O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

segunda-feira, 4 de março de 2019

Contra a Corrente: ensaios contrarianistas - novo livro, Paulo Roberto de Almeida

Finalmente disponível. Aqui seu sumário e apresentação:




Contra a corrente
Ensaios contrarianistas sobre as relações internacionais do Brasil (2014-2018)
(Curitiba: Appris, 2019)


Disponível para vendas online, inclusive no formato e-book, nos seguintes links: 
https://www.editoraappris.com.br/produto/2835-contra-a-corrente-ensaios-contrarianistas-sobre-as-relaes-internacionais-do-brasil-2014-2018
e
https://www.amazon.com.br/s?k=contra+a+corrente+ensaios+contrarianistas&__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&crid=AWUCCAL8SUDB&sprefix=Contra+a+Corrente%3A+ens%2Caps%2C249&ref=nb_sb_ss_fb_1_21


Sumário

Apresentação: Do “nunca antes” ao finalmente depois... 
                                    
Primeira Parte
A diplomacia brasileira sob o lulopetismo
1. A política externa em tempos não convencionais 
2. Rumos da política externa na próxima década 
3. Tentativas de aparelhamento lulopetista da diplomacia 
4. Desafios do governo na frente econômica externa 
5. A agenda econômica internacional do Brasil  
6. Questões institucionais e políticas da diplomacia lulopetista
7. Peculiaridades da diplomacia sob o lulopetismo 
8. A política externa companheira e a diplomacia partidária 
9. Retorno a uma diplomacia normal?  
10. Fim das utopias na Casa de Rio Branco? 
11. A diplomacia dos antigos e a dos modernos (Benjamin Constant) 
12. Contra as parcerias estratégicas: um relatório de minoria 
13. Epitáfio do lulopetismo diplomático  

Segunda Parte
A política externa numa fase de transição
14. O renascimento da política externa    
15. O Itamaraty e a nova política externa brasileira  
16. A política externa e a diplomacia brasileira no século XXI  
17. Como retomar uma política externa profissional  
18. O papel da diplomacia nas reformas: justiça, trabalho, educação 
19. Questões de política externa numa conjuntura eleitoral 
20. Uma delicada questão diplomática: o caso de Israel 
21. Balanço e trajetória futura das relações internacionais do Brasil 
22. O poder do Itamaraty: o conhecimento como base  

Apêndices:
23. Auge e declínio do lulopetismo diplomático: depoimento pessoal  
24. Entrevista sobre o Itamaraty em tempos não convencionais
25. Breve nota biográfica: Paulo Roberto de Almeida   
26. Livros e trabalhos de Paulo Roberto de Almeida  



Apresentação
Do “nunca antes” ao finalmente depois...

