O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

A logica da politica e a logica do mercado - Lew Rockwell


Dois tipos de competição

por 
Instituto Von Mises Brasil, Segunda-feira, 27 de setembro de 2010




dilma-serra-marina-minas-hojeemdia2-g-20100507.jpgVia de regra, as pessoas adoram o elemento competitivo das eleições, assim como gostamos da competição no esporte e na economia.  Porém, há uma diferença importante na substância e no resultado da competição política.  Ao invés de aprimorar a performance e estimular as equipes a uma constante melhoria, a competição política parece gerar o resultado oposto.  Os partidos recorrem ao mais sórdido denominador comum entre eles, e parecem dispostos a reproduzir as piores peculiaridades de cada oponente.  Ao invés de excelência, ficamos com mediocridade — e com um agravante: a tendência é sempre declinante.
O espetáculo dos debates é uma desgraça.  Fossem os candidatos apenas ligeiramente mais honestos, eles diriam: meus oponentes são tão oportunistas quanto eu, e, caso fossem eles no poder, seriam tão igualmente cúmplices da corrupção e do populismo quanto a atual situação.
O mesmo parâmetro se repete para as outras questões mais específicas.  O candidato A, cujo partido busca a reeleição, foi pavorosamente protecionista.  Os candidatos B e C prometem ser piores.  A aumentou os gastos de forma ultrajante.  B e C dizem que ele não gastou o suficiente, apenas gastou mal.  A expandiu o assistencialismo de forma catastrófica.  B e C dizem que não foi nem de longe o necessário.  Trata-se de uma forma bastante atípica de competição: uma disputa para ver como um pode superar o outro em termos de ideias ruins e de comportamento estupidificante.  Sob uma concorrência genuína, todos esses partidos já estariam exalando odores mefíticos e com urubus rodeando suas carniças.
A mídia, por sua vez, deixa implícito que nós não podemos acusar um político de algo do qual seu oponente também é ou poderia ser tão culpado quanto.  Consequentemente, todos se tornam intocáveis, acima de qualquer crítica efetiva.
Já a competição no mercado é de um tipo diferente.  Ela gera contínuos e inexoráveis aprimoramentos na qualidade.  A empresa que executa seu trabalho com excelência em relação aos concorrentes — que prometem bens e serviços similares — prospera e se expande.  O mercado, quando funcionando sem amarras governamentais, está sempre aberto a novos entrantes que podem mostrar aos atuais produtores como fazer a mesma coisa de maneira melhor e mais eficientemente — ou, no extremo, como fazer algo inteiramente novo.  O preço dos bens e serviços está sempre caindo em termos reais, não obstante a inflação da oferta monetária praticada pelo governo.  Linhas e métodos de produção obsoletos são forçosamente abandonados.  Os consumidores premiam os empreendedores perspicazes e punem os tolos e banais, de modo que apenas os melhores podem crescer.  Existe prestação de contas, qualquer erro gera uma chamada à responsabilidade e há punições para comportamentos indolentes e fraudulentos.
Na política, as pressões competitivas geram resultados exatamente opostos.  A qualidade está sempre em constante declínio.  As únicas melhorias ocorrem nos procedimentos que envolvem más ações: mentir, fraudar, iludir, manipular, trapacear, roubar e até matar.  Os preços dos serviços políticos estão constantemente aumentando, seja nos impostos que pagamos ou nas propinas dadas em troca de proteção (também conhecidas como 'contribuições de campanha').  Não há obsolescência, planejada ou espontânea.  E, como Hayek famosamente argumentou, na política, os piores sempre chegam ao topo.  E, o que é pior, não há prestação de contas e nem imputabilidade: quanto mais alto o cargo, maior a transgressão criminosa da qual o sujeito pode se safar.
Para entender melhor essa analogia entre a competição no mercado e na política, e ver por que ambas são radicalmente opostas, considere as diferenças no ambiente competitivo da escola pública e da escola privada.
A escola pública tem todas as suas raízes na coerção.  Ninguém realmente quer estar ali, o que faz com que toda a pressão ocorra na forma de mais controle, mais mediocridade, maior ausência de responsabilidades e cobranças, maiores desperdícios e maior estupidificação.  É claro que esta não é uma regra universal, mas é uma tendência dominante.  O que faz a diferença é a instituição da propriedade privada, pré-requisito estrutural para qualquer competição produtiva.
Pressões do tipo que ocorre na escola pública são dominantes em todo o sistema político.  Sob o socialismo, a competição leva a constantes declínios na qualidade, na moralidade e no desempenho.  No final de tudo, essa tendência destrói a própria civilização.  Já sob o capitalismo, a competição leva a aprimoramentos na qualidade, na moralidade e no desempenho.  É a base absoluta da civilização moderna.
As eleições para cargos públicos reproduzem todos os piores aspectos do socialismo.  Os candidatos tornam-se livres e desimpedidos para mentir abertamente ao público, com o propósito de adquirir poder sobre uma instituição da qual eles não são os proprietários, mas que irão gerenciar por quatro anos, tempo durante o qual a quadrilha vencedora irá implementar medidas econômicas destrutivas que irão beneficiar apenas a si própria e a seus auxiliares (públicos e privados) nesse esquema de extorsão.  Eles não arriscam virtualmente nada que seja deles nesse jogo.  A pior consequência que podem vir a encarar é não serem reeleitos daqui a quatro anos, sendo que sairão de seus mandatos espantosamente enriquecidos pelo dinheiro doado por grupos de interesse que eles financiaram durante o mandato com o dinheiro que você pagou de impostos.
Na iniciativa privada, cada decisão de gerência é testada pelo mercado, a cada minuto de cada dia de trabalho.  Os proprietários dos negócios estão constantemente vigilantes e os consumidores determinam o rumo de toda a produção.  As pessoas no topo têm poder apenas no sentido mais superficial do termo: esse poder pode ser retirado imediatamente pelos consumidores, sendo que, para tal, basta que estes se recusem a continuar consumindo seus produtos.  No livre mercado, são os consumidores que voluntariamente determinam a quem conceder o poder.
Enquanto o mercado garante a liberdade, o governo é a negação da liberdade.  Nenhum governo, em nenhum lugar, pode ser creditado pela existência da liberdade.  Como disse Mises, um governo liberal é uma contradicto in adjecto: duas ideias que não podem se combinar, um oximoro, uma frase impensável. 
Há uma tendência inerente a todo poder governamental em não reconhecer nenhuma restrição às suas operações e a ampliar a esfera de seu domínio o máximo possível.  Controlar tudo, não deixar nenhum espaço para que nada aconteça livremente fora da interferência das autoridades — esse é o objetivo que todo governante secretamente se esforça em alcançar.
Mises está chamando a atenção para algo em que as pessoas raramente prestam atenção.  Todos os governos, em todos os lugares, querem ser totalitários.  Só não conseguem atingir tal meta devido à própria incapacidade do estado em fazer as coisas corretamente, ou mesmo por causa da relutância das pessoas em aceitar tal descalabro.  Para entender melhor esse fenômeno, pense em uma organização criminosa.  Ela sem dúvida gostaria de usufruir o livre direito de saquear, extorquir, matar e acumular poder.  Por outro lado, ela também sabe que está se arriscando mais a cada crime cometido.  Se suas atividades enfurecerem muitos, ela corre o risco de perder o poder que já possui.  O mesmo ocorre com os governos: eles desejam o poder total, mas muitas vezes se limitam a ficar apenas com aquilo que lhes permita escapar livremente.
Como vivemos em tempos de declínio cultural acelerado, parece ser indelével o fato de que as pessoas estão mais propensas a tolerar déspotas.  A maioria hoje só reconheceria um tirano na presidência caso ele tivesse um bigode da mesma largura das fossas nasais.
Praticamente todas as pessoas com as quais conversamos hoje em dia admitem um sério desgosto com as opções eleitorais.  Entretanto, ainda assim a maioria das pessoas irá optar nas urnas pelo "menor dos males" — seja lá o que isso signifique, e provavelmente não há como saber antecipadamente —, já sabendo que nenhuma opção real e viável irá surgir.  Na iniciativa privada, desejos ainda não satisfeitos representam oportunidades de lucro.  Nas eleições, eles representam oportunidades para o suborno, a corrupção e a politicagem.
Todo o processo é o bastante para deixar qualquer um cético em relação a campanhas e eleições.  Mas essa é a reação errada.  Não há nada de errado com campanhas e eleições — elas são uma parte normal da vida corporativa e de todos os tipos de gerenciamentos institucionais, inclusive na religião.  A verdadeira questão está no problema fundamental da "propriedade" pública.  O que não tem dono, não tem racionalismo no uso.  Não tem prestação de contas.  Não tem punição.  Dê-me uma chance de votar contra esse arranjo e eu prometo voltar a comparecer às urnas.
Lew Rockwell 
é o presidente do Ludwig von Mises Institute, em Auburn, Alabama, editor do website LewRockwell.com, e autor dos livros Speaking of Liberty e The Left, the Right, and the State.


