércio, formada por Islândia, Liechtenstein, Noruega e Suíça). Os técnicos estimam que as licitações realizadas anualmente pela UE superem a cifra de US$ 1 bilhão.
Desde 2017, o Brasil passou a participar das reuniões de um comitê que trata de compras governamentais na qualidade de observador. Mas a adesão do Brasil não será imediata, pois requer uma negociação prévia na OMC. Também estão prestes a aderir ao acordo China e Rússia.

A maldição das empresas públicas: corrupção e má gestão - o caso da Petrobras

Criada por Getúlio Vargas, Petrobras é alvo de CPIs desde os anos JK e Jango
Fonte: Acervo O Globo 
Estatal se envolveu em escândalos nos governos Sarney e Collor. Operação Lava-Jato da PF prendeu 4 ex-diretores da empresa, entre eles Nestor Cerveró em 2015.
Um dos principais alvos da Operação Lava-Jato da Polícia Federal (PF), a Petrobras — a maior estatal do país — já enfrentou outras investigações de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara dos Deputados. Dirigentes da companhia foram convocados, desde a década de 50, para prestar esclarecimentos a parlamentares. No dia 24 de maio de 1958, O GLOBO informava que o coronel Janari Nunes, presidente da empresa, prestava depoimento para desmentir acusações feitas pelo “Diário de Notícias”. Entre elas, estava a de ter ocultado do presidente da República — na época, Juscelino Kubitschek — que o mandato de um dos diretores, Nazaré Teixeira Dias, estava encerrado desde 1956. Janari Nunes, na ocasião, defendeu-se culpando a imprensa. Alegou que se tratava de uma campanha do jornal contra ele e a diretoria.

Na década seguinte, uma nova polêmica envolveu outro presidente da empresa. “Só cego não vê que o que acontece na Petrobrás está acontecendo no Brasil”, afirmava o general Albino Silva, presidente da “Petrobrás” (à época com acento) na CPI sobre Assuntos do Petróleo, no Palácio Tiradentes, segundo reportagem publicada em 28 de janeiro de 1964. Aos parlamentares o executivo disse ainda que alguns diretores mantinham compromissos “que não eram específicos aos cargos que ocupavam”. Eram tempos do governo de João Goulart, dois meses antes do golpe que o depôs da Presidência da República. Além disso, o general ressaltou que havia um “anel de ferro” transformando a empresa “num organismo impenetrável” e que estabelecia um clima de terror em diversos setores. Outro lado da história foi publicado pelo jornal no dia seguinte. Nessa edição, Jairo José de Farias, ex-diretor da estatal, acusava Albino Silva de ser agente de cartéis internacionais. Ainda assim, segundo o jornal, o diretor não possuía provas para culpar o general.

Símbolo nacional, a estatal tem na sua biografia outros episódios que afetaram a sua credibilidade. “Petrobrás passa pelo maior escândalo de sua história”, noticiava O GLOBO no dia 13 de dezembro de 1988. A edição destacava que o escândalo, na subsidiária Petrobrás Distribuidora (BR), era o maior dos 35 anos da companhia, criada em 1953 no governo do presidente Getúlio Vargas após a campanha nacionalista “O petróleo é nosso”, que mobilizara setores da sociedade brasileira desde os anos 40. De acordo com as informações, sete banqueiros haviam procurado, em novembro de 1987, o presidente da Petrobras, Armando Guedes Coelho. Eles estavam sendo pressionados por funcionários da BR para obter vantagens e benefícios para manter e até aumentar depósitos da estatal nas instituições financeiras. A cobrança das comissões, segundo denúncia da época, atingia a cifra de US$ 2 milhões mensais. Quem governava o país era o presidente José Sarney, e a crise na empresa culminou com o pedido de demissão de Armando Guedes, noticiado no dia 17 de dezembro de 1988. Quatro anos depois, um novo escândalo envolveu a empresa no governo Collor.

Em 20 de março de 2014, a Operação Lava-Jato, desencadeada pela PF três dias antes com a prisão de 17 pessoas, entre elas o doleiro Alberto Youssef, chegava à maior empresa estatal brasileira. Naquele dia, o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa foi preso com R$ 1,1 milhão guardado em sua casa. Além de Costa, outros três ex-diretores da Petrobras foram presos na Lava-Jato: Nestor Cerveró (Internacional), em 14 de janeiro de 2015, Renato Duque (Serviços), em 16 de março, e Jorge Zelada (também da Diretoria Internacional), em 2 de julho.

Durante as investigações, o Ministério Público Federal denunciou à Justiça 36 pessoas suspeitas de participar no esquema de corrupção da Petrobras, sendo 25 ligadas a grandes empreiteiras. A mais recente CPI da Petrobras para investigar o esquema de corrupção na companhia, revelado na Lava-Jato, cujos processos são conduzidos pelo juiz federal do Paraná Sérgio Moro, foi anunciada no dia 5 de fevereiro de 2015 pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, posteriormente acusado de também estar envolvido no esquema de propinas. Foi em depoimento à CPI, em março daquele ano, que o ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco, delator do esquema, afirmou que recebia pagamentos de forma pessoal desde 1997, durante o governo Fernando Henrique Cardoso. Porém, segundo ele, somente a partir de 2003, já no governo Lula, é que a propina foi “institucionalizada”.

A PF identificou 16 empreiteiras que se organizavam — numa espécie de “clube do cartel” — para fraudar licitações, corromper agentes públicos e desviar recursos da estatal. Entre as acusadas estão grandes empreiteiras, como Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e Odebrecht. Na 14ª fase da operação, realizada em 19 de junho de 2015, a PF prendeu executivos ligados aos principais grupos empresariais supostamente envolvidos, entre eles o presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, e da Andrade Gutierrez, Otávio Azevedo.

