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domingo, 13 de setembro de 2015

Desafios para Sair da Crise - Marcos Lisboa, Marcos Mendes, Bernardo Appy, Sergio Lazzarini


Os desafios para sair da crise

Economistas sugerem caminhos para a superação da crise econômica, com medidas para equilibrar as contas públicas e aumentar a produtividade no País

Bernard Appy, Marcos de Barros Lisboa, Marcos Mendes e Sérgio Lazzarini
O Estado de S. Paulo, 13 de setembro de 2015

Economistas apontam alternativas para o Brasil

O Brasil enfrenta uma grave crise econômica, refletida no recente rebaixamento de sua nota de crédito. A progressiva desaceleração da economia nos últimos quatro anos se transformou em uma profunda recessão. Desde 2011, interrompeu-se a redução na desigualdade de renda e a melhoria na qualidade de vida das famílias mais pobres, observadas durante a década de 2000. A piora da economia ameaça reverter os avanços sociais dos últimos 20 anos. 
A crise econômica tem como contraparte a crise política. Diversos projetos aprovados no Congresso minaram o ajuste fiscal. Os severos problemas financeiros e criminais nas empresas estatais adicionam injúria ao grave momento do País.
Para além dos problemas fiscais de curto prazo, agravados pela gestão da política econômica nos últimos anos, o Brasil tem um problema estrutural de crescimento das despesas públicas e de estagnação da produtividade. Se essas questões não forem resolvidas, não haverá como retomar o crescimento em bases sustentáveis.
Os problemas que o Brasil enfrenta hoje decorrem da incapacidade do País em reconhecer seus limites e de fazer escolhas, buscando acomodar as demandas dos diferentes grupos sociais que, quando agregadas, ultrapassam os recursos públicos disponíveis. Agravando o quadro, as regras existentes conduzem a um crescimento das despesas públicas maior que o crescimento da renda nacional no longo prazo. A questão central para o País não é um eventual ajuste fiscal de curto prazo. Se a trajetória de aumento das despesas não for revertida e a produtividade não aumentar, teremos uma economia com baixo crescimento, recorrente pressão inflacionária, juros elevados e a necessidade de aumento contínuo da carga tributária para evitar a insolvência no pagamento da dívida pública. Essa trajetória é insustentável.
Este artigo propõe medidas voltadas para a superação do impasse econômico, estando organizado em dois blocos: sustentabilidade fiscal e aumento da produtividade. 


1. Sustentabilidade fiscal
A crise fiscal não é recente nem passageira. Desde 1991, as despesas públicas têm crescido mais do que o PIB, passando de 11% para 19% do PIB em 2014, sendo que mais de dois terços desse crescimento deveu-se ao aumento das despesas da previdência e assistência social (gráfico 1). 
Essa trajetória é agravada pelo aumento, em períodos de crescimento econômico, de despesas vinculadas à receita, como saúde e educação, que não podem ser ajustadas em períodos de desaceleração. O mesmo ocorre com os gastos com pessoal: a contratação de funcionários e os aumentos de salários em períodos de expansão não têm como contrapartida a sua redução em momentos de crise. Atualmente, cerca de 90% do Orçamento federal não pode ser ajustado em decorrência de restrições legais (ver tabela 1).
A situação é semelhante nos Estados e municípios. De cada R$ 100,00 arrecadados de ICMS em um Estado típico, R$ 62,50 já estão vinculados a alguma despesa e, do que resta, a maior parte destina-se a despesas de pessoal.
O ajuste das contas públicas em períodos de retração econômica acaba inevitavelmente sendo feito por aumento de tributos e corte dos investimentos. De 1991 a 2014, a carga tributária brasileira passou de 24% para 34% do PIB (gráfico 2), sendo entre 5 a 15 pontos porcentuais superior à da maioria dos países emergentes. 
Na década de 2000, a arrecadação tributária teve um crescimento excepcional, sobretudo em decorrência da alta do preço das commodities e do processo de formalização do mercado de trabalho, o que permitiu acomodar a expansão das despesas. Esse ciclo, porém, encerrou-se.
Parte do aumento das despesas nos últimos anos beneficiou a população de menor renda, como é o caso do Bolsa Família e da universalização do acesso à educação fundamental. Porém, muitos dos benefícios concedidos pelo setor público, e ampliados nos últimos anos são destinados a grupos com renda entre os 10% mais ricos, agravando a desigualdade em vez de reduzi-la, além de serem insustentáveis no longo prazo. Esse é o caso das aposentadorias precoces para pessoas com pouco mais de 50 anos, que beneficia a classe média alta urbana, e do crédito subsidiado a empresas selecionadas. Gasta-se com benefícios individuais e relegam-se as políticas que geram benefício coletivo, como é o caso do investimento em infraestrutura, que não ultrapassa 2% do PIB.
O ajuste das contas públicas requer que a sua gestão seja compatível com o crescimento do País, com um nível aceitável para a carga tributária e a sustentabilidade da relação dívida/PIB, o que implica: (i) reduzir a rigidez e o caráter pró-cíclico das despesas públicas; (ii) rever as regras de concessão de benefícios previdenciários e assistenciais; (iii) reforçar as regras e instituições de responsabilidade fiscal. 

Redução da rigidez e do caráter pró-cíclico do gasto. As regras de vinculação do gasto devem ser reformuladas de modo a permitir que parte das receitas auferidas em períodos de crescimento seja poupada para financiar as despesas nos momentos de retração. As vinculações de receita poderiam ser calculadas tendo por base a receita média de vários anos, permitindo diluir as flutuações cíclicas, ou, ainda, substituídas por um critério de valor mínimo, como o gasto do ano anterior, corrigido pela inflação. A meta de resultado primário para a União deveria ser ajustada pelo ciclo econômico, enquanto, para Estados e municípios, deveria ser exigida uma amortização maior da dívida na fase de crescimento, de forma a permitir o aumento da dívida em períodos de desaceleração.

Previdência e assistência. As despesas com benefícios previdenciários e assistenciais correspondem a mais da metade das despesas primárias federais, com uma trajetória de crescimento insustentável nos próximos anos, em decorrência do envelhecimento da população e do aumento real do salário mínimo. 
Para reverter essa trajetória é preciso, em primeiro lugar, substituir progressivamente o atual regime de aposentadoria por tempo de contribuição (no qual os homens se aposentam em média com 55 anos e as mulheres, com 52 anos) por um regime em que se exija uma idade mínima de aposentadoria, a exemplo do que fazem os demais países (ver tabela 2). 
Em segundo lugar, é preciso completar a mudança do regime de pensões por morte, iniciada este ano, estabelecendo que as pensões devem ser reduzidas à medida que diminua o número de pessoas dependentes da pensão, seguindo o padrão internacional.
Por fim, deve-se estabelecer uma distinção entre os benefícios previdenciários - cujo valor deve ser proporcional às contribuições realizadas - e os assistenciais, que devem ser desvinculados do salário mínimo e concedidos para pessoas com idade mais elevada que a da aposentadoria por contribuição. Não se deve conceder benefícios assistenciais equivalentes ou melhores que os benefícios previdenciários, sob pena de desestimular a contribuição. 
O Brasil pode garantir renda mínima aos idosos, incluindo quem não pode contribuir para a previdência, mas não deve conceder benefícios assistenciais cujo custo é insustentável no longo prazo. Não se trata de revogar direitos adquiridos nem de fazer uma transição precipitada, mas sim de corrigir distorções que têm um elevado custo fiscal.

