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segunda-feira, 7 de outubro de 2013

A Constituicao aos 25 anos: artigo de Jose Serra (FSP), caderno especial do Estadao

José Serra
Folha de São Paulo, 05/10/2013

Nos 25 anos da Constituição que Ulysses Guimarães classificou de “cidadã”, alinho-me com aqueles que avaliam que uma das virtudes da Carta é sua vocação garantidora de direitos. Foi, nesse caso, o bom uso que se fez de circunstâncias que não eram da nossa escolha. Explico-me: finda a ditadura militar, a Lei Maior procurou expressar o seu repúdio ao autoritarismo, precavendo-se de tentações golpistas e da agressão a direitos individuais. Mas também é preciso dizer que fizemos uma Carta excessivamente marcada por contingências, com o olhar, muitas vezes, posto no retrovisor. Seus defeitos, curiosamente, não foram obra nem da esquerda nem da direita, mas do atraso. No Brasil, infelizmente, os direitistas costumam deixar de lado o conservadorismo virtuoso, e os esquerdistas, o igualitarismo generoso.
Poucos parecem divergir, a esta altura, da constatação de que o principal mérito da Constituição de 1988 é a consagração das liberdades democráticas — de opinião, manifestação e organização — e das garantias individuais:  a criminalização inequívoca do racismo, a  abolição do banimento e da pena de morte, o livre exercício dos cultos religiosos, o repúdio à tortura e a tratamentos desumanos ou degradantes dos cidadãos,  etc. Isso tudo  ficou condensado no artigo 5º, o mais extenso da Carta, com quatro parágrafos e 78 incisos.
À parte o capítulo das liberdades públicas e individuais, destaco, em planos distintos, como os maiores avanços da Carta de 1988 a concepção do SUS;  a  criação de um fundo (posteriormente chamado FAT) que reuniu as contribuições do PIS PASEP para   tornar viável o seguro desemprego e , ao mesmo tempo, financiar investimentos;  o dispositivo que definiu o salário mínimo como o piso dos benefícios previdenciários de prestação continuada; os capítulos que lidam com finanças públicas e controle externo ao Executivo e ao Legislativo —  os tribunais de contas, por exemplo, foram extremamente fortalecidos nas suas atribuições; novos marcos para a política ambiental; o fortalecimento do Ministério Público e a instituição do segundo turno na eleição para presidente, governadores e prefeitos em cidades com mais de 200 mil eleitores.
Mas há também alguns defeitos severos, que apontei e combati quando deputado constituinte — muitas das críticas foram expressas em artigos semanais nesta Folha: a prolixidade;  as concessões de natureza corporativa; a prodigalidade fiscal; a falta de um regime geral de previdência mais homogêneo e adequado ao longo prazo; o atrelamento dos sindicatos ao Estado e a falta de inovação em matéria de sistema político e eleitoral. Deixo de mencionar aqui algumas aberrações aprovadas a respeito da ordem econômico-financeira, removidas nos quinze anos seguintes por intermédio de emendas constitucionais. Tomei a inciativa, como senador, de escoimar da carta os absurdos na área financeira. Contei com o apoio, faça-se justiça aos fatos, do então líder do PT no Senado, José Eduardo Dutra.
A prolixidade não precisa ser provada; é auto-evidente: 245 artigos e 97 disposições transitórias, com numerosos parágrafos e incisos, muitos  deles típicos de leis ordinárias, decretos, portarias ou simples declarações de intenção em discursos parlamentares. Um  exemplo pitoresco? A constitucionalização da existência da Justiça Desportiva e a garantia de “proteção e incentivo às manifestações desportivas de criação nacional”, o que, por óbvio, deixou de fora o futebol, o vôlei e o basquete…
Ao contrário do que se pensa, os interesses corporativos principais cravados na Constituição não foram os do setor privado, mas os da área da administração pública, de que é exemplo escancarado a estabilidade para os servidores não concursados de órgãos públicos que estavam empregados havia mais de cinco anos da data de promulgação da Carta. Abriu-se caminho  ainda para toda sorte de isonomias salariais, permanente e poderoso mecanismo gerador de despesas.
Esse aspecto corporativista da Constituição representou um fator decisivo na chamada prodigalidade fiscal. Outro foi a forte redistribuição federativa de receitas tributárias, sem que houvesse, paralelamente, nenhuma descentralização de encargos — feroz e eficazmente combatida pelas corporações de funcionários e de clientes dos setores envolvidos.
Se a força e a amplitude dos direitos e garantias fundamentais deveu-se à ruptura com um regime de força — tratava-se de esconjurar o passado —, os defeitos da Carta de 1988 estão relacionados a contingências políticas e às falsas expectativas que gerou. Afinal, a Assembleia Nacional Constituinte tinha sido uma bandeira da oposição ao regime militar desde a segunda metade da década de 1970. Não era vista apenas como o umbral da liberdade, mas também da prosperidade e da justiça social.