Tradução de Leandro Roque

Loucuras balcanicas - Jose Augusto Lindgren Alves


José Augusto Lindgren ALVES1
Revista Fevereiro: política, teoria, cultura, n. 5, 2012
(ISSN 2236-2037)

Aqui em Sarajevo, onde atualmente vivo, tomei conhecimento de matéria publicada na Bolívia, segundo a qual a decisão governamental de manter a abolição da categoria “mestiço” no censo de 2012 estaria gerando controvérsias e descontentamento. Tal situação, no outro hemisfério do planeta, não deixa de me chamar ainda mais a atenção para as dificuldades que vejo aqui, na Bósnia e Herzegovina. Elas também são decorrência do repúdio à mestiçagem e à simples mistura de etnias na mesma vizinhança, cujo paroxismo foi a guerra de 1992-95, com suas atrocidades. Mas os problemas não pararam aí. A própria paz obtida nos acordos extraídos em Dayton, Ohio, nos Estados Unidos, resultou na total “etnização” da política, que perdura até hoje e mostra-se profundamente negativa para toda a população, engendrando tensões e impasses impossíveis de serem superados nas presentes circunstâncias.
Jornalistas ocidentais que cobriam as guerras na ex-Iugoslávia frequentemente diziam que as “etnias” ou “nacionalidades” sempre geraram problemas nos Bálcãs, em função de sua violência. É verdade. Como também geraram, com violência semelhante, em todo o resto da Europa, para não dizer do mundo. O termo “balcanização”, amplamente usado até hoje, é invenção preconceituosa do Ocidente contra esta área do continente europeu que foi parte do Império Otomano. E o preconceito é ainda mais visceral contra os turcos, herdeiros republicanos dos antigos conquistadores de Constantinopla, atualmente Istambul. Afinal, não foi o Império Otomano, nem sua herança cultural, que fragmentou a península em comunidades de identificação a guerrearem entre si2. Muito menos a ex-Iugoslávia de Tito, de que o povão e a intelectualidade da Bósnia sentem saudade assumida. Como explica brilhantemente a búlgara Maria Todorova, os Bálcãs se espatifaram precisamente porque quiseram seguir o modelo dos “estados nações” da Europa3, deles recebendo incentivo. Estes, como todos sabemos, só se aceitaram e acalmaram entre eles com o advento da União Européia – ainda que internamente as tensões interétnicas ressurjam, em graus e formas diferentes, na Bélgica, na Espanha, no Reino Unido e alhures.
Os acordos de paz de Dayton, que, em 1995, puseram fim à guerra de mais de três anos e meio na Bósnia, forjaram uma constituição esdrúxula. Ela reconhece no Estado soberano da Bósnia e Herzegovina três povos constitutivos – muçulmanos (também chamados “bosníacos”, já que muitos são seculares), croatas (supostamente católicos) e sérvios (supostamente ortodoxos) –, e duas Entidades político-administrativas que não são estados federados – a Federação da Bósnia e Herzegovina (FB&H) e a República Srpska. O traçado territorial dessas duas entidades componentes do país tem linhas vertiginosas de alongamentos, circunvoluções e reentrâncias, que parecem as de um sismógrafo em período de terremoto, para acomodar por toda parte as etnias dominantes4. Internamente, a República Srpska é unitária, porque quase exclusivamente sérvia, como a população da Sérvia, país vizinho independente5. A Federação (FB&H), por sua vez, é subdividida em dez cantões, tendo cada um sua maioria étnica e respectiva chefia de governo cantonal, municipal etc., muçulmana ou croata.
A presidência do Estado da Bósnia e Herzegovina é integrada por três membros – muçulmano, croata e sérvio – que se alternam periodicamente na chefia. E toda a composição dos órgãos parlamentares, a nomeação de titulares para as pastas ministeriais e a distribuição de cargos dentro dos ministérios, agências e até embaixadas têm que levar em conta as três “nacionalidades” constitutivas, a que se acresce – menos na presidência – um representante para as “minorias” (judeus, ciganos, valáquios, ucranianos etc, sem incluir a mais natural de todas: aqueles, quase sempre mestiços, que ainda insistem em se dizer iugoslavos).
O retalhamento do Estado entre as etnias, que determinam, com base em religião, muitas vezes artificial e forçada, a composição de tudo, reflete-se tanto na etnização da política, como na radicalização das “diferenças” dentro da sociedade. Assim como os partidos cultivam os eleitores de sua etnia exclusiva (partidos croatas, partidos sérvios e partidos “nacionalistas” muçulmanos), ou de sua etnia dominante (caso do Partido Socialista Democrata, que congrega “bosníacos”, croatas e sérvios não nacionalistas, e foi o impulsionador da idéia de uma Bósnia e Herzegovina abrangente, para todos), as aldeias e cidades, antes mescladas, vão-se tornando exclusivas de identidades específicas. Embora este segundo fenômeno seja mais notável no campo, a própria capital Sarajevo, ainda cosmopolita, tem hoje população mais de 90% “bosníaca”. Permanece pluricultural, com igrejas e sinagogas funcionando ao lado de mesquitas, porque é predominantemente secular, e muitos dos “muçulmanos” de toda a Bósnia, sobretudo urbanos, na verdade são agnósticos, ateus ou simplesmente desligados de cultos e manifestações de crença. Reconhecem-se “muçulmanos” pela ascendência e pelos nomes turcos “de batismo”. Apesar dessa peculiaridade local, que não é somente dos “muçulmanos”, mas também de católicos e ortodoxos, parte ponderável dos habitantes majoritários aos poucos se “islamizam”: nos trajes de mulheres e homens, na abstenção de álcool e carne de porco, no número impressionante de novas mesquitas, no fortalecimento das escolas corânicas, na construção de centros culturais islâmicos, geralmente com subsídios de correligionários de fora.