Regras e instituições de responsabilidade fiscal. 
Depois de 15 anos da sua promulgação, ainda não foram regulamentados ou postos em prática dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), como, por exemplo, o art. 17, que estabelece a exigência de fontes de financiamento adequadas como precondição à criação de novas despesas obrigatórias de caráter continuado. Nos últimos anos, diversas medidas com impacto fiscal no longo prazo foram tomadas sem a contrapartida de recursos - como, por exemplo, a aprovação pelo Congresso da regra 85/95 para a previdência ou a ampliação de créditos do BNDES, cujos subsídios deverão custar R$ 184 bilhões ao Tesouro nas próximas décadas. 
Deve-se, igualmente, implantar o Conselho de Gestão Fiscal (CGF) com um número menor de conselheiros que o previsto na LRF, para torná-lo operacional. O CGF tem como objetivo padronizar os critérios de contabilidade pública para os diversos entes da Federação. Se já estivesse em funcionamento, teria evitado diversas manobras contábeis que distorceram a análise das contas públicas, tanto da União (como no uso de bancos públicos para financiar o Tesouro), quanto dos Estados e municípios (via ocultação de despesa de pessoal ou cálculos criativos do resultado primário).
Cabe rever a legislação que regula o processo orçamentário, hoje consolidada na Lei n.º 4.320/1964, aperfeiçoando, sobretudo, os métodos de estimação da receita, usualmente superestimada, e das regras de execução da despesa - geradora recorrente de crescentes restos a pagar. Adicionalmente, deve-se criar uma entidade fiscal independente - como existe em vários países - com a atribuição de fazer projeções de receitas, despesas e dívida pública, e avaliar tanto a consistência fiscal do orçamento, quanto das políticas públicas que exijam elevados gastos por muitos anos.
Os limites de despesa de pessoal e endividamento para Estados e municípios deveriam ser revistos, de modo a torná-los mais compatíveis com a trajetória de longo prazo das contas públicas, e menos determinados pelo comportamento de curto prazo da arrecadação. Além disso, deveria ser instituído um limite para o endividamento da União.
Por fim, caberia regulamentar o direito de greve no setor público, previsto na Constituição. A estabilidade no emprego e a não responsabilização por greves abusivas ou pela interrupção inclusive de serviços essenciais tem resultado em longas e sucessivas paralisações, permitindo aumentos reais de remuneração incompatíveis com a realidade fiscal e com as remunerações praticadas no setor privado e em países com grau semelhante de desenvolvimento.

2. Aumento de Produtividade
A produtividade da economia brasileira estagnou após 2010, depois de uma década com crescimento semelhante ao observado nas principais economias. O pior desempenho externo contribuiu para a nossa desaceleração. Entretanto, o retrocesso observado no Brasil, significativamente maior do que nos demais emergentes, decorre igualmente de causas domésticas. 
A complexidade do sistema tributário - caracterizado pela multiplicidade de regras e benefícios concedidos discricionariamente - resulta em uma organização ineficiente da produção, em alto custo de cumprimento da lei para as empresas e em impressionante volume de litígio tributário. 
O crescimento também vem sendo prejudicado por políticas de proteção setorial, favorecendo empresas ou setores selecionados, quase sempre sem metas de desempenho, e escassa avaliação do custo de oportunidade dos recursos alocados. Esses benefícios - como a concessão de empréstimos subsidiados, reserva de mercado e incentivos tributários - destinam recursos a setores ineficientes ou que não precisam de proteção pública, prejudicando a produtividade dos setores à frente na cadeia produtiva. As regras de conteúdo nacional que protegem a indústria naval, por exemplo, implicam maiores custos para a produção de petróleo.
As políticas de proteção setorial podem ser eficazes em casos específicos, desde que resultem em ganhos sustentáveis de produtividade, e não apenas permitam a sobrevivência de empresas ineficientes.
O excesso de regulação e os elevados custos de contratação e demissão de trabalhadores induzem uma organização pouco eficiente das empresas e prejudicam a produtividade. Paradoxalmente, a legislação e o ativismo do judiciário, que têm a intenção de proteger o trabalhador, terminam por prejudicar a geração de empregos de maior qualidade e estimular o comportamento oportunista, de empresas e trabalhadores, que resulta em informalidade, alta rotatividade e baixa produtividade. 
A produtividade do trabalho é, adicionalmente, prejudicada pela baixa qualidade da educação. O gasto do governo federal em educação cresceu 285% acima da inflação entre 2004 e 2014, mas não foi acompanhado pelo aumento dos indicadores de aprendizado, o que sugere a necessidade de melhora na gestão e na disseminação das melhores práticas de ensino.
Por fim, o crescimento da produtividade é prejudicado pela infraestrutura deficiente e onerosa para seus usuários. Os problemas decorrem do baixo investimento público, da falta de planejamento adequado, assim como da regulação ineficaz, caracterizada por agências reguladoras enfraquecidas e sem governança adequada que permita uma negociação mais eficaz dos conflitos e maior previsibilidade para a execução dos projetos.
A agenda para a melhora da produtividade é extensa. Neste artigo, concentramo-nos em três linhas de ação: (i) transparência e governança, (ii) competição, e (iii) simplificação e isonomia.

Transparência e governança. As deficiências de governança e a falta de transparência do poder público contribuem para a ineficiência do País, além de aumentar o custo das políticas públicas. Para superar essas deficiências, sugerimos um conjunto de iniciativas.
Em primeiro lugar, toda política pública deveria estar submetida à avaliação de resultados, que ampliaria o debate democrático sobre suas prioridades e seus custos, e deveria ser extensiva a todos os destinos de recursos públicos: programas previstos no Orçamento, benefícios tributários, concessão de créditos subsidiados por bancos públicos e políticas de proteção setorial.
O debate democrático, fortalecido por análises sobre os custos envolvidos, os grupos beneficiados e o impacto social e econômico das políticas públicas, colaboraria para a escolha das políticas a serem mantidas e as que devem ser reformuladas. Essa análise deve incluir os impactos sobre os demais setores produtivos e o eventual uso alternativo dos recursos públicos. As políticas devem possuir metas claras de desempenho e avaliação de resultados transparentes, de preferência por instituições que sejam independentes do gestor público responsável pela sua execução.
No caso de políticas de proteção setorial, regras críveis devem garantir a progressiva redução da proteção, seja porque a política foi bem-sucedida, e a proteção não é mais necessária, seja pelo seu fracasso, o que significa que o País pode se tornar mais rico se deixar a livre alocação de mercado destinar os recursos para outros setores.
Em segundo lugar, é preciso rever a estrutura de governança das empresas estatais, que têm sido utilizadas como instrumentos de intervenção discricionária. A criação de um marco legal e a adoção de padrões de governança que explicitem o custo de ações específicas e os limites da atuação das empresas estatais seria uma importante contribuição para a melhoria do ambiente de negócios no País. Além disso, devem ser definidos critérios mais restritos para a composição da diretoria e do conselho de administração. Não deveria ser permitida a indicação de ministros ou secretários de governo como conselheiros, mesmo no caso de vagas cabíveis ao acionista controlador (Estado), em decorrência de possíveis conflitos de interesse. 
Como princípio geral, a Lei das S/A (Lei 6.404 de 1976) deveria ser fortalecida para as empresas controladas pelo Estado. No entanto, vários dos projetos de lei em discussão sobre o tema tentam criar um marco detalhado, sobrepondo-se à Lei das S/A e gerando insegurança jurídica pelo eventual conflito de dispositivos das diferentes leis.
De modo semelhante, deve-se rever a governança dos fundos de previdência de servidores públicos e de funcionários de estatais, limitando-se a indicação de conselheiros e dirigentes por parte do governo. Deve-se ressaltar que, nesses casos, não se trata de recursos públicos, mas sim dos participantes, e que, portanto, não deveriam ser aplicados com outros objetivos que não o de garantir um retorno seguro para os beneficiários.
Em terceiro lugar, deve-se fortalecer a governança das agências reguladoras, reforçando a segurança jurídica e a adoção de políticas com objetivos de longo prazo, protegendo-as dos interesses oportunistas. Quanto maior a segurança sobre o ambiente regulatório, menor o prêmio de risco requerido e menor o custo do investimento para a sociedade. Os diretores das agências devem ser independentes e qualificados tecnicamente. Contratos de gestão, com metas de desempenho, que reflitam as prioridades da política pública, permitem a avaliação dos resultados e a substituição dos diretores em caso de fracasso.
Por fim, deve-se melhorar a transparência e a governança de entidades públicas e quase públicas, que operam com recursos compulsoriamente arrecadados da sociedade, como o FGTS, o FAT e o Sistema S, além dos sindicatos de trabalhadores e patronais, que atualmente não são obrigados a publicar balanços sobre a utilização dos recursos recebidos. A abertura dos dados sobre o montante de recursos recebidos, os programas em que são alocados e os resultados obtidos colaborariam para o debate sobre a sua eficácia e a deliberação democrática sobre a utilização dos recursos da sociedade.

