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quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Eugenio Gudin: 130 anos de sabedoria - Ricardo Vélez-Rodríguez (Blog Rocinante)

O RENASCIMENTO DE GUDIN

Eugênio Gudin (1886-1986) o maior pensador liberal da economia brasileira. (Foto: Divulgação)

A tresloucada marcha do Estado brasileiro como gestor da economia ao longo das últimas décadas, notadamente durante os governos petistas, colocou sobre o tapete a atualidade do pensamento de Eugênio Gudin (1886-1986), que muita gente achava coisa do passado. As ideias liberais passaram a ser alcunhadas de “Neoliberalismo” tout-court, abusando de um termo que virou xingamento da esquerda patrimonialista.

Gudin renasce, no 130º aniversário do seu nascimento, nesta quadra confusa da história brasileira. E renasce justamente ao ensejo das desgraças protagonizadas pelos que tentaram censurá-lo. Este artigo visa a destacar algumas das teses do grande professor, mostrando como elas iluminam a atual quadra da nossa vida política. 

Serão desenvolvidos os seguintes itens: 1 - O Capitalismo Naturalista. 2 – A racionalidade social e o livre mercado. 3 – A irracionalidade social decorrente da interferência do fator político na economia. A guerra. 4 – A irracionalidade social e o planejamento estatal no Brasil. 5 – Capitalismo e democracia no Brasil: perspectivas.

1 - O Capitalismo Naturalista

O surgimento do Capitalismo, para Gudin, não tem nada de abstrato nem de acidental. É tão verificável quanto o aparecimento da máquina a vapor da era Industrial. O nascimento desta era da economia, bem como seus passos, são realidades perfeitamente cognoscíveis. Constituem fatos concretos da História humana. 

O “Capitalismo Naturalista” estudado por Gudin se caracteriza porque é a etapa da História da economia em que o Capital, aliado ao Trabalho e à Criatividade dos agentes econômicos, dá ensejo à era da industrialização que produz a satisfação das necessidades humanas básicas numa escala planetária, fazendo com que todas as Nações se inter-relacionem com equilíbrio e constituam, assim, a máxima manifestação da racionalidade humana. 

O começo da sua etapa decisiva, segundo o economista, “(...) pode ser referido ao ano de 1772 em que, pela primeira vez, se operou a redução do minério de ferro pelo coque metalúrgico. As suas grandes etapas foram a da navegação a vapor no princípio do século, a da locomotiva de 1827, a do Conversor Bassemer em 1856, a da eletricidade industrial e da hulha branca no último quartel do século, a do motor de explosão, do automóvel e da indústria do petróleo em seu último decênio e, por fim, a do cinematógrafo e da aviação no limiar do século XX” [GUDIN, Aspecto econômico do corporatismo brasileiro, 1938, pg. 7].  

Poderíamos adicionar um fato relevante, na área da educação e da pesquisa, que acompanha a Revolução Industrial: a criação, na França, em 1794, após a Revolução Francesa, da Escola Politécnica, que passou a tratar, ao lado da tradicional Universidade nascida na Idade Média, do ensino das ciências e da tecnologia. [1] Ora, esse ensino, até finais do século XVIII, tinha ficado relegado às Academias, que surgiram fora das instituições universitárias na Europa, como ocorreu na Itália de Galileu Galilei (1564-1642) e de Leonardo da Vinci (1542-1519), na Inglaterra de Robert Boyle (1627-1691) e de Isaac Newton (1643-1727) e na França dos marqueses Pierre Simon de Laplace (1749-1827) e Nicolas de Condorcet (1743-1794).

Immanuel Kant (1724-1804) saudou o novo momento econômico da industrialização, nos estudos dedicados à Antropologia (entendida como saber pragmático acerca do homem), caracterizando-o como uma Criação Cosmopolita[2] A respeito dessa característica globalizante e integradora da nova economia, frisava Gudin: “As estradas de ferro, os motores de explosão, a navegação a vapor arrancaram os povos do isolamento em que viviam, ligando-os pelos laços de uma sociedade econômica em que a produção do planeta se espalha e distribui pelo mundo inteiro. O transporte industrial, permitindo a organização de socorros em grande escala, acabou com os quadros tétricos, que tanto registra a história, de populações dizimadas pela fome, pela seca e pelas epidemias” [GUDIN, Capitalismo e sua evolução1936, pg. 27].

Essa etapa de evolução da economia mundial sob a égide da industrialização já vinha sendo preparada desde o período renascentista, que sacudiu a pesada estrutura do saber medieval centrado na Teologia Escolástica, a fim de abri-lo às ciências e às técnicas. A respeito escreve Gudin: “A evolução social e econômica retoma o seu curso com o Renascimento, em ritmo de progresso acentuado desde o século XVI até o último quartel do século XVIII, que registra o maior acontecimento da história econômica da humanidade: o advento da civilização industrial”[GUDIN, Para um mundo melhor,  1943, pg. 99-100].

O equilíbrio “estático” medieval é sacudido, após o Renascimento, pelo florescimento da economia, das técnicas e da cultura nas cidades italianas. “A história – frisa Gudin - nos revela períodos, por vezes longos, como o da fase negra da Idade Média, em que o mundo se apresentava em estado de estagnação econômica e social correspondente a um equilíbrio estático. São períodos de exceção” [GUDIN, Para um mundo melhor1943, pg. 99].

Ao ensejo das mudanças ocorridas na economia com o surgimento do Capitalismo e da Revolução Industrial, frisa Gudin: “(...) puderam ser montados no mundo inteiro os laboratórios de pesquisas científicas, com que a humanidade, há quase um século, perscruta os segredos da Natureza. Graças ao microscópio, produto da indústria, pôde Pasteur realizar a imensa obra de benefício humano que o imortalizou. Graças ao aparelhamento industrial atingimos um ‘standard’ de vida, que faz com que simples operários de hoje tenham mais conforto do que príncipes de outros tempos ou do que Marx e Engels há menos de um século. Não são sequer comparáveis os instrumentos com que a humanidade de hoje se defende do frio, da fome, das intempéries, das infecções e de todas as adversidades que a Natureza pôs no caminho penoso do ‘homo sapiens’. Ninguém de boa fé negará esses truísmos” [GUDIN, Capitalismo e sua evolução, 1936, pg. 27-28]. 

O economista elenca os grandes avanços que, na área técnica e no progresso econômico, a Humanidade experimentou com o surto do capitalismo na era industrial, ao longo do século XIX. Não deixa de registrar o fato apontado por Ortega y Gasset (1883-1955) em A rebelião das massas (1928), [3] do significativo aumento da população na Europa, em decorrência da melhora das condições de higiene, saúde e produção de alimentos. Eis as palavras de Gudin: “À redução do minério de ferro pelo coque metalúrgico e à máquina a vapor, seguem-se, em rápida sucessão, na primeira metade do século XIX, a navegação a vapor, a locomotiva e as estradas de ferro. A segunda metade desse século é como uma feira de mágicas em que, juntamente com as descobertas de Pasteur, aparecem o motor elétrico, o telefone, as turbinas hidráulicas e a vapor, a lâmpada incandescente, o transporte de energia a distância. O último decênio do século ainda assiste ao advento do motor a explosão, do veículo automóvel e à infância da aviação. Foi um período de verdadeira exaltação do progresso, cujo ritmo vertiginoso absorvia todas as energias humanas. Era como que uma fronteira, no sentido de progresso de civilização que a essa palavra dão os americanos. O século XIX assistiu a um crescimento da população da Europa, superior ao do conjunto dos quatro séculos que o precederam. Mas toda essa população era rapidamente absorvida na febril atividade da fronteira na própria Europa ou na América. Não havia tempo para cuidar dos problemas de justiça social nem de uma mais equitativa distribuição da riqueza entre os homens. Tratava-se de conquistar a riqueza e haveria sempre tempo de cuidar, mais tarde, de uma melhor repartição. Foi essa a conjuntura econômica e social que Marx conheceu e profligou na incandescência de seu espírito revoltado” [GUDIN, Para um mundo melhor, 1943, pg. 100-101]. 

O rápido crescimento da produção industrial levou à expansão da fronteira econômica da Europa. Novos mercados iam-se, assim, abrindo. A propósito, frisa o nosso autor: “Tão acelerado foi o ritmo de progresso da produção industrial nos países do Ocidente europeu, que eles se acharam, ao cabo de alguns decênios, na contingência de procurar, fora de suas fronteiras, novos escoadouros para essa produção” [GUDIN, Aspecto econômico do corporatismo brasileiro1938, pg. 7].

A ampliação da fronteira econômica levou a que os países industrializados buscassem novos mercados para os seus produtos, nas nações ainda circunscritas à economia agrícola. Os novos impérios coloniais tinham como finalidade garantir matérias primas, mas também alargar o mercado consumidor para os produtos das grandes indústrias. Sobre este ponto, o economista frisa: “À medida que se ampliava o âmbito da civilização industrial e que as demais nações da Europa e já também dos Estados Unidos da América do Norte iniciavam, a seu turno, a construção de seus parques industriais, a Inglaterra, a França e a Holanda tinham que procurar novos escoadouros para sua exportação nas nações que ainda viviam em regime de economia agrícola, como nos impérios coloniais que construíram com o duplo objetivo de angariar matérias-primas e de assegurar consumidores para suas grandes indústrias” [GUDIN, Aspecto econômico do corporatismo brasileiro, 1938, pg. 8]. 

