terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Brincando com a História: What If?, aplicado ao Brasil - uma brincadeira de Paulo Roberto de Almeida

Viajando, mas não deixando de comprar livros...
Ao entrar num sebo em Charlottesville, Read It Again, Sam (214, East Main Street, at the Downtown Mall, Charlottesville, Virgínia), fui direto para a seção de História, como faço invariavelmente em qualquer livraria, junto com a seção de Economia (muitas vezes misturada com Business, ou Administration, ou pior, Personal Finance).
Ali encontrei um livro, ou melhor, dois, reunidos num só, que estava buscando há anos. Eu já conhecia o Virtual History, organizado por Niall Ferguson, mas não tinha ainda conseguido (não tinha ido buscar), os dois What If? organizados por Robert Cowley, que conhecia apenas de resenhas rápidas. Tive a sorte de encontrar os dois, reunidos num único volume, de mais de 800 páginas: The Collected What If?: Eminent Historians Imagine What Might Have Been (New York: Putnam, 2001; ISBN: 0-399-15238-5).
A maior parte do livro, como já esperado, refere-se a episódios militares que, como todo mundo sabe, costumam ser tão imponderáveis, por vezes, quanto um jogo de futebol.
O futebol, certamente, é o maior campo (ops) para what ifs que pode existir, no qual um time de terceira pode, eventualmente, ganhar de um de primeira. Numa guerra, um comandante incompetente, ou a ação de fatores naturais, imprevisíveis, pode alterar o resultado de uma batalha, e precipitar um outro resultado para o conflito.
Minha preferência está com episódios políticos, que são tão contingentes quanto os militares, e talvez até mais surpreendentes.
Dez anos atrás, ao ler o livro organizado por Niall Ferguson, eu também comecei a minha História Virtual do Brasil.
Para incitar-me a retomar a série, reproduzo aqui alguns episódios escritos sob a forma de síntese, esperando um desenvolvimento completo na primeira oportunidade.
Paulo Roberto de Almeida

História Virtual do Brasil
(What if...?)

Paulo Roberto de Almeida

Introdução: O que teria acontecido se…?
            Parece trivial, e sem maiores conseqüências práticas, fazer conjecturas em direção do passado, já que a linha contínua do tempo não nos permite operar qualquer mudança com a ajuda de alguma máquina do tempo imaginária. Especular é contudo possível em direção do passado, sendo em todo caso menos perigoso do que fazê-lo no presente e ainda menos arriscado do que “contra” o futuro.
Tendo já estabelecido uma lista de “momentos decisivos” da história do Brasil (ver em minha página: www.pralmeida.org, link: “Trabalhos Originais”), permito-me agora selecionar alguns desses “turning points” para realizar alguns exercícios de imaginação, que não são todavia completamente arbitrários ou puramente aleatórios. Uma das boas regras da história virtual, já explorada por historiadores fecundos como Niall Ferguson, é a de que o novo curso estabelecido deve ser “plausível” ou “possível”, isto é, seus desenvolvimentos poderiam estar inscritos na lógica histórica do momento imediatamente antecedente. Suas conseqüências, entretanto, podem levar a resultados totalmente aleatórios, ou divergentes do curso real da história, um pouco como na alegoria do bater de asas da borboleta sugerido pela teoria do caos.
O que teria acontecido com o Brasil – que talvez não fosse nem “Brasil” – se alguns dos eventos ou processos aqui sugeridos tivessem ocorrido? Vou traçar apenas as linhas gerais do que poderia ser uma “história alternativa”, sem pretender agora entrar em longos desenvolvimentos em torno do curso sugerido para cada um deles.
O “copyright” pelas idéias virtuais é meu, mas cada um deve se sentir livre para imaginar seus outros eventos e estabelecer cursos diferentes para os episódios selecionados.

