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quarta-feira, 19 de março de 2014

Terra entrevista Marcos Troyjo: 'Crimeia: "reintegracao e' evento mais importante no pos-URSS"'

Crimeia: "reintegração é evento mais importante no pós-URSS"
Mayara Moraes
Terra, 19 de Março de 2014

Em entrevista ao Terra, o cientista político e prof. da Universidade de Columbia, Marcos Troyjo, explica que, embora a anexação seja importante para a Rússia, a medida terá impactos econômicos e políticos para além do país de Vladimir Putin.
Marcos Troyjo é cientista político e professor do Ibmec-RJ e da Universidade Columbia em Nova York 

A Ucrânia está politicamente estilhaçada e financeiramente quebrada. Sem condição alguma de travar um conflito armado de grande fôlego.
A Otan também se mostra impotente, pois se vê num jogo de xadrez em que seu oponente conta com denso poderio nuclear. Dessa forma, não pode resolver a parada apenas com forças convencionais sem temer que o conflito escale até o nível nuclear.
Crises como a da Ucrânia exigem um tipo de diplomacia presencial que é muito cara.
Além do isolamento político, caso o impasse se prolongue, a Rússia experimentará deterioração de seu status como economia emergente.
A maioria da Crimeia é russa e compartilha dos sonhos grandiosos de integrar uma “Rússia Imperial”, uma “Grande Rússia”.

A Ucrânia tem vivido dias difíceis desde a queda do presidente Viktor Yanukovitch, em 22 de fevereiro. Revoltas populares eclodiram no país, e a população da península da Crimeia enxergou na crise a oportunidade de realizar o desejo histórico de se reintegrar à Rússia. A realização de um referendo popular que culminou com a aprovação da anexação, e com a sua oficialização pelo presidente russo Vladimir Putin, fez com que as potências do Ocidente se envolvessem na crise ucraniana. Desde então, condenações foram feitas e sanções aos envolvidos no referendo foram lançadas. Em entrevista ao Terra, o cientista político e professor da Universidade de Columbia, Marcos Troyjo, explica as causas e os desdobramentos da crise. Para Troyjo, a reintegração da península crimeana é o evento mais importante para a Rússia desde o fim da União Soviética, mas que essa ousadia pode custar caro a Putin e a seus aliados. Confira a íntegra da entrevista.

Terra - Quais seriam as consequências da anexação da Crimeia para a Rússia, para a Ucrânia e para o mundo como um todo? Essa anexação pode agravar ainda mais a crise na Ucrânia?
Troyjo - Acho que a Ucrânia hoje é assombrada pelo fantasma de um desmembramento maior do que apenas o da própria Crimeia. Fervem as antipatias históricas entre ucranianos do Oeste e russos, o que sem dúvida oferece farta matéria-prima para novos conflitos. Para o Ocidente há também um impacto grande.
A própria ONU (Organização das Nações Unidas) mostra-se de certa forma enfraquecida.  Dado o poder de veto da Rússia no Conselho de Segurança, a ONU está de mão atadas para adotar resoluções e tentar remediar a crise. Parece que estamos de volta à "Balança de Poder" que marcou a formação de alianças internacionais na Europa durante o século 19.
Para a União Europeia, a crise também representa um ônus, pois a maioria de seus países-membros encontra-se em meio a uma recuperação econômica ainda frágil. E apesar dessa vulnerabilidade, a EU é forçada a mostrar-se presente e interessada nos países do Leste.
A OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) também se mostra impotente, pois se vê num jogo de xadrez em que seu oponente conta com denso poderio nuclear. Dessa forma, não pode resolver a parada apenas com forças convencionais sem temer que o conflito escale até o nível nuclear.
Para os EUA também a crise representa mudança. Washington não conseguirá implementar política externa e de defesa mais “retraída”, como parecia ser a vontade do Governo Obama. Crises como a da Ucrânia exigem um tipo de diplomacia presencial que é muito cara. Não dá para resolver apenas com drones pilotados a milhares de quilômetros de distância.
E sobre a importância desses acontecimentos para a Rússia basta dizer o seguinte. Em termos geopolíticos, a eventual reintegração da Crimeia é o evento mais importante para o país no período pós-URSS.

Terra - As consequências não seriam ruins para a Rússia já que os EUA e os países da União Europeia ameaçam impor uma série de sanções ao país? A Rússia não ficaria ainda mais isolada?
Troyjo - Sem dúvida. A Rússia e seus aliados têm muito a perder. Além do isolamento político, caso o impasse se prolongue, a Rússia experimentará deterioração de seu status como economia emergente.
O “Custo Rússia” refletirá uma imensa combinação de desconfiança e risco político. O volume de IEDs (investimentos estrangeiros diretos), de que a Rússia tanto depende, certamente cairá. O impacto disso sobre a bolsa de valores russa será marcante. Ademais, a Rússia “desconvidará” à formação de novas alianças, especialmente com potências ocidentais. Os que desejarem caminhar de mãos dadas com a Rússia sofrerão os efeitos colaterais da lógica do "diga-me com quem andas e te direi quem és".

