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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

sábado, 20 de dezembro de 2014

Cuba-EUA: a economia política do fim do embargo - Barbara Kotschwar

Speeding the Winds of Change in Cuba-US Economic Relations

President Obama yesterday ended an embargo policy that had neither dislodged the Castro regime nor brought democracy to Cuba. Instead, over five decades, the US policy of isolating Cuba economically entrenched Cuban determination to continue its hostile relationship with Washington. There is no guarantee that President Obama’s historic initiative will foster prosperity, human rights, and political freedom, but it can hardly do worse than the prior policy.

Obama’s measures include diplomatic, political, and economic steps that will set the stage for more open trade and investment relations. In an important first step, the two countries will reopen embassies that were closed in January 1961. Secretary of State John Kerry will review Cuba’s designation as a State Sponsor of Terrorism, perhaps leaving only North Korea on this list of Cold War enemies.

The administration was responding in part to changes under way in Cuba in recent years under President Raul Castro, who has introduced such economic reform measures as allowing Cubans to buy and sell property, lifting restrictions on small-scale private economic activity, thereby promoting a class of microentrepreneurs and permitting more freedom of movement of Cubans within and outside the country.

Obama’s initiative also enables more American citizens to travel to Cuba for family, informational, and humanitarian reasons. It raises the level of remittances from $500 to $2,000 per quarter both for familial support and the development of private businesses in Cuba. President Obama also relaxed controls on sales to private Cubans of goods such as building materials—desperately needed in beautiful but crumbling cities—agricultural equipment—to bolster Cuba’s declining agricultural sector—and telecom gear such as iPhones—to bring Cuba into the information age.

Other measures loosen the cash-in-advance requirement for US sales and allow American citizens to bring small quantities of Cuban rum and cigars back home and to pay with their debit cards.

Updating the global application of US sanctions against Cuba will avert embarrassments such as preventing the World Health Organization from paying per diem allowances to Cuban doctors working in Ebola wards and blocking World Bank and International Monetary Fund programs in Cuba.

Obama’s initiatives leave the relationship a long way from economic normalization, however. In our book Economic Normalization with Cuba: A Roadmap for US Policymakers, we argue the importance of full economic engagement. According to our estimates, US merchandise exports of goods and services to Cuba could reach $5.9 billion annually, while Cuban exports to the United States could reach $6.7 billion annually. The stock of direct investment from all foreign countries in Cuba might reach $17 billion, up from less than $1 billion today.

But sequencing is important. Simply lifting the embargo in one grand gesture would not help Cuba ensure an economic and political environment conducive to free markets and human rights.

Instead, a careful and reciprocal approach is called for, one that encourages Cuba to build solid economic and political institutions and does not simply transition from communist dictatorship to oligarchic autocracy. Further US relaxation of economic restrictions should not be carried out in a way that would squander a golden moment for ensuring meaningful changes in Cuban economic and political structures.

Because Cuba has no border barriers to US trade and investment, some analysts claim that the embargo—or bloqueo, as it is called in Cuba—is the sole reason why there have been no economic relations with the United States. This assertion is formally true—but powerful state-owned industries will have a vested interest in demanding disguised protection from outside competition. Such a move by these interests would hurt not only US businesses but Cuban consumers, who would pay higher prices for goods and services, and new Cuban entrepreneurs, who would be frozen out. Entrenched interests from other countries, who now enjoy a privileged position, protected from US competition, may also lobby for special treatment.

Future give-and-take negotiations should ensure that US firms and workers get a fair shake in the new Cuban economy, and, importantly, that Cuban workers and consumers benefit from the new order. Our study lays out prescriptions to prevent the emergence of powerful oligarchies, as happened in Russia, that skim off benefits from a market economy and bar foreign competition.

In the right framework, the United States can offer a wide range of goods and services, including full liberalization of tourism, along with technical and financial assistance. In return, Cuba can ensure national treatment for US goods, services and investment, and accord US firms the same treatment already offered to European, Canadian, and Chinese firms.

If President Obama and his successors deliver a full portfolio of US economic concessions without seeking any liberalization in return, Cuba’s economic transition may proceed slowly, allowing corruption and favoritism to flourish. US firms and citizens, and new Cuban entrepreneurs, may be pushed to the back of the line for commercial opportunities. To avert these bad results, the time is ripe for Congress and the White House to cooperate with the administration as it engages Cuba and debate the sequencing of US economic policies to ensure good outcomes for both countries.