Gudin faz referência ao papel de dinamizadoras da produção que passaram a exercer, na Europa, as Instituições de Crédito, bem como as Sociedades Anônimas. De outro lado, fixa a atenção no equilíbrio a que chegaram as economias europeias com aquelas dos países que recebiam os seus produtos industrializados, em troca pelas commodities que os menos desenvolvidos exportavam. A respeito escreve: “O vulto crescente da produção, o aumento considerável da riqueza e da capacidade de consumo excederam, em breve tempo, as possibilidades dos sistemas monetários e financeiros então existentes, dando lugar à criação dos dois grandes fatores de propulsão da civilização industrial, que foram o Crédito e as Sociedades Anônimas, um e outras tornados já então possíveis de se organizar, sobre a base do acúmulo das economias privadas nas instituições bancárias. Em dado momento, a Economia mundial parecia ter chegado a um estado de equilíbrio estável, tendo, de um lado, as nações que dispunham do capital acumulado, da técnica industrial, do combustível carvão e da navegação a vapor e que constituíam o grupo das nações industriais e, de outro lado, aquelas nações que não dispunham desses elementos, mas que podiam oferecer seus produtos agrícolas e suas matérias primas em troca dos artigos manufaturados” [GUDIN, Aspecto econômico do corporatismo brasileiro, 1938, pg. 8]. 

O aumento da venda de produtos industrializados por parte dos países desenvolvidos se traduzia numa forma de equilíbrio, resultante do incremento de commodities compradas dos menos desenvolvidos. Em relação a esse aspecto, frisa Gudin: “Quanto mais o grupo de nações industriais vendia seus produtos ao outro grupo, mais lhe compravam produtos agrícolas e matérias primas, e vice-versa” [GUDIN, Aspecto econômico do corporatismo brasileiro, 1938, pg. 8]. 

A economia dos países submetidos a esse regime de trocas gozava de um equilíbrio induzido pelo “gênio da civilização industrial”. Esse harmônico processo é assim descrito pelo economista: “Se de um lado o progresso industrial de alguns países novos fazia diminuir a importação de determinados artigos, esta redução era logo compensada pelo aumento geral da capacidade de consumo, como pela importação dos produtos de novas indústrias criadas pelo gênio da civilização industrial. Se baixava a exportação de tecidos, aumentava a de automóveis ou de novos produtos químicos” [GUDIN, Aspecto econômico do corporatismo brasileiro, 1938, pg. 8]. 

Um desequilíbrio é apontado por Gudin nessa evolução histórica do Capitalismo Naturalista: os trabalhadores terminaram sofrendo as consequências das variações do mercado, ainda não suficientemente debeladas pela nova legislação trabalhista. No entanto, com o correr do tempo, um novo equilíbrio se anunciava, na trilha do aumento real da capacidade de compra por parte dos trabalhadores, já no final do século XIX. 

Eis a forma em que Gudin resume todo esse processo: “Do ponto de vista social (...) é verdade que a liberdade de movimentos de que carecia o capitalismo naturalista para sua plena expansão custou não poucos sacrifícios às classes trabalhadoras, ainda desamparadas de legislação social adequada e de união sindical (...). Não é menos verdade que, ao findar o século XIX, os salários reais dos trabalhadores, isto é, o seu poder de compra, tinham aumentado consideravelmente” [GUDIN, Aspecto econômico do corporatismo brasileiro, 1938, pg. 9].  
  
2 – A racionalidade social e o livre mercado. 

Eugênio Gudin é tributário dos teóricos escoceses que encararam a racionalidade social como proveniente da empresa econômica. Para ele, onde se instalou o Capitalismo Naturalista terminou vingando a racionalidade no plano mais largo das relações sociais. Como a prática do livre mercado é que dá ensejo a essa modalidade de Capitalismo, ali onde tal liberdade é suprimida, simplesmente desaparece a racionalidade social. Pesou, certamente, nestas convicções de Gudin a sua condição de executivo de alto nível de várias empresas multinacionais. Formado em engenharia em 1905 pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro, nas décadas seguintes trabalhou em várias empresas estrangeiras presentes no Brasil como a Ligth, a Pernambuco Tramway and Power Co., a Great Western of Brazil Railway Co. e a Western Telegraph Co., da qual foi diretor até 1954.

A tendência ensejada pelos teóricos escoceses, de que é tributário Gudin, como foi frisado, passou a ser caracterizada como da “Economia Política” e se desenvolveu na trilha da moral social do século XVIII que, com Hume (1711-1776), Adam Smith (1723-1790) e outros autores, oferecia uma alternativa racional às teorias contratualistas. Seria possível, como pensava Hume, reduzir a política a uma ciência referida à economia e aos negócios públicos. [4] Essa temática foi retomada por ideólogos como Jean-Baptiste Say (1767-1832), que no seu Tratado de economia políticapublicado em 1803, identificava a nova ciência por ele proposta com um saber racional alicerçado na experiência, irredutível à matemática, mas passível de ser resumido em poucos princípios evidentes para todos. 

A respeito escreve Say: "Assim como as ciências exatas, a Economia Política se compõe de um número reduzido de princípios fundamentais e de um grande número de corolários ou deduções desses princípios. O importante para os progressos da ciência é que os princípios decorram naturalmente da observação; em seguida, cada autor multiplica ou reduz, de acordo com sua vontade, o número e consequências, conforme o objetivo que se propõe. Aquele que desejasse mostrar todas as consequências, fornecer todas as explicações, construiria uma obra colossal e necessariamente incompleta. Inclusive, quanto mais essa ciência for aperfeiçoada e difundida, menos consequências teremos de extrair, pois elas saltarão aos olhos; todo mundo estará em condições de encontrá-las por si mesmo e de aplicá-las.  Um Tratado de Economia Política reduzir-se-á, então, a um pequeno número de princípios que sequer precisaremos basear em provas, pois eles serão apenas o enunciado daquilo que todo mundo já saberá, disposto numa ordem apropriada a fim de se poder apreender o seu conjunto e as suas relações". [5]

O conde Antoine Destutt de Tracy (1754-1836), no seu Tratado de Economia Política (que constituía a quarta parte da obra intitulada Elementos de Ideologia), definia mais claramente o fundamento da ciência em apreço, ao afirmar que "o comércio é toda a sociedade". [6] O conde Pierre-Louis Roederer (1754-1835), por sua vez, considerava que "as artes mecânicas, o fato de serem partilhadas por diferentes mãos, o comércio e o intercâmbio de produtos por elas produzidos, são os únicos que estabelecem entre os homens comunicações intimas, constantes e duráveis". [7] A política tenderia, destarte, a se confundir com a economia e a ciência das riquezas seria a chave para encontrar a harmonia social. Para Gudin, como fica claro do que levamos exposto, o equilíbrio social se estabelece pelo próprio jogo das forças econômicas submetidas à lei do livre mercado. 

Gudin, no entanto, não acredita que a Economia possa encampar a Política. Para ele, essas duas variáveis são complementares, não podendo ser reduzidas a uma. Seria uma simplificação inaceitável. Considera que ambas as variáveis são essenciais, assim como a relativa à Cultura. Embora admirasse a obra de Augusto Comte (1798-1857) à maneira dos nossos positivistas ilustrados, pelo fato de o pensador francês ter sistematizado a ideia de uma ciência social que possibilitasse o estudo rigoroso dos fenômenos socioeconômicos, longe estava Gudin, no entanto, de encampar a visão antidemocrática do comtismo com a sua “ditadura científica”. A crítica que faz ao “despotismo ilustrado” getuliano, de raízes castilhistas, é clara. A sua vinculação à UDN acompanhou, certamente, esse viés de antiestatismo.

Nessa concepção da sociedade como uma realidade a ser abordada a partir de múltiplas variáveis, Gudin se inspira no sociólogo alemão Werner Sombart (1863-1941). Considera que foi ele quem primeiro chamou a atenção para o caráter magnífico e complexo da empresa capitalista e se refere a ele da seguinte forma, no ensaio, já citado, Aspecto econômico do corporatismo brasileiro: “Foi dessa economia que o seu maior comentador (...) dizia: ‘Estrutura tanto mais digna de admiração quanto ela é o produto, não de uma vontade consciente e de uma deliberação refletida, mas do funcionamento autônomo e por assim dizer automático de uma multidão incomensurável de economias individuais, procurando cada uma o seu próprio interesse’”. 

Gudin adota o ponto de vista de Sombart de que são múltiplas as variáveis que, além da economia, dão conta da complexidade da vida social. É bem verdade que Sombart, ao lado de sua admiração pela empresa capitalista, nutria desconfianças em relação à predominância do espírito de lucro sobre a componente racional que garantiria a perpetuação do processo (numa espécie de busca da “paz perpétua” almejada por Kant). Os momentos de “guerra” (e, notadamente, as Guerras do século XX) poriam à prova a subsistência do sistema. No entanto, Gudin é otimista quanto à possibilidade de serem sorteadas as dificuldades. A “Guerra” é fruto da predominância dos fatores políticos sobre os econômicos. O anseio de dominação pode sufocar a produtividade. 

A respeito da forma como Gudin interpreta a obra do sociólogo alemão, Maria Angélica Borges frisa: “No comentário à obra de Sombart aparece o desdobramento dos pressupostos da noção de equilíbrio econômico presente na concepção econômica que Gudin abraça (...)”. [8] O Capitalismo autorregulador era, para Gudin, “a maior obra civilizadora que o espírito humano já concebeu e criou” [GUDIN, Aspecto econômico do corporatismo brasileiro1938]. 

O Capitalismo, acredita o mestre carioca, saberá superar as crises, retomando o processo de criação de riquezas mediante a incorporação de novos avanços tecnológicos como a automação, por exemplo, e preservando a livre iniciativa, para fazer frente aos reptos de uma produção massiva,  atendendo – de outro lado - às novas exigências sociais. Diríamos que Gudin retoma o otimismo que inspirava à primeira geração dos pensadores da economia política, nos tempos de Adam Smith, mas ampliando o leque epistemológico para o estudo de várias variáveis. 

3 – A irracionalidade social decorrente da interferência do fator político na economia. A guerra.