Terra - Por que a Crimeia tem sido tão disputada há tanto tempo, não apenas por Rússia e Ucrânia, como por vários outros povos ao longo da história?
Troyjo - Há sobretudo uma importância geopolítica. Pode parecer coincidência, mas em 1904, há exatos 110 anos, o geógrafo britânico H.J. Mackinder, apresentava àRoyal Geographical Society em Londres um artigo acadêmico intitulado "O Pivô Geográfico da História". Mackinder, que muitos consideram o pai da Geoestratégia, conceituava naquele texto a gigantesca massa de continentes formada por Europa, Ásia e África como sendo a "Ilha-Mundo", cujo "Heartland" (literalmente “coração da terra”) tem epicentro na Europa Oriental.

Mais tarde, Mackinder teve de resumir sua teoria numa lógica bastante assustadora, pois ela foi utilizada tanto na Primeira quanto na Segunda Guerra Mundial. Mackinder salientava que "quem domina a Europa Oriental comanda o Heartland; quem domina o Heartland comanda a Ilha-Mundo; quem domina a Ilha-Mundo controla o mundo".
Para a Rússia o acesso naval às águas quentes do Mar Negro é essencial a sua ideia de segurança nacional e projeção de poder
Marcos Troyjo
cientista político e prof. Universidade de Columbia, NY

Além disso, para a Rússia o acesso naval às águas quentes do Mar Negro é essencial a sua ideia de segurança nacional e projeção de poder. Isso faz do litoral da Crimeia peça-chave na geoestratégia formulada no Kremlin.

Terra - A Crimeia foi ‘dada de presente’ à Soviética  República Socialista  Ucrânia pela República Socialista Federada Soviética da Rússia, em comemoração aos 300  anos de amizade entre a Rússia e a Ucrânia. Com o colapso da União Soviética, a Crimeia tornou-se parte da Ucrânia, mas a população de maioria russa ficou bem ressentida com a mudança.  Podemos dizer que a insatisfação da população russa que vive na Crimeia é histórica?

Troyjo - Sem dúvida. Quando Nikita Kruschev “cedeu” a Crimeia à Ucrânia, destancando-a da Rússia, imaginava estar contribuindo com um pilar de comunhão entre as duas mais importantes repúblicas soviéticas. Aliás, por curiosidade, Kruschev nasceu na cidade russa de Kalinovka, praticamente na fronteira entre Rússia e Ucrânia.

Para compreender essa questão das afinidades étnicas naquela região, vale ressaltar que os eslavos gostam de definir sua “nacionalidade” menos em termos do lugar onde nasceram e mais em função do sangue de seus pais. É por isso que, após o Referendo de domingo passado, a maioria russa da Crimeia disse que “estava voltando para casa”.

Terra - Se essa insatisfação é histórica, por que a ideia da realização de um referendo aprovando a anexação da região à Rússia aconteceu apenas agora?
Os russos se aproveitaram da confusão política em Kiev e do vácuo de poder na Ucrânia para fazer valer uma antiga vontade geopolítica
Marcos Troyjo
cientista político e prof. Universidade de Columbia, NY

Troyjo - Porque os russos se aproveitaram da confusão política em Kiev e do vácuo de poder na Ucrânia para fazer valer uma antiga vontade geopolítica. A situação lembra um famoso ditado chinês: “onde há confusão, há lucro”.
Terra - Além da Crimeia, outras cidades e regiões da Ucrânia, como Carcóvia e Sebastopol  estão igualmente interessadas em se separar da Ucrânia. Por que há tanto interesse em deixar de fazer parte da Ucrânia e o que elas têm a ganhar se anexando à Rússia?

Troyjo - A maioria da Crimeia é russa e compartilha dos sonhos grandiosos de integrar uma “Rússia Imperial”, uma “Grande Rússia”. Esse sentimento é percebido em todas as localidades do leste da Ucrânia em que há presença étnica russa significativa.
Além disso, apesar de todas as dificuldades econômicas que os russos enfrentam, hoje o PIB (Produto Interno Bruto) per capita da Rússia é quase três vezes maior que o da Ucrânia. É realmente uma lástima, pois a Ucrânia como um todo prefigura uma das maiores potências agrícolas do mundo – tem muitos fatores positivos para tornar-se um país mais próspero e harmonioso.

Terra - Podemos dizer que a  diversidade étnica na Crimeia torna o conflito mais explosivo? Vimos que o povo tártaro boicotou a votação.
Troyjo - Creio que não. Comparada com outros conflitos étnicos recentes, como o horror que predominou na ex-Iugoslávia nos anos 1990, a violência na Crimeia tem sido pequena.
O problema maior é o embate entre os interesses nacionais da Rússia e da Ucrânia. Além disso, dada sua posição geográfica e dependência econômica externa, a Ucrânia acaba sofrendo os efeitos perversos do cabo-de-guerra entre Rússia e Ocidente.
Isso se manifestou claramente na tentativa de atração da Ucrânia ao polo gravitacional da União Europeia como também na possibilidade da Ucrânia vir a integrar a OTAN, ambas as hipóteses fortemente rechaçadas por Moscou.

Terra - Há um risco real de confronto militar entre Ucrânia e Rússia? Em caso afirmativo, quais  seriam as consequências desse confronto militar (sabemos que a Ucrânia está em muita desvantagem em relação à Rússia)?
Troyjo - Acho a probabilidade pequena. O novo governo na Ucrânia vai tentar consolidar-se na porção ocidental do país com a ajuda política e financeira da comunidade internacional. A Ucrânia está politicamente estilhaçada e financeiramente quebrada. Sem condição alguma de travar um conflito armado de grande fôlego. Não creio que veremos a reedição de um confronto como o que opôs Rússia e Geórgia em 2008.