O E(e)stado a que chegamos, e o Estado que queremos - Reinaldo Azevedo

O texto deste jornalista, com o qual concordo no essencial, é bem mais conceitual do que dissertativo. Mas expressa bem o que se passa hoje com o Estado brasileiro, assaltado por um grupo mafioso e tendencialmente totalitario. Como dizem os companheiros, a luta continua!
Paulo Roberto de Almeida 
Em 2014, horror e maravilha!

Estamos chegando ao fim de 2014, ano em que horror e maravilha se encontram. O horror é de todos conhecido a esta altura. O estado brasileiro está sendo assaltado, espoliado, dilapidado.

O estado, meus caros, reúne tudo e nada ao mesmo tempo: nele estão as instituições, o ordenamento jurídico, os direitos assegurados, as expectativas de direito, os valores que nos permitem conviver de forma mais ou menos harmoniosa etc. Mas, quando falamos em estado, as pessoas desaparecem, somem, perdem, como dizia o poeta, a sua carnadura concreta.

Sim, o estado, numa democracia, nada mais é do que o conjunto dos interesses dos cidadãos traduzido numa ordem abstrata. Estados existem para servir aos indivíduos, não o contrário. Ora, mas são tantos os interesses, tão distintas as inclinações, tão diversas as convicções, tão várias as ideologias, que cabe a pergunta: “Pode um ente abarcar tamanha largueza?”.

A resposta: pode, sim! E tanto mais o fará quanto menos fizer. Vale dizer: o estado mais presente é o menos presente. Um estado gigante deixa de ser um árbitro para ser uma parte do jogo. E produzirá injustiças em penca. Precisamos de um estado mais forte e mais presente na segurança pública, na educação e na saúde. E precisamos que ele saia com urgência da operação da economia propriamente dita. Ao fazê-lo, ele deixa de articular as diferenças e passa ser uma espécie de gendarme em favor de uns poucos privilegiados.

A roubalheira na Petrobras, à diferença do que diz a presidente Dilma, não é apenas obra de indivíduos, de pessoas. É mais do que isso: a roubalheira na Petrobras é fruto de um modelo de gestão, de um sistema, de um modo de entender a coisa pública, como deixou claro  o ministro Gilmar Mendes em entrevista exclusiva ao programa “Os Pingos nos Is”, que ancoro na Jovem Pan.

Não estamos sendo assaltados apenas por uma quadrilha. Estamos sendo assaltados, também, por farsantes ideológicos — o que significa, então, a farsa dentro da farsa. Sob o pretexto de produzir justiça social, um bando destrói o patrimônio brasileiro e compromete o futuro do país. Pior para todos nós, mas especialmente para os pobres.

Mas eu falei que o ano de 2014 também traz sinais de maravilha. Percebo um saudável despertar das consciências; noto que é crescente o inconformismo como esse estado de coisas; meus radares detectam uma insatisfação saudável com aqueles que se querem donos do nosso destino. Ao mesmo tempo em que as safadezas da Petrobras nos deixam estarrecidos, elas também nos informam que, de verdade, donos do nosso destino somos nós mesmos.

A democracia não comporta salvadores da pátria; a democracia não comporta demiurgos; a democracia não comporta discursos salvacionistas. A cada dia, mais gente se mostra insatisfeita com esse jogo rasteiro do “nós contra eles”, da política exercida como guerra de todos contra todos, o que, como vemos, só atende aos interesses de ladrões e vigaristas ideológicos.

Sabem por que a Petrobras se tornou aquele antro? Porque os que passaram a decidir seus destinos agem como vencedores de uma guerra sem regras. À moda de tempos idos, de pouco apuro moral e ético, acreditam que a vitória lhes dá o direito de saquear, de estuprar, de humilhar, de eliminar os sobreviventes.

A sociedade está aprendendo a reagir e ganha as ruas não para demonizar pessoas, mas para reivindicar o cumprimento das leis definidas pelo jogo democrático.

Este blog  é parte dessa luta e se orgulha muito disso. Não serve a este ou àquele, mas pensa e se posiciona sem falsos pudores. Não tem receio de chamar as coisas e as pessoas pelos seus respectivos nomes. Não ofende, mas confronta. Não agride, mas diz “não” quando julga ser o caso. Não concede, mas diz “sim” quando também julga ser o caso. Não trai jamais seus leitores porque não esconde o que pensa; não se refugia no conforto de uma posição nem-nem; escolhe sempre um caminho.