Competição. Existe uma vasta literatura acadêmica documentando a relevância de um ambiente favorável à competição para o crescimento da produtividade. No caso do Brasil, diversos trabalhos estimam o efeito positivo da abertura comercial dos anos 90 sobre o aumento da produtividade, assim como o impacto negativo das políticas de proteção adotadas desde meados da década passada. 
É preciso abrir mais a economia, se possível no âmbito de acordos bilaterais ou multilaterais. A redução de tarifas de importação pode ser feita de forma progressiva, permitindo-se o ajuste das empresas locais. Isso permitiria o maior acesso a insumos e bens de capital mais eficientes, aumentando a produtividade, estimulando o aumento do investimento e a expansão da produção.
Deve-se, igualmente, rever toda a estrutura de reservas de mercado, que prejudicam a concorrência e a expansão da produção. A não ser em situações excepcionais, e que precisam ser demonstradas, a proteção a empresas domésticas - como a obrigatoriedade de a Petrobrás ser operadora única e ter participação mínima de 30% nos campos do pré-sal e a preferência concedida a empresas nacionais nas licitações públicas - tem impactos negativos sobre os preços e a produtividade, beneficiando apenas grupos específicos, em detrimento do interesse geral. 

Simplificação e isonomia. A complexidade, ineficiência e ambiguidade do sistema tributário brasileiro têm consequências negativas sobre a produtividade e o crescimento. As regras existentes permitem que empresas ou produtos semelhantes sejam tributados desigualmente, induzindo uma organização ineficiente do setor produtivo. Além disso, a multiplicidade de regras coexiste com incerteza sobre as regras aplicáveis, resultando em imenso contencioso tributário e em elevado custo de observância da lei pelas empresas. 
Daí a necessidade de se buscar simplificação e isonomia, sendo propostas três mudanças nessa direção.
A primeira diz respeito à tributação de bens e serviços. A maioria dos países adota um único imposto sobre o valor adicionado (IVA), com base ampla, uma ou poucas alíquotas e possibilidade de dedução do imposto incidente em todas as aquisições das empresas. Já o Brasil possui uma multiplicidade de tributos (ICMS, IPI, PIS/Cofins e ISS), com bases fragmentadas, legislação complexa, restrições ao crédito tributário e uma profusão de alíquotas e regimes especiais.
Deve-se ter como meta simplificar e aproximar os tributos sobre bens e serviços do modelo do IVA, substituindo os atuais por um ou, no máximo, dois tributos sobre o valor adicionado (um federal e outro subnacional, cobrado no destino), além de um tributo seletivo (sobre fumo, bebidas etc.). As propostas do Governo Federal de reforma do PIS/Cofins e de disciplinamento da guerra fiscal dos Estados apontam na direção correta, mas são tímidas frente aos desafios da melhora da tributação indireta no país.
Um segundo foco de atenção são os vários regimes simplificados de tributação, como o Lucro Presumido e o Simples. Esses regimes geram distorções importantes, decorrentes da base inadequada de tributação (o faturamento), do alto limite de enquadramento (cerca de US$ 1 milhão por ano no Simples, contra um valor entre US$ 50 mil e US$ 150 mil nos demais países), e do enorme diferencial de tributação relativamente às grandes empresas. A consequência é um sistema que estimula a abertura de pequenos negócios, mas impede o seu crescimento.
É preciso rever completamente o modelo de tributação simplificada no Brasil, e não apenas fazer ajustes no Simples. Não se trata de aumentar o custo tributário dos negócios efetivamente pequenos, mas sim de criar um modelo que trate de forma semelhante os semelhantes, que estimule a formalização do trabalho qualquer que seja o porte da empresa, e que favoreça o crescimento das empresas.
Por fim, deve-se rever a distorção na tributação da renda pessoal decorrente da forma como é recebida. Isto ocorre, por exemplo, na distribuição de lucros pelas empresas do Simples e do Lucro Presumido, que são isentos na pessoa física. A tabela 3 mostra como os regimes simplificados podem gerar enormes distorções na tributação da remuneração de um profissional, a qual pode variar de 40% do rendimento para um trabalhador formal a menos de 10% para o sócio de uma empresa do Simples.
Medidas que estabeleçam a isonomia na tributação, além de socialmente justas, contribuiriam para reduzir as distorções decorrentes da multiplicidade de regimes tributários. Deve-se, no entanto, evitar tributar duas vezes a mesma renda, deduzindo-se da base tributária dos rendimentos pessoais os impostos pagos pelas empresas.
A grave crise fiscal reflete o crescimento dos gastos públicos acima da geração de renda, fruto de um conflito entre diversos grupos sociais que buscam, via Estado, a apropriação de parcela maior da renda. A intervenção pública mal focada, a proteção de interesses privados específicos e um dos piores sistemas tributários do mundo prejudicaram a produtividade e o crescimento. Os indicadores sociais, depois de uma década de avanço, estagnaram ou retrocederam nos últimos anos. 
A boa gestão pública requer disciplina fiscal, transparência e a avaliação dos resultados sobre os benefícios concedidos. Dessa forma, pode-se deliberar sobre as escolhas públicas, as políticas a serem preservadas e as que devem ser revistas. A proteção dos grupos sociais mais frágeis é importante, mas precisa caber nas possibilidades do País. A transferência de renda para os mais ricos é injustificável. 
A crise atual impõe escolhas difíceis. Postergá-las apenas tornará ainda mais custoso o ajuste das contas públicas. A alternativa ao ajuste é o agravamento da crise e o retrocesso econômico.