Em meio aos escândalos de corrupção, a Petrobras divulgou o seu balanço, com cinco meses de atraso, em abril de 2015. O resultado foi um prejuízo de R$ 21,58 bilhões em 2014. Do total, a própria empresa reconhece R$ 6,2 bilhões provocados pelos desvios de recursos.

terça-feira, 7 de janeiro de 2020

E por falar em diplomacia ideológica, eis aqui um exemplo: a luta contra o terrível comunismo

Numa fase em que nem o PCdoB deseja realmente implantar o comunismo no Brasil – eles só querem extorquir os capitalistas, para seu maior conforto material –, ainda tem gente que pensa em buscar chifre em cabeça de cavalo.
Eis aqui um perfeito exemplo.
Paulo Roberto de Almeida

Ernesto Araújo, Ministro das Relações Exteriores.
Em artigo exclusivo, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, traça um panorama da ameaça comunista nos países latinos

O intelectual e ativista marxista boliviano Álvaro García Linera, logo após ser eleito vice-Presidente da Bolívia na chapa de Evo Morales, em 2005, declarou: “O horizonte geral da nossa era é o comunismo.”
Não há dúvida de que a América Latina viveu dentro de um horizonte comunista desde 2005, ou possivelmente desde um pouco antes, desde a vitória de Lula em 2002, ou desde a vitória de Chávez em 1999. Na verdade, esse horizonte começou a raiar com a criação do Foro de São Paulo, em 1991.
Veja-se bem a expressão: dentro de um horizonte comunista. Não em um sistema explicitamente comunista. Muitas pessoas ridicularizam a discussão sobre a presença do comunismo na América Latina atual dizendo que os partidos autoproclamados comunistas são fracos ou inexistentes e que em nenhuma parte – exceto um pouco na Venezuela – cogita-se de instaurar um sistema com propriedade coletiva dos meios de produção ou ditadura do proletariado.
Em primeiro lugar, há que observar o seguinte: o comunismo não é a propriedade coletiva dos meios de produção. O comunismo não é a ditadura do proletariado. Propriedade coletiva e ditadura do proletariado – o socialismo – são instrumentos para chegar ao comunismo, que é o estágio último da sociedade humana concebido por Marx, o zero absoluto do ser humano, onde o controle sobre o homem é tão completo que já prescinde do Estado (portanto prescinde da ditadura do proletariado). Um controle sem sujeito, apenas objetos imbecilizados, onde já não há propriedade coletiva nem individual porque já não há diferença entre indivíduo e coletividade, um sistema que se autoperpetua infinitamente, um buraco negro da humanidade, de cujo horizonte já nenhuma luz escapa. O comunismo não é a abolição do capitalismo, o comunismo é (para tomar emprestado um título de C.S.Lewis) a abolição do homem.
O socialismo, dentro da loucura marxista, é apenas um instrumento para chegar ao comunismo, mas isso não significa que não haja outros. Desde 1989-1991, quando desabou o “socialismo real”, o marxismo vem trabalhando para desenhar novos instrumentos de construção do comunismo. O principal desses instrumentos é o globalismo (termo que utilizo numa acepção algo distinta daquela mais corrente que o define como a criação de uma governança mundial; para mim, diferentemente, o globalismo é a captura da economia globalizada pelo aparato ideológico marxista através do politicamente correto, da ideologia de gênero, da obsessão climática, do antinacionalismo). 
Assim, tudo o que os marxistas desde 1989 fazem e pensam é manter aberto o horizonte comunista. Sabem que já não podem pregar abertamente o comunismo porque o mainstream (ainda) o rejeita, mas podem ir-se aproximando, avançando aqui e ali, ganhando terreno e ocupando espaços. Horizonte por definição é um lugar aonde nunca se chega, mas que necessariamente orienta e referencia nossa localização espacial. O objetivo ficou talvez mais distante do que era no tempo da União Soviética, mas continua presente. Talvez tenha ficado mais próximo É isso o que querem dizer com o “horizonte comunista”. 
Essa expressão, aliás, serve de título a um livro da marxista Jodi Dean, publicado em 2012, The Communist Horizon um de tantos trabalhos surgidos desde o final dos anos 90 discutindo justamente as formas de preservar a “utopia” comunista e reinseri-la na realidade política e social concreta de um mundo aparentemente avesso ao comunismo. Na mesma linha vão os três volumes intitulados The Idea of Communism, coleção de ensaios de dezenas de autores marxistas, coordenados pelos dois principais pensadores dessa horripilante corrente na atualidade, Alain Badiou e Slavoj Zizek. O “horizonte comunista”, a “ideia do comunismo” são a mesma coisa: mil maneiras de manter viva a ideologia comunista, tantas vezes derrotada pela realidade. Dizia Mao Tse Tung: “De derrota em derrota, até a vitória final.” Esse é o programa. Aproveitar as aparentes derrotas para fortalecer-se e seguir avançando. Pode-se argumentar que neste Século XXI o projeto comunista está mais forte do que nos anos 80, justamente porque ninguém o vê e pode operar à sombra da sociedade de consumo. Em lugar de combater o capitalismo em nome de uma alternativa socialista claramente fracassada, infiltrar-se de maneira sutil dentro do capitalismo. 
Vão já, portanto, quase trinta anos – mas os últimos 20 são especialmente significativos – em que o marxismo está cavando túneis por baixo da superfície aparentemente segura e tranquila da sociedade liberal. Os marxistas nunca se renderam a essa sociedade. Reúnem-se, pensam, programam, aplicam diferentes estratégias que vão solapando o mundo liberal-democrático, de diferentes modos, com diversas geometrias, explorando de forma inteligente e perversa as fragilidades do sistema liberal.