1. Tordesilhas mais a leste, em 1494: uma América do Sul apenas espanhola?
            O que teria acontecido se em Tordesilhas (1494) o negociador português não tivesse conseguido afastar para oeste a linha divisória das terras descobertas em processo de incorporação aos impérios espanhol e português? O Brasil não teria sido brasileiro, obviamente, ou pelo menos poderia não ter “nascido” português, alguns anos mais à frente. Mas, a América do Sul teria permanecido uniformemente espanhola?; provavelmente não, pois esses imensos domínios teriam sido imediatamente contestados pelas demais monarquias européias (França e Inglaterra, sobretudo), como o foram em determinadas partes. Portugal, em todo caso, talvez tivesse ficado restrito a seus domínios africanos e asiáticos apenas, o que poderia ter mudado a face do mundo.
            Tordesilhas foi uma espécie de Ialta no nascimento dos tempos modernos, dividindo o mundo entre Portugal e Espanha, mas à diferença do acordo de Ialta do século 20, que consolidou uma divisão do mundo relativamente estável durante quase meio século, foi um acordo feito entre duas potências relativamente marginais no concerto europeu do Renascimento, não tão poderosas, em todo caso, quanto a França, a Inglaterra elizabetana (que cem anos depois colocaria a Espanha imperial em cheque) ou mesmo alguns reinos mediterrâneos. Assim, a pretensão ao monopólio do mundo não teria sido aceita pelos demais reinos cristãos, sobretudo se a Espanha (por alguma distração do negociador português em Tordesilhas) tivesse abocanhado todo o hemisfério americano.
            Do nosso ponto de vista, cabe apenas registrar que em 1494, a Espanha poderia, sim, ter ficado com todas as terras a 170 léguas de Cabo Verde (e não 360 como depois se fixou), e Portugal estaria assim restrito aos seus domínios africanos e asiáticos. Ainda neste caso, o Brasil poderia ter emergido como “brasil” (supostamente pela madeira vermelha de suas costas), mas ele teria sido espanhol 80 anos antes da incorporação de Portugal pela Espanha, e talvez nem tivesse permanecido sob dominação da coroa espanhola, nessa época excessivamente preocupada em saquear o ouro e a prata do México e dos Andes e pouco propensa a defender costas indevassadas, povoadas apenas por índios do neolítico, sem qualquer riqueza aparente. Os holandeses talvez tivessem se apossado antes de parte do território brasileiro, ou outros povos: franceses, ingleses. O Brasil em todo caso não seria português e Portugal teria um império africano e indiano.

2. O Brasil holandês do século 17: uma feliz tropicologia da ética protestante?
E se os holandeses não tivessem sido expulsos do Nordeste em 1654: a ética do protestantismo teria conseguido transformar a lógica da plantação escravocrata?; um Brasil menos brasileiro teria sido bem sucedido?: provavelmente não, e o Brasil estaria mais perto de uma Indonésia do que de uma pujante democracia mercantil.
Imaginemos, por um instante, que Calabar tivesse sido bem sucedido, que Guararapes tivesse representado uma derrota para os luso-brasileiros ou que, por artes da diplomacia (e da pressão militar), Portugal simplesmente tivesse concedido “vender” sua franja nordestina do Brasil à Companhia das Índias ou diretamente à república dos holandeses. Poderíamos ter tido um Nordeste menos “subdesenvolvido” do que atualmente, uma vibrante economia mercantil, marcada pelo “iluminismo” protestante e pela ética do trabalho desse capitalismo nascente do norte do Escalda?
Duvidoso que esse cenário bem sucedido ocorresse no sentido do progresso europeu protagonizado pelo primeiro país moderno da Europa, o protótipo do capitalismo “à face humana” e apenas incomodado pelo “desconforto da riqueza”. Provavelmente estaríamos mais perto da Indonésia (sem a diversidade multi-cultural) do que da metrópole holandesa. Não é certo que esse cenário puramente colonial se reproduzisse, uma vez que, à diferença da Indonésia, os holandeses teriam de toda forma de ocupar e preencher demograficamente o território brasileiro, escassamente povoado por índios pouco afeitos a uma economia mercantil.
Assim, a forte presença judia (e de “cristão-novos” de modo geral) talvez tivesse operado algum “milagre” de desenvolvimento econômico com forte inserção nos fluxos mundiais de transações de bens e serviços, inclusive capitais. Entretanto, a colônia holandesa do Brasil ainda assim teria conhecido a escravidão, o regime de plantações e alguns problemas de infra-estrutura que dificultariam sua inserção exitosa na economia mundial, de maneira autônoma, quero dizer. Os imponderáveis de um Brasil holandês não se limitam ao próprio território americano, uma vez que a Holanda talvez tivesse no Brasil uma grande base de abastecimento para enfrentar não apenas a Espanha dos Habsburgos, mas a própria Inglaterra do mercantilismo triunfante.
Ou seja, o Brasil continuaria como colônia por um certo tempo mais, mas o jogo de alianças seria outro, e o futuro estaria mais aberto do que sob o exclusivismo colonial português. Quanto ao seu desenvolvimento sócio-econômico, ele dependeria não apenas dos próprios holandeses, mas de uma eventual classe dominante local que poderia ou não estimular traços inovadores na estrutura básica (inclusive humana) desse Brasil nordestino. A ética protestante não seria em todo caso garantia de êxito absoluto…

 (...)
4. Vitória da Inconfidência: o Brasil brasileiro não teria sido prematuro?