Bernard Appy é diretor do Centro de Cidadania Fiscal
Marcos de Barros Lisboa é presidente do Insper 
Marcos Mendes é consultor legislativo do Senado Federal
Sérgio Lazzarini é professor titular do Insper 

Republica Companheira das Pedaladas - Gil Castelo Branco (Entrevista CB)


CORREIO BRAZILIENSE, 13de setembro de 2015

Economista Gil Castello Branco: "As estatais são a Disney dos corruptos"
Em entrevista ao Correio, fundador da ONG Contas Abertas classifica crise atual como "muito grave"
 "Como ela (Dilma Rousseff) vai explicar que, em pleno ano eleitoral, aumentava as despesas tendo consciência da situação econômica pelos relatórios do Planejamento? Não tem como"

Desde meados da década de 1980, não importa o governo, no seu encalce esteve Gil Castello Branco. Com ou sem estrutura oficial, o economista se especializou em expor benesses e desmandos na gestão do Orçamento. A habilidade já rendeu o apelido de Sherlock, em referência ao famoso detetive britânico. Foi responsável por diversas passagens na administração pública e em gabinetes parlamentares. Tudo isso até 2005. Desde então, o “detetive” da Esplanada encontrou abrigo na ONG Contas Abertas, fundada por ele mesmo.

Composta por quatro pessoas, a pequena organização foi a responsável pela denúncia inicial ao Tribunal de Contas da União sobre as pedaladas fiscais de Dilma Rousseff. Ironicamente, a primeira entidade a observar com rigor o que eram as maquiagens contábeis do governo Dilma acabou quase tragada pela crise econômica que as pedaladas agravaram. Faz um mês, a Contas Abertas teve de entregar a sala em que se situava. “Não consigo falar sobre isso sem me emocionar”, confidenciou ao Correio, com os olhos marejados. Os integrantes do Contas Abertas agora executam seus ofícios de casa: o trabalho resiste.

Gil fala ainda sobre os erros da equipe econômica, a gravidade da crise que se apresenta ao país, as dificuldades de tocar a ONG em meio à crise econômica e expõe, como sempre, as veias da corrupção no país. Contra o mal, ele vaticina, só a sociedade civil é capaz. “Somos como uma manada de búfalos trancafiada num cercado de ripa de madeira. Se nos movimentarmos, essa situação muda.”

Quão grave é o quadro econômico?
Muito grave. É, talvez, a maior crise da história da República. Esse entrelaçamento de crise econômica e política, mais a indefinição do que acontecerá no campo jurídico, nas contas da presidente e na Lava-Jato, com suas consequências, cria uma indefinição. Para quem imaginava que a solução viria pelos investimentos externos, o rebaixamento é mais uma ducha de água fria. Pelo menos uma boa parte do dinheiro não vem mais. Fico impressionado em como os investidores internacionais se preocupam e conhecem a economia brasileira muito mais do que muito economista brasileiro. É espantoso imaginar que grupos de investimentos vêm a Brasília, vários procuraram o Contas Abertas e outros especialistas não oficiais nos últimos tempos, para avaliar o que realmente estava ocorrendo, na tentativa de evitar o risco de ficar apenas com uma avaliação oficial chapa-branca.

Havia já essa desconfiança internacional com as contas brasileiras?
No ano passado, o Contas Abertas foi a um evento oficial do Banco Mundial; tivemos direito a fazer uma pergunta a Christine Lagarde e já perguntamos como ela via a situação de países, como o Brasil, que estão maquiando suas contas para obter melhores resultados fiscais. Ela ficou surpresa, não citou diretamente o Brasil, nem o excluiu, mas disse que a situação era muito grave e que alguns países já haviam tido a situação discutida no âmbito do G20. Um ano depois, a pergunta se mostrou extremamente pertinente.

A Contas Abertas foi a primeira a apontar as pedaladas fiscais, não?
Nós nos orgulhamos disso. A contabilidade criativa vinha sendo comentada há muitos anos, as dobradinhas com as estatais. Mas chamou a nossa atenção a ocorrência sistemática das pedaladas. Fomos reconhecidos por isso, inclusive pelo procurador do Ministério Público no Tribunal de Contas da União Júlio Marcelo, que foi quem levou à frente a questão das pedaladas na Corte. Enviamos ofício a ele, mostrando que estávamos observando situações absurdas, como o governo emitir ordens bancárias nos últimos dias do ano para serem sacadas no ano seguinte, para influenciar no resultado fiscal. Chegou ao absurdo de os pagamentos de janeiro ficarem maiores do que os de dezembro, para não impactar no resultado primário.

O argumento do governo é de que não era novo...
As pedaladas existem há muitos anos; nós mesmos, em nossas casas, empurramos uma dívida. O próprio governo, na década de 1980, desde a época do então presidente José Sarney, fez isso ao modificar a data de pagamento para os servidores do fim do mês para o início do mês seguinte. Isso foi uma pedalada, no bom português. O Tribunal de Contas da União já vinha fazendo sutis sugestões de que essas transferências impactavam o resultado. Só que era em escala muito menor do que o observado hoje.

Qual é a diferença entre as pedaladas de Dilma e as dos outros presidentes?
Sinceramente, a proporção e o fato disso ter acontecido no ano da campanha. Passa a ideia de que a intenção não era apenas maquiar as contas, mas criar um fato eleitoral. É um crime contra a responsabilidade fiscal e contra a Lei Eleitoral. Se a legislação não prevê isso, deveria. Chegamos a um ponto em que diversos governadores colocaram em curso a mesma prática. Houve a nítida intenção de maquiar um resultado até o limite. A presidente alega que só teve essa percepção em novembro. É a forma que ela e seu marqueteiro encontraram para mudar a acusação de mentirosa para a de desatenta. Não faz sentido você imaginar que isso não era do conhecimento público antes de novembro.

Por que?
Houve fatos graves, como os bancos pagando com recursos próprios programas do governo, sem que o tesouro repassasse o dinheiro. É tudo o que você queria impedir com a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal, na década de 1990, quando os governadores, não satisfeitos em quebrarem os estados, quebraram também os bancos estaduais. O procurador Júlio Marcelo avançou mais na denúncia das pedaladas quando pegou os relatórios bimestrais das contas do governo e confrontou com os decretos de aumento de despesas. É grave, porque quem assinava isso era a presidente. Como ela vai explicar que, em pleno ano eleitoral, aumentava as despesas tendo consciência da situação econômica pelos relatórios do Planejamento? Não tem como. Isso criou uma onda e agora, como estão evitando as pedaladas, as despesas passadas se acumularam com os restos excessivos a pagar. O governo não consegue zerar a conta.

Se é crime eleitoral, isso reforça a tese do impeachment?
O Tribunal de Contas deve fazer um julgamento absolutamente técnico. Por isso, não tem como deixar de reprovar as contas. Ele não pode fazer recomendações, porque já fez isso aos quilos, inclusive nesse sentido. Eles estão em uma situação difícil. Já aprovaram com ressalvas, já fizeram considerações e nada disso foi considerado. Pelo contrário, os problemas se agravaram.