A principal fragilidade do sistema liberal é a seguinte: o sistema liberal não pensa. Não trabalha no mundo das ideias. Criou uma repulsa por tudo aquilo que chama de “ideológico”. Curiosamente, o sistema liberal em geral – e no Brasil os isentões em particular – aplicam a pecha de “ideológico” àqueles que procuram estudar o marxismo contemporâneo e entender seu “horizonte comunista”. Ou seja, os ideólogos que se esforçam dia e noite por criar os novos instrumentos do comunismo (e que publicam suas ideias em livros amplamente disponíveis) são ignorados e deixados trabalhar em paz, sob uma espécie de indiferença benigna por parte do establishment. Já os amantes da liberdade que lêem esses trabalhos marxistas para entender o novo projeto comunista e assim poder combatê-lo são chamados de “ideológicos”. O mundo isentão lida apenas com a figura fictícia de um certo comunismo “derrotado em 1989” e recusa-se terminantemente a reconhecer – muito menos a enfrentar – o projeto comunista real que atua hoje por toda parte.
O isentismo é antes de mais nada uma forma de preguiça intelectual. 
Também é uma forma de acomodação. O isentismo não enfrenta o comunismo. Não chega nem perto. Não quer enfrentar. Não quer reconhecer que ele existe porque, se reconhecer, vai ter de fazer alguma coisa. Assim, o isentismo se inscreve confortavelmente dentro do horizonte comunista e, no dia em que o comunismo chegar e roubar-lhe a liberdade que ele acredita possuir de graça sem precisar lutar por ela, o isentão não vai nem perceber, pois sua cegueira ideológica – ou seja, sua cegueira para a ideologia que penetra na sua mente – já lhe terá consumido todas as faculdades e sentimentos de resistência. 
Isso na melhor das hipóteses. Em outra hipótese, o isentão sabe conscientemente que seu isentismo se insere dentro do horizonte comunista e está muito feliz com isso. Faz parte voluntariamente do projeto. Não se acha comunista, mas compartilha com o projeto comunista todo o essencial: o materialismo e o ódio ao espírito, a sede insaciável de poder e de controle absoluto. A pressa com que hoje, no Brasil, os isentos correm para os braços da extrema esquerda e vice-versa, formando uma estranha “isentoesquerda”, é o sinal abjeto dessas afinidades profundas.
Então, temos em todo o mundo, a partir da virada do século, a progressiva construção de uma sociedade que é liberal apenas na suferfície, na aparência de uma economia capitalista com instituições democráticas e direitos humanos bem bonitinhos, mas que na sua subestrutura não é nada disso. Debaixo do liberalismo, no porão, os engenheiros do “ideal comunista” manejam suas alavancas. No porão grassa a corrupção, o conluio com o crime organizado, a tolerância para com a violência mais brutal, as drogas (seu tráfico e seu uso), o capitalismo distorcido pelo controle estatal, a repressão ao pensamento e à livre expressão, o anticristianismo e o antiespiritualismo, o furioso moralismo materialista, a manipulação da ciência.
E os isentões, onde estão? Estão jogando pedra justamente naqueles líderes que, no Brasil e no resto do mundo, querem descer ao porão para lutar contra todas essas mazelas. O isentão, quando você aperta, ele não quer uma economia livre, ele não quer uma internet livre, não quer um idioma livre capaz de expressar a complexidade e beleza do espírito humano em sua aventura multidimensional. Quer uma economia direcionada pelo conchavo político, quer o controle social da comunicação pelo monopólio da grande mídia, quer uma novilíngua continuamente empobrecida pela ditadura do politicamente correto que substitui a ditadura do proletariado como instrumento preferencial de construção do comunismo. Sim, o isentão está enclausurado no horizonte comunista. 
No Brasil estamos rompendo o horizonte comunista e reenquadrando o liberalismo no horizonte da liberdade. O horizonte comunista está sendo rompido igualmente em outros lugares, certamente nos EUA, também no Reino Unido, na Hungria e na Polônia, penso que está sendo rompido na África, onde os últimos laivos da associação espúria entre comunismo e libertação, que vigorou por décadas desde as lutas anticoloniais, parecem estar-se dissipando. A Igreja Católica, em parte, se havia inscrito também dentro do horizonte comunista, a partir dos anos 60 e 70, mas ali a verdadeira fé parece estar resistindo e repelindo o avanço marxista sobre a sua doutrina bimilenar. 
O horizonte comunista está sendo rompido na própria Bolívia, onde o povo deu um basta a Evo Morales e García Linera, que queriam continuar arrastando os bolivianos para o abismo à custa da fraude eleitoral. 
Porém o horizonte comunista quer voltar a estrangular-nos. Quer regressar na Bolívia (Evo Morales foi acolhido pelo novo governo e está ali, a poucos quilômetros da fronteira, à espreita). Quer voltar no Chile, no Equador e na Colômbia, quer voltar no Brasil. Quer “iluminar” com suas trevas essas grandes nações que são a Venezuela, o México e a Argentina.
Precisamos olhar para além desse horizonte comunista, que não é um horizonte onde há árvores e campos mas sim as paredes de uma cela, esse horizonte que não é onde a terra encontra o céu mas onde a terra encontra o inferno. Tudo o que temos para combater o avanço dessas paredes e a aproximação desse abismo é o apego à liberdade. A liberdade que, insisto, não é uma ideologia, mas o eixo central do ser humano. 
Para começar, precisamos estudar o comunismo a partir do que dizem e fazem os comunistas, em lugar de sair aos gritos de “ideológico, ideológico” condenando quem o estuda e quem o enfrenta.