E nós seguiremos adiante: com alegria, com determinação, com destemor — já que a coragem não deve ser tomada como atributo de homens raros. É só uma obrigação.

Dom Total: colaboracoes de Paulo Roberto de Almeida (2008-2014)

Dom Total é uma publicação digital vinculada à Escola Superior Dom Helder, especializada em Direito, dirigida por jesuitas em Belo Horizonte. Não sei bem quando, ou por quem, recebi um convite para colaborar com essa publicação, sob o formato de artigos mais leves, ou pelo menos mais curtos, do que os meus habituais, o que fiz de forma um pouco irregular desde 2008, com algumas grandes interrupções pelo caminho.
Mas, é uma oportunidade para tentar escrever pouco, ou pelo menos de forma concisa, o que tenho procurado fazer, e transparece, com algumas exceções estendidas, na lista abaixo.
O conjunto de artigo em colaboração pode ser encontrado neste link: http://www.domtotal.com/colunas/coluna.php?artColId=6
Tenho de voltar a colaborar. Como não me cobram, acabo esquecendo, no mar de obrigações obrigatórias e outras autoassumidas que vou enfrentando cotidianamente.
Paulo Roberto de Almeida

Colunas Paulo Roberto de Almeida

Paulo Roberto de Almeidaé doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Bruxelas (1984). Diplomata de carreira desde 1977, exerceu diversos cargos na Secretaria de Estado das Relações Exteriores e em embaixadas e delegações do Brasil no exterior. Trabalhou entre 2003 e 2007 como Assessor Especial no Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Autor de vários trabalhos sobre relações internacionais e política externa do Brasil. 

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Politica monetaria e autonomia do BC no Brasil: uma historia de 50 anos - Alex Ribeiro (Valor)

 Os dois lados da moeda (50 anos do BC)
Por Alex Ribeiro | De Brasília
 Valor Econômico, 19/12/2014

O primeiro presidente do Banco Central, Denio Nogueira, mantinha-se entrincheirado no cargo naquele começo de 1967. O novo presidente linha-dura do regime militar, Arthur da Costa e Silva, queria substituí-lo por alguém mais maleável no trato da inflação, na esperança de alavancar o crescimento da economia. Mas havia um obstáculo: a lei que criara o BC apenas dois anos antes garantia independência formal à instituição e mandatos fixos a seus dirigentes.

"Não vamos pedir demissão", avisou à equipe do BC, segundo relato de um de seus diretores, Casimiro Ribeiro, em entrevista concedida 22 anos depois ao programa de história oral da Fundação Getúlio Vargas, conhecido pela sigla CPDOC/FGV. Mas Costa e Silva insistiu. Enviou mensagem ao Senado nomeando um novo presidente do BC - o economista Ruy Leme, indicado pelo poderoso ministro da Fazenda, Delfim Netto.

Os parlamentares recusaram a mensagem, alegando que os cargos não estavam vagos. A pressão aumentou a tal ponto que, em 22 de março, Nogueira jogou a toalha e enviou a Costa e Silva as cartas de renúncia de todos. Foram vencidos pelo receio do fim da independência legal do BC ou mesmo de sua extinção. "Levamos nossa resistência até um certo ponto", explicou Ribeiro ao CPDOC/FGV. "Aí, você pode até prejudicar o BC."

Hoje, às vésperas dos 50 anos da lei 4.595, de 31 de dezembro de 1964 - a chamada Lei da Reforma Bancária, que incluiu a criação do BC, instalado três meses depois - a independência legal ainda é o avanço institucional que falta para criar um BC à altura de seus pares de economias desenvolvidas, com plenos poderes para cumprir a missão de garantir a estabilidade da moeda. A recente campanha eleitoral mostrou que o país não está pronto para tanto. A propaganda da reeleição da presidente Dilma Rousseff veiculou anúncios que sugeriam que dar autonomia legal ao BC é entregá-lo a banqueiros que gostam de juros altos e tiram a comida da mesa dos trabalhadores. O candidado a vice-presidente de Aécio Neves, Aloysio Nunes Ferreira (PSDB), posicionou-se contra a ideia. Só Marina Silva agregou a proposta ao seu programa de governo.