Havia uma expectativa de elevação imediata do bem-estar social, o que havia sido proporcionado, note-se, pelo Plano Cruzado, na sua fase bem-sucedida em 1986, proporcionando muitos votos ao PMDB nas eleições desse ano. Ocorre que a agonia do plano coincidiu com o início dos trabalhos da Constituinte, no começo de 1987.  A sombra da inflação de dois dígitos mensais, fator de profunda perturbação e instabilidade social, fez sombra na Assembleia até o fim. Parlamentares e partidos se moviam freneticamente para mostrar serviço aos eleitores e para responder a demandas da opinião pública, procurando mitigar insatisfações com a criação de preceitos constitucionais. Ou por outra: uma Carta Constitucional, que é feita, por definição, para durar e para estar acima de contingências, transformava-se em fator de ajuste de tensões sociais e conflitos distributivos corriqueiros.
O colapso da estabilidade econômica enfraqueceu rapidamente o governo Sarney e ampliou a distância entre o mandatário e o PMDB, partido ao qual se filiara exclusivamente para assumir a condição de vice na chapa encabeçada por Tancredo Neves. O setor mais influente do partido deu início aos trabalhos para redigir a nova Carta procurando diferenciar-se do governo. Ganhou força a ideia de uma Assembleia que editasse Atos Constitucionais que se sobrepusessem ao Executivo. Isso acabou não acontecendo, mas inaugurou um tipo de conflito que se manteria até o final do processo constituinte.
O confronto mais relevante teve como objeto a duração do mandato de Sarney, que tinha sido eleito com Tancredo para governar por seis anos, mas aceitava cinco. O então líder da bancada do PMDB, Mário  Covas, defendia quatro e emplacou esse número numa primeira versão da Constituição, vinda da Comissão de Sistematização, em meados de 1987, junto com a aprovação do parlamentarismo. O presidente Sarney propôs um acordo: apoiaria o parlamentarismo se lhe dessem cinco anos e o direito de indicar um primeiro ministro com estabilidade inicial de dez meses, se a memória não me falha. O PMDB recusou a oferta. O governo não mediu esforços para garantir os cinco anos, recorreu a todas as armas da fisiologia, para dizer o mínimo, e saiu vitorioso. O trágico é que o parlamentarismo acabou sendo tragado pela voragem.
A impopularidade e a insegurança do governo, determinadas pela inflação galopante e pelos conflitos com a Assembleia, retiraram do governo a capacidade de assumir um papel relevante na formação do texto constitucional. Na verdade, o Planalto se omitiu, especialmente em relação aos gastos — chegou a apoiar medidas nesse sentido.  O chamado “Centrão”, um agrupamento de parlamentares mais ligados ao governo, só tinha compromisso com os cinco anos e o presidencialismo. No mais, dispôs de plena autonomia para defender suas propostas.
É preciso destacar ainda as condições difíceis em que atuou o PMDB, o maior partido do Congresso. Era já uma força extremamente heterogênea, cindida por interesses regionais. Chegou à Constituinte sem uma concepção sobre a Carta ou a forma de organizar o trabalho. Além disso, ficou politicamente dividido entre suas duas figuras principais, ambos aspirantes à Presidência nas eleições seguintes: Ulysses Guimarães e Mário Covas. O primeiro era o presidente da Assembleia; o segundo, líder do partido, eleito contra o candidato de Ulysses.
Alguns analistas se confundem ao procurar entender o texto constitucional a partir da dinâmica de conflitos entre “esquerda” e “direita”. A chamada direita, no Brasil, não se expressa pelo conservadorismo, mas pelo atraso. Nem remotamente é austera. O texto substitutivo do Centrão era mais gastador e prolixo, mais recheado de casuísmos, privilégios corporativos, vinculações e isonomias do que o já pródigo projeto que fora por ele derrubado, da Comissão de Sistematização, este sim comandado pela fatia do PMDB que se afastara do governo.  Mesmo o Centrão, note-se, manteve no seu projeto todas as garantias democráticas do relatório que conseguiu derrubar. Estas não foram objeto de nenhum confronto significativo no desenrolar de todo o processo. E,  só por curiosidade, foi do Centrão, do deputado Gastone Righi, a criação do abono de férias para todos os assalariados…
O que se poderia chamar “esquerda”, à época, era dominada pela concepção do Estado varguista e as ideias das décadas de 50 e 60, alienadas das mudanças que já estavam acontecendo no mundo e que só começariam a tornar-se mais transparentes no Brasil depois da queda do Muro de Berlim. Para ela, eram exóticas as preocupações com inflação, quadro fiscal, travas ao investimento privado e paternalismo estatal, sem mencionar a confusão permanente e até contradição entre benefícios para corporações restritas e  os interesses sociais mais amplos.
Os dois lados exibiram seu antagonismo — o que politicamente convinha a ambos — com farta cobertura da imprensa. O tema foi a reforma agrária, e o confronto se deu em torno da função social da propriedade e da possibilidade de se desapropriarem propriedades produtivas. Tudo acabou resolvido em dois artigos. Noves fora as diferentes formas de lidar com o MST e  com a inconstitucional violência rural, nenhum governo posterior procurou mexer no texto desses artigos nem deixou de levar adiante o caríssimo processo da reforma agrária.