A Bolsodiplomacia ideologica contra os interesses do Brasil - Eliane Cantanhede

Entrando de gaiato

Essa guerra não é nossa. O Brasil não tem nada a ganhar, 

só a perder, se entrar nela

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
07 de janeiro de 2020 | 03h00
Se fosse confirmada a retirada das tropas americanas do Iraque, depois de 17 anos de invasão, estaria encerrada uma das histórias mais inacreditáveis e sujas da política internacional recente. O governo George W. Bush atacou o Iraque unilateralmente, sem o aval do Conselho de Segurança da ONU e baseado em mentiras – caso claro de fake news institucionais. 
Depois de dominar o Iraque por quase duas décadas, sob vistas grossas da ONU e da comunidade internacional, os EUA agora atacam sem cerimônia a capital iraquiana para trucidar o principal líder militar iraniano. Agora, como se estivessem dizendo “até logo”, podem abandonar o país deixando um rastro de destruição e falta de horizonte. Uma terra arrasada. 
Um livro revelador e de fácil compreensão sobre essa tragédia moderna, Curveball, do jornalista norte-americano Bob Drogin, foi escrito com base em manifestações oficiais, documentos, entrevistas e bastidores da decisão de Bush de invadir o Iraque. É estarrecedor como uma decisão dessa dimensão pôde ser tomada pela maior potência mundial sem qualquer cobrança ou punição. O mundo assistiu calado, lavou as mãos. 
Em resumo, sem dar “spoiler”, Drogin conta a história da decisão, que começa com o relato de um desertor iraquiano que se dizia engenheiro químico e descrevia em detalhes, e até desenhava, como o seu país desenvolvia sofisticado programa de armas químicas e biológicas móveis. Espertalhão e viciado em internet, tudo o que ele queria, na verdade, era fugir do Iraque e se asilar na Alemanha. Faria, ou diria, qualquer coisa para isso. 
O espantoso é como a BND da Alemanha comprou a história, repassou para o MI-6 da Inglaterra e o Mossad de Israel e deu de mão beijada para a CIA dos EUA o pretexto para Bush anunciar um ataque daquele porte. A princípio reticente, o secretário de Estado Colin Powell acabou comprando a versão e a invasão foi decretada. E o que os EUA encontraram? Nada. O Iraque não tinha arma químicas e biológica nenhuma. Mal tinha armamento tradicional de guerra, ainda mais contra a potência econômica, política e bélica. 
Com o Iraque transformado em casa da Mãe Joana, foi fácil, quase natural, Washington agora usar um drone sofisticadíssimo para explodir o general iraniano em solo iraquiano. Assim, os EUA saem do Iraque como entraram: tratando o país como se fosse seu quintal, estivesse à sua mercê. 
Nunca vai se saber como o Irã teria evoluído se tivesse vingado o acordo nuclear assinado por ele em 2010, com a mediação de Brasil e Turquia e solapado por EUA e França. Mas todo o mundo, literalmente, sabe que a crise só chegou ao ponto que chegou após os EUA retirarem, em 2015, o aval ao segundo acordo nuclear aceito pelo Irã e sancionado. Sem os EUA, os países europeus que o subscreveram perderam força. E o Irã, isolado, partiu para retaliações e provocações e agora anuncia que vai jogar todo o acordo fora, aprofundando o enriquecimento de urânio e o desenvolvimento de ogivas nucleares. 
Apesar de todos esses erros e de todo esse excesso de pretensão dos EUA, a nota do Brasil sob o conflito abandonou a prudência tradicional da política externa e privilegiou o viés ideológico do governo Bolsonaro, com o danoso alinhamento automático a Trump. Rússia e China de um lado, OTAN de outro, europeus discutindo freneticamente como negociar uma bandeira branca e evitar o pior, ou seja, uma guerra. 
Se a situação degringolar de vez, o Brasil vai ser chamado a se posicionar mais explicitamente e até a agir. Cometerá um erro histórico se ceder ao chamamento, ou pressão, de Trump. Essa guerra não é nossa. O Brasil não tem nada a ganhar, só a perder, se entrar nela de gaiato.

O Brasil cada vez mais isolado no mundo - Oliver Stuenkel (RFI)

“O Brasil está cada vez mais isolado no Ocidente”, diz cientista político (Oliver Stuenkel)