Terra - Você acredita que algum país interviria militarmente no conflito?
Troyjo - É pouco provável. Os laços econômicos entre Rússia e Europa são muito fortes e o risco potencial de um engajamento militar do Ocidente na Ucrânia é insuportavelmente alto.
Terra 

A frase do dia, e sua contestacao: SG da OTAN, sobre a Russia na Crimeia

Nato Secretary General Anders Fogh Rasmussen has called the crisis in Crimea
"the gravest threat to European security and stability since the end of the Cold War".
Não, não é. 
Pode até ser um grave atentado à unidade territorial da Ucrânia e à sua soberania, mas a invasão russa de um território apenas formalmente ucraniano não muda absolutamente nada na segurança europeia, que continua garantida pela OTAN.
O que muda é para a Rússia, que terá menos acesso a tecnologias ocidentais, a investimentos e a mercados para os seus produtos. Ela terá sua segurança e sua estabilidade abaladas.
Foi até bom que acontecesse, pois permite chutar porta afora a Rússia do G8, um grupo para o qual ela não deveria ter sido convidada e no qual ela sempre se sentiu como um estranho no ninho, não tendo nada a ver com as outras democracias de mercado avançadas.
Agora, ela pode se dedicar inteiramente a um grupo onde se sente mais confortável e à vontade, ou seja, o Brics.
Teremos, finalmente, um czar visitando Fortaleza?
Duvido...
Paulo Roberto de Almeida 

Brasil: troca-se de ministros como se troca de (you name it...); cientistas nao gostam

Demissão de Raupp provoca mal-estar entre pesquisadores
Jornal da Ciência, 19/03/2014

Ex-diretor do Inpe foi substituído pelo reitor da Universidade de Minas Gerais, Clelio Diniz, em reforma feita por Dilma


A saída de Marco Antonio Raupp do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação na última segunda-feira, por determinação da presidente Dilma Rousseff (PT), recebeu críticas da comunidade científica em todo o país. Raupp era ministro desde janeiro de 2012 e vinha fazendo um trabalho elogiado por cientistas, empresários e entidades de classe do setor.

Ele foi demitido junto com outros cinco ministros, num pacotão anunciado por Dilma na última sexta-feira. Assumiu o lugar dele o reitor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), Clelio Campolina Diniz. Antes de comandar o Ministério da Ciência e Tecnologia, Raupp havia sido diretor do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e do Parque Tecnológico de São José dos Campos.

Críticas. Uma das reações mais contundentes contra a saída de Raupp veio da presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), Helena Nader. Em artigo publicado no jornal Folha de São Paulo ontem e postado no site da entidade, Helena faz duras críticas à mudança.

"O que nos assusta é a mínima falta de consideração com a continuidade de um trabalho tão complexo como são os programas governamentais de ciência, tecnologia e inovação", assinalou a cientista.

"Até se acomodarem a uma nova gestão, já terão consumido boa parte dos apenas nove meses que restam da atual administração federal."

Para Helena, não havia motivo para tirar Raupp do comando do Ministério, o que pode atrapalhar projetos em andamento no setor.

"Raupp assumiu a pasta com apoio integral da comunidade científica brasileira que nele reconheceu um legítimo representante, capaz de elevar e certamente lutar pelo tratamento da ciência e tecnologia como uma das políticas de Estado prioritárias na esfera pública nacional".

E concluiu: "Foi o que fez ao longo de sua gestão no ministério, sempre ouvindo e interagindo com as mais diversas sociedades, organizações, instituições e empresas que integram o cenário da ciência, tecnologia e inovação no Brasil".

Raupp não foi localizado ontem para comentar o assunto.

Para o Sindicato dos Servidores Públicos de Ciência e Tecnologia, a troca obedece a critérios políticos, e não técnicos, o que é questionável.

(Xandu Alves / O Vale)

Brasil: fantasias fiscais e maquiagens nas contas publicas (especialidades deles...) - Editorial Estadao