O governo defende que as pedaladas eram aceitas anteriormente...
Não concordo. A Lei de Responsabilidade Fiscal já deixava clara a intenção de que você transferisse para a gestão seguinte um orçamento equilibrado. Pode estar escrito de uma forma mais ou menos grave, dependendo do artigo, mas a intenção era essa. E isso não ocorreu na economia. O paciente já vinha doente há tempos. Só que a doença era mascarada por um cenário externo e interno favorável. Tendo receita, ninguém se preocupou com as despesas. Quando veio a recessão, os remédios preventivos não haviam sido adotados e não o foram durante 2014 ,porque era um ano eleitoral. Só que o tratamento agora terá sérios efeitos colaterais. Pelo menos mudaram um dos médicos, mas a equipe médica ainda mantém nomes antigos. Aliás, esse é um problema. Quando Joaquim Levy aceitou trabalhar com Nelson Barbosa, as divergências já estavam explicitadas. Barbosa jamais admitiria o fracasso da nova matriz econômica que ajudou a criar. Não faria o mea-culpa e diria que errou. O confronto estava marcado. No fundo, Levy era uma âncora necessária para o governo. Ninguém, no PT ou na cúpula do governo, tinha simpatia efetiva pelo Levy, por toda a história dele como economista. Mas ele era essencial para ter a credibilidade nas contas.

A política errática do governo enfraquece Levy até que ponto?
Diria que ele recuperou forças. Dentro dessa situação, está mais forte, porque mostrou que tinha razão. Mas o governo precisa dar uma resposta imediata. Precisa dizer claramente o que pretende fazer.

Há saída sem aumento de impostos?
Para mim, não há. Quando falamos num rombo de R$ 30 bilhões, não temos mais como imaginar que os cortes em despesas periféricas resolverão isso. Hoje, se somássemos corte com vigilância ostensiva, festas, publicidade, locação de imóveis e outros gastos discricionários, eles representariam R$ 19 bilhões. O Planalto diz que cortará 40%, mas isso não significa nem um terço do que precisa ser cortado. Por aí, não vai.

O governo acha que não há saída sem reformar a previdência...
Ao analisar os gastos da União, você vê que o pessoal não é o vilão. O que saltou muito foram as transferências constitucionais, Bolsa Família, aposentadorias, pensões, benefícios. Tudo isso reajustado pelo mínimo, que cresceu acima da inflação. Isso gera uma distorção que tende a se agravar com a questão da nossa pirâmide etária estar se invertendo, temos um fim do bônus previdenciário. Então, temos um problema que não é apenas para o ano, mas para as próximas décadas. Um imposto temporário vai atenuar a situação no momento. Mas, sem reestruturar as despesas, o problema ressurge. Temos 130 mil novos servidores na máquina pública. Só a Presidência tem 18 mil funcionários, se somadas secretarias, agências e outras estruturas que foram sendo penduradas no Planalto ao longo do tempo. Só de cargos comissionados e DAS, são 7 mil. A tribo cresceu, cresceu o número de caciques. Há um inchaço aí.

Você tem comparação com outros países?
Na quantidade de pessoal, não, mas a gente escutar da presidente na semana passada, naqueles movimentos erráticos, que não tinha mais onde cortar, numa estrutura em que você tem 39 órgãos com status de ministério, 100 mil cargos, funções de confiança e gratificações, uma Presidência com 18 mil pessoas. Uma estrutura que incorporou 130 mil pessoas de 2002 para cá, 4 mil DAS e 30 mil cargos e funções de confiança. Meu Deus! Não é só imaginar que vai cortar 10 ministérios. É preciso repensar o Estado. O único verbo que a Esplanada aprendeu a conjugar é cortar. O ângulo é só o fiscal. Se você tiver uma receita superior à despesa, tudo bem. De repente, você se depara com uma recessão, a receita murcha e a despesa está grande demais. O que fazer? O governo demonstra uma falta absoluta de planejamento.

Os governos se assemelham?
Ao longo da minha vida, acompanhando gastos, perdi aquela ilusão de separações de esquerda, direita, o bem e o mal. Hoje em dia, prevalece o interesse político-partidário pessoal sobre interesses maiores. Infelizmente. Com todo esse linguajar entre Executivo e Legislativo, emendas e cargos. Nem sei como é que eles passariam a se relacionar se um dia acabasse essa linguagem de cargos e emendas parlamentares e favores. Tudo converge aí. Cada um enxerga a reforma política olhando seu umbigo. A situação é dramática por isso.

Há o que cortar?
Veja: 74% dos DAS são cargos de funcionários concursados. Acaba com o ministério e aquilo vai virar uma secretaria em algum lugar. Ganhou o quê? A diferença do DAS 6 para o 5: menos pessoas viajando nos jatinhos da FAB, menos pessoas nas salas VIP, menos assessores e carregadores de mala, menos empáfia. Tudo isso vai melhorar. E também a gestão. É impossível imaginar que a presidente consiga despachar com os 39 ministros. Reunião ministerial passou a ser quase um comício.

No Ministério do Esporte, teve a chance de descobrir como a máquina funciona?
Estive várias vezes em cargos públicos e estou terminantemente proibido pela minha mulher de assumir outro. Ela disse que nunca mais. Ela acha que não tenho temperamento para isso, porque onde chego, cria-se uma situação. Começou no governo Sarney, com a questão dos imóveis. O ministro João Batista Abreu (do Planejamento) tinha sido meu professor de microeconomia na PUC-RJ. Ele me chamou para trabalhar com os imóveis funcionais. Disse: “Isso é um balaio de gatos. Entra de sola”. Fiz 79 despejos. Até que chegou no Cafeteira(governador do Maranhão à época). A mulher do governador tinha apartamento funcional em Brasília. Ela não podia sair.

Quando tempo você ficou lá?
Sempre passava quatro meses. Depois, início do governo Collor, foram alguns meses. Saí até processado, devido a um desentendimento. No governo Collor, me chamaram porque eu tinha estado no caso Cafeteira e saí brigado. Pensaram: o Gil é emblemático. E me chamaram para vender os imóveis. Lá fui eu. Naquela época, se você dissesse para o servidor, ‘olha, vou dar o imóvel para você’, ele dizia assim: ‘Mas não vai pintar antes, não? Você já viu o estado em que está?’. A minha posição era defender o Estado. Um cidadão me acusou de dificultar a venda para atender a grupos imobiliários da cidade. Ele foi ao ministério e aí houve o desentendimento.

Aí, você saiu?
Sim. Acabei indo para o patrimônio da União e fiquei apenas quatro meses, porque não tive coragem de assinar nenhuma daquelas concessões de áreas, o aforamento. Você cede uma área da União para uma pessoa. Às vezes chega o cara com uma certidão de mil novecentos e antigamente, que comprou de um índio aquele imóvel. Hoje, está mais difícil, mas os cartórios antigamente produziam documentos de centenas de anos atrás. Então, eu digo o seguinte: para trabalhar na Esplanada precisa ter estômago...

E ter cuidado com o que se assina...
Tudo o que você assina é um risco. Tinha um hábito: colocar uma caixa de papelão do meu lado. Tudo o que assinava, que achava que era mais delicado, pedia para a secretária tirar uma cópia e colocava na caixa.

Você tem isso guardado até hoje?
Alguns desses, sim. Dentro da minha garagem. Aconselho isso para qualquer servidor. Porque, daí, quando você vai embora, você não sabe o que vai acontecer. Está fora e não tem mais como se defender. Então, é uma forma de se proteger.

Com Agnelo você ficou quanto tempo?
Mais ou menos seis meses. Prefiro apagar o Agnelo da minha vida. Era secretário executivo num ministério que era ninho do PCdoB. E era ali uma pessoa completamente fora do contexto. Sequer conseguia marcar uma reunião com os secretários. As pessoas eram do PCdoB e achavam que não deveria estar ali. Então, a saída foi essa: ou Agnelo tomava uma atitude com aquelas pessoas, ou eu estava fora. Como vi que ele não tomou atitude nenhuma, resolvi sair.