Against the tide e minority report são duas conhecidas expressões em inglês que podem representar o espírito com o qual foram escritos a maior parte dos ensaios aqui reunidos, compilando esforços de leitura, de reflexão e de redação que empreendi entre os anos de 2014 e 2018, não por acaso dois períodos eleitorais decisivos na história política recente do Brasil, o primeiro por representar o ponto culminante do regime lulopetista vencedor em quatro eleições presidenciais sucessivas, mas também a sua agonia e queda final, em 2016, o segundo por evidenciar a vontade da sociedade brasileira de dar um basta ao festival de corrupção sistêmica a que assistimos desde o início daquele regime.
“Contra a corrente” e “relatório de minoria” podem, efetivamente, caracterizar minha atitude básica na análise e produção de ensaios ao longo desse período, mas não só ele, pois tenho mantido a mesma atitude – que chamo de ceticismo sadio – ao longo de uma vida toda ela dedicada ao estudo dos problemas brasileiros, ao exame das melhores soluções de políticas públicas a esses problemas, especialmente na área de atividade que é a minha desde 1977, as relações internacionais do Brasil, sua política externa, o exercício prático da diplomacia, mas sempre combinada a uma reflexão crítica que sustenta, justamente, a atitude que mantenho, e que pode ser resumida nessas duas expressões.
Os textos aqui reunidos podem, portanto, enquadrar-se numa das duas categorias acima descritas, ou em ambas, simultaneamente, justificando-se, portanto, o uso do conceito de “contrarianismo”, que pode também identificar alguns traços de minha atitude em face de questões relevantes do país, mas em relação aos quais mantenho uma postura que não se enquadra na corrente geral. Esses ensaios foram preparados marginalmente à minha agenda habitual de trabalho, que em geral compõe-se unicamente de escritos que eu mesmo escolho deliberadamente empreender. Normalmente, consistem em ensaios acadêmicos, pesquisas históricas, ou sínteses de leituras e reflexões sobre os temas que me ocupam tradicionalmente: desenvolvimento econômico do Brasil, história diplomática, política internacional e assuntos afins, ademais de resenhas de livros, muitas resenhas.
Em certos momentos, esses ensaios podem situar-se em etapas decisivas da conjuntura política, como são os períodos eleitorais, quando campanhas presidenciais nos colocam em face de escolhas relevantes para o futuro da nação, sobre as quais eu nunca deixei de refletir, e de ponderar minhas opções, justamente com essa atitude que já descrevi como sendo constituída basicamente de ceticismo sadio, e que se reflete em textos que geralmente vão no sentido contrário ao da maioria da opinião – inclusive na instituição a que pertenço – e que podem também serem enfeixados nessa segunda categoria, a dos relatórios de minoria.
Dividi a presente coletânea em duas partes bem caracterizadas. A primeira compõe-se de ensaios sobre diferentes temas da diplomacia brasileira redigidos no período final do regime lulopetista. Elas não visavam examinar tão simplesmente a diplomacia brasileira, nos seus aspectos gerais, pois a intenção era a de discorrer sobre “problemas” da diplomacia brasileira, criados pelo governo do Partido dos Trabalhadores (PT) desde 2003, e que ameaçavam se prolongar por um período indefinido, em caso da vitória do PT nas eleições daquele ano, o que efetivamente se confirmou, da pior forma possível, com as consequências que todos sabemos. Logo em seguida tivemos a crise terminal do lulopetismo e o ingresso numa fase de transição que talvez ainda não tenha terminado.
Esta é justamente a segunda parte desta compilação de escritos, muitos deles compostos no período mais recente, refletindo a campanha presidencial de 2018, durante a qual não exerci nenhum papel relevante, para nenhum dos candidatos em liça, mas no decorrer do qual não me eximi de redigir algumas notas refletindo meu pensamento sobre alguns dos temas que valorizo sobremaneira, desde minha formação inicial em problemas do desenvolvimento brasileiro e de sua inserção internacional.
Entre uma e outra etapa, se situa uma espécie de “intermezzo” contrarianista, com a produção de alguns ensaios reveladores do que eu pensava sobre a crise terminal do lulopetismo e os desafios para o Brasil; algumas referências a esses escritos figuram no apêndice, no qual informo alguns dados pessoais e relaciono leituras adicionais.
Devo desde já registrar que, durante todo o decorrer do regime lulopetista – ou seja, de 2003 a 2016 –, eu não tive nenhum cargo na Secretaria de Estado das Relações Exteriores (SERE), tendo sido “condenado”, desde o início desse regime, a uma longa travessia do deserto, que só veio a termo com o impeachment de meados de 2016, quando finalmente fui convidado para o cargo de diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI), da Fundação Alexandre de Gusmão, vinculada ao Itamaraty.
Vários dos textos que aqui figuram não se destinavam a divulgação, nem nunca pretenderam representar o pensamento ou as posições de quaisquer grupos, partidos ou movimentos, mas unicamente as minhas próprias reflexões e posturas, em relação a temas que sempre foram cruciais nas relações exteriores do país, embora bem mais em função das deformações acumuladas naqueles anos do que em função da agenda normal do Itamaraty. A confecção dos argumentos e a exposição de minhas opiniões foram feitas sem notas preparatórias, sem remissões e sem suporte em documentos, oficiais ou não, já que os textos expressam, exclusivamente, o pensamento do autor, além de constituir um guia pessoal sobre o que poderia ser feito se o autor destas linhas tivesse, por acaso, algum poder de decisão, algum dia. Isso provavelmente jamais ocorrerá. Ainda que ocorresse uma mudança de regime, o que vai aqui escrito tampouco teria chances de concretização, tendo em vista a inércia burocrática e a lentidão mental na adaptação a novas ideias que prevalecem nos governos, mesmo num órgão que é geralmente tido por excelente, como é o caso do Itamaraty.
Como diria o velho Péricles – não o grego, mas um humorista brasileiro de uma antiga revista de atualidades fotográficas –, “as aparências enganam...”. Este autor, contudo, não pretende enganar a si próprio: estes textos representam a minha opinião sobre alguns momentos especiais vividos pela diplomacia brasileira ao longo do regime lulopetista e, agora, na fase de transição que se abriu com sua derrocada. Eles também constituem uma projeção utópica, totalmente pessoal, sobre um futuro hipotético, provavelmente irrealizável, de construção de uma economia avançada, de uma sociedade livre das amarras corporativas que dificultam um processo mais ágil de crescimento econômico e de desenvolvimento social.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, janeiro de 2019




