O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

terça-feira, 12 de março de 2019

Google Alerts: política externa do Brasil

Em tempos normais, a safra de notícias sob esse conceito é bastante reduzida.
Mas, quem disse que vivemos tempos normais?
Alguns estão vivendo seu inferno astral...
Eu, pelo menos, voltei a meus tempos normais: na biblioteca, na companhia de bons livros, pensando em qual vai ser o título de meu próximo livro.
O mais recente, que está sendo impresso neste momento, leva como título:
Contra a Corrente: ensaios contrarianista sobre as relações internacionais do Brasil, 2014-2018. (apresentação e sumário neste link)
Deve estar sendo publicado muito em breve.
Num momento, em tresloucado gesto, pensei em estender o segundo ano a 2019, mas prudentemente recuei, e parei em 2018.
Não, não foi por prudência.
Foi porque imaginei que pronto teria abundante material para compor um novo livro exclusivamente sobre nossas peripécias diplomáticas em 2019. De fato, notícias e reflexões é que não faltam.
Bem, vamos ao que interessa.
Paulo Roberto de Almeida
Belo Horizonte, 12 de março de 2019


Google
politica externa do Brasil
Atualização semanal  11 de março de 2019
NOTÍCIAS 
... da demissão, minha opinião sobre a atual política externa do Itamaraty. ... sistemática e completa de qual seria a estratégia internacional do Brasil, ...
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247, com Prensa Latina - O ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, detalhou nesta sexta-feira (8) a posição, as perspectivas e ações de ...
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“Abandonar uma política externa independente e se atrelar aos EUA é uma postura que tem ... Nesse caso, quais as consequências para o Brasil?
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Portanto, quando Almeida quis, em seu blog, “estimular o debate sobre a política externa brasileira” e publicar trabalhos críticos à política brasileira ...
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Nesse caso, será a primeira vez que o Brasil negociará um acordo do ... os deputados, não é favorável para grandes avanços em política externa.
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Bolsonaro confirmou também que o presidente da China, Xi Jinping, virá ao Brasil para participar da 10ª Cúpula do Brics (grupo que reúne Brasil, ...
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Não tinha ocupado nenhum posto de relevo no Brasil ou no exterior. ... no Brasil e o alinhamento automático à política externa dos Estados Unidos.
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Guru do presidente manda alunos abandonarem o governo: e agora José? - Rodrigo Constantino

Agora me dou conta que deveria ter patenteado dois termos: 
"Sofista da Virgínia" e
"Rasputin de subúrbio".
Pelo menos ganharia uns trocados com o seu uso por terceiros.
Propriedade intelectual serve para isso mesmo: recolher royalties para poder viajar a Paris.
Apenas um trecho: "Olavo chegou a citar nominalmente Filipe Martins como um dos que deveriam sair."
Paulo Roberto de Almeida

Guru do presidente apronta mais uma e sugere que seus alunos deveriam abandonar governo