As religiões que, segundo consta, conviviam exemplarmente no passado, hoje repercutem e retroalimentam, pela declarações provocativas de seus líderes, as acirradas disputas políticas, todas as quais têm fundamentação e conotação religiosa. Todos se declaram tolerantes, mas criticam, às vezes ofendem, as comunidades de fé antagônicas. Assim como os croatas, de origem católica, combateram os muçulmanos na maior parte da guerra, até se aliarem a eles contra os sérvios, os bispos católicos atuais reclamam do tratamento dado aos croatas pelos muçulmanos da Federação (FB&H). O patriarca ortodoxo de Sarajevo defende os sérvios, ortodoxos por definição legal, e a República Srpska, criada por Radovan Karadzic, como baluartes contra o temido “expansionismo” do islã, sem gestos de simpatia tampouco para os “católicos”. O Reis-El-Ulemá, líder supremo dos islamitas balcânicos (não somente da Bósnia, mas da Sérvia, da Croácia e do Montenegro), de linha sunita e voltado para a Turquia, critica com veemência as “perseguições” sérvias e croatas aos muçulmanos, no presente, mas se vê também acossado pelo fundamentalismo wahabita, assimilado dos mujahedins estrangeiros que vieram defender os bosníacos na guerra. Tais djihadistas estrangeiros foram depois expelidos, por pressão norte-americana6, mas aqui deixaram sementes de crescimento visível7. Os políticos, por outro lado, com ou sem fé verdadeira, disseminam lendas religiosas, crendices e tradições rituais populares, às vezes recentemente inventadas, para divulgar uma imagem de devoção convincente.
Num país que sempre teve grande número de casamentos mistos (calculam-se em 20% do total, antes da guerra), as etnias hoje se retraem, isolam-se, rejeitam misturas e sincretismos. Nas famílias e comunidades, pretendentes e namorados de “nacionalidade” diferente são mal vistos. Pares de etnias distintas agora tentam emigrar para poder casar sem constrangimentos. Seus filhos não tem “etnia”. A categoria “mestiço” não existe nos formulários de identificação. Tal omissão leva, por exemplo, minha secretária, filha de muçulmana com “católico” ateu da Bósnia, morto como civil no cerco de Sarajevo, a declarar-se “muçulmana”, conquanto não praticante de qualquer fé. Da mesma forma, outra funcionária da Embaixada, filha de católica com ortodoxo que sempre se consideraram “bósnios”, revolta-se por ter que se designar “croata” ou “sérvia” sem o ser.
A palavra “bósnio”, gentílico da Bósnia, que deveria aplicar-se a todo o Estado, envolvendo as duas entidades, os três povos constitutivos, as minorias e, evidentemente os mestiços, não é uma nacionalidade, nem etnia, muito menos religião. Não passa de um adjetivo de uso confuso, empregado por estrangeiros de maneira neutra, enquanto pelos “bosníacos” tem acepção contestável, vista como “expansionista” pelas demais culturas do país. É o caso da “comida bósnia”, da “música bósnia” e, muito em especial da “língua bósnia”. Sim, porque o bósnio passou a ser uma língua, não apenas um dialeto, usada somente por um grupo de pessoas sem localização definida, supostamente “muçulmanas”. Em decorrência da guerra e de seus horrores, os bosníacos, bem europeus até nisso, decidiram que não podiam mais falar idioma dos inimigos. Apesar de se haverem sempre comunicado em serbo-croata como os sérvios e croatas do local, havendo seu conterrâneo Ivo Andric ganho nessa língua o Prêmio Nobel de Literatura em 1961, os bosníacos, não dispondo de um gaélico para exumar como os irlandeses, nem de um catalão como os catalães, ou de um basco para os bascos, optaram por acentuar e regularizar as pequenas diferenças de linguagem, inventando, com apoio do exterior, uma língua bósnia, ou bósnio, oficializada nas escolas bosníacas, com dicionário e gramática publicados até em Oxford8. As escolas, por sinal, não somente por causa das três línguas (quase iguais, todos entendendo as três variantes), passaram a ensinar tudo, até mesmo a história recente, sob enfoque étnico, em classes separadas por “nacionalidades”. O sistema educacional público da Bósnia, antes integrador, passou a ter “três escolas sob o mesmo teto”. Inovação ominosa para o futuro da sociedade, tal segregação num só prédio logo se reproduz nas brincadeiras e horas de lazer. Conforme  tem sido avaliado e dito por especialistas na Bósnia, a compartimentação quando jovem invariavelmente leva à discriminação agressiva quando adulto.
Tudo isso poderia ser meramente curioso se não tivesse decorrido de uma guerra sanguinária, com campos de concentração, estupros coletivos, cerco com bombardeio de cidades indefesas e atos de genocídio, inconcebíveis se não os víssemos filmados, documentados e amplamente divulgados. Tudo isso poderia ser até engraçado, se a possibilidade de um novo conflito estivesse totalmente descartada. Se as feridas e cicatrizes atuais não fossem tão profundas. Se as provocações interculturais fossem coisa do passado. Se não houvesse tantas armas e munições em mãos da população. Se esta não fosse segmentada e etnicamente incitada a proteger a respectiva identidade por meio da rejeição aos diferentes. Se o país existente, disfuncional e dividido dezesseis anos após a guerra, estivesse operando normalmente.
A verdade é que, em função da etnização da política, o Estado da Bósnia e Herzegovina permaneceu sem governo emergente das eleições gerais de outubro de 2010, até o momento em que se escrevem estas linhas, em fevereiro de 2012. Somente não afundou de vez porque os três presidentes eleitos, sérvio, muçulmano e croata, conseguiram entender-se minimamente e mantiveram o conselho de ministros anterior em exercício. Em 28 de dezembro de 2011, os líderes dos seis principais partidos políticos (dois de cada povo Constitutivo) chegaram finalmente a um acordo sobre a divisão das pastas ministeriais e a designação de um primeiro-ministro, cuja posse deverá ocorrer em poucos dias, com quinze meses de atraso.
Além, evidentemente, da necessidade um governo com o qual possa negociar, uma das condições impostas pela União Européia para aceitar negociações de adesão com a Bósnia tem sido, há anos, a realização de novo recenseamento populacional. O último censo, de 1991, que serviu de base à divisão do território em Dayton, certamente está hoje ultrapassado, pelas “limpezas étnicas”, pelos massacres da guerra, pelos deslocamentos que ela provocou, pelo não retorno ou estabelecimento alhures de refugiados, pela recusa de certos líderes a restituir aos antigos moradores as casas esvaziadas pela força e ocupadas por novos habitantes. As mesmas preocupações e interesses conflitantes dos políticos, que impediram, por tanto tempo, a formação do governo, barraram também projeto de lei sobre a matéria, submetido ao parlamento desde meados de 2010.