RFI Convida, 31/12/2019 - 18:26

Doutor em Ciências Políticas, Oliver Stuenkel é professor de Relações Internacionais na FGV-SP.
Doutor em Ciências Políticas, Oliver Stuenkel é professor de Relações Internacionais na FGV-SP.Arquivo pessoal
Autor de “O mundo pós-ocidental”, Stuenkel fala do isolamento do Brasil no Ocidente e da natural aproximação com a China, passando por questões comerciais, ambientais e de geopolítica. Confira os principais trechos da entrevista.
Sobre a política externa ao longo de 2019, Oliver Stuenkel pontua: “Este ano, a gente viu a maior ruptura na história da política externa brasileira, porque pela primeira vez o Brasil alterou vários dos pilares que guiam a atuação do país no mundo. O mais importante é o apoio ao multilateralismo, que sempre marcou a política externa brasileira, o apoio para a elaboração e manutenção do direito internacional, tudo isso sempre foi a marca registrada do Brasil e isso deixou de ser o caso em 2019”.
“E a outra questão que mudou muito é que o Brasil teve sempre uma previsibilidade bastante grande da sua atuação diplomática. Mesmo durante a ditadura militar, o Brasil sempre foi visto como um ator previsível no mundo, agora a gente tem vários grupos que participam abertamente do processo de criação de política externa: os ideólogos mais perto do presidente da República, os generais que fazem parte de seu governo e também os economistas que buscam uma liberalização. Então tem uma tensão evidente entre estes três grupos e isso cria uma imprevisibilidade”, afirma.
Por conta disso, ele explica, o Brasil deixou de ser um ator confiável: “Isso fica bastante claro no caso argentino: o novo governo não sabia até o último minuto se haveria ou não um representante do governo brasileiro na posse do presidente [Alberto] Fernández. Isso representa bastante bem esta nova forma de fazer política que a gente viu ao longo do último ano”.
Jerusalém
Sobre a anunciada mudança da embaixada brasileira de Tel-Aviv para Jerusalém, Stuenkel analisa: “Este caso demonstra claramente como funciona a política externa do governo Bolsonaro. Ele quer isso, mas os dois outros grupos que importam na criação da política externa brasileira se opõem. Os militares não querem a embaixada brasileira em Jerusalém porque isso coloca o Brasil no meio de um dos conflitos geopolíticos mais difíceis, mais complexos do mundo”.
“Se isso de fato ocorrer, a relação do Brasil, inclusive de segurança, com o mundo árabe vai piorar bastante. Isso explica por que o vice-presidente Hamilton Mourão tem dito publicamente que ele não apoia esta mudança. Da mesma maneira os economistas neoliberais não apoiam esta medida, porque ela teria possivelmente um impacto negativo para a relação comercial do Brasil com o mundo árabe”, continua.
“A decisão sobre se vai haver ou não essa mudança vai depender da briga interna das facções que compõem o governo Bolsonaro. Eu ainda acho que a mudança traria um custo diplomático enorme. O Brasil sempre foi visto como um ator que consegue manter um diálogo com todos os lados e esta decisão faria o Brasil perder isso, além do impacto comercial importante”, adverte.
Relações com os Estados Unidos
Para Oliver Stuenkel, a aproximação do Brasil com os Estados Unidos é a grande aposta do presidente Bolsonaro. “Isso costuma ser uma empreitada difícil porque, para dar certo, o Brasil precisa oferecer ganhos tangíveis ao governo americano, de natureza sobretudo geopolítica, pelo fato de Brasil não ser uma economia tão grande. No fundo, o que importa para esta parceria ser relevante para um presidente americano é ter algum benefício geopolítico, senão o Brasil simplesmente não é importante o suficiente em Washington”, diz.
“No caso de Bolsonaro com Trump, o americano pediu duas coisas para que esta aproximação pudesse de fato acontecer: a primeira é  apoio para derrubar o regime Maduro, na Venezuela, o grande inimigo do governo americano. Bolsonaro até sugeriu inicialmente o apoio brasileiro a uma possível intervenção militar na Venezuela, mas as Forças Armadas, de novo, conseguiram bloquear isso. E também houve muita resistência no Itamaraty. Então o Brasil não anunciou este apoio e deixou de ter um papel relevante na crise venezuelana”, constata.
“O segundo pedido do governo americano é apoio para reduzir a influência chinesa da América do Sul. Isso é importante para Trump e tornaria o Brasil um aliado importante dos EUA. O problema, obviamente, é que o Brasil depende economicamente da China, é o nosso principal parceiro comercial há dez anos, e muitos grupos econômicos que apoiaram a eleição de Bolsonaro – entre eles a agricultura, têm interesse em manter e fortalecer a relação comercial com a China. Isso dificulta muito para o Brasil reduzir a influência chinesa na região; ao meu ver, isso não vai acontecer, e o governo americano já percebe que esta parceria com o Brasil rende pouco. E Trump, sendo protecionista, tem pouco interesse de permitir mais acesso de produtos brasileiros ao mercado americano”, acrescenta.
Relações com a China