Você se achou numa ONG depois de passar por todos esses cargos?
A ONG completa 10 anos em 9 de dezembro, Dia Internacional de Combate à Corrupção. Somos quatro pessoas. De tudo o que passei, foi o que me deu mais satisfação. É algo em que você se sente útil e não está ali tendo que receber parlamentar para construir uma quadrinha em determinado lugar, ou conceder um imóvel funcional para alguém, ou assinar aforamento de terra para um político qualquer. Cheguei à conclusão, e a minha família idem, de que não tenho espírito para o setor público. Também não tenho para ser político. Nunca fui filiado a qualquer partido. A minha intenção é mostrar que a sociedade pode fazer muito mais do que imagina.

Vocês entregaram a sala. Por quê?
Nosso estatuto diz que é terminantemente proibido receber recursos públicos. Então, com a nossa expertise de entrar no Orçamento e buscar algo que interesse a distintos segmentos, a gente produzia levantamentos. Fizemos para o Banco Mundial, o Unicef. Esses levantamentos, nós cobramos, claro. Recebemos o prêmio Esso de melhor contribuição à imprensa, da ONU por contribuição ao combate à corrupção, ganhamos um prêmio da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo). Mas não temos dinheiro para manter a organização no seu dia a dia, a não ser custear as quatro pessoas. O que tem remuneração hoje se limita a três contratos: Confederação Nacional dos Municípios, Fiesp e CNI. Temos essa ideia de que a sociedade pode mais. Nunca tivemos tanto prestígio, mas a ONG nunca teve tão pouco dinheiro, embora eu não troque um pelo outro.

Ficou no governo até quando?
Segui servidor dos Correios, mas sempre requisitado por outros órgãos. É mais fácil dizer por qual ministério desses não passei. Quando me aposentei, montamos a ONG.

Você e o Augusto Carvalho?
Fui o primeiro a assinar a sua constituição. Augusto Carvalho foi o segundo. Quando ele foi para a Secretaria de Saúde, fui contra. Conhecia o Augusto. Ele não conseguia administrar o gabinete, imagine a secretaria. Então, fizemos uma ata registrada em cartório em que ele se desligava de todas as funções. Saiu do Contas Abertas. E foi o grande salto da gente. Tirou a ideia de uma associação política, porque, embora eu fosse o primeiro, ele era o mais conhecido. Na verdade, servimos (Gil e Carlos Brenner) de escada para muitos políticos. Augusto, Agnelo, todos saíram com fama de fiscalizador. Trabalhamos também com Denise Frossard, Roberto Freire, Eduardo Paes.

Eduardo Paes?
Sim, quando ele foi deputado, no governo Lula. À época no PSDB, ele ligou para FHC e perguntou : ‘Presidente, o senhor se lembra daquele pessoal que entrava no Siafi e fazia uns levantamentos?’ FHC respondeu: “Claro, esse pessoal infernizou a minha vida.” Quando ele era presidente, pegamos compras de pão de mel, fundo social de emergência comprando goiabada. Então, quando o Paes perguntou o que ele achava de nos contratar, FHC respondeu “Ótimo!”. Moral da história: transparência é muito boa no governo do adversário.

Hoje é tudo aberto?
A transparência foi muito ampliada com o boom da informática e da internet. Hoje, abriu. Antes a gente fazia com exclusividade. Éramos cinco pessoas, no Congresso.

E o DF? O que Rollemberg pode fazer em relação a esse rombo?
Acho extremamente importante preservarmos a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Você tem 19 estados que estão na zona de risco. Brasília entra nisso. O Rio Grande do Sul é o extremo. Além de ter comprometida uma parte expressiva da receita corrente líquida com pessoal, está extremamente endividado. Vimos o fim do governo Agnelo. Ninguém nos contou. Vivenciamos. Se não houvesse uma situação de penúria, ele teria pagado as contas. Não daria um tiro no próprio pé. Isso fez com que o Rodrigo recebesse uma situação dificílima.

Que problemas você vê na LRF?
A lei perdeu o efeito preventivo. Embora os tribunais de contas alertem os estados, isso não impede que acabem comprometendo os princípios da lei. A situação se torna grave porque as punições demoram muito. Uma situação do governo Maria de Lourdes Abadia, com o secretário de Fazenda, Valdivino Oliveira, em 2006, é um exemplo. Houve um questionamento se teriam infringido a LRF. O MP fez o que seria cabível: encaminhar ao TCE. O TCE não puniu, o MP insistiu no assunto e, no ano passado, Janot abriu uma investigação. Quase dez anos depois. Isso podia ser mais rápido. Se demorar a punir, a Justiça não é feita. Se (Agnelo) tiver culpa de ter deixado essa herança, e tudo leva a crer que tem, deve ser punido imediatamente.

A LRF não tem sido respeitada...
Tem sido rasgada todos os dias. É rasgada no governo federal, nos estados, nos municípios. E aquilo que era uma conquista da sociedade está se perdendo, justo agora, ao completar 15 anos. É preciso ampliar o debate. Veja o caso da Lei Complementar 131, aquela lei que obrigou União, governos estaduais e prefeituras a terem um portal para saber o que comprou, de quem comprou, por quanto, a quantidade. Mas não foi implementada por completo. O problema parece estar na impunidade. É lamentável que a lei não seja cumprida. Porque, como ela é uma emenda à LRF, a punição é clara: suspender as transferências voluntárias. Como imaginar que ainda tem gente que não cumpre a lei a essa altura do campeonato?

O que acha da Lei de Acesso à Informação?
É essencial para o controle social. Mas a transparência tem camadas. Tem pessoas que vão querer entrar no site do Portal da Transparência da CGU para ver quanto a Dilma Rousseff está ganhando. E isso está lá. Mas tem entidade, como o Cfemea, o Inesp, o Contas Abertas, que fazem avaliações mais profundas. Até me surpreendi favoravelmente dias desses. Hoje, a Contas Abertas tem uma senha do Siafi, do Tesouro Gerencial, que é o que há de mais moderno. E essa senha me foi concedida pelo (Joaquim) Levy. Foi a primeira vez que aconteceu isso nos 10 anos da Contas Abertas. Já tinha feito esse pedido várias vezes. E pedi a senha de novo. Aí, daqui a pouco chegou uma resposta por e-mail: “Favor comparecer à Secretaria de Fazenda Nacional...”. Pensei: “Será?”. Mas, dois dias depois, chegou lá no e-mail a autorização. Fomos entrando e vimos que ela tinha acesso total aos dados. “Caramba, eles deram mesmo”, pensei.

Será que não foi por engano?
(Risos) Não, o Levy fez isso. Mas há outros pontos. Todas as estatais estão envolvidas num escândalo. Digo que as estatais são a Disneylândia dos corruptos. Você tem muito dinheiro, muita ingerência política e pouquíssima transparência. Elas têm todos os requisitos para a corrupção prosperar. Você pega uma estatal e vê tudo que elas movimentam: R$ 1,3 trilhão por ano. Isso é praticamente o PIB da Argentina. O investimento, só da Petrobras, é muito maior do que o investimento da União. Muito dinheiro, ingerência política, pouca transparência. É o paraíso dos corruptos. Que tal, nessa altura do campeonato, ter acesso ao Sistema de Informação das Empresas Estatais (Siest)? A LDO me dá claramente esse direito, como entidade da sociedade civil devidamente autorizada. Mas já pedi ao Planejamento, e ele negou. Pedi aos Transportes, o Siac do Dnit. Todos negaram.