Para Gudin, a Primeira Guerra Mundial veio quebrar o desenvolvimento equilibrado do Capitalismo Naturalista, devido à interferência irracional do fator político que destruiu o equilíbrio do sistema. Maria Angélica Borges frisa a respeito: “Este paraíso durou, para nosso economista, até 1914, quando se deflagrou a Primeira Grande Guerra. Para ele, esse fato sinaliza o fim de uma época. O mundo capitalista, no plano do fator econômico, caminhava de forma positiva. Mas, em virtude de acontecimentos decorrentes do fator político, envolvendo paixões e ambições humanas, o equilíbrio econômico foi interrompido. Deixado à mercê de sua própria lógica, o tecido social não conhecia a crise. Porém, tal não ocorreu, porque o fator político quebrou a dinâmica do fator econômico. Para o autor, o equilíbrio natural é da lógica interna do fator econômico, assim como a possibilidade de quebra do equilíbrio é exterior a ele”. [9] A Primeira Guerra Mundial explica, assim, o caos econômico que se seguiu ao processo de desenvolvimento harmonioso do Capitalismo na “Belle Époque” (1875 / 1914).

Assim se refere Gudin a esses fatos: “(...) O enriquecimento geral prosseguia seu ritmo natural e benéfico, a difusão de capitais se processava com regularidade, o comércio internacional aumentava todos os anos. E se guerra houve inteiramente gerada pela explosão de paixões e ambições políticas e militares e em que os fatores econômicos menor papel representaram, essa foi a guerra de 1914, que desencadeou sobre o mundo uma das maiores crises econômicas da história” [GUDIN, Capitalismo e sua evolução, 1936, pg. 9]. 

Como consequência do desarranjo produzido na economia mundial pela Primeira Guerra, a Inglaterra perdeu o controle sobre as finanças internacionais e os Estados Unidos, onde tinha se desenvolvido o processo capitalista sem obstáculos, terminaram assumindo o controle das finanças mundiais. 

Gudin sintetiza da seguinte forma os aspectos fundamentais dessa profunda mudança do Capitalismo Naturalista, destacando o papel que os Estados Unidos passaram a desempenhar na economia: “Quando os Estados Unidos da América do Norte, que já representavam antes da guerra função de relevo na Economia Mundial [intervieram], a transformação foi ainda mais profunda. Com um parque industrial que já era capaz de suprir os aliados de munições, canhões, material de guerra e de transporte, o seu enriquecimento de 1914 a 1917 foi vertiginoso, de sorte que, ao término das hostilidades, esse grande país havia-se transformado de país devedor da Europa, que era até 1914, no maior país credor do mundo, sem que, entretanto, tivesse a experiência e a sabedoria exigidas por essa nova função. Aí está como se processou a desorganização da Economia Mundial. O equilíbrio que se havia gradativamente formado até 1914, sob o regime do Capitalismo apoiado na Economia Liberal, e que consistia na conjugação harmônica das funções econômicas dos vários países que o constituíam, foi gravemente perturbado pela inversão de valores de suas unidades componentes. As peças do sistema, que d´antes se entrosavam harmonicamente, já não mais se engrenavam, umas às outras” [    GUDIN, Aspecto econômico do corporatismo brasileiro, 1938, pg. 12-13]. 

Esse desarranjo revelou que, no ciclo anterior à guerra, havia uma lacuna que não tinha sido preenchida: a ausência de policiamento sobre o sistema de trocas, que terminou produzindo a falência do mesmo. Gudin reconhece que, no seio do sistema Capitalista, encontram-se elementos que podem, em determinado momento, colocar em risco a saúde econômica. No caso concreto do desarranjo produzido pela Guerra no contexto do sistema econômico mundial, esses elementos negativos situavam-se do lado do surgimento de monopólios e de outras práticas irracionais. 

A propósito, frisa Gudin: “A mais elementar lacuna do sistema capitalista, tal como funcionava no primeiro decênio [do século XX] era a ausência de policiamento. A livre disposição, pelos bancos, de depósitos das economias privadas, sem a fiscalização do Estado, a ilimitada liberdade de apelar para a Economia privada e para a subscrição de empréstimos de Estados, de empresas de negócios de toda espécie, sem que primeiramente o Estado certificasse que tais operações tinham de fato o destino e as possibilidades de êxito anunciadas, estavam a exigir, com urgência, o policiamento do sistema (...). Este simples policiamento, se adotado a tempo, teria poupado, ao Capitalismo, algumas das mais violentas críticas que lhe foram assacadas” [GUDIN, Aspecto econômico do corporatismo brasileiro, 1938, pg. 15]. 

O nosso autor lembra que essa crise do Capitalismo já tinha sido prevista por um teórico da talha de David Ricardo (1772-1823). Eis a apreciação do nosso autor a respeito: “Já Ricardo, talvez o maior economista do seu século, dizia, referindo-se ao Sistema Capitalista, que o seu automatismo exige um grande número de empresas de dimensões tais que nenhuma delas possa agir diretamente sobre os preços. É que na luta da concorrência, quando levada a seus limites extremos, chega o momento em que os contendores compreendem que o seu prosseguimento importaria na ruína final de todos, como na perda e destruição final do capital social invertido na indústria ou serviço em causa (...). Nesta hipótese, dá-se, inevitavelmente, o entendimento entre os produtores ou o amálgama e unificação de empresas, com a supressão da concorrência, que era o próprio princípio vital do Capitalismo naturalista. Outra modalidade do resultado final da luta é a do esmagamento sucessivo do mais fraco pelo mais forte, ficando este só em campo, sem mais concorrentes e, portanto, no regime de monopólio, que é justamente o oposto da essência do Capitalismo” [GUDIN, Aspecto econômico do corporatismo brasileiro, 1938, pg. 16]. 

Gudin estudou com atenção a crise do laissez-ferismo de início do século XX. Conhecia em detalhe a obra dos economistas de Cambridge que, nas primeiras décadas do século, tinham-se debruçado sobre esse tema. Conhecia bem o pensamento de John Maynard Keynes (1883-1946) e concordava com a sua crítica ao capitalismo de final de século, que tinha deixado aberta a porta para os desequilíbrios. Como o economista britânico, reconhecia a necessidade de uma correção de rumo, mediante intervenções indiretas do Estado para restabelecer o equilíbrio, sem que se chegasse ao extremo do Estado-empresário tão do gosto do despotismo ilustrado. Mas considerava necessárias intervenções pontuais que evitassem o risco de paralisia do Capitalismo Naturalista.

Em relação à proximidade de Gudin com o pensamento keynesiano, escreve José Luis Oreiro: “Gudin (...) considerava corretas as ideias de John Keynes para analisar períodos de depressão econômica. Foi, inclusive, um dos primeiros a divulga-las em português, em seu livro Princípios de economia monetária, lançado originalmente em 1943. A obra foi a primeira sobre monetarismo publicada no País e se tornou chave para as gerações de economistas. Sua trajetória foi também marcada pela autoria de artigos para jornais e publicações técnicas e participação em importantes conferências no Brasil e no exterior”. [10]

Afinava-se Gudin com as propostas de intervenção moderada do Estado na economia proposta por Keynes, para sanar os desequilíbrios causados pelo laissez-ferismo. Tomou conhecimento da política intervencionista do New Deal, posta em marcha pelo presidente Franklin Delano Roosevelt (entre 1933 e 1937), mas criticou, no entanto, o que lhe parecia uma intervenção forte demais que seria repetida, no Brasil, pelo presidente Getúlio Vargas (1883-1954). A criação de inúmeras agências federais por Roosevelt parecia, ao nosso autor, uma indevida concessão dos americanos ao estatismo.
Gudin criticava, de outro lado, a versão estatizante que, das reformas keynesianas, foi elaborada pelo economista argentino Raul Prebisch (1901-1986) e que terminou inspirando o pensamento da CEPAL, tendo-se disseminado pela América Latina afora, dando ensejo a reformas estatizantes que terminaram sendo postas a serviço dos diversos populismos que floresceram no nosso continente ao longo do século XX e – como observamos na atual quadra - que se manifestam, também, nos diversos modelos neopopulistas que azucrinam a vida dos cidadãos desta parte do mundo.

A Segunda Guerra Mundial ensejou nova crise no seio do Capitalismo, em decorrência do fato de que não foram solucionados a contento os problemas que deram lugar à Primeira Grande Guerra. Os mecanismos para uma economia internacional policiada ainda não tinham sido plenamente desenvolvidos, em que pese a efetivação da política do New Deal nos Estados Unidos para superar a crise de 29. O resultado de tudo isso, na década de 30, foi o acirramento dos problemas e o surgimento de uma proposta de economia planificada na Alemanha hitlerista, como decorrência da bancarrota econômica que fez surgir a hiperinflação, em boa medida como efeito das absurdas exigências do plano de paz ensejado pelo Tratado de Versalhes (1919), que deixou abertas as feridas que conduziram à Segunda Guerra Mundial. Um clima de estatismo semelhante acompanhou a ascensão de Joseph Stalin (1878-1953) ao comando da União Soviética. Keynes, em As consequências econômicas da Paz[11] deixou claras essas contradições (que ficaram explícitas na negociação do Tratado de Versalhes) e que foram também registradas por Max Weber (1864-1920).

Gudin participou da Conferência de Bretton Woods (agosto de 1944), [12] que reorganizou a economia mundial. O nosso autor, conhecedor das propostas feitas por Keynes nessa Conferência, saiu fortalecido como um economista afinado com os novos tempos. Antes de regressar ao Brasil visitou, em companhia de Otávio Gouveia de Bulhões (1906-1990), a prestigiosa Faculdade de Economia da Universidade de Harvard. Ali teve oportunidade de discutir com os scholars americanos “(...) o projeto da Faculdade de Economia do Rio de Janeiro (que se transformaria na Universidade do Brasil, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro). O resultado da visita é relatado em carta ao ministro, enviada de Chicago: ‘Escrevi na pedra o programa e o projeto de currículo que lhe recomendamos, para submetê-lo à crítica de todos e para receber sugestões dos mestres. Tenho a satisfação de comunicar-lhe que depois de fazerem várias perguntas e de pedirem esclarecimentos, todos os professores de Harvard acharam o programa excelente dizendo que nada havia a modificar’”. [13]

4 – A irracionalidade social e o planejamento estatal no Brasil.