O “guru” do presidente aprontou mais uma: escreveu um comentário em seu Facebook pressionando seus alunos que ocupam cargo no governo a abandonarem suas posições e voltarem aos estudos, pois há muitos inimigos e “pústulas”, suas palavras, em torno de Bolsonaro. Olavo de Carvalho não ajudou a criar uma base sólida de pensadores da alta cultura, como alguns alegam, mas sim uma legião de seguidores um tanto fanáticos de uma espécie de seita que repete que o filósofo “tem sempre razão”.
O comentário do sofista de Virgínia, como o chamou o diplomata Paulo Roberto de Almeida, coloca seus alunos numa delicada situação. Ou aceitam agora que andam com “pústulas” e desafiam o guru, ou continuam bajulando o mestre e perdem o cargo no governo – e todas as mordomias que vêm com ele. Olavo chegou a citar nominalmente Filipe Martins como um dos que deveriam sair. É dura a vida de quem quer ser revolucionário jacobino e establishment ao mesmo tempo.
Ao expor isso, fui chamado de invejoso pela turba de olavetes, o que é irônico: atacam o mensageiro em vez de a mensagem, justamente como fez a esquerda na questão do “golden shower” que Bolsonaro postou. Ora, não fui eu quem disse que há muitos pústulas no governo e que gente como Filipe Martins, hoje uma espécie de chanceler do B, deveria pedir para sair. Até acho que deveria sair, mas por outros motivos.
Ironicamente, após a “exigência” de Olavo, quem saiu do MEC foi o militar criticado pelo filósofo. Em seguida, Olavo passou a postar comentários se vangloriando da enorme quantidade de olavetes em postos do governo, gabando-se de sua suposta influência na gestão de Bolsonaro. É a dialética eterna inspirada no marxismo: se saírem do governo é bom, pois ele pediu e acusou o governo de ter muitos “pústulas”; mas se ficarem também é bom, pois comprova sua força contra os sabotadores. Cara um ganho, coroa você perde. Por isso “ele tem sempre razão”.
O próprio Filipe Martins festejou em seu Twitter o resultado da “queda de braço” com o simples comentário V.V.V., em referência à expressão atribuída a Júlio César, “Veni. Vidi. Vici”. César utilizou a frase numa mensagem ao senado romano descrevendo sua recente vitória sobre Fárnaces II do Ponto na Batalha de Zela. A frase serviu tanto para proclamar seu feito, como também para alertar os senadores de seu poder militar (Roma passava por uma guerra civil). Pouco tempo depois ele foi assassinado no Senado. Filipe talvez devesse ter mais cuidado em sua arrogância…
Dou destaque a essa “treta” interna da “direita alternativa” apenas para chamar a atenção para a incompatibilidade entre ser um revolucionário radical, jacobino, e ser um liberal-conservador reformista. Os primeiros partem para o tudo ou nada, alimentam-se de uma narrativa tribal de que ninguém presta fora de seu círculo fechado, e que as instituições democráticas estão completamente podres e precisam ser derrubadas, substituídas “pelo povo”. Os últimos querem trabalhar com as instituições, aperfeiçoa-las, melhorar o que for possível usando a política, não a demonizando.
Bolsonaro terá de fazer sua escolha. Não é possível atender a dois mestres de uma só vez. Especialmente mestres opostos. Ou ele abandona o guru jacobino e seu discurso antipolítica, ou não aprova reforma alguma e seu governo naufraga antes de começar. Qual vai ser sua escolha?
Rodrigo Constantino

segunda-feira, 11 de março de 2019

O Itamaraty, segundo Ernesto - Demetrio Magnoli (O Globo)

Só tomei conhecimento hoje, 11/03, em BH: 