Não por acaso, os dois lados, com a cumplicidade de sucessivos governos, foram e continuem sendo integrantes ativos do mais consolidado de todos os partidos brasileiros: a FUCE – Frente Única Contra o Erário e a favor das corporações de interesses especiais. Ninguém é mais falsamente de esquerda do que ela. Ninguém é mais falsamente de direita do que ela. Ninguém, como ela, é tão objetivamente contra os interesses do Brasil e dos brasileiros.
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Editorial do Estadão e caderno especial: 

25 anos de Constituição

Editorial O Estado de S.Paulo, 6/10/2013

A Carta Magna chega aos 25 anos diante de um País que se mobiliza nas redes e vai às ruas por direitos sociais sem deixar de garantir a estabilidade democrática

Cidadã é o adjetivo que, com simplicidade e realismo, define a Constituição promulgada há 25 anos, em 5 de outubro de 1988. Comandada por Ulysses Guimarães, o político que ganhou a alcunha de “tetrapresidente”, a Assembleia Nacional Constituinte, formada por 559 membros (72 senadores e 487 deputados), foi o marco da transição democrática.
Nesse quarto de século, as mudanças de governo ocorreram todas sob normalidade institucional, mesmo quando um presidente foi afastado. 
O Brasil de 2013 foi às ruas usando as redes sociais como instrumento de mobilização por mais cidadania, e a liberdade de expressão se consolidou como regra do regime democrático. Esse direito, garantido em cláusula pétrea da Carta - não pode ser alterada nem por emenda -, acabou por se transformar em um dos principais valores para uma convivência harmoniosa no País.
Se a Constituição é cidadã, a Nação ainda é claudicante no quesito cidadania. Poucas iniciativas populares, como a Ficha Limpa, se transformaram em lei. Ao mesmo tempo, a Carta está pronta para enfrentar os desafios digitais que surgiram nos últimos 25 anos. 
Promulgada com 250 artigos no texto-base (e mais 97 disposições transitórias), a Constituição teve, ao longo de duas décadas e meia, 48% de seus artigos alterados por emendas. Os três últimos presidentes - FHC, Lula e Dilma - editaram e editam, em média, mais de três medidas provisórias por mês. O polêmico debate das MPs durante a Constituinte assegurou, no sistema presidencialista, excesso de poder ao Executivo e acaba por gerar desarmonia entre os Poderes. 
Fruto de uma construção coletiva, a Carta de 1988, ao idealizar o Estado de bem-estar social, serviu de justificativa para a elevação dos impostos. Municípios e Estados receberam mais recursos do bolo tributário, mas a descentralização dos serviços públicos não tira a discussão sobre o pacto federativo da pauta. 
O adjetivo dado por Ulysses não dá conta, porém, de toda a polêmica sobre o excesso de detalhes do texto. Ainda assim, esses 25 anos não apagaram o mantra do “Sr. Diretas”, morto em 1992: “Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca.”

Fascismo tributario continua pujante, ativo, reincidente e irracional... - Editorial Estadao

Provavelmente, o novo acerto desse órgão fascista por excelência que se chama Receita Federal será composto de dezenas de artigos, normas, instruções e regras de procedimento, o que exigirá horas e horas dos funcionários encarregados da contabilidade das grandes e médias empresas, e muitos cabelos brancos, e desespero, dos pequenos e microempresários, apenas para cumprir mais regras esdrúxulas do ogro tributário.
Eu não compreendo como os empresários não se revoltam frente a essa calamidade que se chama Big Brother fiscal. Deve ser cansaço e desalento. Mas, se todos se reunissem para dar um basta nessas loucuras, talvez o Brasil começasse a mudar...
Paulo Roberto de Almeida