Orelhas:
Sistemas políticos podem evoluir por meio de reformas progressivas, obtidas consensualmente pela via institucional, ou podem, também, conhecer erosão e deformação, pela ação de lideranças políticas pouco comprometidas com os valores e princípios da democracia e infensos à transparência normalmente associada às formações políticas comprometidas com tais princípios. O Brasil conheceu, em sua história recente, um deplorável processo de deterioração de suas instituições – que atingiu os três poderes – e que se refletiu igualmente numa lamentável perda de qualidade das políticas públicas, macroeconômicas e setoriais, incluindo a diplomacia.
Na área econômica, conhecemos a maior e mais profunda recessão de toda a história, em meados da segunda década deste século, e que ainda vai prologar seus efeitos até praticamente o ano do bicentenário da independência. Na vertente da política externa, teve vigência uma diplomacia partidária, até mesmo clandestina, que alterou as bases de funcionamento do Itamaraty, colocado a serviço dos arroubos megalomaníacos de um presidente que agora cumpre uma justa condenação à prisão, por crimes continuados contra o Estado e contra a própria sociedade.
Este livro se coloca na continuidade de obra anterior do autor, Nunca Antes na Diplomacia...: a política externa brasileira em tempos não convencionais (Appris, 2014). Ele compila, em sua primeira parte, análises do lulopetismo diplomático em sua fase agônica, mas que ainda assim exercia fascínio sobre certa franja do gramscismo acadêmico, obnubilada pela enganosa propaganda da “diplomacia ativa e altiva”, mas que estava alinhada com algumas das ditaduras mais execráveis da região. A segunda parte se ocupa das questões da política internacional do Brasil na presente fase de transição, com textos sempre motivados pelo perene compromisso do autor com uma diplomacia de qualidade, livre de partidarismos espúrios, que seja capaz de representar e defender os interesses fundamentais da nação, com a alta qualidade que sempre marcou a ação do Itamaraty no decorrer de sua longa história de quase dois séculos.
Ao final, depoimentos pessoais esclarecem as circunstâncias sob as quais se desenvolveu a trajetória intelectual do autor, afastado de qualquer função na Secretaria de Estado das Relações Exteriores durante toda a duração do regime lulopetista. Ele nunca cedeu à truculência arbitrária do regime que o condenou a um longo ostracismo profissional, quando teve de fazer da biblioteca do MRE o seu escritório de trabalho.

