O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

terça-feira, 15 de outubro de 2019

Trajetória do pensamento brasileiro: 200 anos de produção intelectual - Paulo Roberto de Almeida

Um livro em preparação. Mais ou menos um terço já está pronto, mas falta muita coisa. Deve ficar pronto em cerca de um ano e meio...
Paulo Roberto de Almeida



dois séculos de produção intelectual

Índice (Preliminar)
  

0. Prefácio: dois séculos de produção intelectual no Brasil
2.      O primeiro estadista de um império luso-brasileiro: Hipólito da Costa
3.      O patriarca da nação e primeiro chanceler: José Bonifácio de Andrada e Silva
4.      O construtor da administração: Paulino Soares de Sousa (Visconde de Uruguai)
5.      O patrono da historiografia conservadora: Francisco Varnhagen
6.      O pioneiro da industrialização liberal: Irineu Evangelista de Souza (Mauá)
7.      O germanófilo insurreto do direito: Tobias Barreto
8.      Um aristocrata abolicionista: Joaquim Nabuco
9.      O pai da diplomacia brasileira: Barão do Rio Branco
10.   Um historiador diplomático: Manuel de Oliveira Lima
11.   O tribuno republicano do civilismo democrático: Ruy Barbosa
12.   O constitucionalista gaúcho: Joaquim Francisco de Assis Brasil
13.   O sociólogo conservador: Francisco José de Oliveira Viana
14.   Um visionário do progresso: Monteiro Lobato
15.   O estudioso da sociedade patriarcal: Gilberto Freyre
16.   A interpretação marxista da história: Caio Prado Jr.
17.   O historiador da civilização brasileira: Sérgio Buarque de Holanda
18.   O revolucionário modernizador: Oswaldo Aranha
19.   O progresso pelas mãos do Estado: Roberto Simonsen
20.   O Dom Quixote da economia de mercado: Eugênio Gudin
21.   A luta pela educação e cultura: Fernando de Azevedo
22.   O diplomata da esquerda positiva: San Tiago Dantas
23.   Um jurista weberiano malgré lui: Raymundo Faoro
24.   O pensador da política: Afonso Arinos de Mello Franco
25.   O economista desenvolvimentista: Celso Furtado
26.   O progresso na inserção econômica global: Roberto Campos
27.   O pioneiro da integração latino-americana: Helio Jaguaribe
28.   Um sociólogo incontornável: Florestan Fernandes
29.   Um diplomata intelectual: José Guilherme Merquior
30.   Um liberal conservador: José Oswaldo de Meira Penna
31.   Do marxismo ao liberalismo: Antonio Paim
32.   O enfant terrible do liberalismo: Gustavo Franco
33.   Um sociólogo na presidência: Fernando Henrique Cardoso
34.   A diplomacia na construção da nação: Rubens Ricupero

Apêndices
35.   Livros de Paulo Roberto de Almeida
36.   Nota sobre o autor


Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 15 de outubro de 2019

segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Bolsofamiglia: dinheiro público para uma causa privada

Eduardo defende uso do fundo partidário em conferência conservadora


Eduardo Bolsonaro postou hoje um vídeo nas redes sociais para defender o uso do fundo partidário do PSL na Conferência de Ação Política Conservadora no fim de semana, em São Paulo, noticia a Crusoé.
No vídeo, Eduardo afirma que fundações de partidos políticos “têm como dever difundir as ideias do partido”, e o evento teve esse objetivo. O deputado lembrou que 20% das verbas públicas destinadas aos partidos têm de ir para as fundações.
O deputado do PSL de São Paulo alegou que, se o dinheiro do fundo público não tivesse sido usado, teria de ser devolvido e poderia ser aproveitado por legendas de esquerda. “Vai para o PT, o PCdoB, o PSOL”, enumerou.
Eduardo está errado. Não existe previsão legal sobre devolução do valor do fundo para ser usado por outro partido.
Leia:

O GRANDE FRACASSO da diplomacia bolsonarista - Roberto Venegeroles, Paulo Roberto de Almeida

Transcrevo primeiro a postagem de Roberto Venegeroles, extremamente relevante, e comento mais abaixo.