Em 28 de dezembro de 2011, na mesma reunião que finalmente permitiu o entendimento interpartidário para formação de novo conselho de ministros, acertaram-se, igualmente, os pontos conflitantes para a realização de novo censo – previsto para ocorrer em abril de 2013. A mágica, neste caso, não poderia ser mais simples: acordou-se que, na consulta aos habitantes, a identificação da respectiva religião apenas será feita por decisão individual voluntária. Não se chegou a criar a categoria dos mestiços, mas se ofereceu uma saída que o multiculturalismo ideológico não prevê: a opção pela cidadania abrangente, ao invés da escolha obrigatória de uma identidade étnica, ou, na melhor das hipóteses, de duas etnias que se encontram, acasalam, proliferam, mas não se misturam.
Ao contrário dos anos 30 e 40 do século passado, os horrores da guerra na Bósnia ocorreram com amplo conhecimento externo, informação instantânea, cobertura da televisão e passividade generalizada. Ocorreram em plena Europa, quando e onde se imaginava que nada disso pudesse voltar a acontecer depois da Segunda Guerra Mundial, especialmente no apogeu da “era dos direitos”. Como hoje em dia, em plena era dos “direitos das culturas”, as sementes da barbárie semeiam-se em muitos lugares, não somente na Europa, com apoio externo variado, em nome do direito à diferença, sob a capa do multiculturalismo distorcido “politicamente correto” em voga. E tal atitude prossegue, por mais que a radicalização das culturas converta-se em extremismos, a crispação das identidades subnacionais ameace a governabilidade do conjunto, e a reação ultranacionalista esperada eleja democraticamente políticos racistas, em sociedades longamente estabelecidas na Europa.
Segundo as informações que obtive de La Paz, o questionário do Instituto Nacional de Estatística da Bolívia oferece aos habitantes do país, para a auto-identificação respectiva, as categorias de afrodescendente ou integrante de uma de 54 nações indígenas. A par disso, oferece apenas a alternativa entre as opções “outras” ou “nenhuma”. Ou seja, para atender ao indigenismo radical de um governo “de esquerda”, sintonizado com o “progressismo” contraditório da intelectualidade liberal pós-moderna, que se reflete na militância multicultural atualmente hegemônica até nas Nações Unidas, a Bolívia se dispõe a denegar a miscigenação concreta que se vem realizando há séculos. Posso até compreender as razões da decisão boliviana. O que não aceito e me deixa indignado é ver que a esquerda intelectual da atualidade, que, aliás, pouca importância dá ao presidente Evo Morales, incentiva, através de ativistas “engajados”, iniciativas anti-igualitárias com grande ligeireza.
Com base nas desgastadas posições racialistas de que a mestiçagem era usada para encobrir discriminações que hoje ninguém mais nega, o indigenismo boliviano no poder, assim como o essencialismo étnico da Bósnia, além de descartar como irrelevantes as aspirações de importantes segmentos em ambos os países, entronizam um novo apartheid sem a categoria dos “coloureds”. Ao fazê-lo, em vez de enfrentarem as dificuldades reais que assolam as populações desses dois países pobres, eliminam a noção de classes econômicas, novamente inquestionável com as adaptações pertinentes, e reincorporada no pensamento social contemporâneo até pelo Fórum de Davos.
Ainda bem que o Brasil resistiu às propostas de eliminação da categoria dos “pardos” nos censos do IBGE. Nossa própria experiência de luta antirracista comprovou que tal eliminação não era condizente com a vontade do povo, nem necessária sequer para a adoção de ações afirmativas. O possível mau uso do conceito de mestiçagem não pode justificar aquilo que José Murilo de Carvalho identificou como “genocídio estatístico”9. Este tampouco pode impedir que o mundo, globalizado pela economia e pelo fluxo permanente de pessoas, migrantes temporários e turistas, emigrantes e imigrantes, legais e indocumentados, traficados ou transferidos por livre e espontânea vontade, continue a miscigenar-se.
Talvez quando todos forem, como quase todos já são, obviamente mestiços em todo e qualquer país, os responsáveis pelas políticas de esquerda e pelas atividades mais necessárias no planeta resolvam finalmente dedicar-se a sério à igualdade entre os homens.
--
1José Augusto Lindgren Alves é embaixador em Sarajevo, Bósnia e Herzegovina, e membro, a título pessoal, desde 2002, do Comitê para a Eliminação das Discriminação Racial (CERD), das Nações Unidas, em Genebra.
2Conforme já expliquei alhures, quando era embaixador em Sófia, o sistema do millet, no Império Otomano, com todos os defeitos inerentes a qualquer domínio imperial, foi a primeira experiência “moderna” de um multiculturalismo na linha anglo-saxônica hoje dominante na ONU (“Nacionalismo e Etnias em Conflito nos Bálcãs”, Lua Nova n° 63, S. Paulo, 2004).
3Maria Todorova, Imagining the Balkans, New York, Oxford University Press, 1997.
4Às duas Entidades se acrescenta o pequeno Distrito de Brcko, autônomo, na fronteira nordeste, entre a Croácia e a Sérvia, onde não foi possível determinar uma etnia majoritária.
5O povo da entidade República Srpska é considerado por terceiros “bosno-sérvio” ou “sérvio da Bósnia”, qualificação que ele próprio abomina.
6Talvez seja muito em função disso que a embaixada dos Estados Unidos em Sarajevo é alvo de atentados islâmicos, como em outubro de 2010, quando um wahabita desferiu rajada de metralhadora contra o prédio. Aqui isto surpreende em particular porque os Estados Unidos se posicionam mais em favor dos “muçulmanos” ou bosníacos, do que de seus adversários.
7A quem tiver interesse no assunto, recomendo vivamente assistir ao filme bósnio “No Caminho”, de Jasmile Zbanic, que vi pela primeira vez no Brasil, em 2011, no canal CULT da TV a cabo. Deve ser encontrado em vídeo, sob o nome original “Na Putu”, ou em inglês “On the Path”.
8Da mesma forma que a Croácia, que também conta com dicionários de língua exclusiva croata (e deve ser o mesmo na Sérvia), acaba de impedir a exibição de um filme sérvio recente porque não tinha dublagem ou subtítulos locais.
9José Murilo de Carvalho, “Genocídio Racial Estatístico”, O Globo, Rio de Janeiro, 27/12/2004