O Itamaraty, segundo Ernesto

Demetrio Magnoli
O Globo, 9/03/2019

Durante quase 14 anos, nos governos lulopetistas, o diplomata Paulo Roberto de Almeida experimentou o que chama de “exílio involuntário”. Excluído pela chefia de qualquer atividade, instalou seu “escritório de trabalho” numa mesa da biblioteca do Itamaraty. O intervalo entre um “exílio” e outro durou menos de dois anos. Exonerado da direção do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (Ipri), ele se prepara para seguir rumo à Sibéria: “Vou ter de voltar à biblioteca para poder trabalhar”. O bolsonarista Ernesto Araújo imita Celso Amorim, chanceler lulista, rebaixando o Itamaraty ao estatuto de ferramenta de uma facção.
“Personalidades autoritárias não apreciam espíritos libertários como o meu”. O diagnóstico aplica-se tanto a Araújo como a Amorim. Nos tempos do segundo, ondas de expurgos afastaram dezenas de diplomatas experientes que não aceitavam a condição de sabujos do ministro de turno. Hoje, a pretexto de promover jovens diplomatas, o primeiro cerca-se de bajuladores dispostos a aplaudir com igual fervor suas asneiras retóricas e suas insanas iniciativas de política externa. A corrupção moral não figura no Código Penal, mas suas consequências são tão danosas quanto a corrupção política.
Na democracia, uma fronteira nítida separa a conquista do governo da colonização partidária do Estado. O bolsonarismo aprendeu com o lulopetismo a ultrapassar a linha divisória, excluindo os “espíritos libertários” para não ouvir vozes dissonantes. Daí, nasce o governo de facção, isolado numa concha de certezas ideológicas, protegido da crítica por espessos cordões de puxa-sacos. A demissão de Almeida é mais um sintoma de que a eleição presidencial produziu um giro de 360 graus, colocando-nos de volta no ponto de partida.
Araújo plagia Amorim. O chanceler lulista anunciou um novo começo para nossa política externa, que se tornaria “ativa e altiva”, substituindo a orientação supostamente subserviente de seus antecessores. O chanceler bolsonarista promete “libertar a política externa” dos grilhões do “globalismo” para que ela represente o “Brasil verdadeiro”. A ideia de inaugurar a História, enterrando um passado de impurezas e escrevendo capítulos imaculados no mármore branco, é marca invariável das “personalidades autoritárias”. Mas o paralelo entre os dois chanceleres tem limites —e as circunstâncias da demissão de Almeida lançam luz sobre uma diferença fundamental.
O ato de exoneração — comunicado depois que o diplomata publicou, em seu blog pessoal, as críticas formuladas por FH e Rubens Ricupero à atuação de Araújo na crise venezuelana — derivou efetivamente das críticas de Almeida a Olavo de Carvalho. A polêmica emergiu no 23 de fevereiro, dia do “cerco humanitário” a Maduro, quando Araújo sugeriu a abertura de um corredor de invasão em Roraima, a ser utilizado por forças dos EUA. A ideia evidenciou que o chanceler despreza as leis brasileiras e nossa tradição de política externa. Ao mesmo tempo, revelou que ele comprara, pelo valor de face, o blefe vazio da Casa Branca.
O desatino de Araújo provocou uma intervenção branca no Itamaraty. Um cordão sanitário formado pelo vice, Hamilton Mourão, e pelos generais Augusto Heleno (GSI) e Villas Bôas, ex-comandante do Exército, rodeou silenciosamente o ministro de Relações Exteriores. Então, na impossibilidade de demitir os generais que o sitiaram, o “Zeus de subúrbio” (apud Almeida) direcionou seu raio contra um espírito livre situado no interior de sua casamata.
Todo o episódio distingue, sob um aspecto crucial, o chanceler bolsonarista de seu predecessor lulista. A política externa de Amorim obedecia a centros de comando claros: Lula e o PT. Já a política externa de Araújo emana de um centro de comando clandestino, constituído por Olavo de Carvalho, Eduardo Bolsonaro e Steve Bannon, o ex-assessor de Trump que tenta construir uma “Internacional dos nacionalistas”.
No fim, a sorte sorriu para Almeida: as amplas vidraças da biblioteca Azeredo da Silveira são o melhor ponto de observação do incêndio que devasta o Itamaraty.

Volta ao passado: a politica externa no programa de governo de Bolsonaro (2018) - Paulo Roberto de Almeida

Tentando descobrir as razões de porque existe tanta confusão em torno da política externa do governo Bolsonaro, lembro-me de pequeno texto que elaborei em 2018 quando da divulgação do programa de governo, na parte que se refere à política externa.
Não sei quem o redigiu, mas a impressão que dá é de um imenso amadorismo, ignorância mesmo, de seus autores, pois a inépcia é impressionante, o que só pode revelar que foi feito por amadores e por fundamentalistas políticos, sem qualquer conhecimento do que sejam relações internacionais ou diplomacia.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 11 de março de 2019



Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: comentários a um programa de política externa; finalidade: esclarecimento]