            A indústria teria sido desenvolvida (sem decreto de proibição de teares)?; Os escravos teriam sido libertados?; Os jesuítas continuariam a prover ensino? O Brasil seria uma repetição dos EUA, ou seguiria a experiência dos caudilhos hispânicos?
            Não pretendo desenvolver todas as minhas hipóteses aqui, mas ouso apens sugerir que um processo de independência naquele momento, com estruturas sociais e políticas tão pouco desenvolvidas no Brasil, com ausência quase completa de uma população educada – já não digo alfabetizada, mas “ilustrada” tecnicamente em artes da manufatura e de ofícios simples – e de bases sociais para a democracia local, poderia ter resultado num Estado inoperante, claudicante e candidato ao fracasso administrativo e financeiro.
            Classes dominantes decididas também podem ser um requisito indispensável à emergência de uma nação autônoma, e talvez o Brasil não estivesse preparado, naquele momento, para a independência. Recorde-se apenas que a “inconfidência” se deu mais por exação fiscal do Estado português do que por vibrante movimento autonomista guiado por uma ideologia iluminista como pode ter ocorrido na América do Norte (que já tinha mandado seus “representantes” a Londres, na pessoa de Benjamin Franklin, por exemplo). Em lugar de uma nação autônoma trinta anos mais cedo, poderiamos ter tido um arquipélago de mini-estados separados pela geografia e pela economia. Ou seja, um mosaico de repúblicas mais ou menos caudilhescas, como ocorreu depois com a América espanhola.
  
5. Conseqüências da não abertura dos portos em 1808: um Brasil industrial?
Se, em 1808, não tivesse havido o decreto de abertura dos portos (que significou o fim do exclusivo colonial) e se, em 1810, não tivesse sido assinado o tratado de comércio de Portugal com a Inglaterra (que acarretou rigidez tarifária e abertura comercial), como poderia ter sido o desenvolvimento econômico e industrial do Brasil? Teríamos reproduzido o modelo americano como pretendem alguns historiadores?
Minha hipótese é a de que o atraso português – sem o desafio da presença hegemônica inglesa, entenda-se – teria sido simplesmente transplantado para o Brasil, que seria, sim, um bem sucedido exportador de café e de outros produtos tropicais, como ele o foi de fato, mas não necessariamente teria acompanhado o curso da primeira e da segunda revolução industrial (o que ele fez com enorme atraso). Ou seja, nada de muito diferente de alguns países mediterrâneos, que mantiveram o atraso social e econômico já bem entrado o século 20. Um capitalismo hamiltoniano teria muito poucas chances de se desenvolver no Brasil, em vista dos enormes diferenciais técnicos e de educação entre a Nova Inglaterra e o Brasil das plantações. Observe-se que nada impediria, nesse caso, o desenvolvimento de indústrias têxteis no Brasil, como sugerem alguns historiadores (se não tivesse havido tratado de 1810, por exemplo), mas elas seriam mais suscetíveis de serem operadas por escravos negros do que por trabalhadores brancos europeus.
Em outros termos, um capitalismo servil e escravocrata, sem qualquer democracia (ou apenas uma democracia restrita aos patrícios, como no sul dos EUA) e sem qualquer estímulo inovador para a geração de um processo endógeno de desenvolvimento econômico e social. Como diria Braudel, as estruturas sociais são lentas a serem transformadas, resistindo a muitos movimentos políticos superficiais, como aquele resultante de um Brasil português não dominado pelo mercantilismo britânico.

6. Um arquipélago de repúblicas luso-parlantes: a independência fragmentada?
            Episódios como o da Revolução Pernambucana de 1817, que representou o primeiro desafio à unidade nacional, o da própria Independência (em 1822, sem abolição da escravatura) com algumas lutas de retaguarda na Bahia e no norte, o excessivo centralismo da administração de Pedro I, que redundou no ato de abdicação (em 1831) e na experiência “republicana” das Regências, sem falar nas muitas revoltas regionais desse período, a começar pela Farroupilha no Sul (1835-45), o segundo grande desafio à unidade nacional, todos eles poderiam, combinados ou segundo um encadeamento que deixaria algum espaço ao acaso histórico, redundar no esfacelamento da unidade brasileira, surgindo em seu lugar uma miríade de estados portugueses mais ou menos caracterizados pela completa independência econômica.
            Um economia política da regionalização brasileira na passagem da vaga napoleônica na Europa (que deixou em crise quase terminal as duas monarquias ibéricas) seria suscetível de demonstrar essa fragmentação do Brasil em três ou quatro estados autônomos na conjuntura dos anos 1820 a 1840.