Nada disso muda o fato de que, nesses 50 anos de história, o BC teve progressos extraordinários, depois de ser criado tardiamente, muito depois dos bancos centrais de países vizinhos da América Latina, como uma instituição fraca e submissa a interesses variados, como os de ruralistas, funcionários do Banco do Brasil, industriais e governantes, que tinham suas demandas atendidas com gastos orçamentários associados à impressão de dinheiro. "No fundo, mais do que uma lei, o que cria uma instituição forte e autônoma para cumprir suas funções é a tradição criada no dia a dia", afirma o ex-presidente do BC Armínio Fraga.

O economista Octavio Gouvêa de Bulhões é o pai do BC, que nasceu em dois atos. Em 1945, ele aproveitou o fim do Estado Novo, de Getúlio Vargas, e articulou a edição de um decreto-lei que criaria a Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), o embrião do BC.

O BC que conhecemos hoje foi aprovado pouco após o golpe militar de 1964. "Um tanto ironicamente, foram precisos dois regimes não democráticos para criar o BC. É triste. Mas é preciso dizer que nos dois casos o dr. Bulhões estava lá", comentou Ribeiro.

Bulhões, nascido no começo do século passado, foi o típico servidor público. Entrou no governo com 20 e poucos anos, para integrar o grupo que criou o Imposto de Renda no Brasil e, décadas depois, chegou a ministro da Fazenda - interino, por menos de dois meses, após a renúncia de Eugênio Gudin, até a posse de José Maria Whitaker; e, com mandato próprio no governo Castello Branco. Ajudou a formar uma geração de economistas e foi muito influente na definição da política econômica no Brasil durante muito tempo. Depois de deixar o governo, recorreu à ajuda de amigos para custear uma cirurgia nos Estados Unidos.

"O Brasil precisava ter uma moeda estável", disse Bulhões sobre a criação da Sumoc, em outro depoimento ao CPDOC/FGV, em 1990. "E, para ter uma moeda estável, precisava ter pelo menos um início de banco central." Na época, ele era um dos economistas mais preocupados com a estabilidade fiscal e monetária, nisso identificado com Eugênio Gudin, referência do pensamento econômico liberal no Brasil. "Bulhões era um pragmático, que não se prendia a ideologias", definiu, em entrevista ao Valor, o professor Antonio Dias Leite, que lecionou ao lado do futuro ministro na antiga Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas do Rio de Janeiro.

O pragmatismo fez com que Bulhões optasse por criar a Sumoc, e não um banco central clássico. "O professor Gudin achava, na época, inoportuno criar um banco central, mas que poderia fazer algo no caminho de sua criação", relatou Bulhões, na entrevista ao CPDOC/FGV. "Ele achava que, com um déficit do Tesouro grande e sem perspectivas de equilíbrio orçamentário, um BC seria inútil."

A Sumoc era uma instituição enxuta, com poucos funcionários, que tinha o objetivo de controlar a emissão de moeda e preparar o terreno para criar o BC. Havia um colegiado - o conselho - que realmente tomava as decisões. Acabou sendo dominado pelo Banco do Brasil.

Esse não foi o primeiro esforço para criar um banco central no Brasil. O economista José Júlio Senna conta em seu livro "Política Monetária: Ideias, Experiências e Evolução" que, em 1808, quando a família real portuguesa veio de Lisboa para o Rio de Janeiro, para fugir das tropas de Napoleão Bonaparte, o príncipe regente, d. João, fundou o primeiro Banco do Brasil com funções de banco central e banco comercial. Entre elas, estava manter reservas em ouro e outros metais valiosos para lastrear as emissões de dinheiro. "Quando voltou para Portugal, d. João raspou os cofres do Banco do Brasil", disse Senna em entrevista para esta reportagem. Assim, o primeiro BC do país faliu.