Para Gudin, Getúlio Vargas pôs em funcionamento um sistema econômico de intervenção direta e prolongada do Estado na economia. A adoção das políticas intervencionistas, no Brasil, foi além do recomendado por Keynes para sanear economias em depressão. Vargas avançou no terreno da estatização, ao ensejo da adoção da ideia de planejamento. Na longa polêmica sustentada com Roberto Simonsen (1889-1948) a respeito, Gudin deixou claro que o planejamento deita raízes no intervencionismo monopolista do ciclo mercantilista. O Plano contrapõe-se à livre iniciativa.

A respeito o nosso autor frisa: “No regime mercantilista do século XVIII, os fatores de produção eram dirigidos para as atividades econômicas ditadas pela política nacionalista do Estado; a formação do artesanato orientada de acordo com o plano de produção formulado pelo Estado; o comércio exterior controlado para assegurar o acúmulo do maior stock possível de metais preciosos, velando-se por que o balanço de comércio fosse sempre ‘favorável’; o comércio com as colônias arregimentado pelo princípio exclusivo da troca de produtos manufaturados por matérias-primas, etc.  Esse tipo de economia exigia evidentemente uma planificação detalhada da vida econômica do país e uma ininterrupta vigilância do Estado sobre as atividades individuais” [GUDIN, Eugênio e SIMONSEN, Roberto. A controvérsia do planejamento na economia brasileira, 1977, pg. 61]. 

Segundo Gudin, com a adoção do planejamento o governo passou a privilegiar aquilo que os burocratas achavam importante, passando por cima das leis do mercado. Aconteceu isso no Estado Novo, no ciclo desenvolvimentista marcado pela volta de Getúlio ao poder (1951-1954), na aceleração das obras dirigidas pelo Estado ou por ele estimuladas ao ensejo do “plano de metas” de Juscelino Kubitscheck (1902-1976) e nos rumos estatistas que inspiraram as iniciativas das “grandes obras” dos governos militares, após 1964. Em todos esses estágios a meta foi a introdução de uma visão industrialista, com descuido para a modernização das atividades agrícolas, que teriam permitido um desenvolvimento equilibrado e não inflacionário. O regime militar, pelo menos, acordou para a importância da modernização da produção agrícola, tentando resolver, em primeiro lugar, a espinhosa questão fundiária, com a formulação do Estatuto da Terra em 1964.

O que houve no Brasil foi um indevido crescimento do Estado à sombra da ideia de planejamento, socavando a liberdade de iniciativa e enterrando a produtividade na defesa de interesses cartoriais. Gudin criticava essa feição estatizante. A respeito frisava: “No Brasil o Estado, sem qualquer programação socialista de nacionalização, assenhoreou-se de muitos setores econômicos que nas outras democracias incumbem à iniciativa e direção privadas. Fica-se alarmado ao verificar como se tem estendido o domínio do Estado sobre tantos setores da economia brasileira (...). O Estado tem, no Brasil, o controle da enorme maioria da rede ferroviária e de quase toda a navegação mercante. Estradas de ferro, navegação, portos, siderurgia, minério de ferro, petróleo, fábrica de motores, são atividades hoje quase integralmente açambarcadas pelo Estado. Essa ampliação da atividade do Estado não foi, como em outros países, o resultado de um propósito, ou de um plano político. Foi, geralmente, o produto da incapacidade política e administrativa do Estado, que acabou por tornar inviável a direção privada das respectivas empresas e a força-las a entregar-se ao Estado. A par dessas atividades erradamente transferidas do campo da economia privada para o Estado, é de alarmar a manutenção, em tempo de paz, dos controles estabelecidos pelo Estado durante a guerra mundial (...).” [GUDIN, Planejamento econômico, 1951, pg.30]. 

Gudin era intransigente na crítica ao planejamento. Castigava fortemente esse conceito. Um exemplo, em que o economista grifou todas as palavras do texto: “A mística da planificação é, portanto, uma derivada genética da experiência fracassada e abandonada do ‘New Deal’ americano, das ditaduras italiana e alemã que levaram o mundo à catástrofe, e dos planos quinquenais da Rússia, que nenhuma aplicação podem ter a outros países” [GUDIN, Eugênio e SIMONSEN, Roberto. A controvérsia do planejamento na economia brasileira, 1977, pg. 73]. 

Destaquei em páginas anteriores que Gudin foi escolhido, em 1944, como delegado brasileiro à Conferência Monetária Internacional de Bretton Woods, que criou o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (BIRD). Essa conferência caracterizou-se pela sua inspiração nos postulados liberais caros a Gudin, principalmente no que respeita ao comércio internacional, em contraste com as políticas protecionistas que vigiam anteriormente. Entre 1951 e 1955 Gudin foi o representante do Brasil perante o FMI e o BIRD.

No começo dos anos 50, o nosso autor formou parte da Comissão de Anteprojeto da Legislação do Petróleo, tendo-se manifestado contra as restrições colocadas à entrada de capital estrangeiro nessa área. Gudin foi contrário à criação da Petrobrás e à instauração do monopólio estatal do petróleo. Apoiou com determinação a política da UDN contra o estatismo varguista, de que decorreriam o enfraquecimento do presidente e os trágicos acontecimentos que conduziram ao suicídio de Vargas em 54. Na sua rápida passagem de oito meses à frente do Ministério da Fazenda no governo Café Filho, entre 1954 e 1955, Gudin desenvolveu uma política de estabilização econômica baseada no controle do gasto público e na contenção da expansão monetária e do crédito. Foi marcante a decretação da Instrução 113 da Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC), favorável à entrada de capitais estrangeiros no Brasil para financiar investimentos. 

5 – Capitalismo e democracia no Brasil: perspectivas.

A posição de Gudin em face do movimento de 64 era clara: a deposição de Goulart pelos militares tinha plena justificação, pois a República Sindical pretendida irresponsavelmente desaguaria na bolchevização do País. Tratava-se, também, de reagir contra a corrupção generalizada e a quebra de hierarquia nas Forças Armadas, estimulada pelos apelos populistas do presidente. 

Toda essa movimentação contra as instituições republicanas estava escondida sob o manto de uma série de “reformas” que visavam à instauração do “poder popular”. A respeito dos motivos que inspiraram o pronunciamento militar, frisava Gudin: “(...) O que a revolução visava não era a reforma da Constituição, nem a reforma agrária, nem a reforma bancária, nem a reforma eleitoral e ‘tutti quanti’. O objetivo da revolução era enxotar do governo os maus brasileiros que estavam destruindo a civilização cristã, a civilização ‘tout-court’, a cultura, o caráter e a prosperidade econômica do País; era declarar guerra de morte à corrupção, à demagogia, à bolchevização e ao primarismo. E tratar de restaurar o que se havia demolido” [GUDIN, Ilusão gráfica, 1964, pg. 96-97].

Gudin saudou com alegria as primeiras medidas econômicas do novo governo, que visavam a controlar a inflação e a por a casa em ordem no terreno da contenção do gasto público. No entanto, para o nosso pensador, a ação saneadora dos governos militares, ao abrir a porta para o desenvolvimento capitalista libertando-o dos entraves socialistas, não conseguiu chegar à finalidade almejada, pela presença perniciosa, na gestão econômica, da prática do planejamento concretizada no correspondente ministério. Para Gudin, o planejamento pode ser entendido em sentido lato ou em sentido estrito. Em sentido lato, entende-se como programação de despesas e é válido. Em sentido estrito, entende-se como meta definida politicamente e não é aceitável do ângulo liberal [cf. GUDIN, Ministério do Planejamento ou Ministério da Economia? 1966, pg. 124].

Referindo-se à prática histórica do “planejamento” como rotineira programação de despesas ao longo da história republicana, o nosso autor frisava: “O planejamento ou programação dos investimentos governamentais é diferente; sempre foi feito na República Velha como na segunda. As ‘plataformas’ do governo eram estabelecidas pela cúpula política, especialmente pelo candidato (de eleição assegurada) à Presidência da República, e os respectivos projetos passavam a ser estudados e organizados. Esse ‘programa’ de governo obedecia às necessidades consideradas mais prementes da Nação. O caso do governo Rodrigues Alves e Afonso Pena é típico a esse respeito. Mas esse ‘programa’ ou ‘plano’ ou ‘planejamento’, como se queira chamar, limitava-se ao setor governamental, sem prejuízo das medidas de estímulo que o governo adotasse para a expansão das atividades privadas. O que se receia do planejamento econômico global, como agora se pretende consolidar, é que ele se torne um instrumento que ainda mais venha a agravar o açambarcamento da economia do País pelo governo, diretamente ou através de autarquias, empresas públicas ou empresas mistas” [GUDIN, Ministério do Planejamento ou Ministério da Economia?, 1966, pg. 124].

A importância crescente que o Ministério de Planejamento ganhou nos governos militares, essa foi a causa fundamental que levou a que se perdesse a dinâmica econômica encetada pelo movimento de 64. Comentando as reformas feitas em 1966 no terreno da política econômica, que colocavam o Ministério do Planejamento como canal de intervenção política direta do Poder Executivo na Economia, frisava o nosso autor: “(...) Não é aceitável que o ministro da Fazenda se limite a dizer que ‘no seu setor’ a política certa está sendo executada, lavando as mãos como Pilatos quanto aos demais (...). No projeto essa falta é sugerida, em parte, pelo Ministério do Planejamento e Coordenação Econômica (...). [O artigo 6º do decreto] confere ao ministro do Planejamento a incumbência de ‘auxiliar diretamente o presidente da República’ na coordenação, revisão e consideração dos programas setoriais. Mas isso é uma forma indireta, imprecisa e um tanto sub-reptícia, inadmissível em matéria de capital importância como é o da execução da política econômica do governo. (...) O ministério do Planejamento deixa de ser um ‘ministério extraordinário’, como até agora, para ser um ministério permanente encarregado de formular e coordenar os planos e programas de ação governamental” [GUDIN, Ministério do Planejamento ou Ministério da Economia?, 1966, pg. 122-123]. Para Gudin ficava claro que as leis do mercado estavam sendo substituídas pelas prioridades fixadas, do ângulo político, pelo General-Presidente da República. 