7. O fracasso da República e a decadência do Império: a monarquia no século 20?
            O Império certamente era frágil (o ataque de Solano Lopez o demonstrou em 1865), mas os republicanos eram ainda mais fracos e desorganizados. Imaginemos, por um momento, que a abolição da escravidão não tivesse sido feita em 1888 (e que ela ocorresse apenas dez anos depois, sem incorporação dos escravos à economia e à sociedade, como de fato ocorreu em qualquer circunstância), e que as crises militares desse período tivessem redundado num golpe falho, que produzisse rejeição do militarismo e do republicanismo e uma aversão completa à anarquia política prometida pelo federalismo exacerbado dos republicanos ideológicos.
            A monarquia teria então sobrevivido alguns anos mais, até a morte de D. Pedro (nessas circunstâncias em torno de 1896 ou 97), e que a sucessão tivesse sido realizada na pessoa da inepta e insegura Isabel, com seu marido francês e financiamento inglês. Os faustos da era vitoriana, em 1900, talvez pudessem ter sustentado o regime monárquico alguns anos mais, provavelmente ultrapassando o próprio monarquismo português (que veio a perecer quando o Brasil conheceu um novo surto de militarismo, com a eleição de Hermes da Fonseca) e dando-lhe uma aura de diferente, de estável (numa América Latina cada vez mais agitada por golpes e revoluções) e mesmo progressista (teriamos “conseguido” libertar os escravos em 1898, pouco antes de Cuba) e inagurado o século 20 com grandes promessas de constitucionalismo britânico. Rui Barbosa teria sido várias vezes presidente do Conselho de Ministros, Pinheiro Machado um bom tribuno monarquista e o Barão do Rio Branco faria um grande chanceler monarquista.
Os exageros do federalismo republicano teriam sido evitados e o Brasil talvez tivesse tido uma trajetória de responsabilidade fiscal e de solvabilidade externa que teriam evitado vários constrangimentos com os credores externos. O desenvolvimento industrial talvez tivesso sido menor, mas o Estado talvez pudesse até mesmo ter encontrado o seu reformista bismarckiano. Algum sucessor de Isabel poderia ter conduzido o Brasil monárquico até bem passada a Primeira Guerra Mundial, mas os apelos anarquistas e bolcheviques talvez tivessem provocado alguma tragédia à la russa.
(...)
9. O Brasil aposta errado em 1941: fica do lado dos derrotados e ocupados
            A viabilidade de um regime integralista-fascista moderado no Brasil, desde o início dos anos 1920 conduziu o Brasil a uma grande aliança com as potências nazi-fascistas da Europa e da Ásia na década seguinte. Ainda que situado fora do teatro de conflagrações militares européias e asiáticas, e mantendo boas relações com seus vizinhos sul-americanos (inclusive os fascistas mais radicais da Argentina, com a qual tinha sido criado uma união aduaneira com propensão a abarcar todo o cone sul, desde o final dos anos 1930), o Brasil faz as escolhas erradas no momento das ofensivas militares nazi-fascistas contra os EUA, a Rússia soviética e diversos outros alvos europeus. Mesmo declarando sua neutralidade no conflito europeu (e asiático), ele se habilita como um dos principais fornecedores de matérias primas estratégicas para as potências do Eixo, provocando a ira dos EUA.
            Uma recusa adicional de ceder bases no Nordeste para utilização das forças aerotransportadas americanas a caminho do norte da África, conduz à ocupação forçada de amplos trechos da costa nordestina por foças dos EUA. O governo de Washington oferece um armistício, sob ameaça de bombardeio aéreo e naval contra o Rio de Janeiro, o que o primeiro ministro Goes Monteiro (atuando num governo de coalizão entre partidos fascistas e republicanos brasileiros) se vê obrigado a aceitar. Tem início um longo processo de ocupação de bases “extra-territoriais” no Nordeste que só terminaria em 1952, com a assinatura de um acordo de “assistência” militar, ao mesmo tempo em que os EUA devolviam a soberania “formal” ao Japão e à Alemanha (mas ainda mantinham forças militares nesses países). O regime civil-militar do Brasil se converte paulatinamente em aderente de uma vertente menos autoritária do capitalismo de estado.