A onda de criação de bancos centrais na América Latina ocorreu entre as décadas de 1920 e 1930 por recomendação dos chamados "money doctors", ou terapeutas financeiros, assim chamados economistas de países ricos que visitavam a região para prescrever remédios financeiros em nome dos grandes bancos de Londres e Nova York, trabalho bem parecido com o feito hoje em dia pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Na década de 1920, o americano Edwin Kemmerer visitou vários países da América do Sul, como Colômbia, Chile, Equador e Bolívia, e inspirou a criação de vários bancos centrais. Em 1931, logo no inicio do Estado Novo, quando uma revolução com a participação de tenentes levou Getúlio Vargas ao poder, chegou ao Brasil uma missão chefiada por um diretor do Banco da Inglaterra, Sir Otto Niemeyer. Seus conselhos tinham sido decisivos para criar bancos centrais na Nova Zelândia e Argentina. Mas o governo Vargas não tocou a ideia adiante.

"Otto Niemeyer recomendou a criação de um banco central e uma série de medidas que não se coadunavam bem com a situação", disse Bulhões. "Eles queriam estabelecer o equilíbrio orçamentário numa época em que isso era praticamente impossível. Impossível e indesejável, conforme [o economista John Maynard] Keynes iria demonstrar." Bulhões provavelmente se referia ao fato de que, em meio à Grande Depressão, os governos precisavam aumentar os gastos para induzir a recuperação da economia. O padrão-ouro, então sugerido ao Brasil por Niemeyer, desmoronaria pouco depois na própria Inglaterra. "Naquele tempo, surpreendentemente, os tenentes foram keynesianos antes de Keynes", afirmou Bulhões.

A visão de Bulhões sobre a proposta de Niemeyer mostra seu estilo nada dogmático que moldaria o processo de gestação do BC, que levou quase 20 anos. Ele não era graduado em economia, mas em direito. Filho de diplomatas, quando criança viveu na França e na Áustria e aprendeu economia por conta própria, lendo clássicos, como Adam Smith, em livros da biblioteca de um tio. Mas também faria um curso de especialização em economia na American University.

"Os livros de economia eram todos em francês e não tinham nada de matemática", afirma Dias Leite, abrindo alguns volumes da biblioteca em sua casa, na Gávea. O parente mais ilustre de Bulhões foi um tio-avô, Leopoldo de Bulhões, deputado goiano que foi ministro da Fazenda de Rodrigues Alves - e defendeu a austeridade monetária na Primeira República, fazendo contraponto às propostas expansionistas de Rui Barbosa.

A principal crítica à Sumoc sempre foi o fato de que, com seu desenho institucional, estava sujeita aos propósitos dos inflacionistas do governo e, principalmente, do Banco do Brasil, com vários ralos que permitiam emitir dinheiro para financiar gastos públicos e irrigar o crédito bancário barato. Mas o interesse de Bulhões era criar um órgão que reunisse as áreas monetária e fiscal do governo para, assim, desenhar orçamentos bem definidos, numa época em que essas relações corriam frouxas. "Não aspirava propriamente a independência", explicou Bulhões. "O que aspirava era a coordenação, a coerência."

"O BC poderia ter sido criado no final da Segunda Guerra, mas talvez as instituições não estivessem preparadas", afirma o ex-presidente do BC Gustavo Loyola. "Naquela época, criar um BC representaria tirar um pedaço do poder do Banco do Brasil. Não criar o BC, e fazer a Sumoc no lugar, foi uma coisa brasileira de acomodar o jogo de interesses."

O economista e ex-presidente do BC Gustavo Franco, um dos principais estudiosos do tema, acha que a criação da Sumoc representou, em muitos aspectos, um avanço. "Se não fosse a Sumoc, não sairia nada", afirma. Mas seu desenho institucional, com um conselho dominado pelo Banco do Brasil, que decidia de fato quanto dinheiro seria emitido, foi o germe do atual Conselho Monetário Nacional (CMN). "Esse é um bicho diferente que se criou no Brasil", diz Franco. O CMN deixa a política monetária exposta a outros interesses que não a estabilidade do poder de compra da moeda. Mundo afora, os bancos centrais tomam as medidas monetárias e ponto final, sem conselhos paralelos.

Em tese, uma vez baixado o decreto-lei que criou a Sumoc, no dia seguinte deveria ter começado o trabalho para instalação de um banco central. Mas esse era um grande passo, talvez maior do que era possível na época. Significaria sair de uma estrutura mínima, da Sumoc, para montar uma grande operação, capaz de assumir serviços típicos de um banco central que eram executados pelo Banco do Brasil. Entre eles, administrar as exigências de recolhimento compulsório sobre depósitos, fazer o redesconto de títulos do sistema bancário e administrar o numerário em circulação na economia - enfim, um conjunto de atividades que, na prática, significava controlar o volume de dinheiro em circulação na economia.