A Receita não levou tudo

06 de outubro de 2013 | 2h 08
Editorial O Estado de S.Paulo
Não funcionou a mais recente aplicação da tática truculenta da Receita Federal de, mantendo o contribuinte sob ameaça mesmo à custa de tornar o regime tributário uma fonte ainda maior de insegurança jurídica, tentar cobrar dele mais impostos. Por decisão do ministro da Fazenda, Guido Mantega, a Receita não exigirá dos contribuintes o pagamento do Imposto de Renda sobre os dividendos distribuídos entre 2008 e 2013 calculado de acordo com as normas contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007. E, por pressão de dirigentes empresariais e profissionais das áreas de contabilidade e auditoria, o Fisco abandonou também a exigência de apresentação de dois balanços - um apenas para fins tributários -, o que implicaria aumento de custos operacionais e, muito provavelmente, mais impostos e maiores dificuldades das empresas no relacionamento já difícil com o órgão arrecadador.
A cobrança do tributo adicional foi anunciada por funcionários do Fisco logo após a publicação da Instrução Normativa (IN) n.º 1.397, em meados de setembro. Baixada com o objetivo de esclarecer a tributação sobre distribuição de lucros das empresas que adotaram as regras contábeis vigentes a partir de 2008, a instrução abria caminho para a cobrança retroativa de tributos e exigia dos contribuintes a apresentação de uma demonstração contábil fiscal - com o registro de contas patrimoniais e de resultados, escriturados de acordo com as regras contábeis antigas -, ou seja, um balanço diferente daquele destinado a informar a situação da empresa a seus acionistas, clientes e fornecedores.
As práticas contábeis brasileiras foram modernizadas pela Lei 11.638, de 2007, que permitiu sua convergência às práticas adotadas internacionalmente, conhecidas como International Financial Reporting Standards (IFRS). A adoção dos novos padrões contábeis poderia implicar aumento da tributação de algumas empresas. Para assegurar o que a Receita chamou de neutralidade fiscal dessas mudanças, instituiu-se em 2009 o Regime Tributário de Transição (RTT), que vinha sendo utilizado pelas empresas até agora e que será extinto.
A instrução normativa destinava-se a esclarecer os procedimentos que seriam adotados na utilização do RTT, mas estabelecia que, para não terem tributados os dividendos, as empresas deveriam se basear nos métodos e critérios contábeis vigentes até 31 de dezembro de 2007, ou seja, elas deveriam seguir as regras antigas. Também o cálculo da tributação dos juros sobre capital próprio deveria basear-se nas regras anteriores. Isso exigia da empresa a apuração de um lucro "fiscal", calculado pelas regras antigas, e outro "real", baseado nos padrões internacionais.
Pressionado pelos contribuintes, inicialmente o governo anunciou a desistência da aplicação da regra retroativamente. Como reconheceu o secretário da Receita, Carlos Alberto Barreto, os contribuintes alegavam que a ameaça de cobrança retroativa gerava insegurança jurídica.
Embora tivesse desistido da cobrança retroativa, o governo mantinha a exigência da dupla contabilidade. Tratava-se de uma aberração. Como havia destacado o Conselho Federal de Contabilidade logo após a publicação da IN 1.397, esse procedimento "pode voltar a dirigir a atenção da informação contábil precipuamente para o Fisco, quando sua mais nobre função é a de auxiliar na gestão de quem produz a riqueza nacional e o emprego, bem como quem financia essa produção (credores e proprietários)".
O governo deverá editar uma medida provisória (MP) que estabelecerá a não cobrança do tributo adicional referente ao período 2008-2013, conterá as regras para a extinção do RTT e definirá a cobrança do tributo a partir de 2014, que, segundo se informou, resultará de ajustes entre as regras antigas e as novas. O que ficou acertado entre técnicos da Receita e representantes dos contadores, auditores e dirigentes empresariais é a cobrança de um "lucro fiscal" de valor intermediário entre o resultado apurado pelas normas vigentes até 2007 e pelo IFRS. A MP relacionará as informações adicionais que o Fisco exigirá das empresas.

A Justica (justica?!) brasileira envergonha o pais frente ao mundo...

O Judiciário brasileiro é lento, já se sabe. O que não se sabia é que os mandarins da Justiça são especialmente lentos em casos envolvendo figuras do meio político ou clientes dispondo de advogados regiamente pagos. Pagos para que mesmo? Para causas jurídicas, judiciais, penais, corrupcionais?
Sinto vergonha pelo país, quando essas coisas são divulgadas internacionalmente...
Em 2018, os casos mencionados abaixo ainda estarão sendo investigados, para depois serem julgados.
O que faz uma investigação e um julgamento demorarem dez anos depois dos fatos que levaram à acusação?
Quem me responder com argumentos válidos leva um livro...
Paulo Roberto de Almeida

Suíça ameaça devolver US$ 28 mi a condenados no caso 'propinoduto'

Suíça ameaça devolver US$ 28 mi a grupo condenado

Autoridades do país europeu alertam governo brasileiro: se caso do 'propinoduto' não for julgado logo no STJ, verba será desbloqueada

Lentidão da Justiça brasileira faz com que autoridades do país europeu alertem para desbloqueio da verba