Quais as perspectivas que, no sentir do velho economista liberal, restariam ao Brasil, no decorrer do século que, com ele, se extinguia? Para o nosso autor restaria, apenas, o programa de “voo de besouro” ou “de galinha”, com decolagens mirabolantes e quedas crônicas, em decorrência dessa presença tuteladora do poder político sobre as leis do mercado, que de forma errada fixava metas parciais de desenvolvimento econômico no terreno da indústria, sacrificando setores essenciais como o agrário. 

Fiel ao seu liberalismo econômico ortodoxo escrevia Gudin: “Tanto quanto eu tenha podido investigar, o homem comum só conseguiu uma melhoria persistente em seu padrão de vida nos países que adotaram as técnicas do mercado livre, como meio de organização de sua atividade econômica (...). Não conheço um só exemplo de uma sociedade predominantemente coletivista ou de planejamento central em que o cidadão comum tenha conseguido uma melhoria substancial e persistente nas suas condições de vida (...). A sedução do ‘Plano’ está em que ele trata de investir e de gastar, o que é sumamente agradável, muito mais do que administrar e consertar o que está errado. As energias, a capacidade e o prestígio do governo não são ilimitados” [GUDIN, Ministério do Planejamento ou Ministério da Economia?, 1966, pg. 125].

Conclusão.

Diante do quadro atual de crise profunda em que se encontra a nossa economia, em decorrência da “contabilidade criativa” petista que ensejou inúmeros rombos nas contas públicas, além das práticas de corrupção que afetam a nossa credibilidade perante o mundo e a saúde das empresas, as palavras de Gudin em prol da transparência na gestão da economia e da transferência, para o setor privado, da tarefa de geração da riqueza sem espera-lo tudo do Estado, soam tremendamente atuais. O Estatismo não é culpa dos marcianos, mas de todos nós, inclusive das expectativas dos próprios empresários de encontrar, nas benesses do poder, refúgio tranquilo para os riscos que enfrentam. Falando da discussão que se travou em torno à presença tutelar do Estado na economia, lembrava Gudin em 1979, no depoimento dado ao pesquisador da Fundação Getúlio Vargas: “Se você me perguntar de onde brotou esse debate, qual foi o espírito que o inspirou, eu lhe responderei sinteticamente: o protecionismo excessivo que a indústria paulista exigia” [GUDIN, Depoimento. CPDOC/História Oral. Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 1979, pg. 145].

Como lembrava com propriedade Roberto Campos: “Na grande controvérsia brasileira, (Roberto) Simonsen triunfou no curto prazo. O Brasil embarcou num processo de industrialização fechada, extremamente protecionista e ineficiente. O resultado foram, como previra Gudin, inflação e crises cambiais crônicas. No longo prazo, foi Gudin que tinha razão. O atual movimento mundial de abertura econômica, integração de mercados e liberalização comercial na América Latina teve nele um grande precursor”. [14]  

Talvez a melhor lição deixada por Eugênio Gudin foi a que burilou no espírito dos seus alunos, ao longo das décadas dedicadas pelo mestre ao ensino dos fundamentos da Economia, como espaço para o exercício da liberdade. Poderia concluir com as palavras de Julian Chacel (1928), um dos alunos do grande economista liberal: “Gudin como professor fez escola. Escola que acredita na liberdade do homem, como condição essencial para o processo de escolha e da decisão econômica. Que é reticente diante da proposta híbrida de uma economia de mercado compatível com um planejamento fortemente centralizado na ação do Estado. Nem todos, obviamente, seguem a sua doutrina e dão ao fenômeno monetário o poder explicativo que Gudin lhe confere. Mas todos, sem exceção, que conviveram e convivem com Gudin, dentro e fora de uma sala de aula, retiraram e retiram do seu convívio uma grande lição. Lição de vida”. [15]

Gudin, enquanto pensador econômico e mestre, [16] se definia a si mesmo como aquele que deita alicerces, repetindo as palavras de conhecido escritor gaúcho: como aquele que “bate estacas”. Eis as palavras do nosso autor a respeito: “Roberto Campos, economista provecto, analista percuciente, escritor primoroso, tem uma especial vocação para o pensamento categorizado. Dizia-me João Neves da Fontoura (1887-1963), de uma feita, que o meu raciocínio se parecia com uma construção sobre estacas; uma estaca batida e bem firmada, depois uma segunda, enfim um conjunto de sólidas estacas sobre as quais – dizia o grande escritor – eu assentava o edifício do meu raciocínio e das minhas conclusões. Roberto Campos não é como eu um batedor de estacas. É um criador de categorias (...). Campos considera impossível conceber-se o Universo senão sob as categorias da inteligência”. [17]   

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[1] A Escola Politécnica foi criada em 1794, dentro do espírito do Iluminismo, como órgão educacional do Estado para formar os engenheiros e técnicos de que este carecia. O nome inicial da instituição era: École Centrale des Travaux Publics e ficava sob o controle do Ministério da Guerra. Napoleão Bonaparte (1769-1821), já coroado Imperador, a transformou, em 1805, em instituição de formação técnica e militar, dando-lhe o nome com que passou à posteridade. Em 1970, o Estado francês reformou a Escola (conservando-a no âmbito do Ministério da Defesa), a fim de abrigar também estudantes civis, da França e do estrangeiro. Militares brasileiros frequentam regularmente a Escola, desenvolvendo, nela, estudos de pós-graduação em engenharia e áreas afins, de interesse das Forças Armadas. A reforma educacional efetivada por Napoleão compartilhava do espírito iluminista que inspirava ao cristão novo Antônio Nunes Ribeiro Sanches (1699-1783), médico e pedagogo português que vivia em Paris. Ribeiro Sanches foi o inspirador da criação do Colégio dos Nobres, ao ensejo das orientações dadas por ele ao Marquês de Pombal (1699-1782) e à Imperatriz da Rússia Anna Ivanovna (1693-1740). Por influência de Ribeiro Sanches foram criados, respectivamente na Rússia e em Portugal, o Colégio dos Nobres de São Petersburgo e o Colégio dos Nobres de Lisboa. Sobre a estrutura deste, dom Rodrigo de Sousa Coutinho (1745-1812) conde de Linhares, criou, no Rio de Janeiro, a Real Academia Militar, em 1810.
[2] Cf. KANT, Immanuel. Antropología en sentido pragmático(2ª edição em espanhol, tradução de José Gaos, Madrid: Alianza Editorial, 1991, pg. 290-291). Para o pensador alemão, o novo momento econômico deveria abrir espaço para uma convivência pacífica da humanidade, ao ensejo da construção da Paz Perpétua, uma criação cultural que Kant denominava de “Cosmopolita”, assim como a Industrialização. Kant dedicou a este último aspecto o seu opúsculo, de 1795, intitulado: A Paz Perpétua. (Cf. KANT, Immanuel, La Paz Perpetua, apresentação de Antonio Truyol y Serra; tradução ao espanhol de Joaquín Abellán, 2ª edição, Madrid: Tecnos, 1989).
[3] Cf. ORTEGA Y GASSET, José. A rebelião das massas. 2ª edição. (Tradução de Marylene Pinto Michael). São Paulo: Martins Fontes, 2002.

[4] HUME, David. Essays - Moral, Political and Literary.(Introdução de E. F. Miller).  Indianapolis: Liberty Found, 1987, pg. 14-31. ROSANVALLON, Pierre. Le moment Guizot.  Paris: Gallimard, 1985, pg. 24-25.
[5] SAY, Jean-Baptiste. Tratado de economia política. (Prefácio de G. Tapinos; tradução de C. Barbosa Filho; tradução do prefácio de R. Valente Correia Guedes). São Paulo: Abril Cultural, 1983, pg. 45.
[6] Apud ROSANVALLON, Pierre. Le moment Guizot. Ob. Cit., pg. 24.
[7] Apud ROSANVALLON, Pierre. Le moment Guizot. Ob. Cit., ibid.
[8] BORGES, Maria Angélica, Eugênio Gudin, Capitalismo e Neoliberalismo, (Prefácio de Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo). São Paulo: EDUC, 1996, pg. 52.
[9] BORGES, Maria Angélica, Eugênio Gudin, Capitalismo e Neoliberalismo, ob. cit., pg. 52.
[10] OREIRO, José Luis. “Tributo a Eugênio Gudin”. Revista Desafios do Desenvolvimento. Brasília, Março de 2009.
[11] KEYNES, John Maynard. The Economic Consequences of the Peace. New York: Harcourt, Brace & Howe, 1920.
[12] A delegação brasileira à Conferência de Bretton Woods foi integrada por: Arthur de Souza Costa (1893-1957), ministro da Fazenda; Euvaldo Lodi (1896-1956), líder empresarial, primeiro presidente da Confederação Nacional da Indústria e fundador do SESI e do SENAI; Eugênio Gudin; Octávio Gouveia de Bulhões e Roberto Campos (1917-2001).
[13] Apud SCHWARTZMAN, Simon (organizador). Tempos de Capanema. Rio de Janeiro: Paz e Terra; São Paulo: EDUSP, 1984, pg. 224.
[14] CAMPOS, Roberto. Lanterna na popa – Memórias, Rio de Janeiro, 1995: pg. 240.
[15] CHACEL, J. Apud KAFKA, A. (Organizador). Gudin visto por seus contemporâneos. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1979, pg. 35.
[16] Eugênio Gudin teve um papel de destaque como educador, na formação de várias gerações no estudo e na pesquisa da Ciência Econômica no Brasil. Em 1938 participou, no Rio de Janeiro, da fundação da Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas, posteriormente incorporada à Universidade do Brasil, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro. Nessa oportunidade, formulou o primeiro programa de ensino superior de Ciências Econômicas no país. Por esse motivo, foi designado, em 1944, pelo ministro de Educação Gustavo Capanema, para redigir o projeto de lei que institucionalizou o Curso de Economia no Brasil. Pelos seus esforços em prol da divulgação dos cursos de Economia, é considerado o patrono dos economistas brasileiros. Em 1948, Gudin e Octávio Gouvêa de Bulhões lideraram o grupo de economistas que criou a Revista Brasileira de Economia. Em 1951, esse mesmo grupo criou o Instituto Brasileiro de Economia e em 1952 assumiu o controle da revista Conjuntura Econômica. Gudin lecionou Economia na Universidade do Brasil até 1957, quando se aposentou. Posteriormente foi Vice-Presidente da Fundação Getúlio Vargas, entre 1960 e 1976.
[17] GUDIN, Eugênio. Apud Maria Angélica BORGES, Gudin, Capitalismo e Neoliberalismo, ob. cit., pg. 263.