Paulo Roberto de Almeida é mestre em economia do desenvolvimento, doutor em ciências sociais e diplomata de carreira desde 1977. Ensinou na UnB, no Instituto Rio Branco e é professor convidado em várias instituições brasileiras e estrangeiras. Em 2004 tornou-se professor de Economia Política nos programas de mestrado e doutorado em Direito do Centro Universitário de Brasília (Uniceub) e, em agosto de 2016, assumiu o cargo diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI) da Fundação Alexandre de Gusmão, vinculada ao Itamaraty.

Quarta capa:
Comecei a leitura de seu Contra a Corrente pelos apêndices pois a narrativa da experiência profissional e intelectual é sempre reveladora das balizas do pensamento, como apontava Hannah Arendt.
A sua avaliação da diplomacia lulopetista é contundente, mas muito bem embasada. São pertinentes suas considerações sobre o Itamaraty e o seu papel na vida brasileira e de particular relevo a ênfase dada ao papel do conhecimento na condução da política externa.
O livro expressa as características da sua identidade intelectual que combina o empenho no rigor e o domínio do conhecimento à uma inquieta vocação polêmica, que explica o seu destemido à vontade de escrever contra a corrente.”
Carta de Celso Lafer ao Autor
São Paulo, 31 de janeiro de 2019


O embaixador Rubens Barbosa, com quem o Autor trabalhou em diversas ocasiões, ao longo de quase três décadas de carreira diplomática, o chamou certa vez de accident-prone diplomat, ou seja, um diplomata criador de casos. Ele confessa aceitar a designação com prazer, pois nunca hesitou em expressar abertamente suas opiniões, sem muito respeito pelos sacrossantos princípios da hierarquia e da disciplina.

Costuma dizer que nunca deixou o cérebro em casa quando saia para o trabalho, nem nunca o depositou na portaria ao adentrar no Itamaraty. Sempre expressou suas posturas e opiniões, independentemente dos regimes e dos governos. Por isso mesmo, pagou um alto preço durante os quase 14 anos de desgoverno lulopetista no país.



Contra o consenso "tradicional" na politica externa - artigo do chanceler

O chanceler do governo Bolsonaro, Ernesto Araujo, acaba de publicar um artigo em seu blog, "Metapolítica 17: Contra o Globalismo", respondendo às acusações de que ele estaria rompendo o "consenso" na política externa, com o que ele concorda, mas seria o consenso que teria levado o lulopetismo ao poder, e depois a tolerância com a preservação de laços com regimes ditatoriais na região.
No que me concerne, não me sinto atingido por acusações deste tipo: 
"Alguns apoiaram abertamente o chavismo. Outros fingiram que foram contra mas não fizeram nada de concreto."
Se existe algo de que posso me orgulhar é, antes mesmo que começasse o regime lulopetista no poder, eu já tinha denunciado, em artigos anteriores a 2003, o caráter anacrônico do esquerdismo do PT, seus equívocos não apenas em políticas econômicas, mas também em política externa.
Não foi por outro motivo que estive num completo ostracismo durante os 13 ANOS do regime companheiro, sem JAMAIS ter QUALQUER CARGO na Secretaria de Estado, uma longa travessia do deserto que durou exatamente o dobro de meu exílio voluntário durante a ditadura militar, à qual eu também me opus, e por isso fiquei fora do país de 1970 a 1977. Pois durante o regime lulopetista, permaneci na geladeira, num exílio totalmente involuntário, durante toda a sua duração, só sendo chamado novamente a trabalhar na Secretaria de Estado depois do impeachment de Madame Pasadena.
Quanto a Chávez, também não tenho nenhum adesão a nenhum consenso: denunciei antecipadamente o desastre que se preparava, e durante todos esses anos fui um dos poucos diplomatas a revelar o caráter profundamente corrupto daquele regime, aliás também em relação aos lulopetistas, pois os chamava de corruptos e ineptos.
Tenho uma outra visão da diplomacia brasileira, tanto a "tradicional" quanto a supostamente "consensual" que é denunciada na matéria abaixo. Mas vou ainda formular meus argumentos a respeito.
No momento, limito-me a transcrever o artigo do chanceler.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 4/03/2019