Os furos da meta fiscal

19 de março de 2014 | 2h 08

Editorial O Estado de S.Paulo
Político experiente, já tendo presidido o Senado Federal, do qual ainda é membro, o ministro da Previdência Social, Garibaldi Alves Filho, sabe que pouco teria a ganhar em caso de divergências ou atritos com sua chefe, a presidente Dilma Rousseff. Assim que percebeu o alcance da entrevista que o ministro concedera ao jornal Valor (17/3) - na qual ele considerou "completamente irreal" o déficit de R$ 40,1 bilhões para a Previdência incluído nos novos parâmetros da política fiscal anunciados pelo governo há poucas semanas -, a presidente exigiu dele uma retratação. O ministro tratou então de divulgar uma nota na qual, com grande habilidade, manteve o dito por dito.
Embora por razões políticas e funcionais o ministro tenha até admitido na nota que o déficit previdenciário em 2014 pode ficar no nível previsto pelo governo - o que será essencial para que, como prometeu o ministro da Fazenda, Guido Mantega, o superávit primário alcance 1,9% do PIB neste ano -, dados recentes e o histórico da evolução das contas da Previdência indicam que o rombo deve ficar em torno de R$ 50 bilhões, como, aliás, o próprio Garibaldi previu de maneira fundamentada na entrevista citada.
Isso quer dizer que pelo menos 12% da meta de superávit primário de sua responsabilidade, de R$ 80,8 bilhões, prometido pelo governo em 20 de fevereiro, é frágil (a meta de superávit primário total do setor público é de R$ 99 bilhões). Isso significa também que o corte de gastos de R$ 44 bilhões anunciado na ocasião será insuficiente para se alcançar a meta, que começa a se transformar em fantasia contábil.
Em 2013, o déficit da Previdência alcançou R$ 49,9 bilhões, ou 1,04% do PIB. Mesmo sem prever nenhuma grande modificação nas regras dos benefícios que justificasse uma substancial redução de despesas ou um extraordinário aumento de receitas, o governo projetou uma redução nominal de 19,9% no déficit em 2014, que passaria a 0,77% do PIB. Se isso ocorrer, representará uma notável mudança na tendência do déficit previdenciário, que vem crescendo em valor e como porcentagem do PIB.
Isso vem ocorrendo porque reformas essenciais, que envolvem temas como fator previdenciário, tempo de contribuição e idade mínima para aposentadoria, entre outros, vêm sendo adiadas e, como admitiu o ministro em entrevista ao jornal Brasil Econômico (17/3), não serão examinadas neste ano, por causa das eleições. Na melhor das hipóteses, a discussão começará no ano que vem.
A principal reforma feita pelo governo nos últimos anos, a criação do Fundo de Previdência dos Servidores Públicos Federais (Funpresp), estabelece condições iguais para a aposentadoria dos empregados do setor privado e dos novos funcionários públicos e constitui um grande passo para a redução do déficit da previdência do setor público, mas seus efeitos positivos sobre as finanças do governo só surgirão no médio prazo.
Problemas específicos têm pressionado o déficit da Previdência, como a regra para a concessão de pensões por morte. Se o contribuinte tiver recolhido apenas uma contribuição mensal antes da morte, seus dependentes têm direito à pensão igual à que recebem os dependentes de contribuintes que recolheram regularmente durante toda sua vida ativa. De acordo com o ministro, o Brasil é o país que proporcionalmente mais gasta com pensões em todo o mundo (3,2% do PIB).
Outros problemas apontados pelo ministro são os gastos excessivos com aposentadoria por invalidez (18% do total dos aposentados no Brasil, contra uma média de 10% na União Europeia). Também os pagamentos de auxílio-doença são considerados problemáticos pelo governo, pois eles aumentaram 26,6% entre 2012 e 2013.
Uma das medidas que o governo pretende utilizar para reduzir esses gastos é a ampliação dos programas de reabilitação e de requalificação profissional, que reduziriam o tempo em que os segurados recebem o benefício. Mas ainda não há estrutura para assegurar esses cursos a um número elevado de segurados.
Com tantas pressões sobre as despesas, é no mínimo estranho que o governo tenha previsto a redução tão acentuada do déficit da Previdência Social em 2014.

Petrobras: nunca antes, em sua historia, uma corrupcao tao escabrosa...

Pois é: quando os companheiros fazem negócios escusos, sempre é um caso de nunca antes...
Paulo Roberto de Almeida 
É do balacobaco. Já contei a história aqui em detalhes. Só que o que o vem a público agora, em reportagem do Estadão, é ainda mais grave. A síntese é a seguinte: em 2005, a empresa belga Astra Oil comprou uma refinaria chamada Pasadena Refining System por US$ 42,5 milhões. Em 2006, vendeu 50% da refinaria à Petrobras por US$ 360 milhões. Para tornar a usina operacional, era necessário investir mais US$ 1,5 bilhão, conta que seria dividida entre a Petrobras e a Astra. O contrato previa que, se os sócios se desentendessem, a gigante brasileira seria obrigada a comprar a outra metade. Eles se desentenderam, e os belgas resolveram executar o contrato: pediram US$ 700 milhões por sua parte. A Petrobras não quis pagar, os belgas foram à Justiça e os brasileiros tiveram de ficar com a outra metade da sucata por US$ 839 milhões. Soma total do prejuízo: US$ 1,204 bilhão. A refinaria está parada, dando um custo milionário, todo mês, de manutenção.
Pois é… Até esta quarta, pensava-se que Dilma, que era ministra da Casa Civil e presidente do Conselho de Administração da Petrobras, não soubesse de nada à época. Prosperou a versão de que a negociação havia sido feita sem a sua anuência. Errado! Ela não só sabia como votou a favor da compra. Agora diz que ignorava a obrigação da Petrobras de ficar com a outra metade da empresa. Com a devida vênia, trata-se de uma cascata. E QUE SE NOTE: QUANDO A PETROBRAS COMPROU POR R$ 360 MILHÕES METADE DE UMA EMPRESA PELA QUAL OS BELGAS HAVIAM PAGADO R$ 45 MILHÕES — E DILMA CONCORDOU! —, JÁ SE TRATAVA DE UM ESCÂNDALO. AFINAL, SÓ NESSA OPERAÇÃO, SEM QUE SE REFINASSE UM BARRIL DE PETRÓLEO, OS BELGAS OBTIVERAM UM LUCRO DE 1.500% EM MENOS DE UM ANO.
Mais: o homem que negociou com a Petrobras em nome dos belgas é Alberto Feilhaber, um brasileiro que já havia trabalhado na… Petrobras por 20 anos e que se transferira para o escritório da Astra, no EUA. Quem preparou o papelório para o negócio foi Nestor Cerveró, à frente da área internacional da empresa brasileira.
Essa compra escandalosa é hoje investigada pela Polícia Federal, pelo Ministério Público Federal, pelo Tribunal de Contas da União e, em breve, por uma comissão do Congresso.
Imaginava-se, até esta quarta, que tudo era mesmo culpa de José Sérgio Gabrielli, ex-presidente da empresa, de quem Dilma nunca gostou muito. Agora, a gente descobre que a soberana sempre soube de tudo, não é mesmo? Parece que Gabrielli cansou de levar a culpa sozinho. Abaixo, uma síntese do escândalo, que tem, sim, as digitais de Dilma. Pois é… Lembro do candidato Lula, em 2002 e em 2006 e da candidata Dilma, em 2010, acusando os tucanos de querer privatizar a Petrobras, o que nunca aconteceu. Eles não privatizaram. Prefeririam quebras e empresa. A Soberana assumiu o mandato com a ação da empresa valendo R$ 29. Está sendo negociada agora a R$ 12,60.
*
1: Em janeiro de 2005, a empresa belga Astra Oil comprou uma refinaria americana chamada Pasadena Refining System Inc. por irrisórios US$ 42,5 milhões. Por que tão barata? Porque era considerada ultrapassada e pequena para os padrões americanos.