Se com Washington as relações deixam a desejar, com Pequim tudo vai de vento em popa, segundo Stuenkel.
“A princípio, as relações estão ótimas. Eu conversei ao longo do ano com diplomatas chineses e empresários brasileiros que dependem desta relação e acredito que o vice-presidente brasileiro teve um papel fundamental para consertar a relação bilateral entre o Brasil e a China. Havia bastante preocupação no início de 2019 de que esta relação poderia sofrer em função da retórica anti-China de Bolsonaro", conta.
Além disso, ele explica que grupos poderosos que apoiam o governo Bolsonaro deixaram muito claro que “o custo de ter uma relação ruim com a China é altíssimo”. E tem uma outra razão que ajudou o Bolsonaro a parar de falar mal da China: seus eleitores não enxergam a China como uma ameaça, como é o caso dos EUA”, avalia.
“A China é fundamental para atrair investimentos externos e será um parceiro cada vez mais importante. O Brasil exporta para a China mais que o dobro do que exporta para os Estados Unidos. Essa dependência só vai aumentar, porque a China não consegue se alimentar. Isso será o nosso futuro econômico. A China sabe disso e trata o Brasil como um parceiro de longo prazo. Isso explica por que Xi Jinping, ao ser atacado por Bolsonaro, nunca respondeu nem atacou de volta, porque, para ele, a relação com o Brasil é mais importante do que o presidente atual do Brasil”, pontua.
Relações com a França
Para o especialista, as relações com a França e com o continente europeu tendem a piorar, com a exceção dos países governados pela extrema direita, com os quais Bolsonaro se identifica.
“O Brasil a partir de agora é visto como um ator imprevisível. O atual presidente não se deixa controlar facilmente, utiliza muito as mídias sociais – e isso vale também para o presidente americano – e os próprios diplomatas brasileiros ficam sabendo de mudanças da política externa brasileira pelo Twitter”, diz.
“Houve pedidos dos principais assessores de Bolsonaro para que pudesse haver uma distensão da relação do Brasil com a França, sobretudo no auge dos incêndios na Amazônia”, conta.
“Parece que não vai melhorar muito em 2020, porque o tema do meio ambiente é cada vez mais importante, sobretudo na Europa, isso não vale apenas para a França. O tema ambiental é cada vez mais central e isso vai dificultar toda a relação destes países com o Brasil, porque o Brasil é visto como um vilão nesta questão ambiental, em função de vários comentários do presidente e seus assessores questionando a existência da mudança climática”, analisa.
Para Stuenkel, dificilmente o Brasil chegará a ter, nos próximos três anos, uma boa relação com países europeus governados por centristas. “O Brasil tem uma ótima relação com governos de extrema direita, como é o caso da Hungria, mas a relação com a maioria dos outros governos será muito difícil”.
“Dificilmente esta reputação que Bolsonaro adquiriu ao longo do último ano vá mudar. Ele é muito mal visto pela maioria da população europeia e seria um custo muito alto para um presidente francês ou alemão receber Bolsonaro na Europa”, avalia.
Outra novidade da política externa brasileira, segundo o professor, é a inclusão do tema religioso. “Isso também é cada vez mais relevante na política externa de países como Hungria e Polônia. No passado vimos isso também no caso da Itália. Isso certamente vai aumentar ainda mais para satisfazer demandas de grupos internos. Igrejas evangélicas estão tendo participação cada vez maior na articulação da política externa – e este também é o caso nos EUA – então isso me parece que vai se tornar uma nova marca registrada do Brasil”, prevê.
Risco de isolamento?
“Me parece que o Brasil já está bastante isolado, sobretudo no Ocidente. Isso fica bastante claro. Ao longo do último ano eu visitei várias capitais do mundo ocidental e a gente vê claramente que o Brasil é visto como um parceiro difícil, pouco popular em geral, a associação que a maioria dos europeus faz do Brasil hoje é negativa, principalmente pelo tema ambiental. Mas eu não diria que o mesmo é o caso na Ásia, por exemplo, ou na África, onde o tema ambiental não é tao relevante”, explica.
Stuenkel acredita que “por conta desta mudança da reputação brasileira no Ocidente, o governo brasileiro será lembrado por sua aproximação com a Ásia, porque lá esta atuação controversa em relação ao meio ambiente ainda não teve um impacto negativo sobre a reputação do Brasil”.
“O Brasil está cada vez mais solado no Ocidente e isso vai aproximá-lo ainda mais da China”, afirma.
Para ele, em 2020 será importante manter uma boa relação tanto com Washington quanto com Pequim.  
“Outras questões importantes para 2020 é ver como se dará o Brexit, que terá um impacto importante na política global, na economia europeia, que ainda é importante para o Brasil; e qual será o resultado das eleições dos estados Unidos em novembro. Se Trump não for reeleito, me parece que há uma necessidade de reorientar a política externa brasileira porque Bolsonaro perderia sua grande inspiração”, finaliza.