10. Exageros da “República sindical” levam o Brasl à democracia burguesa em 1964
            Sem ter participado da guerra e ausente de Bretton Woods e da conferência de San Francisco, em 1944 e 1945, o Brasil adere tardiamente às mais importantes organizações onusianas, permanecendo num casulo semi-corporatista e estatista, no plano interno, e sendo estreitamente vigiado pelos EUA no plano externo. Esse relativo isolamento das correntes mais dinâmicas do crescimento econômico mundial no pós-guerra, conduz a uma certa estagnação social e ao descontentamento da classe média, que se deixa seduzir pela idéias democráticas e liberais de Seleções do Reader’s Digest e pelas belas fotografias de Life, com a versão edulcorada do american way of life.
            Em todo caso, a revolta surda contra o “estado novo” tropical que vigorava desde meados dos anos 20, explode quando um lider republicano sindicalista, João Goulart, promete “mudar tudo” nas eleições de 1960, radicalizando ainda mais as promessas distributivistas feitas pelos líderes tenentistas dos anos 1920 mas nunca realmente cumpridas. Isso era demais para a classe média ameaçada em seu estilo de vida e seduzida pelo efeito demonstração produzido nos EUA, onde um jovem líder progressista, John Kennedy, também queria mudar tudo, mas no sentido de maior bem estar econômico e promessa de direitos civis para toda a população. Aliada a militares sensatos, líderes social-democratas afastam o presidente populista com um golpe de estado pacífico e instauram, pela primeira vez na história, uma democracia burguesa no Brasil. Imediatamente reconhecido pelos EUA, o novo governo, dirigido pelo jovem líder trabalhista (democrata) Franco Montoro, assina um acordo com o FMI para colocar a economia do Brasil em novas bases, abrindo o país ao capital estrangeiro, privatizando as estatais criadas nos anos 1930 e 40, e inserindo o Brasil na economia mundial, via redução tarifária e liberalização comercial.
É o começo da voga de regimes civis em toda a América Latina, que sai definitivamente do isolamento das ditaturas autárquicas e ingressa numa era de rápido crescimento econômico, igual ou superior ao do Japão e da Alemanha. Tendo feito reforma agrária e operado uma verdadeira revolução educacional, o Brasil galga postos altos na corrida tecnológica mundial, ganhando vários prêmios Nobel em pesquisa científica, sobretudo nas áreas biológica (e agrícola) e física (aplicada à eletrônica).
Paulo Roberto de Almeida
Washington, 1064: 21 de junho de 2003

Bem, agora preciso continuar...
Bom ano a todos, e muitas realizações virtuais...
Charlottesville, 31/1/2013

Relembrando alguns posts de 2013 (10): Por uma Fronda empresarial brasileira (com Paulo Fernando Pinheiro Machado)

2543. “Por uma Fronda Empresarial Brasileira”, Hartford, 8 Dezembro 2013, 2 p. Artigo em colaboração com o acadêmico e diplomata Paulo Fernando Pinheiro Machado (pinheiro.machado@icloud.com), animador do blog No Bico da Chaleira (http://nobicodachaleira.wordpress.com). Publicado no jornal O Estado de S. Paulo (18/12/2013; link: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,por-uma-fronda--empresarial-brasileira-,1109902,0.htm). Divulgado no blog Diplomatizzando (i18/12/2013; link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2013/12/por-uma-fronda-empresarial-paulo-f-p.html).