Um dos obstáculos era a falta de quadros para tocar um BC - que, aos poucos, foi sendo resolvido com a formação de um pequeno pelotão de elite, que incluía nomes que integrariam a primeira diretoria colegiada do BC, como Casimiro Ribeiro e o próprio Denio Nogueira. "O departamento econômico do BC (Depec) começou a ser formado nessa época", afirma o diretor de administração do BC, Altamir Lopes, um ex-chefe do Depec.

Outra questão era aprovar a lei de criação do BC. Com a democratização do pais, em 1946, o assunto tinha que passar pelo Congresso Nacional. Lá, o objetivo de proteger o poder de compra da moeda, que é bastante difuso, concorria com outros interesses. Um projeto em tramitação tornou-se uma perigosa bola de neve, que previa a criação não apenas de um BC, mas de cinco novos bancos de fomento: industrial, agrícola, infraestrutura, hipotecário e de comércio exterior.

"Eram bancos públicos que iriam se alimentar de suprimentos do BC", explica Franco. "Se fosse assim, era melhor não criar nada. Por isso os chamados 'sumoquianos', como Bulhões e Gudin, foram contra criar o BC naqueles moldes."

Só no governo de João Goulart o projeto de lei do BC voltou a ganhar impulso, quando a inflação avançava a passos largos. O presidente resolveu incluir uma lei bancária entre suas reformas de base. Quando os militares deram o golpe, em 1964, a tramitação da proposta já estava bem adiantada. Bulhões assumiu o Ministério da Fazenda, mas, segundo depoimento de Denio Nogueira ao CPDOC/FGV em 1993, ele não estava convencido de que haveria disposição do governo para batalhar pela criação de um BC em um Congresso Nacional que ainda operava com certa independência. A preocupação maior de Bulhões naquela altura, na verdade, era barrar o projeto de reforma bancária de João Goulart, que, a seu ver, produziria mais mal do que bem. Mais tarde, ele batalharia para criar o CMN, como forma de reforçar a coordenação dos orçamentos monetário e fiscal. Nogueira afirma ter insistido na criação do BC, e acabou vencendo. "Está bem. Vá criar o seu Banco Central", teria dito Bulhões, depois de obter a aprovação do presidente Castello Branco, segundo relato de Nogueira.

Nogueira era um discípulo de Bulhões. Nasceu em 1920, em uma família de militares. Depois de se formar em engenharia, tornou-se aluno de Gudin na terceira turma do primeiro curso de economia do país, da Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas do Rio de Janeiro. Mais tarde, fez pós-graduação na Universidade de Michigan, Estados Unidos. Na volta ao Brasil, integrou-se à equipe econômica de Bulhões. Entre suas várias atividades, dentro e fora do governo, está a de técnico do Instituto de Pesquisas e Estudos Especiais (Ipes), grupo de estudos financiado por empresários que mobilizava a oposição ao governo Goulart.

Nogueira negociou com o Congresso o projeto que daria origem à lei 4.595. O relator foi o deputado Ulisses Guimarães. Para atender aos diversos interesses, Nogueira teve que ceder, como no caso dos ruralistas. "O fato é que o BC nasceu distorcido", afirma Franco.

O BC foi criado com funções de fomento - uma diretoria de crédito agrícola, que abria caminho para financiar os ruralistas com subsídios e, portanto, emissão de moeda. "Foi um erro que cometemos", reconheceu Bulhões anos mais tarde. "O BC nunca deveria ter aceito essa incumbência." Nogueira achava que o modo de resistir à pressão dos ruralistas para extrair subsídios do Tesouro seria colocar a carteira agrícola sob a guarda de um BC independente.

Outra distorção no nascimento do BC foi a conta movimento, criada, a princípio, apenas para fazer um acerto de contas final da nova instituição com o Banco do Brasil, quando este passava àquele o bastão das funções de autoridade monetária. "O tempo foi passando, e o Banco do Brasil percebeu que poderia fazer mais com a conta movimento", diz Franco. A conta movimento se tornou um duto de dinheiro pelo qual o BC injetava moeda no Banco do Brasil para bancar suas operações de fomento da economia.