Piketty errou em sua tese sobre a concentração de renda - Carlos Goes


* UMA análise importante e bastante séria sobre efeitos da globalização , da transformação tecnológica e modificação da estratificação de renda, que Piketti não levou em consideração em seu longo livro...
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Piketty errado em sua tese sobre a concentração de renda
Carlos Goes 
Há cerca de dois anos, o francês Thomas Piketty abalou o mundo político ao publicar um tomo de 700 páginas sobre história e teoria econômicas – o que é algo que não acontece todos os dias. O livro de Piketty traz uma interessante explicação sobre as causas da desigualdade de renda e riqueza – o que é a razão de sua popularidade, já que esse é um tema central da política contemporânea. Só há um problema: apesar de interessante, não há nenhuma evidência empírica para corroborar a tese de Piketty, de acordo com os resultados de um novo estudo que eu acabo de publicar como um texto para discussão do FMI.

Qual é a tese de Piketty?

Eu comprei o livro de Piketty no dia em que ele foi lançado nos Estados Unidos. Pouco tempo depois, escrevi uma das primeira resenhas em português sobre o livro do francês. Desde então, eu já tentava desfazer muitos preconceitos políticos que se disseminaram sobre sua obra. Piketty é um economista sério e respeitado, que já publicou nos mais importantes periódicos científicos. Muito provavelmente, sua obra vai continuar a ser influente durante muito tempo – e suas bases de dados sobre concentração da renda e da riqueza são importantíssimas contribuições para a ciência econômica.
Para lançar as bases de sua teoria, Piketty analisa como a renda nacional é divida entre dois insumos essenciais ao processo produtivo: capital e trabalho (chamados em economês de “fatores de produção”). Essa divisão entre capital e trabalho não é, como pode soar à primeira vista, algo tipicamente marxista. É uma tradição que se estende desde os economistas clássicos e é também algo comum em qualquer curso de graduação economia (para os curiosos, ver aqui).
Resumidamente, Piketty diz que quando a diferença entre os retornos (rendimentos) ao investimento de capital (r) e a taxa de crescimento econômico (g) aumenta, a participação do capital na renda nacional deve aumentar. Isso significa que capitalistas se apropriariam de uma parte maior da renda nacional enquanto trabalhadores ficariam com uma parcela menor. Além disso, como a renda do capital (alugueis, juros, dividendos, etc.) é distribuída de forma mais desigual do que a renda do trabalho (salários), ele diz que o aumento da participação do capital na renda nacional deve levar a um aumento da desigualdade total de renda – e, ao longo do tempo, essa desigualdade de renda resultaria numa desigualdade de riqueza.

Na prática a teoria é outra?

Essas hipóteses de Piketty (de que a participação do capital e a desigualdade aumentam quando rg aumenta) são plausíveis. São também hipóteses sobre a realidade empírica – e, por isso, é possível usar dados empíricos para testar essas hipóteses.
Acontece que, embora traga muitos dados, o livro de Piketty não traz nenhum teste formal para suas hipóteses. Na realidade, ele traz somente algumas correlações aparentes que o leitor pode visualizar em alguns gráficos de linha. Foi para preencher essa lacuna que eu escrevi esse novo estudo. Ele se serve precisamente a fazer um teste empírico robusto da tese de Piketty.
Se as hipóteses de Piketty fossem corretas, seria de se esperar uma relação positiva entre a diferença r-g e as participações do capital e dos mais ricos na renda nacional. Mas, ao se analisar os dados de 19 países ricos numa amostra que se estende por mais de 30 anos, essa correlação simplesmente não existe. Ela é próxima de zero, como observado nos gráficos abaixo.
chart1
Obviamente, ausência de correlação não é ausência de causalidade. Pode ser que seja necessário passar algum tempo para que a relação seja observada. Por isso, o estudo utilizou também uma técnica estatística avançada (chamada no jargão técnico de econometria de “Paineis de Auto-Regressões Vetoriais Estruturais com Dinâmicas Heterogêneas”) e concluiu que, mesmo depois de controlar por outros fatores, quando há um aumento em r-g, não se observa uma resposta positiva na participação do capital na renda nacional. Isso acontece porque Piketty erroneamente assume que a taxa de poupança (a parte da renda das pessoas que elas não consomem e na verdade escolhem investir) é relativamente fixa ao longo do tempo, enquanto empiricamente ela tende a flutuar junto com a taxa de crescimento econômico. Como a taxa de poupança cai – ou seja, os capitalistas investem menos – quando r-g sobe, não se observa o aumento da participação do capital na renda nacional previsto pelo francês.
Isso é importante porque Piketty enfatiza que esse aumento da participação do capital é a condição necessária para o futuro aumento da desigualdade. Ele diz que à medida que capitalistas possuem uma proporção maior da renda nacional, a desigualdade de renda aumenta. Como o aumento da participação do capital não é observado empiricamente quando r-g aumenta, tampouco há uma transmissão desse fenômeno para a desigualdade de renda. Na verdade, segundo os resultados do estudo, em mais de 75% dos casos, quando r-gaumentou a desigualdade de renda caiu – o contrário do previsto por Piketty.
Como em qualquer exercício científico, é possível que novos dados levem a novas conclusões. Contudo, o que esses resultados indicam é que os melhores dados disponíveis contemporaneamente – e eu utilizei os dados compilados pelo próprio Piketty em sua World Top Incomes Database – não trazem nenhuma evidência empírica para corroborar a tese de Piketty.

O que isso significa no mundo real?

Essa conclusão tem duas implicações importantes para o mundo real.
A primeira é que o aumento na desigualdade de renda observada nos países ricos não tem muito a ver com essa dinâmica que Piketty descreve. Na verdade,como ele mesmo reconheceu em um artigo publicado após Capital no Século XXI, a maior parte da desigualdade de renda observada nos pa[ises ricos é explicada por um aumento na desigualdade nos salários dos trabalhadores. A diferença que importa, portanto, não é entre capitalistas e assalariados (entre o dono da empresa e um empregado), mas sim entre diferentes tipos de assalariados (um advogado, banqueiro ou executivo que ganha muito mais dinheiro do que um atendente de supermercado).
E o que explica esse aumento na desigualdade da renda do trabalho são diversos fatores que nada tem a ver com a tese de Piketty. Eles incluem alguns fenômenos notadamente “ruins”, como um aumento excessivo na diferença entre os salários de pessoas com ensino superior e ensino médiouma perda do poder de barganha dos sindicatos; e a capacidade dos mais ricos em conseguir comprar políticos para tornar as regulações mais favoráveis para si. Mas a desigualdade também veio como efeito colateral de algumas coisas que são geralmente consideradas “boas”, como o aumento da participação feminina na força de trabalho e o aumento no grau de inovação tecnológica no período da globalização. Ou seja, há mais nuances para essa história do que a narrativa original de Piketty fez parecer.
A segunda implicação dos resultados é que não existe uma “lei de ferro” das economias de mercado que as faz tender à desigualdade extrema. Não há nenhuma evidência empírica de que as previsões catastróficas de Piketty em relação à desigualdade devem se materializar.
Saber se Piketty está certo é muito importante não somente para a economia como uma ciência da ação humana, mas também para saber o que devemos fazer para combater essa crescente desigualdade. Sem saber quais são as causas da desigualdade, nós podemos acabar desenhando políticas públicas erradas. Achar que a desigualdade é inerente à economia de mercado pode nos levar a, na ânsia de combatê-la, matar os próprios mecanismos de inovação e redução da pobreza que da dinâmica de mercado.
Como diz o especialista em desigualdade global Branko Milanovic, desigualdade é como colesterol: há uma boa e outra ruim. A boa é aquela que deriva dos talentos, esforços e inventividade das pessoas e gera bons incentivos. Quando alguém cria valor para os outros, essa pessoa deve ser recompensada por isso — porque isso gera dinamismo econômico, inovação e menos pobreza. A ruim é aquela de uma sociedade estamental — de comando e controle —, onde as pessoas não enriquecem por causa de sua inventividade ou pelo valor que geram para à sociedade, mas pelos privilégios que têm junto aos poderosos.
Temos de corrigir as desigualdades ruins que existem no mundo — e elas existem em demasia. Mas, para isso, precisamos saber quais as causas fundamentais dessa desigualdade. E o que as evidências empíricas mostram é que elas não são causadas pelos fenômenos que Piketty relata.

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Jose Honorio Rodrigues, na abertura do n. 1 de Politica Externa Independente (1965)

Revista Política Externa Independente
Editor José Honório Rodrigues


Abro a p. 3, Apresentação, da revista "Política Externa Independente", feita pelo historiador José Honório Rodrigues, que só teve três números, infelizmente, que felizmente pude reler graças a meu amigo e colega diplomata Achilles Emílio Zaluar Neto, atual embaixador do Brasil em Damasco, corajoso como ele é.
Em visita que me fez na última segunda-feira 8/08/2016, ele me deu os dois primeiros números da PEI, que encontrou num sebo e me presenteou pois sabia do meu interesse e dedicação a esse tipo de material relevante para o estudo de nossas relações internacionais.
Independentemente de outros comentários que eu possa fazer sobre a revista, e seus densos artigos (os quais pretendo scannear e digitalizar), formulo, neste momento, apenas dois comentários que considero reveladores da alta consciência e de certa paranoia exibida por nossos melhores intelectuais em relação à posição do Brasil no sistema internacional.
Pois bem, o que diz JHR na abertura da nova revista (maio de 1965):

"Uma correta avaliação dos problemas da política internacional constitui premissa de vital importância para a formulação e execução de uma política externa brasileira ajustada ao interesse nacional."