Isso não é desestimulante?
Tem uma história mais emblemática. Um amigo da CGU me mostrou um novo sistema. Sim, a Esplanada tem uma rede do bem, um exército Brancaleone. Esse cara me mostrou o sistema que tenta reduzir gastos com passagens e diárias. A CGU montou um sistema, o Observatório de Despesa Pública, que sabe quantas passagens determinado ministério comprou, o preço e a data da compra. Mostra qual foi o preço médio das passagens, com que antecedência foi comprada. Você pode fazer um campeonato: quem está comprando mais barato e quem está comprando com mais antecedência. Esse sistema elenca vários tipos de despesas, criando um constrangimento para quem comprou mal. Achei isso muito bom e pedi acesso. Levy vem falando isso corretamente: não é controlar os gastos dizendo “corta 10%, 20%”. É controlar melhorando a gestão.

E aí não ganhou a senha?
Pedi ao primeiro nível, negado. No segundo nível, negaram também. Agora, recorri ao terceiro nível, o do ministro. Devem negar também. Eles querem uma parceria com o controle social, mas não dão instrumentos.

É uma transparência limitada.
Qual deve ser o receio deles: que se faça uma matéria mostrando quem está comprando melhor. Mas qual é o mal disso? Isso tem de ser exposto. Se a CGU, que se arvora como a mãe da transparência, nega, o que esperar de uma prefeitura do interior de um estado do Norte. Em um país com dimensões intercontinentais, como o Brasil, os controles têm de se complementar. É o controle externo, interno, o controle social. É uma honra participar disso. É o prestígio sem dinheiro.

Qual é o caminho para o cidadão fiscalizar as contas dos governos?
Pelo Portal da Transparência, da CGU. Agora, para as entidades que realmente fiscalizam os gastos públicos com mais profundidade, aí, o melhor, disparado, é o Siga Brasil, do Senado. Primeiro, que o Portal da CGU só tem do Executivo, não tem do Legislativo ou do Judiciário. Em segundo lugar, o Portal da Transparência só tem uma despesa paga, você não tem aquela relação entre quanto está no orçamento e quanto foi pago.

Como é a relação com Brasília?
Meus filhos são daqui, a minha mulher também. Eu gosto da cidade, embora me incomode um pouco com esse clima excessivamente político. Mesmo trabalhando fora do governo há mais de 10 anos, tenho de tomar os meus cuidados. Você nunca vai me ver bebendo, não tem a menor chance. Tomo as minhas preocupações e isso excede os meus princípios morais. É uma questão de absoluta prudência. Isso me incomoda, mas não deixo de aproveitar a cidade, o lago é o meu paraíso. Tenho uma lancha. Vou para o lago todo o fim de semana, chova ou faça sol. Nem gasto muito combustível, saio dali do Iate, paro ao lado da UnB, num lugar tranquilo. Ligo o som, pego o jornal. Aquilo me dá a higiene mental para começar a segunda-feira de novo.

O senhor sofre perseguição?
Em Brasília tem a rede do bem, mas também tem a rede do mal.
Sim, tem a rede do mal, então você tem de navegar com cuidado. Não sou uma instituição, não sou um jornal, o processo vem em cima de mim, então tenho de tomar certos cuidados.

E qual é o caminho buscado pelo senhor?
Fortalecer a sociedade, mostrando que a sociedade civil pode muito mais do que ela própria imagina. Somos como uma manada de búfalos trancafiada num cercado de ripa de madeira. Se nos movimentarmos, essa situação muda.

E também há um desafio, uma mudança de mentalidade.
Você não muda uma cultura porque simplesmente assinou um papel. Oitenta por cento dos municípios não regulamentaram a Lei de Acesso, diversos estados. É muito difícil mudar a ideia do secreto, a ideia do burocrata de que sentar sobre a informação é poder. Você convencer o servidor, o burocrata, de que informação é um bem público e não um favor, é algo difícil. E tem também alguns tabus. Não sei se vocês se lembram, mas a Prefeitura de São Paulo foi a primeira a divulgar o salário dos servidores, na época do Kassab. E aquilo gerou um questionamento que foi bater no STF, teve até despacho do Gilmar Mendes. Aí escrevi um artigo sobre isso, defendendo a abertura dos salários, o acesso à informação. Dentro do princípio de que o patrão do servidor é o cidadão. Era ali por 2009. Lembro que a minha mulher leu meu artigo e disse: “Acho que agora você está indo longe demais”.

Qual cargo público mais agradou?
Em todos os cargos tive problemas. Minha duração sempre foi efêmera porque logo, com alguns meses, tinha que enfrentar graves problemas. O Cafeteira era um, a venda dos imóveis funcionais, outro. O Patrimônio da União era uma pressão brutal, aí aumentei os preços dos aluguéis e o mundo desabou em cima de mim.

Como sobreviver no serviço público?
Tem de ser tolerante. Senão, as pessoas o acusam de não ter jogo de cintura. Dizem que não tenho habilidade política e que, em certas circunstâncias, até deixo o ministro mal. Por exemplo, o João Batista Abreu. Quando aconteceu o negócio do Cafeteira, ele nem me recebeu. O chefe de gabinete disse: “Gil, você vai deixar o ministro mal”. E disse: “Eu? Ele me mandou entrar de sola, fiz 79 despachos, e só o Cafeteira não pode sair? Com que cara volto? Então, você tem de arrumar outro cara. Mudou a orientação, agora não é mais entrar de sola”. Aí o camarada corta a relação. Sarney tinha ligado para o João Batista Abreu para resolver o problema, não resolvo e decido sair. A Esplanada é uma máquina de moer pessoas do bem. Se você se prender a princípios éticos, vai enfrentar dificuldades. Isso acontece na Esplanada e no Legislativo. É um dos motivos pelos quais jamais seria candidato. Prefiro fugir desses ambientes. Tenho a minha independência, me dou com quem quero. Na época do FHC, os partidos de esquerda achavam ótimo o que fazia. Hoje é o contrário. Acho engraçado, mas digo que continuo fazendo a mesma coisa.

How Brazil got junked (it could have happenned sooner) - Economist

Attack of the rating agencies
Brazil junked
The mystery is why it didn't happen sooner
The Economist, September 10th 2015 | SÃO PAULO