domingo, 28 de outubro de 2012

Estado Brasileiro: um obstrutor do desenvolvimento - Editorial Estadao

Há muito tempo que venho repetindo isto: o Estado brasileiro, que outrora, no século passado, foi um promotor do desenvolvimento econômico e social, tornou-se, desde os anos 1990, pelo menos, o principal obstrutor do crescimento econômico e da prosperidade social.
Literalmente TUDO o que depende apenas do setor privado e dos esforços individuais registra um progresso sensível, e TUDO o que depende do Estado demonstra um atraso inaceitável, indesculpável, criminoso, mesmo.
Enquanto os brasileiros não aceitarem essa constatação singela, quase simplória, evidente ao ponto do óbvio ululante, como diria Nelson Rodrigues, eles continuarão a demandar políticas públicas, ativismo estatal, e os empresários também demandarão "políticas setoriais", todos mistificados por um Estado ineficiente, perdulário, assaltado por hordas de oportunistas sedentos de recursos públicos, quando não por companheiros interessados no seu enriquecimento pessoal e no seu projeto de poder, que é, obviamente, a eternização do monopólio político.
Sinto muito pelos brasileiros, mas eles aprenderão pela via mais desastrosa, que é a da falência dos serviços públicos, do endividamento excessivo, da corrupção e dos gastos inúteis.
Talvez um dia tenhamos, por via do que eu chamo de  "fronda empresarial", uma revolta contra esse mesmo Estado, uma contenção desse ogro famélico, dotado de uma voracidade tributária sem par nos exemplos conhecidos, e o início de uma outra via, de maior liberdade econômica via mercados (aliás detestados pelos companheiros famélicos de poder). Vai ser pelo lado mais difícil, mas parece que será assim.
Paulo Roberto de Almeida 