Por uma fronda empresarial brasileira

Paulo Fernando Pinheiro Machado
Paulo Roberto de Almeida

As grandes transformações, para melhor, na vida política e econômica dos países que lograram alcançar altos patamares de prosperidade material e de bem estar social sempre resultaram de revoltas das elites contra uma situação de opressão por parte de soberanos despóticos; eles exageraram na extração da riqueza criada pelas classes produtoras: agricultores, industriais e simples trabalhadores. Assim foi a revolta dos barões ingleses, da qual resultou a Magna Carta, limitando a criação de tributos sobre os súditos, o que foi confirmado pela Revolução Gloriosa de 1688; assim foi, também, com a revolução dos colonos da Nova Inglaterra contra os novos impostos criados pelo rei inglês. Episódios semelhantes ocorreram em diversas fase da vida política da França, quando as elites, ou o “Terceiro Estado”, resolveram enfrentar o rei numa “fronda aristocrática”, quando este pretendia arrancar parte da riqueza e do patrimônio de nobres e altos funcionários para financiar suas guerras; em situações mais agudas, o próprio povo tomou a frente dos levantes.
Todas essas revoltas convergiram para o estabelecimento de sistemas políticos responsáveis, criando aquilo que em inglês se chama accountability, a responsabilização dos dirigentes no tocante os recursos provenientes da comunidade. O poder do Estado é limitado pela representação popular, havendo prestação de contas das receitas obtidas a partir das riquezas criadas pelas classes produtoras. Este foi o caminho seguido – por meio de reformas pacíficas ou, eventualmente, em processos revolucionários, com algumas cabeças rolando junto – por todos aqueles países que, finalmente, se tornaram prósperos, com sistemas políticos estáveis e responsáveis ante a cidadania.
O que podemos dizer da situação das classes produtoras no Brasil atual? A vida de um empresário no Brasil hoje é uma verdadeira câmara de horrores. Primeiro ele tem de arcar com o que possivelmente seja a carga tributária mais alta do mundo. Somados todos os tributos que recaem sobre a pessoa jurídica, a carga é, em média, de 68% sobre o rendimento, contra, por exemplo, 52% na Suécia, modelo de Estado de bem-estar. Esses números não refletem toda a realidade. No Brasil, ao contrário da Suécia, o empresário – como a população, de modo geral – tem ainda de comprar, no mercado, todos os serviços que o Estado, por incompetência, não consegue lhe prover, como segurança, saúde, educação e transporte. Se essa cobrança duplicada for levada em conta, a carga tributária no Brasil atinge níveis criminais.
Além disso, o empresário opera em um ambiente regulatório francamente hostil. Apenas com a burocracia fiscal, o empresário brasileiro gasta 2.600 horas por ano, contra 175 horas nos países da OCDE e 380 na média da América Latina. Isso equivale a aproximadamente três meses e meio, 24 horas por dia. Ou seja, é impossível para o empresário lidar sozinho com isso, obrigando-o a ter contadores e advogados em tempo integral, apenas para lidar com o Fisco. Tente-se vislumbrar, então, o custo para cada um deles ao lidar com a burocracia estatal como um todo: na prática, incomensurável.
Não fosse apenas isso, o empresário brasileiro encontra-se alijado das cadeias internacionais de comercialização, com acesso restrito à tecnologia e capital humano, que são as chaves para a inovação. A decadência do ensino no Brasil está levando a um sucateamento do setor privado, que somente poderá ser revertido com investimento em educação e abertura ao exterior. Exatamente o oposto do caminho seguido pelo atual governo. País fechado é país condenado ao atraso absoluto e relativo nos circuitos cada vez mais integrados da produção global.
Todos os empresários, mesmo aqueles que circunstancialmente se beneficiam de favores, subsídios ou proteção dados pelo Estado, sabem que o Brasil está gradualmente condenado à perda de competitividade internacional; ele já foi levado a uma situação de isolamento das cadeias produtivas mundiais e está sendo arrastado para longe do grupo de economias mais dinâmicas da economia mundial, com políticas macroeconômicas e setoriais que o levam de volta ao passado, em lugar de apontar para o futuro. Como nos exemplos históricos precedentes, perspectivas de melhoria só se concretizarão quando as classes produtoras se unirem no objetivo comum de conter a voracidade do Estado e de lutar por um regime político e um sistema de organização econômica que beneficie realmente as classes produtoras, as únicas que criam as riquezas que vêm sendo dilapidadas pelo ogro famélico em que se converteu o Estado brasileiro.
Está na hora de o Brasil também ter a sua revolta dos “barões”, uma fronda empresarial que corrija os aspectos mais deletérios do atual modelo de desenvolvimento e crie um ambiente saudável para o crescimento econômico e a prosperidade de todos os cidadãos. Ninguém mais aceita ser um súdito espoliado por um Estado perdulário. Como sabem os próprios empresários, são eles mesmos que financiam o Estado e o atual sistema político, seja pela via direta dos impostos, seja pela via indireta, nem sempre transparente, das contribuições partidárias.
Que tal começar restringindo essa via àqueles comprometidos com a melhoria do ambiente de negócios? Que tal denegar aos estatizantes os recursos que eles buscam pela pressão pouco discreta ou até pela ameaça? Parafraseando uma velha frase, os empresários não têm nada a perder, a não ser seus grilhões.

Paulo Fernando Pinheiro Machado, sociólogo e diplomata, é autor do blog “No Bico da Chaleira” (nobicodachaleira.wordpress.com); Paulo Roberto de Almeida, professor e diplomata, é autor de vários livros de diplomacia econômica e de relações econômicas internacionais (www.pralmeida.org).

Relembrando alguns posts de 2013 (9): Mercosul aos 22 anos, um projeto no pantano...

2473. “O Mercosul aos 22 anos: algo a comemorar?”, Hartford, 24 Março 2013, 4 p. Artigo feito com base no trabalho 1564 (Brasília, 24 de março de 2006), para marcar a passagem de mais um aniversário do bloco. Postado no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2013/03/o-mercosul-aos-22-anos-algo-comemorar.html) e linkado no post sobre o livro do Mercosul 21 anos (http://diplomatizzando.blogspot.com/2013/04/mercosul-21-anos-livro-prefacio-de.html).