Corretíssimo, impecável.
Mas, logo em seguida, JHR começa a escorregar naquela tradicional paranoia, ou teoria da conspiração, dos brasileiros, em face das grandes potências, o que Nelson Rodrigues chamaria de "complexo de vira-latas".
O que ele diz no segundo parágrafo? Isto:

"Afirmar essa importância fundamental da política internacional significa reconhecer que, a cada instante, o destino do Brasil está sendo decidido nas chancelarias das grandes potências, nos centros financeiros e comerciais das nações ricas, nas universidades dos países desenvolvidos. (...) Na verdade, a vida de milhões de brasileiros é condicionada, é manipulada, a toda hora, em Washington, Londres, Paris, Bonn ou Moscou."

Em que pese o papel fundamental de José Honório Rodrigues no desenvolvimento da historiografia nacional, e sua clarividência na análise de nossa diplomacia passada, creio que ele peca, nesse tipo de argumento, contra o que ele mesmo colocou no primeiro parágrafo de sua apresentação ao número inaugural da revista por ele dirigida, infelizmente cortada no seu terceiro número.
Se ele tivesse feito uma análise correta do sistema internacional, saberia que o nosso destino estava sendo determinado basicamente por nós mesmos, e que a pretensa manipulação externa sobre nossos assuntos internos é um tipo de imaginação equivocada sempre mantida pela nossa esquerda -- e ele fazia parte da tribo, sem qualquer demérito, aliás -- e que em nada contribui para um correto posicionamento da política externa.
Quem se considera manipulado do exterior, vai sempre reagir negativamente a quaisquer ações ou propostas dessas grandes potências, se fechando num tipo de reação defensiva que representa o início do enclausuramento, do protecionismo defensivo (por vezes agressivo), do nacionalismo primário, que eu chamo de rastaquera, de um tipo de autismo e de endogenia que só podem ser danosos, prejudiciais, ao nosso desenvolvimento e nosso relacionamento exterior.
Creio que Moniz Bandeira não diria outra coisa sobre nossa diplomacia, e todo mundo sabe do que estou falando.
Lamento esse tipo de pensamento, ainda que eu possa saudar JHR pelo seu papel como historiador e grande "vulgarizador" -- no mais alto sentido da palavra -- da nossa diplomacia.
E mais uma vez, grato ao Achilles Zaluar por este magnífico presente.
A revista tem diversos artigos importantes sobre nossa diplomacia dos anos 1960.
Salve Achilles.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 10/08/2016

History of Recent Economics Conference - University of Lucerne – April, 21-22 2017

History of Recent Economics Conference
University of Lucerne – April, 21-22 2017

Call for Papers

The eleventh History of Recent Economics Conference (HISRECO) will be held at the University of Lucerne on April 21-22, 2017. Since 2007 HISRECO has brought together researchers from various backgrounds to study the history of economics in the postwar period. It is the organizers’ belief that this period, during which economics became one of the dominant discourses in contemporary society, is worth studying for its own sake. The increasing availability of archival materials, along with the development of new perspectives inherited from the larger history and sociology of knowledge, has helped to provide insightful histories of the development of recent economic practices, ideas, and techniques. In particular, this area of research offers good opportunities to young scholars who are interested in interdisciplinary approaches to the history of economics.

We invite researchers in all related fields to submit a paper proposal of no more than 500 words. Even though the organizers are open to a wide range of approaches to the history of economics, paper proposals that address the interface between this field and the history and sociology of science, or cultural and science studies will be particularly appreciated.  Proposals should be sent electronically (as a pdf file) to Verena Halsmayer (verena [DOT] halsmayer [AT] unilu [DOT] ch) by October 14 2016. Successful applicants will be informed by November 15 2016.

Thanks to financial support from the University of Lucerne, FIPE (The Institute of Economic Research Foundation, Brazil), the European Scientific Coordination Network (GDRI, CNRS) and the KWI (Kulturwissenschaftliches Institut) Luzern, HISRECO has limited funds to partially cover travel and accommodation for up to four young scholars (PhD students or researchers who have obtained their PhD over the past two years, from July 2014 to October 2016). Young scholars should include in their proposal their current affiliation and the university and year of their PhD, if this is the case. Those needing more information about funding are welcome to approach the organizers.

For those who want to know more about HISRECO, a list of past conferences and contributors can be found at http://www.hisreco.org.

The organizers, Verena Halsmayer (University of Lucerne), Pedro Duarte (University of São Paulo), Yann Giraud (University of Cergy-Pontoise), and Joel Isaac (University of Cambridge).

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Interpretacoes das RI da America Latina - Raul Bernal-Meza (Mundorama)



Concepts, ideas and methodologies in the interpretation of LatinAmerican international relations, by Raúl Bernal-Meza
International relations studies and analyzes foreign policy in Latin America during much of the first half of the twentieth century were dominated by the influence of international law and the visions of diplomatic history. The first scientific analytical approach was structuralism, based on the thought Prebisch-ECLAC. From there a debate between the new influences of American thought in international relations and the efforts of Latin American thinkers to study international relations from the perspective of political economy. In some ways, this debate, after sixty years, still continues. The drafting of a Latin American line of thinking on international affairs also had to face the influence of –and dependence on – foreign (mainly Anglo Saxon) theoretical and methodological reflections.
Authors from within and outside the region note that this is an issue of concern to any policy making that aim at a more autonomous international insertion. In Latin America there are currently three major lines of work on thinking in international affairs. The first one, whether having an own thinking in order to interpret reality and nature of the international insertion from our own perspectives make any sense; the second one is about the appropriateness of applying theories that are produced by the epistemic thinking of the “North” in the interpretation of the international system and in the analysis of foreign policy, given its higher level of sophistication; and the third issue is whether the theory produced in the core countries should be replaced by concepts developed by Latin American epistemology, according to the idea that they would better explain the nature of our foreign relations. In recent years there has been an interesting discussion between those who consider the use of theoretical and methodological tools from schools and lines of Anglo-Saxon thinking is right and positive, and those who rather consider that theoretical, epistemological, conceptual and methodological tools produced in Latin America should be used.
In Argentina, the socio-historical, structuralist political economy, and autonomic lines of interpretation participate, and in Brazil, with a predominance of history are the main representatives of the second group, in which influences of the English and French schools of international relations are also observed. Among the main criticisms that this group addresses the followers of Anglo-Saxon theories, it is argued that the US theory –for example, realism and idealism- replace the historical investigation of the facts for prescriptions and foundations of the theory. The authors who followed this line subsequently argued that the theory produced in intellectuals scenarios outside the region, when being incorporated in the interpretation of international relations in Latin America, reproduced the dominant ideology of the producing sources, and therefore an analysis of the international insertion and foreign policy from our own interpretations was needed, thus rejecting the theories developed in the core and implementing concepts that would enable substantiate and explain foreign policy.
In this debate, scholars influenced by the conventional American thought, criticize Latin American production because they assume that it does not claim to universality.
There are two errors in the view of academics who follow only American thought. The first is to believe that Latin American contributions do not claim to universality, which is false if we review structuralist ideas, the exemplary construction core-periphery (updated the global system at the stage of capitalism of the 1970s by Arrighi, and Wallerstein, which added to the semi-periphery analysis) and interest for autonomy against the hegemonic power, which is a concern with global reach. The second mistake is to assume that those who follow the political economy approach reject the entire American theoretical thought, which is also false, because many authors take the “institutionalism” and “constructivism” to better understand processes of international cooperation and integration economic and regionalism.
In the current context of international processes and against the rise of China as a great power, but especially by the structure of economic, trade, financial and political relations between the powerful and Latin America, the Latin American thought precedent still has much to contribute to better understand the new realities between the rising centers and peripheries and semi-peripheries. This also extends to the understanding of relations between the hegemonic power and decision-making autonomy. Recent Latin American contributions contribute to this goal, with new concepts, analytical categories, theoretical reflections and methodological contributions.
The transition from economic hegemony between new “cores” and the old peripheries, and the challenges imposed by the new political and security of the international system point out that the search for new theoretical and methodological approaches should follow scenarios to be a priority for analysts in international relations. Because all the international dynamics it leads to a permanent challenge between change and continuity.


Read the article:
Contact:
Raúl Bernal-Meza – Universidad Arturo Prat, Instituto de Estudios Internacionales, Santiago, Chile (bernalmeza@hotmail.com).

Sobre a natureza do fanatismo - Jaime Pinsky

Sobre a natureza do fanatismo. Por Jaime Pinsky

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Sobre a natureza do fanatismo

Por Jaime Pinsky

… Negar a existência de fanáticos religiosos dentre os autodenominados soldados de Alá é ingênuo. Lá estão eles, matando de forma indiscriminada e contando com uma vida futura plena de alegria para si. Não fosse o seu fanatismo não matariam e morreriam em nome de uma suposta verdade indiscutível: a deles…
Publicado originalmente no Boletim Informativo do autor, 5 de agosto de 2016

A verdade do fanático religioso foi determinada por deus, o seu deus, por meio da revelação. Não se trata de uma grande verdade a que se chega após uma longa trajetória racional, nem de uma pequena verdade, fruto de um achado, um palpite, uma opinião. Trata-se da Verdade (assim, com V maiúsculo), e como tal, não é passível de discussão. Afinal, como simples mortais poderiam questionar verdades com origem divina?

O detentor da verdade religiosa não apenas acredita nela com toda intensidade, como acha que deve impô-la aos outros, aos incréus, aos céticos. No limite, impor uma verdade é uma obrigação do crente, já que ele estará salvando aquele que não acreditava e passa a crer. Ou, se o outro não tiver salvação, punindo-o. Obrigar o outro a acreditar em sua verdade não lhe parece uma atitude autoritária, mas uma obrigação moral. Mesmo que o outro não tenha vontade de receber a sua verdade. Mesmo que seja necessário matar o outro para que não peque mais.