Brasil rico, Brasil pobre

Editorial O Estado de S.Paulo28 de outubro de 2012
O aumento da renda nos últimos dez anos proporcionou uma notável melhora no padrão de vida da maioria das famílias brasileiras, aproximando-o de indicadores de países desenvolvidos, se o que se leva em conta é a aquisição de bens de consumo. No entanto, como mostrou o jornal Valor (21/10), se o critério for o fornecimento de serviços públicos básicos, pelos quais o Estado é diretamente responsável, uma boa parte desses mesmos cidadãos ainda convive com situações típicas dos países mais pobres do mundo. Ou seja: quando depende da renda das famílias, o avanço dos brasileiros na direção do mundo do conforto é significativo; no entanto, quando há necessidade de investimentos estatais, as demandas mais óbvias de grande parte da população ainda estão muito longe de serem satisfeitas.
O Brasil é hoje o oitavo maior mercado consumidor do mundo, segundo o Fórum Econômico Mundial. Desde 2001, saltou de 85,1% para 96,3% o total de domicílios que dispõem de geladeiras. No caso dos televisores, o índice passou de 89% para 97,2%, e no de máquinas de lavar, de 33,6% para 51,6%. Quase 100% das casas agora têm fogão, e o número de residência com computador ligado à internet quadruplicou, chegando a 37,1%. Para o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), esses dados têm relação direta com a redução da desigualdade de renda verificada no período. Houve expansão de 16% do rendimento médio real do trabalho entre 2001 e 2011, e esse crescimento foi mais acentuado entre os 50% mais pobres da população. Estudo da Fundação Getúlio Vargas indica que o ganho nessa faixa foi de 68% acima da inflação. Além disso, o total de trabalhadores com carteira assinada cresceu 48,1% entre 2003 e 2011.
Ao mesmo tempo, a oferta de crédito, capitaneada por bancos oficiais, passou de 25% para 51% do Produto Interno Bruto (PIB) entre 2002 e agosto passado, o que, ao lado do abatimento de impostos para reduzir os preços, também ajuda a explicar o aumento substancial da aquisição de bens duráveis. Com relativa estabilidade de emprego e de ganhos salariais, aliada ao crédito fácil e aos incentivos estatais, os brasileiros foram às compras.
No entanto, muitos desses consumidores da "nova classe média", que passaram a assistir a seus programas favoritos em modernas TVs de tela plana, são os mesmos que topam com lixo na porta de casa, que enfrentam esgoto a céu aberto e que não têm escola com qualidade ao menos razoável para seus filhos.
O IBGE mostra que cerca de 40% das residências brasileiras não dispõem de abastecimento de água e coleta de esgoto. A comparação com os países ricos é dramática: nos Estados Unidos, segundo o Valor, apenas 0,6% das casas não tinham água encanada e vaso sanitário com descarga em 2011. Ainda segundo o IBGE, 11% das casas brasileiras não têm nenhum tipo de saneamento básico e 5% convivem com lixo acumulado. E 40% dos logradouros não têm nenhuma identificação, de modo que seus habitantes não sabem dizer exatamente onde moram. O quadro é igualmente sombrio na educação. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica de 2011 mostra que, no ensino médio, a maioria dos alunos não sabe ir além das quatro operações aritméticas nem consegue ler e escrever de modo satisfatório.
Tudo isso se reflete na capacidade do Brasil de competir por mercados. O último ranking do Fórum Econômico Mundial sobre o tema indica que o País, embora tenha subido cinco posições, para o 48.º lugar, ainda marca passo em indicadores-chave. No item "saúde e educação básica", por exemplo, o Brasil figura em 88.º lugar entre 144 países, perdendo 9 posições desde 2009.
Como se observa, lentamente estamos deixando de ser a "Belíndia", à qual se referiu o economista Edmar Bacha, em 1974, para designar a concentração de renda que gerou o abismo entre o minúsculo Brasil rico, isto é, a "Bélgica", e o enorme Brasil pobre, a "Índia". Agora, o País está mais para um "Engana", apelido dado recentemente pelo ex-ministro Delfim Netto para designar esse festejado Brasil que tem renda da Inglaterra (England), mas que ainda dispõe de serviços públicos de Gana.

Os neobolcheviques e o Mensalao - Ricardo Velez-Rodriguez


Um dos mais lúcidos artigos que já li sobre o assalto criminoso ao Estado de Direito por um bando de celerados, abrigado num partido de vocação totalitária, supostamente neobolchevique, mas na verdade apenas fraudador, mentiroso, no limite da criminalidade, na qual não hesitam em cair os chefes, chefinhos, chefetes e chefões, certos de que ficariam impunes, como aliás ficarão muitos que não entraram nesse estarrecedor processo do Mensalão.
Não há nenhuma dúvida de que o que foi revelado, até aqui, ao abrigo da Ação Penal 470, é apenas a pequena ponta de um imenso iceberg de roubalheiras, patifarias e vários outros crimes, cometidos por um bando de profissionais da fraude e da mistificação, vários deles treinados por um serviço de espionagem estrangeiro, totalitário, stalinista, para acobertar seus muitos crimes contra a democracia.
Independentemente do que ocorra com os mafiosos não perseguidos, no momento, cabe aos homens de bem denunciar a tentativa totalitária, que no entanto ainda conta com muitos outros atores atuando de forma clandestina no próprio aparelho de Estado.
A população, em geral, pode não saber disso, e se deixar enganar pela propaganda mentirosa dos gramscianos-stalinistas, mas quem conhece a súcia de bárbaros, como vários dos que me lêem, amigos ou inimigos (não importa) não pode ficar calado.
Paulo Roberto de Almeida 