Introdução
Insuficiente, segundo o dicionário do Google (convertido em “pai dos burros”, nos tempos que correm), é a condição ou qualidade de alguma coisa, qualquer coisa, “que não é suficiente” – o que é, obviamente, uma redundância – ou então que é “pouco, escasso”, ou então “que não alcança a qualidade necessária; fraco, medíocre, insatisfatório”. Pois bem, por que digo isto?
Acabo de tomar conhecimento do programa do candidato Bolsonaro ao governo do Brasil, um documento sintético de 81 páginas, com muitos adjetivos e grandes exclamações, das quais, confesso, não ter lido mais do que meia página, a 79, relativa à política externa que o candidato pretenderia exercer. Na verdade, essa seção, ínfima, portanto correspondendo inteiramente às definições acima, não se dedica exatamente ao tema, como se pode verificar que transcrição que efetuo aqui abaixo:

            O “programa” de política externa
O NOVO ITAMARATY (p. 79 do documento)
    A estrutura do Ministério das Relações Exteriores precisa estar a serviço de valores que sempre foram associados ao povo brasileiro. A outra frente será fomentar o comércio exterior com países que possam agregar valor econômico e tecnológico ao Brasil.

    Deixaremos de louvar ditaduras assassinas e desprezar ou mesmo atacar democracias importantes como EUA, Israel e Itália. Não mais faremos acordos comerciais espúrios ou entregaremos o patrimônio do Povo brasileiro para ditadores internacionais.

    Além de aprofundar nossa integração com todos os irmãos latino-americanos que estejam livres de ditaduras, precisamos redirecionar nosso eixo de parcerias.

    Países, que buscaram se aproximar mas foram preteridos por razões ideológicas, têm muito a oferecer ao Brasil, em termos de comércio, ciência, tecnologia, inovação, educação e cultura.

    Ênfase nas relações e acordos bilaterais. 


Feita a transcrição, vejamos o que eu poderia dizer sobre esse “programa” que não é um programa, e sim um ajuntamento de frases, manifestamente a cargo de um neófito – definição deste substantivo masculino, tudo relativo à religião: “pagão recém-convertido ao cristianismo; pessoa que vai receber o batismo ou recentemente batizada; cristão-novo” –, pouco afeito aos temas de política externa, a quem encarregaram de dizer algumas coisas sobre o que se imagina ser o trabalho do Itamaraty. Vou apenas analisar topicamente o que me parecem ser a insuficiências desse “programa”, e depois elaborar um pouco a respeito do seria um conjunto de propostas na área externa.