O Mercosul aos 22 anos: algo a comemorar?

Paulo Roberto de Almeida
Professor do Uniceub (Brasília) e diplomata.

O Mercosul – ou mercado comum do sul – registra, em março de 2013, o 22o. ano de sua existência formal, num clima que poderia ser caracterizado como de relativa indiferença, por parte de seus protagonistas principais, e de quase desconhecimento, da maior parte do público em geral. Aparentemente, ele já não desperta mais reações favoráveis ou desfavoráveis no seio da sociedade, tendo deixado de ser o centro das preocupações prioritárias dos responsáveis políticos, mesmo se os discursos oficiais continuam a proclamar seu papel estratégico nas relações regionais. Um ano após sua maioridade formal, o bloco não parece ter, efetivamente, motivos para comemorações, com a suspensão de um de seus membros originais – o Paraguai – e o ingresso em condições altamente controversas de um novo, a Venezuela. Cabe, no entanto, um pequeno resumo de sua trajetória e uma reflexão sobre o seu futuro.
O processo de integração começou sua trajetória institucional a partir de 1985, com os esquemas bilaterais entre a Argentina e o Brasil. Um tratado bilateral de integração, em 1988, prometia o estabelecimento de um mercado comum em dez anos, por meio de protocolos setoriais de integração, numa visão de complementaridade das duas economias. Em 1990, os presidentes Carlos Menem e Fernando Collor decidiram acelerar o processo, com posterior adesão do Paraguai e do Uruguai: o novo esquema de liberalização, consagrado no tratado de Assunção (de 26 de março de 1991), passou a ser automático, geral e de características fundamentalmente livre-cambistas. Os novos prazos de integração foram reduzidos pela metade e o “mercado comum” deveria ter sido alcançado até o início de 1995. Não é preciso dizer que tal não ocorreu.
A despeito de graves problemas de estabilização macroeconômica no Brasil e na Argentina, em meados daquela década, a liberalização comercial caminhou de forma mais ou menos rápida, abrindo espaço para o aumento do comércio intrarregional. Não obstante a expansão de comércio, dentro e fora do bloco, não foram criadas as condições estruturais para que os dois principais países – Brasil e Argentina – realizassem uma das premissas do tratado constitutivo, qual seja, a da abertura econômica continuada e a inserção de ambos na economia mundial. Ocorreu, contraditoriamente às expectativas dos primeiros anos, uma introversão do comércio, configurando aquela consequência nefasta dos processos de integração, que os economistas chamam de “desvio de comércio” (e de investimentos). Foi registrada uma espécie de “Brasil-dependência” na Argentina, uma vez que esta tinha no seu maior vizinho o destino para mais de um terço de suas exportações totais e um volume praticamente similar nas importações. O Brasil, embora menos dependente do comércio regional, também construiu para si uma espécie de “reserva de mercado ampliada”, o que pode ter arrefecido a busca de novos mercados.
O protocolo de Ouro Preto, assinado no final de 1994 para “completar” o tratado de Assunção, não criou instituições novas (com exceção de uma Comissão de Comércio que jamais conseguiu aprovar um código aduaneiro efetivo), nem estabeleceu mecanismos para facilitar a coordenação das políticas macroeconômicas dos países membros. Não obstante os avanços, não se chegou ao prometido “mercado comum” ou mesmo à união aduaneira completa, mantendo-se várias exceções à Tarifa Externa Comum. Muitos produtos continuaram fora da zona de livre-comércio, como açúcar e automóveis, por exemplo. Na verdade, depois da fase de transição, as orientações de política comerciais dos principais protagonistas jamais voltaram a se guiar pelas promessas de abertura e liberalização, caminhando no sentido contrário ao esperado.
Em 1996, Chile e Bolívia tornaram-se parceiros da “zona de livre-comércio”, mas a associação ao Mercosul dos demais parceiros do Grupo Andino teve de aguardar até os anos 2003-2005. A “ameaça” da Alca – projeto dos EUA para unificar numa mesma zona de livre-comércio todos os países do hemisfério – fez com que o Mercosul desenvolvesse uma estratégia comercial defensiva da qual ele jamais se separaria nos dez anos que se seguiram de processo negociador.
A desvalorização da moeda brasileira em 1999 representou um choque para a Argentina e o início de uma fase crítica para o Mercosul, que se prolongou até os nossos dias. A Argentina entrou em crise no final de 2001, o que coincidiu com o decréscimo nos fluxos de comércio: ela começou a recorrer, de modo frequente, a mecanismos de defesa comercial (salvaguardas unilaterais). A despeito da retomada do crescimento do comércio intrarregional a partir de 2003 permaneceram os desequilíbrios, motivando demandas de proteção por parte da União Industrial Argentina; o processo foi levado a extremos, com recurso a medidas claramente ilegais no âmbito do bloco e até mesmo do ponto de vista do sistema multilateral de comércio. Deve-se reconhecer que a atitude do governo brasileiro revelou-se estranhamente compreensiva com as infrações regulares às normas do bloco.