O Estado de S.Paulo, 06 de outubro de 2013 | 2h 06
JOSETTE GOULART - JAMIL CHADE, CORRESPONDENTE / GENEBRA
A lentidão da Justiça brasileira pode fazer com que cerca US$ 28 milhões que estão bloqueados na Suíça acabem retornando aos bolsos de condenados por corrupção, lavagem de dinheiro e quadrilha no caso que ficou conhecido como "propinoduto", que envolvia fiscais das receitas federal e estadual do Rio de Janeiro, entre eles Rodrigo Silveirinha - ligado aos ex-governadores Anthony e Rosinha Garotinho.
As autoridades suíças enviaram um ofício ao governo brasileiro, datado de 17 de maio deste ano, cobrando uma definição do caso, que já dura uma década. Alertaram que, pela lei suíça, esse é o prazo limite para reter o dinheiro no país e que sem uma decisão final da Justiça terão de liberar os recursos para saque dos donos originais das contas bancárias.
O Ministério da Justiça repassou o alerta ao Ministério Público Federal que, na semana passada, ingressou com um pedido de "prioridade de julgamento" do recurso. Há quatro anos, o processo vai de um gabinete a outro no Superior Tribunal de Justiça (STJ), sem que seja apreciado. Já passou pela mão de cinco diferentes relatores, sendo que o último, a ministra Assusete Magalhães, está com o caso há apenas dois meses. Mesmo que seja julgado imediatamente pela turma da qual faz parte a ministra relatora, os quase 70 volumes terão ainda de passar pela análise dos ministros do Supremo Tribunal Federal.
Em Berna, fontes no governo suíço admitem que não entendem a demora da Justiça brasileira. Em Brasília, os procuradores se sentem frustrados, mas não falam oficialmente do caso. O Ministério da Justiça não deu qualquer posicionamento à reportagem. Já o STJ, questionado institucionalmente sobre a demora dos processos que chegam à casa, não fez qualquer comentário.
Condenações. O caso é emblemático pois todos os acusados foram condenados em apenas seis meses pela Justiça Federal do Rio, ainda em 2003, quando a denúncia foi apresentada à Justiça. Quatro anos depois, mesmo com todo o questionamento em torno da legalidade do julgamento da primeira instância (por ter sido tão rápido), todos os acusados foram novamente condenados no Tribunal Regional Federal da 2.ª Região. Boa parte deles com penas ainda maiores do que as originais.
Os recursos aos tribunais levaram quase dois anos para serem admitidos, mas em 2009 chegaram ao STJ. Foi nesta época que o então ministro da Justiça, Tarso Genro, chegou a comemorar o sinal verde dos suíços e emitiu um comunicado de imprensa para anunciar que os recursos seriam devolvidos.
Contudo, meses depois, nenhum centavo entrou nas contas brasileiras porque a sinalização da Suíça era na expectativa de que o caso fosse julgado rapidamente no Superior Tribunal de Justiça. Em 2010, mais uma ação do governo foi conduzida. Mas sem resultado.
Prisão. A ironia, segundo o Departamento da Justiça suíço, é que o caso ganhou contornos impensáveis e levou a prisões também naquele país. Cinco banqueiros foram condenados por lavagem de dinheiro, numa ação contra os bancos que há décadas não se via na Suíça.
O processo ainda confirmou o envolvimento de um banco suíço diretamente com esquemas de corrupção no Brasil, uma alegação que os tradicionais estabelecimentos suíços sempre se negaram a confirmar. Os banqueiros pegaram entre 405 e 486 dias de prisão, além de multas que variam entre US$ 12 mil e US$ 59 mil.
Todos, porém, já cumpriram suas penas e, nem assim, o processo acabou no Brasil. Essa não é a primeira vez que a demora da Justiça brasileira ameaça derrubar todo um processo de investigação e bloqueio de recursos.
A família do deputado Paulo Maluf também teve contas bloqueadas, em 2001. Dez anos depois, por falta de julgamento, a Suíça ameaçou liberar os recursos. O Brasil conseguiu manter o dinheiro congelado, demonstrando que as investigações ainda estavam em curso.