Comentários pessoais
A política externa de um governo não pode limitar-se ao Itamaraty, ainda que ele seja chamado de “novo”. O “velho” Itamaraty, do seu lado, sempre se ocupou de política externa, mas a instituição, por mais venerável que fosse, ou seja, é apenas um instrumento, uma espécie de “ferramenta”, a serviço da política externa, que é definida, vale lembrar, pelo presidente da República. Sua estrutura, seja alguma nova ou mantida a “velha”, não tem muito a ver com a substância mesma dessa política externa, pois trata-se de uma ferramenta operacional que pode ser mudado segundo os requerimentos da política externa, que tampouco pode ser resumida unicamente aos “valores do povo brasileiro”, ou às atividade de “comércio exterior”. Ela abrange uma vasta gama de temas – bilaterais, regionais e multilaterais – nos terrenos político, econômico, ou de cooperação científica e tecnológica e de assistência ao desenvolvimento, assim como de apoio à capacitação do Brasil numa série de terrenos, como por exemplo, de atração de investimentos e até de engajamento em operações de paz, eventualmente determinadas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas.
O segundo item do “programa” não é exatamente uma proposta, mas uma simples invectiva contra as deformações daquilo que pode ser chamado de “diplomacia lulopetista”. É certo que o lulopetismo diplomático cultivou boas relações diplomáticas – e até em outras esferas – com as ditaduras mais execráveis da região e do mundo, mas uma mudança nessa área significa apenas retornar ao padrão normal do Itamaraty, que sempre foi o de manter relações corretas com quaisquer países, sem expressar opiniões ou manter “relações paralelas” – clandestinas ou secretas, como infelizmente foi o caso naquele regime – com alguns deles, em função de simpatias ideológicas, ou até de interesses não exatamente republicanos, possivelmente na linha daquilo que o lulopetismo fazia no próprio plano interno, sobretudo em matéria de iniciativas econômicas ou acordos “espúrios” com essas ditaduras. Não cabe, no entanto, num programa de governo, efetuar distinções desse tipo, apontando para certos países e não outros; se for para seguir o padrão “normal” do Itamaraty, que é o de uma diplomacia universalista, e portanto, não discriminatória, o correto está em manter relações com todos os demais membros da comunidade internacional, segundo nossos interesses.
O mesmo tipo de discriminação ocorre, em certa medida, no item seguinte, que diz expressamente isto: “Além de aprofundar nossa integração com todos os irmãos latino-americanos que estejam livres de ditaduras, precisamos redirecionar nosso eixo de parcerias.” O conceito de integração é muito vago, pois depende de qual conteúdo se lhe pretende imprimir, se zona de livre comércio, ou uma simples área de preferências tarifárias, ou mesmo a continuidade desse projeto de mercado comum, que é o objetivo do Tratado de Assunção, que criou o Mercosul. Um programa de governo não deveria expressar essa restrição qualitativa no caso de “ditaduras”, pois introduziria certo grau de subjetivismo nas políticas de governo, uma vez que existem outras ditaduras com as quais o Brasil mantém relações normais, sem todavia pretender aprofundar qualquer tipo de integração ou cooperação mais estreita.
O Brasil, na verdade, necessita de maior inserção internacional, o que pode ser feito por abertura econômica e liberalização comercial, até de forma unilateral se for o caso. Processos de integração requerem negociações bilaterais ou plurilaterais que são necessariamente lentas e difíceis, mas mesmo isso exige uma definição prévia de qual seria a sua política comercial, de modo estrito, e, de modo amplo, a sua política econômica externa. Por outro lado, “redirecionar o eixo de parcerias” não prejulga minimamente quanto à natureza ou a orientação dessa “reorientação”.
Não parece haver, por outro lado, uma estratégia muito clara quanto a esses “países que foram preteridos por razões ideológicas”, pois a frase soa mais como uma reclamação contra o lulopetismo diplomático (que de resto já, mudou desde os dois anos decorridos desde o final do regime companheiro) do que como um programa de governo. O Itamaraty sabe exatamente quais são os países que podem oferecer as melhores oportunidades em todos esses campos mencionados, ainda que algumas escolhas anteriores – como as de grupos regionais como Ibas, Unasul e Brics – permaneçam na agenda diplomática da atualidade, o que caberia, talvez, revisar.
Por fim, pretender atribuir “ênfase nas relações e acordos bilaterais” é uma, entre várias outras modalidades de relações exteriores, que passam ainda pelo regionalismo, multilateralismo, interregionalismo, plurilateralismo, ou simplesmente universalismo, com base numa definição ad hoc, ou seja, uma estratégia adaptada às diferentes circunstâncias dessas relações externas, de acordo com a natureza do assunto a ser tratado com parceiros estrangeiros. O bilateralismo estrito é necessariamente redutor das oportunidades oferecidas pela economia global, quando se assistem a negociações de mega-acordos comerciais, ou de investimentos, mobilizando um número muito variado de países (a exemplo do TPP ou de outros na área da Ásia Pacífico).