As Relações Internacionais do Brasil aos 100 anos da disciplina - Eduardo Uziel, Gelson Fonseca

Notas sobre o campo das relações internacionais no Brasil no centésimo aniversário da disciplina
Estudios Internacionales, 2019
Gelson Fonseca

A tragédia do Irã contemporâneo: guerras intercaladas - Azadeh Moaveni (NYT)

The Day After War Begins in Iran
The outpouring of grief for Qassim Suleimani is the country’s first act of retaliation.
Azadeh Moaveni
The New York Times – 7/01/2010

The last time I wrote seriously about a war with Iran was in 2012. It had been an especially fraught year, with Iran’s Revolutionary Guards running naval exercises in the Persian Gulf, Israel and the United States conducting joint drills, and the safety of oil shipping lanes looking entirely unassured. Oil prices rattled skittishly, everyone suddenly monitored ships, and headlines speculated that Israel might attack Iran’s nuclear sites.
My assignment was to consider “the day after” — to imagine how Iranians would react if their country was bombed by Israel. My piece featured scenes of distraught young people gathering on crowded intersections singing the national anthem — suddenly everyone a terrified Iranian citizen rather than an aspiring guitarist or a day laborer or whatever they were the day before — and a screaming mother buying formula to stockpile from a supermarket. I don’t even remember writing it. How many times can you write, predict and analyze your country’s destruction before your mind begins to dissolve the traces?
That rehearsal feels like it was all in preparation for today. Last week an American drone strike incinerated Iran’s top general and national war hero Maj. Gen. Qassim Suleimani, along with a senior Iraqi militia commander, in what can only be understood as an act of war.
Being here again makes me feel that I — an American citizen of Iranian origin — have been here so often before. The cycles of imminent war and upheaval Iranians seem destined to face every few years, cycles often driven by the whims of the United States and the increasing boldness of Iran, now feel like a civilizational inheritance, a legacy that my mother bore before me, her mother before her, and that I will pass down to my children. Every Iranian family’s history is touched with this past, in its own way.
The American-backed 1953 coup destroyed both my grandfather and great uncle’s careers, until then in service of the government, and sent the latter into exile. America’s support for, and then eventual abandonment of, the Shah helped shape the 1979 revolution, disrupted all of our lives, with the new authorities expropriating our assets, and landing an uncle in prison for belonging to that educated, pro-Western class that built modern Iran and saw the revolution as its demise.
The years that followed only deepened the American-Iranian chasm. There was the 1979-81 hostage crisis at the American Embassy in Tehran, which killed nobody in the end but poisoned relations to this day. The United States scarcely concealed its support for Iraq in the devastating years of the Iran-Iraq War. And in 1988, as the war dragged to a close, continued skirmishing resulted in the U.S. Navy shooting down an Iranian passenger plane flying over Iran’s territorial waters, killing 290 people. Deeply regrettable, lamented President Ronald Reagan, but honors and medals for the naval officers.
For decades now, the United States has often seemed driven to hurt Iran, at times through interventionist policies that were careless and transactional, and then after 1979, with a fierce determination out of proportion to whatever challenge the new system posed.
At a certain point, Iran started retaliating: In the 1980s, it cultivated regional groups and militias hostile to Washington, and encouraged them to take Westerners hostages and staged attacks through these networks. In later years, Iran challenged American roles in wars in the region and interventions in bordering countries — the invasion of Afghanistan in 2001 and Iraq in 2003 — by backing nonstate allies that rose to become formidable powers in their own right. This lifted Tehran’s game of asymmetrical leverage into a regional influence it had probably never conceived of achieving. General Suleimani was behind much of this strategy.
Many consider him responsible for the deaths of thousands, for his intervention in salvaging Bashar al-Assad’s rule in Syria. But to many Iranians, Iraqis, Kurds and others, he was a pivotal figure in vanquishing the Islamic State, helping repel its rapid march across Iraq in 2014. In Syria, for the many Syrians who endured the industrial-scale brutality of the Assad regime, the general led what could only be understood as an offensive force. But Iran’s leaders always reminded their people that Syria, the lone Arab country that sided with Iran during the eight-year Iran-Iraq War, could not be abandoned, that without it, Iran would be vastly more vulnerable in the region.
It is for these maneuvers, in part to provide Iran some deterrence against relentless American hostility, that General Suleimani is remembered. He had become a patriarch for an ambivalent country adrift, forgiven, at least by the hundreds of thousands who turned out for his funeral, for the hard excesses of the force he commanded because he secured the land in a time of the Islamic State’s butchery, seen as a man of honor and merit among political contemporaries who were usually neither. (Of course, he certainly did not impress all Iranians in this way; he had detractors who did not support his regional stratagems.)
Iran’s leaders have rallied around his legacy; Supreme Leader Ayatollah Ali Khamenei vowed “severe revenge” and assured that his killing would “double” resistance against the United States and Israel. Even the reformist cleric Mehdi Karroubi, an octogenarian who is confined under permanent house arrest, issued condolences.
Beyond this official show of unity, newspapers across the political spectrum darkened their front pages, and ran full-cover photos of General Suleimani in all his guises, from brassy military uniform to slick dark suit jacket, with even the most liberal-minded running lachrymose headlines like “the sorrow is inconceivable.”
“What to do with a thorn lodged in the heart? Is this the fate of all the distinguished descendants of this land, regardless of thought and affiliation?” wrote Iran’s most prominent and oft-censored contemporary novelist, Mahmoud Dowlatabadi, of the man he said “built a powerful dam against the bloodthirsty onslaught of ISIS and secured our borders from their calamity.”
Iranians have turned out to mourn him on an extraordinary scale, in scenes unmatched since the funeral of the Ayatollah Ruhollah Khomeini himself in 1989. A sea of people fills Isfahan’s 17th Century central square, the seat of Persian history, and pours across the bridges and streets of Ahvaz, men and women from all backgrounds of Iranian society.
The mourning for the general, it could be said, is Iran’s first act of retaliation: what amounts to an extraordinary four-day state funeral in not one but two countries. The cavalcade has twinned two nations in shared public grief and indignation, as the procession moved deliberately across a crescent of Shiite historical memory. First came the cities of the Iraqi south that Saddam Hussein kept cowed and squalid, the holy shrine cities of Najaf and Karbala, through to the Iranian province of Khuzestan, which saw the bloodiest fighting of the Iran-Iraq war, an indigenously Arab region where mourning congregations chant in Arabic, and whose inclusion in this spectacle of transnational identity and power has clear unifying purpose.
Nearly 40 years ago, General Suleimani began his career in the trenches of the Iran-Iraq War, the formative drama of the Islamic Republic, where heroism was applauded by most Iranians who felt their country was the victim of external attack and isolation. Today’s Iranians, who will most suffer whatever fallout there is from his death, remain economically blockaded, in a suspended state of siege in all but name. Their country remains, by the design of American policy, sanctioned and cash-strapped, their horizons and potential extinguished by visa bans, medicine shortages and inflation. Pinned between a system that increasingly feels it has little to lose, and the all-out vengeance of a zero-plan United States, Iran has endured what feels like a war economy for decades.
I remember as a child, during the years of war with Iraq, my mother telling me about relatives in Iran who gave away their jewelry to aid the war effort. This time, in the face of President Trump’s tweets threatening to attack Iran and destroy its sites of cultural heritage, I needn’t conjure the unity that comes the day after. The country has gathered to mourn. It is already here.

Azadeh Moaveni (@AzadehMoaveni) is a senior gender analyst with the International Crisis Group and the author, most recently, of “Guest House for Young Widows: Among the Women of ISIS.”