Junto com o BC, foi criado o CMN. Nogueira conta que foi uma ideia de Bulhões, que achava que o essencial naquele momento era ter um órgão que garantisse a coordenação entre as políticas fiscal e monetária. "Se um dia eu for chamado a opinar, sugiro a extinção do CMN", disse Nogueira. "Eu era e continuo a ser contra o CMN. O BC não precisa de CMN."

Na origem, o CMN era formado pelo ministro da Fazenda, pelos presidentes do Banco do Brasil e do BNDES e por seis membros nomeados pelo presidente da República, com mandatos de seis anos. A diretoria do BC era formada por um presidente e três diretores escolhidos entre os membros com mandato fixo do CMN. O arranjo funcionou bem enquanto a economia era comandada por Bulhões e o ministro do Planejamento, Roberto Campos, que deram prioridade ao combate à inflação. Ao longo dos anos, porém, o CMN foi sendo ampliado e, nos anos 1980, chegou a ter 27 membros, integrado por outros ministros, como o da Agricultura, e representantes de empresários e trabalhadores. Era comum que decisões fossem tomadas para atender interesses localizados, com resultantes pressões sobre o orçamento da União.

Uma fragilidade importante nesses primeiros anos do BC foi o orçamento monetário, que havia sido criado nos tempos da Sumoc como instrumento para conter a emissão de moeda e os grandes agregados monetários da economia, como o crédito. No fim das contas, tornou-se apenas mais um braço do orçamento fiscal, em que o governo definia quanto iria expandir os agregados monetários para cumprir seus objetivos de financiar investimentos e algumas atividades econômicas.

É possível que esse arranjo criado pela lei 4.595, apesar de seus vários flancos, tivesse sobrevivido bem se a independência do BC não tivesse sido violada em 1967. Ruy Leme, o escolhido por Delfim Netto após a demissão de Denio Nogueira, ficou menos de um ano na presidência do BC. Para seu lugar foi nomeado o economista Ernane Galvêas, que cumpriu o mandato de seis anos, conforme dizia a lei.

Na década de 1980, esse arranjo institucional precário já empurrava a economia para a hiperinflação, quando começaram a ser feitas algumas reformas importantes, que fortaleceram o BC. A conta movimento foi extinta; retirou-se o crédito rural do BC; o orçamento geral da União passou a englobar subsídios para operações de crédito oficial; e a Constituição de 1988 proibiu o BC de financiar o Tesouro Nacional.

Os progressos, porém, foram acompanhados de alguns passos para trás. Quando o país vivia um período de transição para a democracia, os primeiros governadores eleitos descobriram que podiam usar seus bancos estaduais como máquinas de imprimir dinheiro, sacando a descoberto em suas contas de reserva bancária mantidas no BC. O CMN tornou-se uma entidade figurativa.

Só em 1994, com a edição do Plano Real, esses problemas começaram a ser resolvidos. Gustavo Franco, um dos responsáveis pelo programa de estabilização, conta que o ideal seria ter acabado com o CMN, mas para tanto seria necessário mudar a lei 4.595, o que poderia acarretar um grande transtorno. O artigo 192 da Constituição, que tratava do assunto, previa também um teto dos juros de 12% ao ano, algo impraticável. Era impossível mudar uma coisa sem lidar com a outra. A solução encontrada foi restringir o CMN a um tamanho mínimo, vigente até hoje, com três membros: os ministros da Fazenda e do Planejamento e o presidente do BC.

Pouco depois do Plano Real, o BC enfrentou o problema dos bancos estaduais, fazendo intervenções. O governo criou um programa de saneamento dessas instituições, que levou ao fechamento ou privatização da maioria. Os poucos que restaram passaram a ser submetidos à mesma regra de supervisão dos bancos privados. Mais tarde, o governo socorreu os bancos federais, e o BC passou a vigiá-los.

O Comitê de Política Monetária (Copom) do BC foi criado em 1996. Apesar de ser um órgão poderoso, responsável por elevar os juros para esfriar a economia e controlar a inflação, a base legal de sua criação é apenas uma circular do próprio BC. "Copom é o nome que foi dado a uma seção especial da diretoria do BC", diz Franco. "Não há nenhuma lei para protegê-lo, mas hoje nenhum presidente da República teria coragem de extingui-lo. É uma ideia que tem um poder muito maior do que muitas leis que não pegam no país."