Em 2004 a Argentina começou a pressionar pela adoção de um instrumento de salvaguardas automáticas, eufemisticamente caracterizado como sendo um “mecanismo de adaptação competitiva”, que ela pretendia implementar de maneira unilateral. Antes, ela já tinha insistido num “gatilho cambial”, o que foi abandonado, em vista da persistente valorização da moeda brasileira a partir de 2003. No início de 2006, os dois países adotaram o projeto argentino para salvaguardas setoriais, recebido com reclamos por parte da indústria brasileira. No plano político, houve a criação de um fundo corretor de assimetrias estruturais – a ser utilizado sobretudo pelos dois sócios menores, mas com maior volume de financiamento por parte do Brasil – e a instituição de um “parlamento” do Mercosul, considerado um aperfeiçoamento institucional. Nem um, nem outro instrumento tocaram, de fato, nas pendências comerciais ou permitiram superar os obstáculos políticos à realização das metas inscritas do tratado de Assunção.
Assistiu-se, retoricamente, a demandas recorrentes pelo estabelecimento de “cadeias produtivas setoriais conjuntas”, iniciativas inviabilizadas na prática pela incapacidade dos governos de cada um dos países de prestar assistência financeira ou empreender investimentos em base a recursos públicos. Mas voltou-se a dar ênfase, naquele período, sobretudo sob impulso político do governo brasileiro, aos projetos de integração física continental, intenção consagrada na criação da “Comunidade Sul-Americana de Nações” (dezembro de 2004), depois convertida em União, pela ação do governo “socialista” da Venezuela.
A Venezuela, justamente, foi admitida “politicamente” no Mercosul, em dezembro de 2005, tendo os termos de sua incorporação comercial sido consagrados no protocolo de adesão de 2006; ela nunca chegou a completar, porém, os requerimentos estabelecidos neste e em outros instrumentos do Mercosul. Com a diluição da “ameaça” da Alca – inclusive a partir de sua virtual paralisação na terceira cúpula hemisférica, em Mar del Plata, no final de 2005, por atuação conjunta da Argentina, do Brasil e da Venezuela –, os países sul-americanos passaram a construir, com estratégias e objetivos muito diversos, uma nova agenda integracionista para a região, menos voltada para a liberalização comercial e mais orientada para a cooperação política e o estabelecimento de ligações físicas. Esse esforço redundou na Unasul e em diversos outros mecanismos (Calc, e depois Celac, ademais de um conselho de defesa), de importância mais retórica do que efetiva: para todos os efeitos práticos, a América Latina encontra-se fragmentada em diferentes esquemas de integração, indo do livre-comércio ampliado a um retorno do nacionalismo estatizante, o que também diluiu a importância do Mercosul na região.
Com a crescente importância econômica da Ásia Pacífico, alguns países da região – notadamente México, Colômbia, Peru e Chile – voltam-se para diferentes iniciativas voltadas para essa grande bacia oceânica, num cenário que também se caracteriza pela existência de acordos bilaterais de livre comércio entre esses países e os Estados Unidos. Os países do Mercosul parecem ter se conformado a um papel menor nesses grandes desenvolvimentos da economia regional e mundial.
Na verdade, o bloco atravessou sua maioridade formal enfrentando a maior crise de sua história. Em 2012, usando como pretexto o afastamento do presidente eleito do Paraguai numa crise política puramente interna, Argentina e Brasil suspenderam a participação do país nas reuniões do bloco e procederam à admissão irregular da Venezuela, num gesto altamente controverso, tanto no plano do direito internacional como no das regras próprias do bloco. Permanecem indefinidas as condições sob as quais a Venezuela poderá cumprir os requisitos formais de sua adesão ao bloco, processo não concluído nos quatro anos estabelecidos no protocolo de 2006, quando as condições econômicas no país bolivariano não se tinham deteriorado como na atualidade. De fato, não há muito o que comemorar neste início de segunda década do Mercosul: o bloco ainda não conseguiu retomar sua agenda de integração regional e de inserção na economia mundial.

Hartford, 24 de março de 2013

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