Efeitos indesejáveis da Trumpdiplomacy: renuclearização do Irã

É o que dá pretender comandar o país e a política externa de uma grande nação como os EUA a partir de concepções tão primárias quanto as do presidente Trump e sua Twitterdiplomacy: sempre deu errado e continua dando errado, da pior forma possível.
Trump, e certos outros "líderes" políticos por aí, é um exemplo clássico da Lei de Murphy: o que pode dar errado, dará, da pior forma possível.
Agora, abre-se um novo capítulo no campo da proliferação nuclear, com consequências devastadoras para a paz no mundo, a partir de outros aspirantes à arma máxima da dissuasão estratégica.
Paulo Roberto de Almeida


Iran Challenges Trump, Announcing End of Nuclear Restrictions
President Trump thought the nuclear deal was flawed because restrictions on Iran would end after 15 years. Now, responding to a U.S. strike, Iran has declared the limits over after less than five.
David E. Sanger and William J. Broad
The New York Times – 6/01/2020

When President Trump withdrew the United States from the Iran nuclear deal in May 2018, he justified his unilateral action by saying the accord was flawed, in part because the major restrictions on Iran ended after 15 years, when Tehran would be free to produce as much nuclear fuel as it wanted.
But now, instead of buckling to American pressure, Iran declared on Sunday that those restrictions are over — a decade ahead of schedule. Mr. Trump’s gambit has effectively backfired.
Iran’s announcement essentially sounded the death knell of the 2015 nuclear agreement. And it largely re-creates conditions that led Israel and the United States to consider destroying Iran’s facilities a decade ago, again bringing them closer to the potential of open conflict with Tehran that was avoided by the accord.
Iran did stop short of abandoning the entire deal on Sunday, formally known as the Joint Comprehensive Plan of Action, and its foreign minister held open the possibility that his nation would return to its provisions in the future — if Mr. Trump reversed course and lifted the sanctions he has imposed since withdrawing from the accord.
That, at least, appeared to hold open the possibility of a diplomatic off-ramp to the major escalation in hostilities since the United States killed Maj. Gen. Qassim Suleimani, the second most powerful official in Iran and head of the Quds Force.
But some leading experts declared that the effort to contain Iran’s nuclear ambitions through diplomacy was over. “It’s finished,” David Albright, the president of the Institute for Science and International Security, a private group in Washington that tracks nuclear proliferation, said in an interview. “If there’s no limitation on production, then there is no deal.”
To some of the Iran deal’s most vociferous critics, the announcement was a welcome development. Among them was John R. Bolton, the former national security adviser who was ousted by Mr. Trump last summer because, the president said, he was concerned Mr. Bolton was forcing him into conflict with Iran.
“Another good day,” Mr. Bolton wrote on Twitter. “Iran rips the mask off the idea it ever fully complied with the nuclear deal, or that it made a strategic decision to forswear nuclear weapons. Now, it’s on to the real job: effectively preventing the ayatollahs from getting such a capability.”
But to much of the world — especially the Europeans, Russians and Chinese, who were partners in the nuclear deal — Mr. Trump’s decision to back out of the accord led to the crisis.
The president’s unilateral action started a sequence of events — the re-imposition of American sanctions, Iran’s gradual return to nuclear activity over the past year, actions that led to the targeting of General Suleimani — that could be speeding the two countries toward conflict.
Iran’s announcement means that it will no longer observe any limits on the number of centrifuges it can install to enrich uranium or the level to which it enriches it.
Iran did not say if it would resume production at 20 percent, a major leap toward bomb-grade uranium, or beyond. But by allowing inspectors to remain in the country, as the foreign minister, Mohammad Javad Zarif, said Tehran would, Iran will have witnesses to its own “maximum pressure” campaign against the West.
The primary American objective in the 2015 agreement was to keep Iran at least a year away from getting enough fuel to fashion a warhead.
Even before Sunday’s announcement, a series of steps by Tehran discarding elements of the agreement had reduced that warning time to a matter of months. The risk now is that uncertainties about how close the Iranians are to their first weapon will grow, and perhaps become fodder for calls in the United States and Israel to take military action.
In essence, Iran is saying it now can produce whatever kind of nuclear fuel it wants, including bomb-grade material.
Now, the United States and Israel must confront the big question: Will they take military or cyberwarfare action to try to cripple those production facilities?
More than a decade ago the United States and Israel cooperated on a mission code-named Olympic Games, the most sophisticated cyberattack in history, to get into the computer code driving the centrifuges at the Natanz nuclear enrichment site and make them blow up.
The Iranians recovered, and rebuilt the facility, tripling the number of centrifuges that existed before the cyberattack and opening a new centrifuge center deep in a mountain called Fordow, which is far harder to bomb. Israel repeatedly considered bombing the facilities, but was stopped by the United States and internal warnings about starting a war.
Now, after the killing of General Suleimani, those restraints could evaporate.
The nuclear deal also laid out unusually stringent scrutiny for all of Iran’s main nuclear facilities — “including daily access” if international atomic inspectors requested it.
Sunday’s announcement left unclear whether Tehran intends to obey that heightened scrutiny or will lower its adherence to the standard level. In a Twitter post, Mr. Zarif, the foreign minister, said “Iran’s full cooperation” with the inspectors of the International Atomic Energy Agency “will continue.”
Mr. Albright of the Institute for Science and International Security said that reduced visibility into the Iranian nuclear program could end up increasing fears of worst-case scenarios — and, perhaps, miscalculations — related to military strikes and war.
“They were added to gain comfort,” Mr. Albright said of the strengthened inspections. “Having daily access reduced suspicions and the chance of conspiracy theories taking root.”
For example, Mr. Albright said, new ambiguity could darken views in the West on how long it would take Iran to make enough fuel for a single atomic bomb — what nuclear experts call “breakout.” Such estimates are based on the number and efficiency of the whirling machines that concentrate a rare isotope of uranium to levels high enough to make weapon fuel.
The Iran deal was designed to keep Tehran a year or more away from getting enough highly enriched uranium to fashion a single warhead — what international inspectors call “a significant quantity.”
Mr. Albright said his group’s worst-case estimate for an Iranian breakout is four to five months. But some experts, he added, have estimated as little as two months.
He noted that the international inspectors still would have regular access to Iran’s nuclear facilities as part of the safeguard agreements of nuclear nations.
But if “the high level of transparency that the nuclear deal provided” should come to an end, Mr. Albright added, “it could undermine confidence” in the West’s assessments of Iran’s nuclear acts and intentions.