domingo, 6 de outubro de 2013

Constituicao deve ser o que o povo quer? Sim, para Jose Levi do Amaral

Constituição deve se moldar à vontade do povo
Revista Consultor Jurídico, 6 de outubro de 2013
Na segunda edição desta coluna quinzenal publicada neste espaço da ConJur, Carlos Bastide Horbach criticou alguns mitos próprios ao Direito Constitucional, mormente ao Direito Constitucional brasileiro. Esta edição da coluna dedica-se a outro mito, que se soma àqueles examinados por Carlos Bastide Horbach: “The Constitution means what the Supreme Court says it means.”
Trata-se de famosa frase do Chief Justice Charles Evans Hughes. Tem sido traduzida, adaptada e repetida — de modo consciente e inconsciente quanto às suas implicações — pela doutrina e jurisprudência brasileiras: “A Constituição significa o que o Supremo Tribunal Federal diz que ela significa”, ou “A Constituição é o que o Supremo diz que ela é.”
Em uma primeira leitura, é possível que a afirmação impressione e pareça irretocável, sobretudo porque de há muito é tão disseminada quanto bem aceita a ideia de que na guarda da observância da Constituição, está o Poder Judiciário “acima dos demais Poderes, não havendo, pois, que falar-se, a esse respeito, em independência de Poderes”, como explicou, com precisão habitual, o ministro Moreira Alves no Mandado de Segurança 20.257/DF, julgado em 8 de outubro de 1980.
Por outro lado, da circunstância de o Supremo na maior parte das vezes efetivamente ter a última palavra sobre a constitucionalidade das leis, não decorre a desnecessidade de a Corte tomar em consideração a compreensão popular acerca da própria Constituição, muito antes pelo contrário.
Em um regime de governo verdadeiramente democrático, em que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente” (cf. parágrafo único do artigo 1o da Constituição brasileira de 1988), a frase do Chief Justice Hughes não faz o menor sentido.
A Constituição — insista-se, ao menos em um regime democrático — é obra do próprio povo ou de seus representantes para tanto eleitos, de modo a instituir e disciplinar o exercício do poder pelo povo (aqui também: diretamente ou por meio de representantes eleitos), inclusive no que se refere ao seu significado.
A importância do impulso popular rumo a práticas mais democráticas exerce papel essencial na evolução das instituições políticas, aí incluídas as altas cortes de Justiça.
A Constituição americana de 1787, por exemplo, com o passar do tempo, a bem da democracia, foi sendo paulatinamente aperfeiçoada em sua letra e, sobretudo, em sua prática. A propósito, Robert Dahl aponta o que considera sete elementos não democráticos contidos em seu texto original (DAHL,Robert. How democratic is the American Constitution?, 2a edição, New Haven: Yale University Press, 2003, p. 15-20):
1) escravidão: não proibia a escravidão, nem conferia poderes ao Congresso para fazê-lo;
2) sufrágio: não garantia o direito ao sufrágio, o que deixava a matéria para os estados. Assim, implicitamente, deixou em vigor a exclusão de metade da população: mulheres, afro-americanos e nativos;
3) eleição presidencial: a eleição do Presidente estava separada da maioria popular e do controle do Congresso, o que acabou descartado pela crescente tendência democrática do povo americano;
4) escolha dos senadores: originalmente os senadores eram escolhidos pelas assembleias dos estados, não pela população desses, o que perdurou até a XVII Emenda, de 1913;
5) igual representação no Senado: o mesmo número de senadores para cada estado, independentemente do número de habitantes desses, fornece um poder desproporcional a algumas minorias privilegiadas;
6) Poder Judiciário: a Constituição falhou no limitar os poderes da magistratura, que pode declarar inconstitucionais leis regularmente aprovadas pelo Congresso e sancionadas pelo Presidente; e
7) poderes do Congresso: o Governo federal não tinha poder para regular e controlar a economia.
O próprio Dahl registra que as gerações americanas subsequentes à fundação, com aspirações mais democráticas, desencadearam uma revolução democrática.
Vejam-se dois exemplos.
Primeiro: A escolha do presidente americano, não obstante ainda sujeita formalmente à eleição indireta por meio do colégio eleitoral, tornou-se, em sua prática, uma eleição direta. O colégio eleitoral foi pensado para evitar a partidarização das eleições presidenciais. No entanto, não só a eleição partidarizou-se desde muito cedo, como os 538 delegados que compõem o colégio eleitoral americano passaram a ser escolhidos precisamente com base no apoio dado a determinado candidato presidencial. Engendrou-se, com isso, um sistema atípico e ritualizado de colher os votos dos estados para a presidência. Porém, ainda embute o risco de um candidato com a maioria dos votos populares perder a presidência se não vier a obter a maioria no colégio eleitoral (risco que decorre da opção feita pela grande maioria dos estados de conferir todas as respectivas vagas no colégio eleitoral apenas ao partido mais votado, ou seja, sem repartição proporcional: “winner-take-all”). Aconteceu em 2000 (Bushv. Gore) e três vezes antes (op. cit., p. 30-31)
Segundo: A superação do horror da escravidão passou pela Guerra de Secessão (1860-1865), cujo resultado jurídico foi, justamente, emendar a Constituição americana de 1787 para dar ao Congresso poder de legislar sobre o assunto, abolindo a escravidão e integrando (inclusive com direitos políticos) o afro-americano na sociedade americana (no silêncio da Constituição, a competência era estadual, daí uma das razões do conflito entre estados). Isso foi feito por meio das três Emendas da Reconstrução ou Restauração americana (XIII, XIV e XV, ratificadas entre 1865 e 1870), devidas ao empenho do presidente Abraham Lincoln (e que lhe custaram a vida).
No entanto, a Suprema Corte dos Estados Unidos, em 1896, ao decidir o caso Plessy v. Ferguson, estabeleceu a doutrina segregacionista do “separate but equal”. A segregação apenas foi superada décadas após, no contexto do movimento pacifista que teve ponto culminante no célebre discurso de Martin Luther King Jr., proferido quando da marcha a Washington, em 28 de agosto de 1963. Alguns anos antes, em 1954, a Suprema Corte americana, ao decidir o caso Brown v. Board of Education, superou o entendimento firmado no caso Plessy v. Ferguson. Porém, ainda seria necessário o Civil Rights Act, de 1964 (a propósito: WALDRON, Jeremy, The core of the case against judicial review in The Yale Law Journal, n. 115, 2006, p. 1405). Assim como Lincoln, King também deu a própria vida pela causa. Justamente por isso, a revista Time, de 26 de agosto de 2013, alusiva aos cinquenta anos da marcha de Washington, dedica sua capa a King, elevando-o à emblemática condição de founding father: “Vivemos em um mundo que King ajudou a criar. Ainda não vivemos no mundo que ele nos ajudou a sonhar.” (One man in Time de 26 de agosto de 2013, p. 31).
São dois casos que mostram como as instituições políticas constantes do texto constitucional podem e devem se amoldar ao constitucionalismo democrático, aquele que vem do povo. Para tanto, concorrem não apenas a Suprema Corte e — mais que ela — os demais poderes, mas, também, sobretudo, a própria sociedade, o povo. Antes de um modelo especificamente americano, esse é um modelo respeitoso ao regime democrático.
É por isso que uma boa interpretação constitucional, por mais “nova” que seja (e sempre haverá uma “nova hermenêutica”), não pode estar apoiada em uma única técnica de interpretação. Cass Sunstein, em obra tão lúcida quanto importante, cujo título já é bastante expressivo no ponto — A Constitution of many minds — toma em consideração três aproximações da Constituição: i) a tradicionalista, ou seja, a consideração de práticas de longa data como produto de muitas mentes, pois a Constituição não é um texto “congelado”; ii) a popular, porque os juízes — em atitude de humildade — devem tomar em consideração a opinião pública; e iii) a cosmopolita, pois convém a uma Suprema Corte conhecer como tribunais análogos de outros países lidam com as mesmas questões constitucionais. Sunstein reconhece a intensa controvérsia sobre se a Suprema Corte americana deve prestar atenção à compreensão estrangeira sobre interpretação constitucional (SUNSTEIN, Cass. A Constitution of many minds: Why the founding document doens’t mean what it meant before, Princenton: Princenton University Press, 2009, p. 15). Talvez precisamente por isso, entre outros fatores, o “we the people” americano venha perdendo apelo junto ao “people around the world”, para usar interessante jogo de palavras constante do título de resenha de Adam Liptak acerca de pesquisa acadêmica relativa ao declínio da influência da Constituição americana sobre outros países (“We the People” loses appeal with people around the world in The New York Times de 6 de fevereiro de 2012).
Em sentido diametralmente oposto ao da frase do Chief Justice Hughes, vale citar conclusão de Larry Kramer (Constitucionalismo popular e controle de constitucionalidade, Madrid: Marcial Pons, 2011, p. 302): “(...) para controlar a Suprema Corte, necessitamos primeiro reclamar a Constituição para nós mesmos. Isso significa repudiar publicamente os juízes da Corte que dizem que eles, e não nós, possuem a máxima autoridade para dizer o que significa a Constituição.”
É por isso mesmo que está corretíssimo o ministro Luís Roberto Barroso quando, em 2 de setembro de 2013, ao reconhecer haver periculum in mora para deferir liminar nos autos do Mandado de Segurança 32.326/DF, também tomou em consideração “a indignação cívica”.
Quando, em uma democracia, a Constituição é retirada do povo, sonegada ao povo, como se ela não fosse dele (povo), só resta a nós, cidadãos destituídos da nossa Constituição, fazer análise (constitucional) para, talvez, convencermo-nos do impensável: a Constituição não é nossa, mas de alguns poucos em quem sequer votamos. O perigo é alguém acabar convencido da inexistência do parágrafo único do artigo 1o da Constituição ou de que dele não consta a fórmula “representantes eleitos”.
José Levi Mello do Amaral Júnior é professor de Direito Constitucional e doutor em Direito do Estado pela USP, e procurador da Fazenda Nacional.