2: ATENÇÃO PARA A MÁGICA – No ano seguinte, com aquele mico na mão, os belgas encontraram pela frente a generosidade brasileira e venderam 50% das ações para a Petrobras. Sabem por quanto? Por US$ 360 milhões! Vocês entenderam direitinho: aquilo que os belgas haviam comprado por US$ 22,5 milhões (a metade da refinaria velha) foi repassado aos “brasileiros bonzinhos” por US$ 360 milhões: 1.500% de valorização em um aninho. A Astra sabia que não é todo dia que se encontram brasileiros tão generosos pela frente e comemorou: “Foi um triunfo financeiro acima de qualquer expectativa razoável.”
3: Um dado importante: o homem dos belgas que negociou com a Petrobras é Alberto Feilhaber, um brasileiro. Que bom! Mais do que isso: ele havia sido funcionário da Petrobras por 20 anos e se transferiu para o escritório da Astra nos EUA. Quem preparou o papelório para o negócio foi Nestor Cerveró, à frente da área internacional da Petrobras. Veja viu a documentação. Fica evidente o objetivo de privilegiar os belgas em detrimento dos interesses brasileiros. Cerveró é agora diretor financeiro da BR Distribuidora.
4: A Pasadena Refining System Inc., cuja metade a Petrobras comprou dos belgas a preço de ouro, vejam vocês!, não tinha capacidade para refinar o petróleo brasileiro, considerado pesado. Para tanto, seria preciso um investimento de mais US$ 1,5 bilhão! Belgas e brasileiros dividiriam a conta, a menos que…
5: A menos que se desentendessem! Nesse caso, a Petrobras se comprometia a comprar a metade dos belgas — aos quais havia prometido uma remuneração de 6,9% ao ano, mesmo em um cenário de prejuízo!!!
6: E não é que o desentendimento aconteceu??? Sem acordo, os belgas decidiram executar o contrato e pediram pela sua parte, prestem atenção, outros US$ 700 milhões. Ulalá! Isso foi em 2008. Lembrem-se de que a estrovenga inteira lhes havia custado apenas US$ 45 milhões! Já haviam passado metade do mico adiante por US$ 360 milhões e pediam mais US$ 700 milhões pela outra. Não é todo dia que aparecem ou otários ou malandros, certo?
7: É aí que entra a então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, então presidente do Conselho de Administração da Petrobras. Ela acusou o absurdo da operação e deu uma esculhambada em Gabrielli numa reunião. DEPOIS NUNCA MAIS TOCOU NO ASSUNTO.
8: A Petrobras se negou a pagar, e os belgas foram à Justiça americana, que leva a sério a máxima do “pacta sunt servanda”. Execute-se o contrato. A Petrobras teve de pagar, sim, em junho deste ano, não mais US$ 700 milhões, mas US$ 839 milhões!!!
9: Depois de tomar na cabeça, a Petrobras decidiu se livrar de uma refinaria velha, que, ademais, não serve para processar o petróleo brasileiro. Foi ao mercado. Recebeu uma única proposta, da multinacional americana Valero. O grupo topa pagar pela sucata toda US$ 180 milhões.
10: Isto mesmo: a Petrobras comprou metade da Pasadena em 2006 por US$ 365 milhões; foi obrigada pela Justiça a ficar com a outra metade por US$ 839 milhões e, agora, se quiser se livrar do prejuízo operacional continuado, terá de se contentar com US$ 180 milhões. Trata-se de um dos milagres da gestão Gabrielli: como transformar US$ 1,204 bilhão em US$ 180 milhões; como reduzir um investimento à sua (quase) sétima parte.
11: Graça Foster, a atual presidente, não sabe o que fazer. Se realizar o negócio, e só tem uma proposta, terá de incorporar um espeto de mais de US$ 1 bilhão.
12: Diz o procurador do TCU Marinus Marsico: “Tudo indica que a Petrobras fez concessões atípicas à Astra. Isso aconteceu em pleno ano eleitoral”.