Contra o consenso da inação
Ernesto Araújo
Metapolítica 17: contra o globalismo, 3/03/2019

A política externa brasileira foi uma política de “consenso” nos últimos 25 anos porque refletiu um consenso mais amplo, o consenso na base do sistema político que ameaçou sufocar a nação brasileira com a corrupção e a estagnação econômica, a crise moral e o enfraquecimento militar, o apequenamento internacional, o descaso pelos sentimentos do povo brasileiro.
Os brasileiros rejeitaram esse consenso nas urnas, em outubro de 2018, ao escolher o único candidato que se ergueu contra o sistema. Insistir agora em que esse consenso continue a prevalecer na esfera da política externa, por temor e preguiça, sob o pretexto de “manter as tradições”, seria trair o povo brasileiro.
O “consenso” na política externa, com sua “maturidade” e “equilíbrio”, permitiu ao longo desse período a subida de Chávez na Venezuela, o predomínio crescente do bolivarianismo na América do Sul concebida como um bloco socialista, a consolidação de Chavez e Maduro no poder, a corrosão progressiva de todos os elementos do Estado Democrático de Direito naquele país, sua entrada no Mercosul a ponto de quase destruir o bloco, a deliberada política do regime de Caracas de criar miséria para reforçar o controle sobre a sociedade – tudo isso sob as barbas do nosso “consenso”. Alguns apoiaram abertamente o chavismo. Outros fingiram que foram contra mas não fizeram nada de concreto. Aquilo que parecia haver de defesa da democracia na política brasileira para a Venezuela no último governo extinguiu-se completamente, entre sorrisos, em setembro de 2018, na reunião de Aloysio Nunes com o chanceler de Maduro em Nova York, onde o lado brasileiro aceitou na prática a normalização das relações com a Venezuela sob o pretexto de que “é um país com o qual fazemos fronteira”. Se permanecesse aquele maravilhoso consenso, não haveria hoje um pingo de esperança para a Venezuela, e Maduro estaria firme, sem qualquer receio de perder o poder, sorrindo ao ver as crianças venezuelanas comerem lixo.
Eu vi com meus próprios olhos essas crianças e seus pais, nas fronteiras da Colômbia e do Brasil com a Venezuela. Eu ouvi os venezuelanos em Cúcuta gritando “obrigado Brasil” e apertei suas mãos, eu escutei suas vozes rasgadas de esperança, gritando “Venezuela libre!” e gritei junto com elas. Eu senti o seu enorme anseio de que agora, finalmente, graças em grande parte ao novo Brasil, os venezuelanos possam recuperar sua pátria e sua dignidade humana, com o fim iminente da ditadura. Eu abracei Juan Guaidó, esse líder destemido que, sob risco de vida, corporifica o sonho de uma nova Venezuela, vi os índios pemones que viajaram até Brasília, grande parte do trajeto a pé, e saudaram Guaidó em frente ao Itamaraty, e entoaram um cântico por seus parentes massacrados por Maduro – tudo isso enquanto Rubens Ricúpero e Fernando Henrique Cardoso escreviam seus artigos espezinhando aquilo que não conhecem, defendendo suas tradições inúteis de retórica vazia e desídia cúmplice.
O Presidente Bolsonaro e eu estamos, sim, rompendo esse consenso infame. Estamos rompendo com a tolerância irresponsável que ajudou a acobertar os crimes do regime chavista-madurista, e que continuaria acobertando até hoje, se o sistema que vinha governando o Brasil permancesse no poder.