Congo: o verdadeiro horror absoluto - Le Monde


Dans l'est du Congo, les viols comme armes de guerre

LE MONDE |  • Mis à jour le  |Par 

Des Congolais fuient les combats dans les faubourgs de Goma, le 15 juillet.


On viole en République démocratique du Congo (RDC). Des femmes, des petites filles et depuis peu des bébés. On viole collectivement, en public, pour démolir et pour terroriser. Pendant des jours, parfois pendant des mois, avant de tirer une balle dans les vagins ou de les lacérer à coups de lames de rasoir, de les remplir de sel, de caoutchouc brûlé ou de soude caustique, d'y déverser du fuel et d'y mettre le feu. "L'enfer se trouve dans le Kivu", résume une femme, le regard fixe, hanté par des images d'horreur qu'elle n'a encore osé décrire qu'à son "sauveur", le docteur Denis Mukwege, directeur de l'hôpital de Panzi, à Bukavu.

Dans le huis-clos de son bureau situé dans ce chef-lieu de la province du Sud-Kivu, à l'est de la RDC, ce médecin gynécologue recueille, depuis quatorze ans, les pires histoires qu'on puisse imaginer. La première fois, en 1999, devant une jeune femme dont l'appareil génital avait été déchiqueté par des balles tirées dans son vagin, il a cru qu'il s'agissait de l'œuvre d'un fou. Mais les femmes ainsi martyrisées ont afflué vers son hôpital, confrontant les soignants à des questions médicales jusque-là inédites.
Plus de 40 000 femmes violées ont été opérées à Panzi depuis lors, sur les 500 000 victimes répertoriées en RDC depuis 1996. "Rien à voir avec des agissements individuels, ou un fait culturel congolais ! affirme le médecin. Les viols sont planifiés, organisés, mis en scène. Ils correspondent à une stratégie visant à traumatiser les familles et détruire les communautés, provoquer l'exode des populations vers les villes et permettre à d'autres de s'approprier lesressources naturelles du pays. C'est une arme de guerre. Formidablement efficace."
UN DES PLUS GRANDS SPÉCIALISTES DES TRAITEMENTS DE TORTURES SEXUELLES
Devenu l'un des plus grands spécialistes des traitements de tortures sexuelles alors que sa vocation était d'aider à mettre au monde des enfants, le Dr Mukwege, 58 ans, a, pendant des années, pratiqué dix à douze opérations par jour, formé du personnel médical, décentralisé des unités de soin afin que les femmes puissent trouver secours près de chez elles.
Et puis, constatant la généralisation des viols, pratiqués par à peu près tous les groupes armés – rebelles hutu et combattants maï-maï, soldats rwandais, insurgés du M23 et forces congolaises – il a alerté les ONG, la Maison Blanche, le Conseil de l'Europe, les chancelleries. Il s'est exprimé à la tribune de l'ONU, a brandi des chiffres, des photos, des témoignages.
Rien de décisif n'a suivi, hormis quelques récompenses et dotations qui ont consolidé son hôpital. Hormis, aussi, cette tentative d'assassinat dont il a été l'objet à l'automne 2012, l'obligeant à fuir temporairement la RDC. Au désespoir des femmes du Sud-Kivu qui ont proposé de se relayer nuit et jour pour luifournir la protection que le gouvernement congolais n'a jamais assurée.