Um programa de política externa
Um programa consistente de política externa deve partir de diretrizes gerais, que são definidas basicamente a partir das grandes orientações diplomáticas e econômicas de um governo determinado, para depois se debruçar sobre áreas temáticas: relações políticas nos planos bilateral, regional e multilateral, justamente, ou sobre os objetivos econômicos que se pretende alcançar, = situados nas área de comércio, investimentos, laços de cooperação em ciência e tecnologia, etc. Cabe dar devida atenção à “geografia” da política externa, ou seja, as prioridades no imediato entorno geográfico e a amplitude que se pretende dar às grandes parcerias externas: a Ásia, com destaque para a China, se afirma claramente como a área de maior dinamismo relativo na economia global, mas a África também parece oferecer boas perspectivas de crescimento econômico nos próximos anos.
Existem, por outro lado, temas que já estão colocados na agenda internacional, e sobre os quais o Brasil precisa ter posições claras, e definir alianças pragmáticas, não aquelas ditadas por simpatias ideológicas como parecia ser o caso anteriormente. Outros temas podem resultar da própria iniciativa do Brasil, como o aprofundamento da integração regional, por exemplo. Muitos dos temas que devem necessariamente integrar uma agenda de política externa passam, antes, por reformas internas, pois parece meridianamente claro que é o Brasil que se encontra defasado em relação à agenda da globalização, introvertido e protecionista como ele sempre foi, e ainda é.
Diretrizes setoriais precisam ser definidas com clareza em função dessas mesmas necessidades (ou carências) internas, e elas passam, por exemplo, por uma agenda de produtividade, que por sua vez remete a um programa – talvez a uma verdadeira revolução – no plano educacional, provavelmente o maior desafio que a sociedade brasileira tem para consigo mesma. A política externa pode ser orientada para essas áreas, mas as diretrizes a serem dadas ao Itamaraty – bem como às outras agências do governo – precisam partir do presidente, ou de seu gabinete, com uma visão clara, integrada, de como a agenda de reformas internas vai se coordenar com a ação externa do Itamaraty. Relações regionais e com grandes parceiros também precisam adequar-se a essa lista de prioridades gerais do governo, e não serem definidas de modo abstrato, ou principista, para serem conduzidas de modo mecânico pelo Itamaraty.
De forma geral, o Brasil precisa passar por reformas radicais no plano interno, e a política externa tem de ser coadjuvante desse processo. O ingresso do Brasil na OCDE, por exemplo, não pode ser visto como um objetivo em si, mas meramente como um meio para acelerar, aprofundar, qualificar esse processo de reformas internas, preferencialmente visando à intensificação de nossa inserção na economia global, o único caminho para uma modernização exitosa das estruturas internas.
Havendo uma definição clara de quais objetivos o Brasil pretende atingir nos planos interno e externo, o Itamaraty, novo ou “velho”, será perfeitamente capaz de adaptar suas estruturas e ferramentas para coadjuvar esse processo de reformas modernizantes.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 15-16 de agosto de 2018

Simão Bacamarte (excertos)

Leitura de fim de noite (ou madrugada):

“X - A Restauração
Dentro de cinco dias, o alienista meteu na Casa Verde cerca de cinquenta aclamadores do novo governo. O povo indignou-se. O governo, atarantado, não sabia reagir. (...)
Este ponto da crise de Itaguaí marca também o grau máximo da influência de Simão Bacamarte. Tudo quanto quis, deu-se-lhe;...
(...)
Daí em diante foi uma coleta desenfreada. Um homem não podia dar nascença ou curso à mais simples mentira do mundo,... que não fosse logo metido na Casa Verde. Tudo era loucura. (...)

XI - O Assombro de Itaguaí
E agora, prepare-se o leitor para o mesmo assombro em que ficou a vila ao saber um dia que os loucos da Casa Verde iam ser todos postos na rua.
— Todos?
— Todos.
— É impossível; alguns sim, mas todos...
— Todos. Assim o disse ele no ofício que mandou hoje de manhã à câmara.

Machado de Assis, O Alienista