O sistema de metas de inflação foi implantado três anos depois, em 1999, quando o Brasil abandonou o regime de câmbio administrado, que havia sido a principal âncora contra a inflação no Plano Real. "Quando fui convidado para assumir o BC, disse que topava se fosse para ter metas de inflação, meta fiscal e câmbio flutuante", relata Armínio Fraga. Mas a ideia já vinha sendo cogitada pouco antes disso. Em janeiro de 1999, quando o antecessor de Armínio, Francisco Lopes, estava negociando com o FMI os termos da flutuação cambial brasileira, houve um entendimento para que fosse adotado também um regime de metas de inflação.

O regime de metas de inflação também tem uma base legal frágil - um simples decreto do então presidente, Fernando Henrique Cardoso, que, em tese, pode ser revogado facilmente. "É muito frágil do ponto de vista institucional", diz Franco. "Mas nem a presidente Dilma, que tem opiniões fortes e é cheia de ideias próprias sobre o que fazer na economia, tem coragem de modificar esse decreto."

O que falta agora é a independência. Dirigentes do BC das últimas duas décadas, incluindo o atual presidente, Alexandre Tombini, são unânimes em afirmar que tiveram autonomia para pilotar a política monetária e vigiar o sistema financeiro, apesar de não haver proteção em lei. Mas, de forma geral, reconhecem que a falta de proteção legal deixa o BC vulnerável a declarações de autoridades do próprio governo contra suas decisões e a rumores que circulam no mercado.

O problema já existia no governo Lula, quando o vice-presidente da República, José Alencar, dava declarações contra a alta de juros e assessores do Palácio do Planalto plantavam notas e reportagens contra o BC. No governo Dilma, a própria presidente passou a fazer declarações contra a autonomia do BC. "Não acredito em políticas de combate à inflação que olhem a redução do crescimento econômico", disse Dilma no começo do ano passado, quando o BC começava um ciclo de aperto monetário, criando uma confusão que precisou ser corrigida por Tombini.

Em 1999, quando o regime de metas de inflação foi adotado, um memorando assinado pelo governo FHC com o FMI previa a adoção de mandatos fixos para o presidente e o restante da diretoria do BC, quarentena e mecanismos para sua demissão. "Chegamos a elaborar uma Lei de Responsabilidade Monetária, mas nunca houve consenso dentro do governo", diz Armínio. FHC, que teve que fazer duas trocas de presidentes do BC em meio a uma crise, não era partidário da ideia.

Depois que Lula assumiu, foi aprovada uma emenda constitucional que permitiu a regulamentação fatiada do artigo 192 da Constituição. Era uma forma de escapar da casca de banana do teto de 12% para os juros e tocar adiante o projeto de autonomia do BC. Mas o assunto criou tantas divisões que não foi adiante.

Por imposição de circunstâncias políticas, a autonomia do BC acabou formalmente nas mãos de um dos economistas mais admirados do país, mentor de toda uma geração e claramente comprometido com a responsabilidade monetária e fiscal. Em 1974, no começo do governo Ernesto Geisel, o ministro da Fazenda, Mario Henrique Simonsen, enviou um projeto de lei ao Congresso que acabava com os mandatos fixos. "Quando tomei posse no Ministério da Fazenda, em 1974, achei melhor, já que o AI-5 estava em vigor, tornar o presidente e os diretores do BC demissíveis pelo presidente da República", explicou Simonsen em um depoimento para o CPDOC/FGV. Numa ditadura militar, em que não havia garantias nem para quem tinha mandatos eleitos, não havia espaço para a autonomia do BC. "O Mario perdeu, tristemente", disse Casimiro Ribeiro.

Politica Externa do Brasil: debate na CREDN da CD - videos

Agradeço ao meu amigo Guilherme Soares por meu enviar os videos relativos ao debate sobre a atual Política Externa do Brasil que ocorreu na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados em 10/12, tendo como participantes  Luis Felipe Lampreia, Marco Aurélio Garcia, Demétrio Magnoli e Samuel Pinheiro Guimarães.

Links para as duas partes do debate no Youtube:

Parte 01
https://www.youtube.com/watch?v=75UqMjP530Q (o debate começa aos 27 minutos)

Parte 02
https://www.youtube.com/watch?v=sXesKMl_Bl8

http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/credn


Divirtam-se, se é o caso de se dizer...
Paulo Roberto de Almeida