Des combats opposent les forces gouvernementales aux rebelles du M23 près de Goma, en République démocratique du Congo.

Il n'a pas tardé à revenir : "Impossible d'abandonner ces femmes à leurs souffrances." Et il est là, massif, charismatique, le regard triste, le sourire et les gestes pleins de douceur, arpentant les couloirs de l'hôpital dans lequel il vit désormais. Il est là, plus préoccupé que jamais devant la recrudescence des viols, et soucieux que ses visiteurs du jour – ce 8 juillet, Valérie Trierweiler, compagne de François Hollande, ambassadrice de la Fondation France Libertés et Yamina Benguigui, ministre déléguée à la Francophonie, qui l'avaient l'une et l'autre reçu à Paris – soient à leur tour ses relais auprès de la communauté internationale.
"Combien de femmes violées faudra-t-il pour qu'elle sorte de son inaction ? Combien d'enfants ? Jusqu'où l'horreur ?" Il y a moins de trois semaines, une petite fille de 18 mois lui a été apportée, l'appareil génital explosé. Neuf bébés sont arrivés dans le même état depuis janvier, 36 enfants de moins de 10 ans."Je n'avais pas encore vu ça", lâche-t-il.
 "JE VOUS EN SUPPLIE : NE NOUS LAISSEZ PAS TOMBER !"
Dans une petite salle de l'établissement, il fait venir l'une après l'autre trois femmes qui, lentement, douloureusement, avec l'aide d'une femme médecin, racontent aux deux visiteuses la tragédie de quatre générations.

Valérie Trierweiler et la ministre de la francophonie Yamina Benguigui entourent le docteur Mukwege, lors de la visite d'un centre de victimes de viols à Bukavu, le 8 juillet.

La première a une quinzaine d'années, marche à l'aide d'une béquille faite d'une branche d'arbre, et tient dans ses bras sa petite fille, issue d'un viol survenu trois ans plus tôt, enlevée il y a quelques semaines et retrouvée au petit matin, abandonnée dans le cimetière de son village, le sexe entièrement défoncé. "Le poing du docteur pouvait entrer dans l'enfant." Occasion pour le médecin d'évoquer les fistules, cette perforation de la membrane qui sépare le vagin de l'appareil urinaire ou digestif et provoque l'incontinence de nombreuses victimes, rejetées comme des pestiférées, contraintes de quitter familles et villages.
La deuxième victime a 30 ans, le regard vide. Elle a été violée par des milices hutues surgies de la forêt et vient d'apprendre qu'elle est atteinte du sida. La troisième a 60 ans et exprime sa révolte : "Mes vêtements cachent tant de choses dont j'ai honte de parler !" Avant de crier son désir de paix : "On n'a besoin ni d'argent ni de pitié, la terre du Congo est riche, je suis prête à latravailler à mains nues. Mais il nous faut la paix ! A chaque heure du jour ou de la nuit, nous pouvons être violées, quand on va prendre de l'eau, ramasser du bois, sur le chemin vers l'hôpital comme sur celui du retour, tout juste réparées par le docteur Mukwege. Nos enfants sont à jamais détraqués. Je vous en supplie : ne nous laissez pas tomber !"
En élevant le docteur Mukwege au rang d'officier de la Légion d'honneur, MmeBenguigui, arrivée avec 2 tonnes de médicaments et une dotation de 200 000 euros, a insisté sur l'engagement de la France à faire traduire en justice les coupables, ce que tentent déjà de faire des avocates, attachées à l'hôpital de Panzi. Espoir ténu mais réel.
Quant aux milliers de casques bleus de la Mission de l'Organisation des Nations unies pour la stabilisation en RDC (Monusco) à laquelle la récente résolution 2 080 de l'ONU donne de nouveaux pouvoirs d'intervention pour protéger les civils, ils restent, pour la population, synonymes d'inefficacité absolue. "'Tu es comme la Monusco' est devenue une expression insultante en Swahili, raconte une jeune médecin. Cela signifie : 'Tu n'es qu'un bon à rien !'"