Petrobras: companheiros incompetentes, ou estupidos (ou outras coisas) aprovaram a mais corrupta transacao da empresa



Refinaria de Pasadena, pela qual Brasil pagou US$ 1,18 bilhão
Agência Petrobrás
Andreza Matais e Fábio Fabrini - O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA - Documentos até agora inéditos revelam que a presidente Dilma Rousseff votou em 2006 favoravelmente à compra de 50% da polêmica refinaria de Pasadena, no Texas (EUA). A petista era ministra da Casa Civil e comandava o Conselho de Administração da Petrobrás. Ontem, ao justificar a decisão aoEstado, ela disse que só apoiou a medida porque recebeu "informações incompletas" de um parecer "técnica e juridicamente falho". Foi sua primeira manifestação pública sobre o tema.
A aquisição da refinaria é investigada por Polícia Federal, Tribunal de Contas da União, Ministério Público e Congresso por suspeita de superfaturamento e evasão de divisas.
O conselho da Petrobrás autorizou, com apoio de Dilma, a compra de 50% da refinaria por US$ 360 milhões. Posteriormente, por causa de cláusulas do contrato, a estatal foi obrigada a ficar com 100% da unidade, antes compartilhada com uma empresa belga. Acabou desembolsando US$ 1,18 bilhão - cerca R$ 2,76 bilhões.
A presidente diz que o material que embasou sua decisão em 2006 não trazia justamente a cláusula que obrigaria a Petrobrás a ficar com toda a refinaria. Trata-se da cláusula Put Option, que manda uma das partes da sociedade a comprar a outra em caso de desacordo entre os sócios. A Petrobrás se desentendeu sobre investimentos com a belga Astra Oil, sua sócia. Por isso, acabou ficando com toda a refinaria.
Dilma disse ainda, por meio da nota, que também não teve acesso à cláusula Marlim, que garantia à sócia da Petrobrás um lucro de 6,9% ao ano mesmo que as condições de mercado fossem adversas. Essas cláusulas "seguramente não seriam aprovadas pelo conselho" se fossem conhecidas, informou a nota da Presidência.
Ainda segundo a nota oficial, após tomar conhecimento das cláusulas, em 2008, o conselho passou a questionar o grupo Astra Oil para apurar prejuízos e responsabilidades. Mas a Petrobrás perdeu o litígio em 2012 e foi obrigada a cumprir o contrato - o caso foi revelado naquele ano pelo Broadcast, serviço em tempo real da Agência Estado.
Reunião. A ata da reunião do Conselho de Administração da Petrobrás de número 1.268, datada de 3 de fevereiro de 2006, mostra a posição unânime do conselho favorável à compra dos primeiros 50% da refinaria, mesmo já havendo, à época, questionamentos sobre a planta, considerada obsoleta.
Os então ministros Antonio Palocci (Fazenda), atual consultor de empresas, e Jaques Wagner (Relações Institucionais), hoje governador da Bahia pelo PT, integravam o Conselho de Administração da Petrobrás. Eles seguiram Dilma dando voto favorável. A posição deles sobre o negócio também era desconhecida até hoje. Sérgio Gabrielli, presidente da Petrobrás na época, é secretário de Planejamento de Jaques Wagner na Bahia. Ele ainda defende a compra da refinaria nos EUA.
O "resumo executivo" sobre o negócio Pasadena foi elaborado em 2006 pela diretoria internacional da Petrobrás, comandada por Nestor Cerveró, que defendia a compra da refinaria como medida para expandir a capacidade de refino no exterior e melhorar a qualidade dos derivados de petróleo brasileiros. Indicado para o cargo pelo ex-ministro José Dirceu, na época já apeado do governo federal por causa do mensalão, Cerveró é hoje diretor financeiro de serviços da BR-Distribuidora.
Desde 2006 não houve nenhum investimento da estatal na refinaria de Pasadena para expansão da capacidade de refino ou qualquer tipo de adaptação para o aumento da conversão da planta de refino - essencial para adaptar a refinaria ao óleo pesado extraído pela estatal brasileira. A justificativa da Petrobrás para órgãos de controle é que isso se deve a dois motivos: disputa arbitral e judicial em torno do negócio e alteração do plano estratégico da Petrobrás. A empresa reconhece, ainda, uma perda por recuperabilidade de US$ 221 milhões.
Antes de virar chefe da Casa Civil, Dilma havia sido ministra das Minas e Energia. Enquanto atuou como presidente do conselho nenhuma decisão importante foi tomada sem que tivesse sido tratada com ela antes.
Dilma não comentou o fato de ter aprovado a compra por US$ 360 milhões - sendo que, um ano antes, a refinaria havia sido adquirida inteira pela Astra Oil por US$ 42,5 milhões.

Relacoes Brasil-EUA: mal paradas ou sendo retomadas? - Paulo Sotero (OESP)

