Não vi o relatório que sustentou a aplicação de suspensão por 20 dias do diplomata Eduardo Saboia, ex-encarregado de negócios na Bolívia e que protagonizou a vinda do Senador Roger Pinto Molina para o Brasil, ao arrepio do Itamaraty, mas sobretudo do Palácio do Planalto, que se mostraram indiferentes não apenas com a sorte do Senador, mas sobretudo com os os reiterados avisos do então Encarregado de Negócios a respeito de sua saúde e da situação insustentável que se armou na Embaixada em La Paz.
Não conheço o relatório, mas estimo que a sanção por quebra de heirarquia está errada, por uma razão muito simples: no momento de sua decisão, solitária, Eduardo Saboia era chefe de posto, correto? Ele então respondia a ele mesmo e a Brasília, correto? Na ausência de instruções, um chefe de posto sempre tem de agir com base no direito internacional, e no seu discernimento do que seja o melhor interesse brasileiro. O interesse brasileiro era o de que a Bolívia aplicasse o Protocolo de Caracas sobre Asilo Diplomático, que comandava o país emitir rapidamente um salvo conduto, ou laissez-passer, para que o Senador recebesse refúgio no território brasileiro ou onde lhe aprouvesse.
Como Brasília se eximiu de exigir da Bolívia o que era uma obrigação da Bolívia, como signatária desse Protocolo, o Brasil deveria adotar a solução que melhor lhe conviesse. Ora, na ausência de instruções, cabe ao chefe do posto decidir segundo seu alvitre, e foi isso que Eduardo Saboia fez.
Portanto, ele nunca quebrou a hierarquia. Ele era o chefe, cabia a ele decidir...
O Itamaraty está errado em puni-lo por esse motivo.
Paulo Roberto de Almeida
Itamaraty suspende por 20 dias diplomata que ajudou em fuga de senador boliviano
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Alan Marques/ Folhapress
O ex-senador boliviano Roger Pinto Molina acena para a câmera
Um ano e oito meses depois de o diplomata Eduardo Saboia organizar a
retirada, de La Paz, do então senador boliviano Roger Pinto Molina e
trazê-lo para o Brasil, sem autorização do governo brasileiro, a
Corregedoria do Itamaraty concluiu a sindicância para apurar a quebra de
hierarquia e sua responsabilidade no caso, aplicando penalidade
administrativa de 20 dias de suspensão ao servidor. A decisão foi
publicada no boletim interno desta sexta-feira (10) da instituição.
Em agosto de 2013, dois meses após assumir como encarregado de negócios
(substituto temporário do embaixador) na Bolívia, e reiterar ao
Itamaraty as dificuldades vividas por Pinto Molina, que ficou 455 dias
abrigado na Embaixada do Brasil em La Paz, após pedir asilo ao país, o
diplomata, com mais de 20 anos de carreira, decidiu organizar a saída do
senador, opositor do presidente Evo Morales.
Cerca de 22 horas depois de sair da capital boliviana, em um carro da
Embaixada brasileira, escoltado por fuzileiros navais, Pinto Molina
chegou a Corumbá (MS), na fronteira com a Bolívia, no dia 24 de agosto,
de onde viajou para Brasília.
Na época, o atual ministro de segunda classe do Itamaraty se defendeu,
afirmando que esteve duas vezes em Brasília e relatou que o senador
boliviano sofria de depressão e estava com problemas renais. Saboia
disse que pediu, inclusive, para deixar o posto em La Paz e ser
transferido para outro país ou voltar para o Brasil. O salvo-conduto
para o senador deixar a Bolívia era negado pelas autoridades bolivianas
sob a alegação de que o parlamentar respondia a processos judiciais no
país, por suspeita de corrupção.
A repercussão do caso acabou levando a presidente Dilma Rousseff a
substituir, poucos dias depois, o então chanceler Antonio Patriota por
Luiz Alberto Figueiredo, então representante do Brasil na ONU
(Organização das Nações Unidas), em Nova York.
Quase dois anos depois da entrada no país, Pinto Molina continua
vivendo em Brasília. Quanto ao diplomata Eduardo Saboia, o Senado fez
pedido de requisição ao Itamaraty para que ele trabalhe na Comissão de
Relações Exteriores da Casa.