Ricardo Vélez-Rodriguez
Rocinante, sábado, 27 de outubro de 2012
  
Levei uma grata surpresa com o julgamento do Mensalão pelo STF. A nossa vida democrática parece ter reencontrado a vitalidade que parecia fenecida na crise em que o Executivo, sobranceiro à lei, tentou comprar definitivamente o apoio do Legislativo, mediante a prática da corrupção sistemática, ao ensejo do episódio que o denunciante do esquema, Roberto Jefferson, denominou de “Mensalão”. O nome pegou, para desespero de Lula, Dirceu et caterva. Foram julgados e condenados, se não todos, pelo menos alguns dos responsáveis mais representativos do sinistro esquema. A História se encarregará de julgar os que escaparam, a começar pelo chefe que, pelo teor das investigações e depoimentos, “tudo sabia”.

Era de Oliveira Vianna a previsão de que a redenção das instituições republicanas viria, no Brasil, pela mão do Judiciário. Vítimas da “política alimentar” (nome dado pelo sociólogo fluminense ao esquema de clientelismo e corrupção que se apossou da vida pública desde tempos que se remontam à derrubada do Império), as instituições democráticas acordariam da catalepsia em que a privatização patrimonialista do poder pelas oligarquias as fez mergulhar. A independência do Poder Judiciário, pensava Oliveira Vianna emInstituições Políticas Brasileiras (1949), garantiria no Brasil as liberdades civis dos cidadãos; asseguradas estas, o país poderia pensar na conquista das liberdades políticas.

Ora, os pareceres dos juízes do Supremo Tribunal Federal colocaram na pauta da política nacional dois princípios fundamentais: em primeiro lugar, todos devem respeitar, sem exceções, a lei e o marco arquetípico dela, a Constituição. Em segundo lugar, os que governam não podem agir utilizando a máquina do Estado em benefício próprio. Dois princípios de ética pública que, meridianos, voltaram a presidir o espaço republicano, a partir dos pareceres dos Magistrados da nossa Suprema Corte. Que a sociedade respirou aliviada com a ação patriótica do STF, o deixam claro as opiniões dos leitores na mídia eletrônica e impressa, bem como as espontâneas manifestações de aplauso dos cidadãos quando encontram um dos nossos Magistrados, em que pese a cerrada política armada pela petralhada, de denuncismo de “golpe da magistratura e da imprensa”.

No esquema do Mensalão marcaram encontro dois vícios da política brasileira: o tradicional “complexo de clã” e a ausência de espírito público, bases do Patrimonialismo. Esses dois vícios, entrelaçados como as caras da mesma moeda, fazem com que os atores políticos ajam única e exclusivamente em benefício próprio, privatizando as instituições em seu benefício e no das suas respectivas clientelas. Nisso, o PT e coligados mostraram-se eficientes “como nunca antes na história deste país”. A esses dois vícios vieram-se juntar duas tendências da cultura política moderna: o jacobinismo (inspirado na filosofia política de Jean-Jacques Rousseau, no século XVIII), segundo o qual a organização da política, nos Estados, deve-se pautar pelo princípio da unanimidade dos cidadãos ao redor da “vontade geral” (identificada com o Legislador e imposta pelos seus seguidores, os “puros”), sendo excluída, a ferro e fogo, qualquer oposição ou dissidência. O segundo princípio negativo diz relação ao “messianismo político” (pensado no início do século XIX por Henri-Claude de Saint-Simon, e continuado pelo seu discípulo Augusto Comte). Ora, na nossa organização republicana juntaram-se, com o correr dos séculos, numa síntese perversa, esses dois princípios, bem como os vícios balizadores do Patrimonialismo. O jacobinismo e o messianismo político reforçaram-se dramaticamente, na contemporaneidade, com a tendência cientificista do marxismo (inspiradora dos ideólogos petistas), que passou a pensar a política em termos de hegemonia partidária, à maneira gramsciana.

Na história republicana terminou se consolidando, à sombra da cultura política emergente das variáveis mencionadas, um modelo identificado mais com a prática do despotismo do que com o moderno republicanismo. Castilhismo, getulismo, tecnocratismo autoritário, lulopetismo, eis os resultados desse amálgama nada republicano. Como dizia Tocqueville, se referindo à França de 1848, a face da República viu-se desfigurada pelas práticas despóticas das lideranças. No Brasil, a Res Publica, virou Coisa nossa, num esquema verdadeiramente mafioso de minorias encarrapitadas no poder, que fazem o que bem entendem, de costas para a Nação, fragilmente representada num Legislativo que se contempla a si próprio e zela quase que exclusivamente pela manutenção dos seus privilégios. Com um agravante, atualmente: se nos momentos anteriores havia autoritarismo republicano, este se equilibrava com uma proposta tecnocrática bem-sucedida (como nos momentos getuliano e do ciclo militar ou com um respeito quase sagrado ao tesouro público, no castilhismo). Restou-nos o assalto desavergonhado aos cofres da Nação, numa atabalhoada política clientelista que jogou pela borda a necessária eficiência e que entregou as agências reguladoras do Estado aos companheiros, em meio ao mais descarado compadrio sindical.