Recomeço das relações malparadas com os EUA

19 de março de 2014 | 2h 09

Paulo Sotero* - O Estado de S.Paulo
A vinda a Brasília esta semana do secretário do Tesouro dos EUA, Jack Lew, e da secretária de Estado adjunta para o Hemisfério Ocidental, Roberta Jacobson, marca a retomada, por iniciativa americana, de uma relação truncada desde o ano passado, quando revelações sobre espionagem da National Security Agency (NSA) no Brasil levaram a presidente Dilma Rousseff a postergar visita de Estado que faria a Washington.
Alarmado com o dano causado pelo episódio, no momento em que os laços bilaterais pareciam prestes a ganhar conteúdo e qualidade, o dirigente de uma grande empresa americana ligou no início do ano para Valeria Jarret, amiga pessoal de Barack Obama e sua conselheira sênior na Casa Branca, para pedir que o presidente fizesse um gesto capaz de reabrir o diálogo. Ciente da preocupação do setor privado brasileiro com as malparadas relações com os EUA, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse à embaixadora americana no Brasil, Liliana Ayalde, na mesma época, que se empenharia para resolver a crise. Deu trabalho.
No final de janeiro, o ministro das Relações Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo, afirmou, depois de se encontrar com a conselheira de Segurança da Casa Branca, Susan Rice, que a solução dependia de Dilma e de Obama. "Não é uma conversa no meu nível e no nível dela que levará a uma melhoria das relações", afirmou ele.
Segundo diplomatas brasileiros, Figueiredo esperava ouvir um pedido formal de desculpas, algo que o presidente americano já havia descartado em discurso no qual respondera às críticas suscitadas nos EUA e no mundo pela revelação das atividades da NSA. A insistência do Itamaraty no assunto tornou-se insustentável, porém, diante da postura pragmática de outros governos cujos líderes também foram espionados pela NSA.
No mês passado, o presidente da França, o socialista François Hollande, que estrilou ao saber que havia sido grampeado, deu o caso por superado e fez uma visita de Estado a Washington. No início de maio, a líder da Alemanha, Angela Merkel, que reagiu à bisbilhotice da NSA suspendendo acordos de cooperação em inteligência com Washington, fará visita de dois dias à capital americana. No topo da agenda, a ofensiva da Rússia na Crimeia. A Alemanha e a Europa, dependentes do petróleo e do gás russos, divergiram dos EUA sobre como reagir aos movimentos do presidente Vladimir Putin. Mas, a exemplo do mal-estar causado pela espionagem, a discordância não paralisou o diálogo nem impediu uma resposta conjunta.
O agravamento de crises regionais, em particular da confrontação em curso entre governo e oposição na Venezuela, reforçou a apreensão em Washington sobre o estado das relações com o Brasil. Pesam, no caso, dúvidas sobre se Brasília estaria deixando para trás a tradição de pragmatismo de sua diplomacia, balizada na promoção de interesses reais e na afirmação dos valores democráticos que alicerçaram a transformação interna e a projeção internacional do País nos últimos 20 anos, em benefício de uma política externa orientada por preferências ideológicas que geram incerteza sobre as intenções brasileiras. A expectativa, no caso da Venezuela, é de que o Brasil atue, via Unasul, guiado por seu interesse na estabilidade interna do País e da região, como fez na Bolívia, em 2008. Há ainda o caso do algodão, que pode levar o Brasil a adotar medidas de retaliação contra os EUA, com aval da Organização Mundial do Comércio.
A esses desafios se soma a apatia, no governo americano, dos que apostaram em laços mais fortes com o Brasil e que a visita de Jacobson tenta, agora, superar. "Não é que as pessoas estejam zangadas", disse um ex-alto funcionário próximo da administração. "Elas simplesmente não querem se envolver, pois lidar com o Brasil resulta sempre em frustração." Frustrações, de ambos os lados, e dois graves desencontros marcaram as relações bilaterais, no governo Obama: em maio de 2010, quando Lula protagonizou uma mal executada tentativa de aproximação entre o Irã e a comunidade internacional na questão nuclear, e, agora, no episódio da espionagem.
Diante disso e tendo ficado para trás o momento, no início deste ano, em que a visita de Dilma a Washington poderia ter sido reprogramada, as viagens de Lew e Jacobson a Brasília mostram que prevalece em Washington o interesse na retomada do diálogo, a despeito do ceticismo reinante na burocracia americana em relação ao Brasil. A pergunta é se haverá em Brasília, no período final de um enfraquecido governo Obama, disposição para um engajamento com os EUA que leve a laços mais robustos e resistentes aos inevitáveis acidentes de percurso.
Os sinais são favoráveis, mesmo nas questões derivadas do caso Snowden. O governo brasileiro convidou e o governo americano aceitou participar do comitê de coordenação de uma conferência internacional sobre governança da internet que Dilma convocou em reação ao episódio da espionagem. Washington, por sua vez, manifestou agrado à decisão do Brasil de não dar asilo a Edward Snowden e sugerir a países vizinhos que façam o mesmo. Os cumprimentos afetuosos que Dilma trocou com Obama, no funeral de Nelson Mandela, e com o vice-presidente Joe Biden, na posse de Michelle Bachelet, e a esperada presença de Biden na abertura da Copa ajudam a desanuviar a tensão e a renovar a aposta na aproximação entre as duas sociedades, que independe dos governos, e no interesse manifesto do empresariado brasileiro numa relação mais produtiva com os EUA, na esperança de que ambos levem a mudanças, nos dois países, que permitam tornar efetiva a sempre proclamada, mas frequentemente sabotada, construção de uma parceria estratégica entre as duas maiores economias e democracias do continente.
*Paulo Sotero é jornalista e diretor do Brazil Institute do Woodrow Wilson International Center for Scholars, em Washington. 