WHEN Dilma Rousseff, Brazil's president, presented a budget with a gaping primary deficit (before interest payments) of 0.5% of GDP last week, many (including this newspaper) despaired. It was only a matter of time, the worriers warned, before such fiscal incontinence would cost Brazil its cherished investment-grade credit rating. Few expected the raters to react quite so quickly. On September 9th Standard & Poor's, which in 2008 had led the way in upgrading Brazil to respectability, became the first agency to downgrade the country's foreign-currency government debt back to junk. S&P has kept Brazil on negative watch, saying it has a one-in-three chance of sinking deeper into speculative territory.
To some extent, S&P's decision had been priced in already. For months the cost of insuring Brazilian government bonds against default has been higher than for Turkish ones, which are rated as junk. Following last week's budget announcement the real slid by 6% against the dollar. 
As our article went to press markets were nevertheless bracing for a jumpy Thursday (S&P moved after they closed the night before). In after-hours trading in New York, a basket of Brazilian equities lost 4%; Petrobras, the state-controlled oil giant, saw its American-listed shares drop by 5%. Another hint that not everything was priced in, notes Alberto Ramos of Goldman Sachs, an investment bank, were the 200 anxious e-mails which flooded his inbox in the hour following S&P's announcement.
Some capital flight is inevitable. Pension and mutual funds which can only hold investment-grade assets will now offload Brazilian government bonds at a brisker pace, in anticipation of similar downgrades by Moody's and Fitch (typically, two of the big three rating agencies need to declare junk status to force divestment). This will not cripple Brazil of today, with its diversified economy and plump foreign-exchange reserves, as it might have in more chaotic days. But the government's already-high borrowing costs will rise further, raising the risk of another downgrade. Capital will also become pricier for companies. None of this will help Brazil shake off the recession it slid into in the second quarter. 
How politicians will react is less clear. The downgrade is certainly a slap in the face for the finance minister, Joaquim Levy, a hawkish former investment banker brought in last year mainly to prevent it. To be fair, many of his proposed fiscal measures, including modest cuts to welfare spending, were watered down by an unruly Congress over which Ms Rousseff—with her popularity in single digits and a huge corruption scandal plaguing her coalition—has no control. Only Congress can unlock the roughly 90% of the budget that is currently ring-fenced, that it might be sheared. S&P may yet motivate them to do so. Then again, now that the cosh has fallen, congressmen (and ministers inimical to Mr Levy's belt-tightening) may conclude that further austerity is pointless. It wouldn't be the first time.

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Só ficou faltando dizer quem vai fazer tudo isso, pois o governo que está aí não tem a mínima condição de implementar sequer um terço do que está exposto.
Paulo Roberto de Almeida

Opinião
Respostas à altura da crise
Armínio Fraga Neto
O Globo, 13/09/2015

Com frequência se diz por aí que nunca se viu situação econômica tão ruim quanto a atual. Discordo. Entre 1982 e 1993, a “década perdida” do caos da hiperinflação e da moratória externa, o Brasil amargou queda na renda por pessoa de cerca de 1% ao ano!

Mas o Brasil vive hoje, sim, uma crise grave, que escancara as consequências do modelo político e econômico atual.

Esse modelo se caracteriza pela captura, pelo agigantamento, pela incompetência e falência do Estado. Captura por interesses partidários e privados, que sem nenhum escrúpulo montaram não um, mas dois enormes esquemas de corrupção voltados para sua preservação no poder e enriquecimento pessoal. Agigantamento porque o gasto público se aproxima de 40% do PIB, um número elevado, especialmente para um país de renda média. Incompetência, por não entregar os serviços de qualidade que a sociedade demanda, apesar dos recursos despendidos. E falência pela perda da disciplina fiscal, fator que pesou na recente perda do grau de investimento, com destaque para a admissão pelo próprio governo de sua incapacidade de manter um superávit primário capaz de evitar a explosão da dívida pública.

Estamos em maus lençóis, pois não há na História caso de país que se tenha desenvolvido plenamente sem um Estado decente, eficaz e solvente.

Outras características do atual modelo econômico incluem elevado grau de dirigismo, claro desprezo pela eficiência em geral, e pelo mercado em particular, relativo isolamento do mundo, má alocação do capital (em boa parte feita pelos bancos públicos), políticas setoriais mal desenhadas, um sistema tributário complexo, que distorce e encarece a atividade empresarial, e um aparato regulatório desprestigiado e em alguns casos mal tripulado. Não surpreendentemente, a produtividade da economia vem sofrendo bastante.

As consequências disso tudo, em boa parte previsíveis, estão aí, visíveis a olho nu: juros estratosféricos, incerteza elevada, baixo investimento (especialmente em infraestrutura), profunda recessão e, o que é pior, uma economia incapaz de crescer. Os impactos sociais já se fazem sentir e tendem a se agravar. A esta altura não se pode descartar a hipótese de que o segundo mandato da presidente Dilma Rousseff seja o início de uma nova década perdida.

Esta crise requer tratamento proporcional ao seu tamanho. Isso não tem sido possível em razão de barreiras ideológicas e de incompetência, além das naturais dificuldades de um governo corrigir algo feito por si mesmo, e da crise política, que deve perdurar.

Não surpreende, portanto, que a atual resposta à crise não venha obtendo bons resultados, limitando-se, na prática, a alguma austeridade fiscal, ao aperto monetário (posto que a inflação está há tempo bem acima da meta), à liberação de preços e ao anúncio de algumas boas reformas, no geral não implantadas. Ao mesmo tempo, medidas irresponsáveis do ponto de vista fiscal vêm sendo aprovadas, como o Plano Nacional de Educação (tema crucial, solução inadequada) e a revogação do fator previdenciário. Ademais, a queda nos preços das exportações e as paralisantes implicações de curto prazo da mais do que bem-vinda Lava Jato agravam ainda mais o quadro.

Com o intuito de ajudar a mapear os desafios no campo econômico, e sem ilusões quanto à superior importância da política em fazer as opções certas e conduzir o processo, listo abaixo dois conjuntos de respostas à crise. Se posto em prática, o primeiro sinalizaria o entendimento do Executivo e do Legislativo quanto à gravidade da situação. O segundo lista algumas questões mais fundamentais para que o Brasil volte a crescer e se desenvolver. As dificuldades de se efetuar um ajuste fiscal rápido são bem conhecidas: recessão, rigidez do gasto e a já elevada carga tributária.

Acredito que uma forma de ganhar tempo e afetar positivamente as expectativas seria compensar um inevitável gradualismo no ajuste com medidas que afetem positivamente a solvência do País no longo prazo. Outro campo fértil é o lado da produtividade, de natureza mais microeconômica, que merece bem mais espaço do que tenho aqui hoje.
Medidas emergenciais: 
1) Metas de saldo primário de 1%, 2% e 3% do PIB para os próximos três anos, baseadas em premissas realistas e em receitas recorrentes (as metas atuais não estão sendo cumpridas e de qualquer forma são insuficientes).
2)  Aprovação da idade mínima de 65 anos para a aposentadoria de homens e mulheres (para gerações futuras) e reaprovação do fator previdenciário.
3) Desvinculação do piso da Previdência do salário mínimo (a vinculação é cara e regressiva).
4) Introdução de um limite para a dívida bruta do governo federal como proporção do PIB.
5)  Reforma do PIS/Cofins e do ICMS já proposta, acrescida da unificação e simplificação das regras do ICMS (por muitas razões, inclusive a integração interna do País).
6)  Mudança das regras trabalhistas também na mesa (em que o negociado se sobrepõe à lei).
7)  Aumento da integração do Brasil ao mundo (um primeiro passo seria transformar o Mercosul em zona de livre-comércio).
Sem algo nessa linha a crise deve se aprofundar e alongar.
Medidas mais fundamentais relativas ao Estado:
1) Discussão sobre o tamanho e as prioridades do Estado (requer limite ao crescimento do gasto, o que, por sua vez, demanda as reformas abaixo).
2)  Fim de todas as vinculações e adoção de um Orçamento base zero (sem prejuízo de espaços plurianuais, nunca permanentes).
3)  Meritocracia e a boa gestão no setor público.
4) Revisão da cobertura da estabilidade do emprego no setor público.
5) Revisão do capítulo econômico da Constituição (adotar a economia de mercado. Qualquer interferência do Estado deverá ser justificada e seus resultados posteriormente avaliados).
Sem algo nessa linha o Brasil dificilmente se desenvolverá plenamente.

*Armínio Fraga Neto é economista