Crimes em nome da religião, de religiões, ocupam muito espaço na história. O próprio mundo ocidental e cristão, que hoje é vítima de fanáticos islâmicos,  não tem muitos motivos para se orgulhar das Cruzadas (que sob o pretexto de salvar a Terra Santa dos infiéis matava toda espécie de vida que passava à frente de suas tropas), ou da Inquisição (que em nome da fé mandou para a fogueira um sem número de praticantes de outras crenças, além de dificultar o crescimento das forças produtivas na Espanha e em Portugal).

Alguém poderá argumentar, com aparente razão, que o fanatismo racista de Hitler, ou o fanatismo ideológico de Stalin também provocaram milhões de sacrifícios humanos. Vejo, contudo, muito do fanatismo religioso entre os seguidores desses lideres, que os tinham como verdadeiros deuses. A verdade dos nazistas era dogmática, não racional. Do contrário, como entender que um povo tão evoluído culturalmente como o alemão pudesse ter aceitado nas ideias nazistas que ensinavam que o mais idiota dos loiros de olhos azuis, só por ser ariano (seja lá o que isto possa significar) era de uma “raça” superior a, por exemplo, Albert Einstein, um judeu? O mesmo pode-se dizer dos seguidores de Stalin, que duvidaram durante décadas da imensidão dos seus crimes em nome de um socialismo altamente discutível.

Negar a existência de fanáticos religiosos dentre os autodenominados soldados de Alá é ingênuo. Lá estão eles, matando de forma indiscriminada e contando com uma vida futura plena de alegria para si. Não fosse o seu fanatismo não matariam e morreriam em nome de uma suposta verdade indiscutível: a deles.

…É importante lembrar que desde o começo Hitler foi bastante apoiado pela camada “lumpen” da população alemã, marginalizados, desempregados, desajustados, ressentidos…

Contudo, há um outro tipo social que tem participado dos atentados terroristas perpetrados particularmente na França. Podemos observar que fazem parte da tropa de choque dos agrupamentos de fanáticos de inspiração islâmica grupos ressentidos com o ocidente, não tanto por negarem valores desse mesmo ocidente (apesar de seu discurso nessa direção), mas por não terem tanto acesso quanto gostariam aos produtos e serviços que os cidadãos dos países mais desenvolvidos usufruem.

Quando afirmam não serem bem aceitos em sociedades como a francesa não estão clamando pela filosofia de Descartes, poemas de Baudelaire, ou peças de Molière, mas por roupas de grife, automóveis modernos e celulares do ano. “Se não me dão vida boa, também eles não terão vida boa”, parece ser o seu lema. Antigamente a presença de árabes e islâmicos na cultura francesa era importante, mas parece que isto já não ocorre mais e não se pode atribuir apenas à xenofobia essa dificuldade. A tão propalada incorporação dos imigrantes mais recentes à cultura francesa tem se resumido, na maioria dos casos, ao esforço para mudar de patamar de consumo, de preferência mantendo algumas características do grupo como a discriminação das mulheres. Os que não conseguem se tornar bons consumidores se tornam fortes candidatos a terroristas.

É importante lembrar que desde o começo Hitler foi bastante apoiado pela camada “lumpen” da população alemã, marginalizados, desempregados, desajustados, ressentidos. Gente que saiu batendo em adversários políticos, pichando vitrines de lojas, incendiando templos religiosos, sentindo-se poderosos por fazer parte de um grupo, eles que antes não se sentiam pertencentes a nada.

Fanáticos e ressentidos fazem uma mistura explosiva. Literalmente.

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Jaime Pinsky– historiador, professor titular da Unicamp, diretor da Editora Contexto, autor de Faces do fanatismo, entre outros livros.

terça-feira, 9 de agosto de 2016

Previdencia: regras brasileiras muito generosas, diz Ipea

Comentário inicial enviado por um amigo.
Paulo Roberto de Almeida 

Claro que a maior responsabilidade por isto (que a matéria não está dizendo) está na casta de funcionários públicos, que parece de intocáveis como os marajás indianos - eles vivem em outro mundo, para eles o bem estar é algo como a Suécia, e cercados de serviçais como na India,  enquanto a grande maioria  vive somente um pouquinho melhor do que a África do Sul..Trata-se de uma minoria que é responsável pelo maior rombo das contas da Previdência.
Porque a sociedade não se rebela e dá um basta nestes espertalhões? Já vai começar por este ano, liquidando com o PT. Depois tem que competar o serviço, acabando deifnitivamente com aposentadorias públicas AGORA e não para o futuro. E ainda , modificar todas as carreiras do serviço público, avanar com a CLT e formar nova legislação de trabalho. Isto já daria para uma boa limpeza neste Pais indigno.
Bem estar social, sim - na saúde, na educação, na segurança, no financiamento de habitação social quando necessário, na promoção de qualificação no emprego..na ampliação do empreendedorismo
Isto funciona. O Pais velho precisa desaparecer...
Roque Callage

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Deficits da Previdência continuam a aumentar
O Estado de S. Paulo, 09.08.16

As despesas do Brasil com a Previdência estão muito acima do que seria o esperado a partir da idade da população brasileira, aponta estudo obtido pela reportagem. De uma lista de 86 países, o Brasil está em 13º com maior gasto com aposentadorias e pensões em relação às riquezas do País. Ao mesmo tempo figura na 56ª posição entre os que têm a população mais idosa, com 60 anos ou mais.

Considerada a estrutura demográfica brasileira, o gasto previdenciário deveria se encontrar em torno de 4% do Produto Interno Bruto (PIB) – a projeção do governo federal é de que as despesas com o pagamento dos benefícios pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) alcancem 7,9% do PIB neste ano.

Segundo o estudo feito pela equipe técnica do governo, o atual patamar de gastos do Brasil com Previdência só seria compatível se 25% da população fossem idosos. No entanto, segundo o IBGE, apenas 10,8% dos brasileiros têm 60 anos ou mais. Isso mostra uma distorção dos gastos previdenciários que já comprometem as contas públicas. Segundo o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, o rombo da Previdência – que fechou em R$ 86 bilhões em 2015 – deve alcançar R$ 180 bilhões em 2017 e, em breve, não caberá no Orçamento Geral da União (OGU).

“São poucos os países que adotam um conjunto de regras tão relaxadas como o Brasil”, diz um dos autores do estudo, Luis Henrique Paiva, do Ipea, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Segundo o pesquisador, a tendência é que países com mais idosos também sejam aqueles que apresentem maior despesa previdenciária. O Brasil, porém, é um ponto fora da curva, com gastos muito acima do esperado para um país com perfil relativamente jovem. Paiva diz que as aposentadorias precoces e as pensões explicam boa parte dessa situação.

As despesas com o pagamento do INSS deram um salto entre 1995 e 2014, de 4% para 7% do PIB. “Isso garantiu que quase 90% dos idosos tivessem acesso a algum tipo de benefício”, afirma. “Essa é a faceta positiva do aumento de gastos: expandiu a cobertura. Em muitas cidades, os benefícios são uma das principais fontes de renda.”

Atualmente, no Brasil, é possível aposentar por idade ou por tempo de contribuição. Na prática, os trabalhadores mais pobres e com pior inserção no mercado de trabalho se aposentam por idade. A regra diz que é possível se aposentar com 65/60 anos (homens/mulheres) se o trabalhador tiver 15 anos de contribuição. Na aposentadoria por tempo de contribuição, não há fixação de idade mínima, uma concessão que é raridade no mundo

A regra diz que é preciso ter 35/30 anos de contribuição. As idades médias de aposentadoria, neste caso, são de 55/52 anos. Para os pesquisadores, essas regras favorecem trabalhadores com maiores níveis de renda, com uma trajetória de empregos com carteira assinada, mais estável.

Entre 177 países, o Brasil faz parte de um grupo pequeno de 13 nações que oferecem a opção pela aposentadoria por tempo de contribuição. Desses, cinco exigem que o aposentado abandone o mercado de trabalho ou impõem outras restrições ao acúmulo de rendimentos trabalhistas e previdenciários – o que não ocorre no País.

O caso brasileiro destoa até mesmo de países com situação socioeconômica e demográfica semelhante. O Equador é o único país da América Latina a oferecer a aposentadoria por tempo de contribuição, mas trata como um caso excepcional e exige tempo de 40 anos para homens e mulheres para que não haja redução no valor do benefício. Nos países da América Latina, as diferenças nos critérios para a aposentadoria de homens e mulheres são menores do que as existentes no Brasil e a reforma da Previdência deve aproximar as exigências. Cerca de 90% dos países da região impõem alguma restrição para aposentadorias antecipadas.

O patamar da participação das pessoas de 60 anos ou mais na população brasileira que era de apenas 3% no começo do século 20, deverá atingir um terço da população em 2060 de acordo com as projeções do IBGE e da ONU. Hoje, portanto, um em cada dez brasileiros tem 60 anos ou mais de idade. Em 2060, os idosos serão um em cada três brasileiros.

O envelhecimento populacional e a queda da fecundidade farão com que haja um menor número de pessoas em idade ativa para cada idoso. Em 2010, havia 10 pessoas de 15 a 64 anos para sustentar cada idoso de 65 anos ou mais de idade. Em 2060, haverá entre 2,2 e 2,3 pessoas em idade ativa para cada idoso.

Para o pesquisador do Ipea, o governo está diante de um desafio para convencer as pessoas a aceitar regras mais duras para se aposentar. “A Previdência é um pacto de gerações e se dá dentro da casa de cada um”, afirma. “Ou mantemos isso na cabeça ou a próxima geração vai ter que pagar as distorções com mais impostos”, diz. E dá um exemplo pessoal: “Meu pai se aposentou com condições muito mais favoráveis do que as que eu vou ter que seguir para garantir que o meu filho também consiga se aposentar”.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.