Politica externa brasileira: dos remendos a uma totalmente nova? -Sergio Fausto (OESP)

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Não bastam remendos na política externa

19 de março de 2014 | 2h 09

Sergio Fausto* - O Estado de S.Paulo
"Antes, (estava) o Chávez, (que) era amigão do Lula. Quando eles se encontravam, destravavam os pagamentos. Agora as coisas se complicaram." Assim se expressou uma fonte citada em matéria do jornal Valor Econômico, na edição de 5/3, sobre os pagamentos em atraso a empresas brasileiras na Venezuela. No caso das grandes empreiteiras, o montante alcançaria US$ 2 bilhões. As complicações atuais derivam do aprofundamento da crise econômica no país vizinho e da perda do canal político-diplomático privilegiado entre os dois ex-presidentes. A declaração espanta não por revelar o que não se soubesse, mas por indicar até que ponto chegou a mistura entre interesses políticos e empresariais na política externa brasileira para a América do Sul nos últimos dez anos.
O governo Dilma administra mal, sem estratégia alternativa, o legado de problemas herdados do hiperativismo ad hoc do seu antecessor imediato. A influência do governo brasileiro na Venezuela é declinante. Não ousa fazer-se ouvir de maneira mais assertiva pelo governo de Maduro e é malvisto pelas oposições.
O mesmo se pode dizer da influência do governo brasileiro na Bolívia. As relações dos dois países dependiam muito da interlocução pessoal entre Lula e Evo Morales. A estreita relação direta de ambos não impediu Morales de mandar o Exército boliviano ocupar militarmente a refinaria da Petrobrás nem evitou que o Brasil se visse envolvido em conflito por causa da controversa construção de uma estrada que corta um parque nacional indígena. Melhor teria sido que as agências do Estado brasileiro - a começar pelo BNDES, que concedeu empréstimo a uma empreiteira brasileira encarregada da obra - tivessem avaliado o risco ambiental, político e financeiro do projeto, sem pressões da "diplomacia presidencial". Também no caso da Bolívia, passamos do hiperativismo ad hoc, com Lula, à vacuidade da política externa, sob Dilma. Ali estamos sem embaixador desde o início do segundo semestre do ano passado.
Tampouco se pode dizer que a influência brasileira tenha crescido na Argentina. Enredados na administração pontual dos recorrentes entraves da relação bilateral, sem um novo horizonte para o Mercosul, salvo no plano retórico, o Brasil e suas empresas sofreram, como quaisquer outros, às vezes até mais, as consequências da gestão arbitrária dos governos Kirchner, apesar da azeitada relação entre os presidentes dos dois países, especialmente na vigência da dupla Lula-Néstor.
A perda de influência do Brasil na América do Sul não se limita a esses três países, onde supostamente investimos nossos melhores esforços na última década. Na verdade, ela é um fenômeno generalizado na região. O governo fracassou no propósito de liderar o bloco bolivariano e, em torno desse eixo, organizar a integração sul-americana. Ao mesmo tempo, assistiu à formação da Aliança do Pacífico, compreendendo três países sul-americanos - Chile, Peru e Colômbia - e o México, em contraponto à política externa brasileira de estruturar a integração regional a partir de um Mercosul formalmente ampliado (e substantivamente enfraquecido).
Sem o dizer e muito menos admitir, o próprio governo Dilma já emite sinais de que reconhece a necessidade de mudar a política externa, a exemplo do empenho em fazer avançar o acordo do Mercosul com a União Europeia (UE). O movimento, porém, é reativo e incompleto. O novo esforço em direção aos europeus resulta antes do temor diante dos riscos que novos acordos da UE com grandes parceiros do Norte - de imediato com o Canadá e mais à frente com os EUA - colocam para as exportações brasileiras do que de uma revisão mais ampla da política Sul-Sul que guiou o Brasil nos últimos dez anos. No plano regional, embora menos disposto a acomodar as idiossincrasias da Argentina, o governo permanece preso a um Mercosul que não vai nem vem. A matriz de pensamento continua a mesma. Além disso, Dilma nem delega nem assume o papel de liderança na área de política externa. O fato é que precisamos de uma nova política externa, e não de remendos na atual.
Uma nova política externa requer estabelecer o papel do Brasil na região em outros termos, para gerar regras estáveis e horizontes previsíveis nas relações entre os Estados, e não apenas entre governos eventualmente afins. Essa mudança deve ser feita de olho na nova configuração da economia e da geopolítica globais. Não podemos aceitar um novo Tratado de Tordesilhas e deixar que se aprofunde a divisão entre a América do Sul do Atlântico e a do Pacífico. É contra os interesses nacionais de longo prazo que parte importante da região passe a orbitar fundamentalmente em torno das relações econômicas e geopolíticas que se vão adensando velozmente na grande bacia do Pacífico, sob a coexistência competitiva de dois gigantes, China e EUA. O Brasil não tem como anular essa tendência, mas pode contrabalançá-la.
Como já apontou corretamente o experimentado embaixador José Botafogo Gonçalves, é preciso avançar de modo mais radical e rápido na derrubada de barreiras tarifárias e principalmente não tarifárias ao comércio e aos investimentos entre o Brasil e os países sul-americanos do Pacífico. Trata-se de um passo na direção correta, mas não será o bastante. Devemos voltar a pensar no espaço latino-americano e dar prioridade a um amplo acordo de comércio e investimentos com o México, como parte de um processo mais amplo de inserção do Brasil na economia internacional, o que não implica lançar por terra o Mercosul.
Não é apenas por questões econômicas que devemos fazê-lo. A aproximação entre Brasil e México pode dar a ambos e à América Latina melhores condições para lidar com temas relativos à segurança e à política das Américas e do mundo a partir de perspectivas e realidades distintas dos dois gigantes globais.
*Sergio Fausto é superintendente executivo do iFHC, colaborador do Latin American Program do Baker Institute of Public Policy da Rice University, é membro do Gacint-USP. E-mail: sfausto40@hotmail.com.