A esperança de uma nova Venezuela não existiria sem o novo Brasil. A atuação do Brasil no Grupo de Lima em 4 de janeiro, a organização do encontro das forças de oposição em Brasília em 17 de janeiro, a denúncia do genocídio silencioso praticado por Maduro por meio da nota do Itamaraty igualmente de 17 de janeiro, o respaldo ao Tribunal Supremo de Justiça legítimo da Venezuela que avaliza constitucionalmente o processo, o reconhecimento de Guaidó como Presidente Encarregado em 23 de janeiro – todas essas iniciativas da nova política externa brasileira, que o Presidente Bolsonaro me deu a honra de conduzir, foram decisivas para acender a esperança que vi brilhar nos olhos das pessoas de carne e osso, e que contagiou toda a região, que colocou a barbárie do regime madurista sob os olhos de todo o mundo. Segundo me confidenciou pessoalmente uma grande liderança democrática venezuelana, foram as iniciativas do Brasil que mudaram o jogo e mobilizaram os próprios Estados Unidos a romperem a inércia em que se encontravam até o início de janeiro e a virem colocar seu peso político em favor da transição democrática. Não foi o Brasil que seguiu os EUA, mas antes o contrário. Quem não acreditar, pergunte aos venezuelanos que lutam por sua pátria, e que passarão à história como heróis da liberdade. Perguntem a eles o que acham da política externa de Bolsonaro. Perguntem aos venezuelanos expulsos de seu país pela fome e pela tristeza e que agora sentem-se à beira de poder voltar para casa. Perguntem a eles, e não aos comentaristas de política externa, não aos ex-presidentes e ex-ministros do “grande consenso” da inação e da mediocridade.
Perguntem a eles se me veem como a caricatura de um guerreiro medieval com a cruz de Cristo no peito (da qual aliás muito me orgulho) ou simplesmente como um homem que, com todas as sua limitações, está trabalhando para defender a democracia, em benefício de toda a região, essa democracia de que os críticos de Bolsonaro tanto falam mas pela qual nada fazem nunca.
Agora vem FHC, com o mais surrado dos artifícios retóricos: a criação de uma falsa dicotomia. Segundo ele, as únicas opções são o prosseguimento do “consenso” ou a intervenção armada na Venezuela. Não, não são as únicas. Ao contrário de FHC, eu acredito na diplomacia, porque acredito na força da palavra e do espírito humano para mudar a realidade, porque não sou cínico nem materialista, porque acredito no povo brasileiro, esse povo dos “grotões” que FHC abertamente desprezava (assim como desprezava e despreza os eleitores de direita que o fizeram presidente duas vezes), e acredito que este povo tem em suas mãos um destino imenso capaz de mudar o mundo, começando por ajudar na libertação do povo-irmão venezuelano.
Nessa libertação, o sentimento de solidariedade humana para com os venezuelanos coincide com o interesse nacional brasileiro. Uma Venezuela eternamente chavista-madurista, vivendo do narcotráfico, albergando terroristas de toda estirpe, armando milícias criminosas, financiando crime organizado e movimentos pseudo-sociais em território brasileiro, expulsando seu próprio povo pela fome e pela doença, essa Venezuela seria uma ameaça permanente e tremenda à segurança do Brasil e dos brasileiros. Fazer algo efetivo a respeito, contribuir para uma Venezuela democrática, é algo que a melhor tradição diplomática brasileira exige e impõe. Estamos restaurando a verdadeira tradição diplomática brasileira, a tradição de um país livre, soberano, orgulhoso de si mesmo, consciente de sua capacidade e sua responsabilidade de contribuir para o bem da humanidade.
 [FIM]