Ecoam ainda nos ouvidos da Nação as graves palavras com que um dos Ministros do STF caracterizava, dias atrás, o mal que tomou conta do Brasil: "Formou-se na cúpula do poder, à margem da lei e ao arrepio do direito, um estranho e pernicioso sodalício, constituído por dirigentes unidos por um comum desígnio, um vínculo associativo estável que buscava eficácia ao objetivo espúrio por eles estabelecido: cometer crimes, qualquer tipo de crime, agindo nos subterrâneos do poder como conspiradores, para, assim, vulnerar, transgredir e lesionar a paz pública". Gravíssima situação que a nossa Suprema Corte encarou com patriotismo e coragem. Esperamos que essa benfazeja reação dê início a um saneamento generalizado das instituições republicanas.

Raul Castro "vota" antecipadamente na Florida (!??!?)

Sim, por mais estranho que possa parecer, esta é a opinião de um articulista de um órgão de oposição à ditadura castrista sediado na Florida.
Paulo Roberto de Almeida 


ELECCIONES ESTADOUNIDENSES: RAÚL CASTRO "VOTA" EN LA FLORIDA

En una coyuntura de virtual empate en la Florida, la dictadura cubana acaba de promulgar a las carreras el Decreto-Ley No. 302, que "maquilla" las carcelarias reglas migratorias cubanas, presentando a nivel internacional una apariencia de súbita apertura de la isla-presidio y extendiendo una mano "amiga" hacia los votantes cubanoamericanos de la Florida

1. A pocos días de las elecciones presidenciales estadounidenses, en el decisivo Estado de la Florida, que cuenta con un vasto contingente de centenas de millares de votantes cubanoamericanos, recientes pesquisas indican un virtual empate entre los candidatos Romney y Obama.

2. El suspenso es enorme, por las naturales consecuencias de las elecciones en la Florida, dentro del resultado electoral en los Estados Unidos. En ese país, el presidente resulta electo por un colegio electoral en el cual participan representantes de todos los Estados. Según las encuestas, hasta el momento Romney y Obama  podrían obtener un similar número de miembros en el colegio electoral a nivel nacional. Es por ello que el candidato que obtenga el triunfo en la Florida, con sus 29 votos, podrá inclinar decisivamente la balanza en favor del candidato demócrata o del republicano. Del punto de vista electoral, en español se considera a la Florida como un "Estado bisagra"; y en inglés, como un "swing State".

3. La Florida ya fue decisiva en varias elecciones presidenciales anteriores. El caso más impactante se produjo en el año 2000 cuando, por pocas centenas de votos de un pequeño municipio del interior de la Florida, que contaba con un número representativo de votantes cubanoamericanos, el candidato demócrata Al Gore perdió las elecciones en ese Estado y, en consecuencia, a nivel nacional, en favor del candidato republicano George Bush. En esa ocasión, el caso del  balserito cubano Elián González, brutalmente enviado a Cuba por las autoridades estadounidenses pocos días antes de las elecciones, fue decisivo para que muchos cubanoamericanos  normalmente adherentes de los demócratas, ejerciesen un "voto-castigo" que dio la victoria a los republicanos.

4. En esa coyuntura de virtual empate en la Florida, la dictadura cubana acaba de promulgar a las carreras el Decreto-Ley No. 302, que "maquilla" las carcelarias reglas migratorias cubanas de la Ley No. 1312 de 1976, presentando a nivel internacional una apariencia de súbita apertura de la isla-cárcel y extendiendo una mano "amiga" hacia los votantes cubanoamericanos de la Florida. Ese decreto promete que a partir de 2013 suprimirá la humillante "tarjeta blanca" como requisito para salir del país y facilitará la expedición de pasaportes supuestamente a todos los que lo soliciten.

5. No obstante, cumpliendo el adagio que dice que "quien hace la ley, hace la trampa", el Decreto-Ley No. 302 introduce discretamente dos disposiciones mediante las cuales La Habana mantendrá el control total de las entradas y salidas de la isla-cárcel: el régimen podrá denegar la entrega del pasaporte alegando "razones de Defensa y Seguridad Nacional", y también "cuando por otras razones de interés público" - que no se da el trabajo de enumerar - "lo determinen las autoridades facultadas". Entonces, con una mano se abre la puerta de la isla-cárcel, pero se deja la otra preparada para dar el portazo. En definitiva, el gobierno de Raúl Castro puede continuar denegando la salida o entrada en el país a quien quiera, como lleva haciéndolo desde hace más de medio siglo.

6. ¿Por qué motivo el régimen cubano habrá lanzado sobre la mesa esta carta política, psicológica y publicitaria, con apariencia distensiva y amigable, pocos días antes de las elecciones nacionales estadounidenses, y en el preciso momento de un empate electoral en la Florida, un Estado con fuerte contingente de votantes cubanoamericanos? Las metas de La Habana en el Estado de la Florida continúan siendo: aislar a aquellos líderes cubanoamericanos más opuestos a un acuerdo del gobierno estadounidense con el régimen castrista;  ablandar al electorado cubanoamericano que hasta hoy se opone al régimen comunista con base en motivos ideológicos, morales y religiosos; facilitar el surgimiento de una nueva generación de líderes políticos cubanoamericanos abiertos al "diálogo" y al entendimiento con los carceleros de la isla; y moverse en los bastidores para evitar una derrota demócrata, porque sabe que a Castro, a Chávez y a las FARC les será bastante más fácil conversar con Obama.

7. Es para intentar obtener esos objetivos de desmovilizar y desprestigiar al destierro cubano, y, en consecuencia, influir en las elecciones de la Florida, que pocos días antes de las elecciones estadounidenses, dando a conocer el Decreto-Ley-Maquillaje No. 302 sobre reglas migratorias, el dictador Raúl Castro "votó" anticipadamente en la Florida.

Destaque Internacional - Año XIV - No. 366 - Domingo 27 de octubre de 2012. Editorial interactivo. Responsable: Javier González. Envíe sugerencias, opiniones y críticas al e-mail destaque2016@gmail.com