domingo, 3 de março de 2019

Miriam Leitao: Riscos reais na politica externa (Globo, 3/03)

Riscos reais na política externa

Os erros de política externa já foram tantos em tão pouco tempo que é preciso estar atento aos próximos riscos. Em um texto profundo e forte, o embaixador Rubens Ricupero analisa o resultado da combinação entre “a inépcia diplomática com a excentricidade ideológica” do governo Bolsonaro e alerta para o mês de março, quando haverá a visita do presidente aos Estados Unidos e a Israel.
Ricupero diz que decisões de “implicações gravíssimas para a segurança e interesses nacionais são anunciadas e suspensas com leviandade reveladora da irresponsabilidade de seus autores”. Nessa lista ele coloca a oferta de uma base militar aos Estados Unidos, a mudança da embaixada brasileira em Israel e a retirada do Brasil do Acordo de Paris. A análise, Ricupero apresentou na Casa das Garças.
Uma base militar, diz ele, é um enclave de jurisdição estrangeira no território nacional. E esse assunto surgiu durante a conversa entre o assessor John Bolton e o presidente Bolsonaro. Em quase 200 anos de vida independente, lembra, a única vez que isso aconteceu foi durante a Segunda Guerra. Foi cogitado sem qualquer avaliação das graves implicações para o país. Os militares impediram que isso fosse adiante.
A transferência da embaixada brasileira, sobre a qual sempre se fala no atual governo, seria para atender “ao setor mais obscurantista e retrógrado das seitas evangélicas”. O Brasil sempre defendeu que a definição da capital deveria ser resultado de negociação entre israelenses e palestinos. Se a intenção se confirmar, “passaríamos a ser vistos como aliados do lado israelense, inimigos dos palestinos e de uma saída negociada e pacífica para o conflito no Oriente Médio”.
Isso teria efeitos concretos. Mais de 49% do total das vendas brasileiras de proteína animal se destina a mercados árabes e ao Irã. “Ainda que a medida não se concretize, o simples anúncio seguido de incontáveis idas e vindas cria a sensação de governo errático e não confiável.” Os exportadores têm impedido a confirmação dessa decisão.
O embaixador diz que a reputação brasileira sai ainda mais avariada do anúncio, e depois recuo, de sair do Acordo de Paris. Quando falou do assunto, o presidente Bolsonaro alegou que o Acordo estaria impondo ao Brasil “metas inatingíveis”. Como bem lembrou Ricupero, as metas chamam-se NDCs, “Contribuições Determinadas Nacionalmente”, porque são voluntárias, cada país oferece o objetivo que quer atingir. “A segunda razão invocada pelo desinformado presidente é que o Acordo forçaria goela abaixo do Brasil algo misterioso intitulado Corredor Tríplice A”. Essa ideia do americano naturalizado colombiano Martin von Hildebrand, de preservar uma área de 200 milhões de hectares dos Andes até o Atlântico através de terras de oito países amazônicos, nunca saiu do papel e jamais foi discutida no Acordo de Paris. As lideranças do agronegócio impediram a saída do Acordo. O governo cedeu a contragosto e disse que fica “por ora”.
O Brasil foi um dos principais “artífices” do Acordo, porque é visto como uma potência ambiental. “Como classificar uma diplomacia que joga fora esse ativo na questão que constitui a mãe de todas as ameaças?”
Em comum nos três casos está a adesão à agenda de Donald Trump, “de maneira mecânica e caudatária”. Ele registra que em menos de dois meses o governo Bolsonaro demoliu a política externa que vem sendo mantida no Brasil desde o governo Geisel. “Os entusiastas do alinhamento não vão demorar a descobrir que os americanos são amos insaciáveis e intratáveis, que exigem adesão total e sem reservas”.
Ricupero relata que o chanceler Ernesto Araújo compareceu a uma reunião em Varsóvia para apoiar os EUA nas sanções contra o Irã. França e Alemanha boicotaram o encontro, que foi um fracasso. O que o Brasil tem a ganhar com isso não se sabe, mas “o Irã representa 7% do total das exportações brasileiras de carne e no ano passado vendemos aos iranianos US$ 1 bilhão de milho”.
O risco maior contudo é o estremecimento da relação com a China, com quem, a propósito, os Estados Unidos já estão se compondo. Esta semana os EUA adiaram o aumento das tarifas, e a China anunciou que comprará mais dos Estados Unidos. E o que a China compra dos americanos? Exatamente as mesmas commodities que exportamos para os chineses. Que nas viagens de março alguém contenha o presidente e seu chanceler.
(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)

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Addendum: 
Transcrevi a palestra de Rubens Ricupero neste meu blog, neste link: 
https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/02/rubens-ricupero-palestra-sobre-politica.html