O que Eduardo Bolsonaro realmente queria com Trump em agosto passado?
Até onde pude acompanhar, talvez nossos jornais tenham comido uma bola na semana passada. A Bloomberg deu um furo de reportagem no último dia 10 revelando que Trump não tem planos de incluir o Brasil na OCDE, ao contrário do que aspirava o governo Bolsonaro. Isso foi noticiado por todos os jornais.
Mas parece que faltou fazer a pergunta retroativa aí em cima no título, talvez porque ninguém tenha se dado conta da cronologia dos acontecimentos:
28/08 - Trump encaminha carta à OCDE recomendando ingresso somente de Argentina e Romênia na organização, Brasil sequer é citado na carta. Isso só seria revelado publicamente pela Bloomberg pouco mais de um mês depois.
29/08 - Eduardo Bolsonaro, o chanceler Araújo e o assessor Filipe G. Martins viajam para os EUA para uma reunião com Trump. O encontro não estava previsto nas agendas de Trump e de seu secretário Mike Pompeo.
30/08 - O trio reune-se com Trump por 30 minutos em um encontro não aberto à imprensa para registro de imagens. Trump não registrou o encontro em sua agenda oficial e não o comentou em seu Twitter, como seria de sua praxe.
Quando anunciou a viagem da comitiva aos EUA no mesmo dia de partida, Eduardo Bolsonaro disse que o objetivo era agradecer Trump por seu apoio na cúpula do G7, que teve Macron como crítico do presidente Bolsonaro devido às queimadas na Amazônia.
Na saída do encontro, Araújo não fez nenhum anúncio novo de ajuda ou parceria com os EUA na questão da Amazônia ou em qualquer outra questão, afirmando que a visita foi “simbólica”, para mostrar que os dois países “estão na mesma página”.
Penso que a cronologia sugere um encontro com Trump feito às pressas, com motivos não devidamente esclarecidos, que a Casa Branca evitou registrar oficialmente, e anunciado um dia após Trump encaminhar sua decisão à OCDE (que se tornaria pública somente há quatro dias). Ao contrário do que o governo alegou, parece uma evidência de que foi mesmo pego de calça curta com a decisão de Trump, tentando revertê-la num ato desesperado de convencimento cara a cara na Casa Branca em 30/09.
Ou são apenas coincidências?
(14/10/2019_
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Meu comentário (PRA):

Roberto Venegeroles efetua aqui um importante exercício de jornalismo investigativo — no lugar dos jornalistas — que talvez seja o mais crucial no contexto de todos os grandes fracassos e desastres da Bolsodiplomacia aloprada, que comentei nesta manhã neste mesmo espaço, e por isso merece nossos cumprimentos e admiração, justificando, se fosse possível, um “Prêmio Esso de Jornalismo do Facebbok”.
Pode ser especulação, mas ele está revelando a missão mais desesperada dos dois amadores em diplomacia, Bolsokid e Robespirralho, na tentativa afinal fracassada de evitar o vergonhoso naufrágio da diplomacia de submissão não correspondida que os promotores dessa diplomacia abjeta pretenderam obter de uma administração que, fiel ao slogan de seu presidente sem princípios, só consegue pensar nela mesma.
A confirmar-se a sequência — que NÃO deve estar devidamente registrada nos telegramas oficiais da embaixada em Washington —, trata-se do mais rotundo fracasso até aqui encaixado pela série de desastres sucessivos produzidos pela tribo de trapalhões que pretende conduzir a diplomacia brasileira.
Mais grave ainda, essa malta de incapazes tentou esconder a vergonha, chegando a mentir descaradamente para a imprensa e a sociedade brasileira. Só perdem para o presidente laranjão, mentiroso contumaz e sem vergonha, que chamou a carta oficial do mais deplorável Secretário de Estado de “fake News”.
O assunto precisa ser devidamente investigado não só pela imprensa, mas igualmente pelo Congresso brasileiro.
Parabéns ao Roberto Venegeroles.

A militarização do governo Bolsonaro (FSP)

Bolsonaro amplia presença de militares em 30 órgãos federais
Folha de S. Paulo, 14/10/20190

Em seus primeiros nove meses na Presidência, Jair Bolsonaro já ampliou em ao menos 325 postos o número de militares, da ativa e da reserva, que participam da administração federal. Além dele —capitão reformado— e do vice, o general Hamilton Mourão, e de 8 de seus 22 ministros, há ao menos 2.500 militares em cargos de chefia ou assessoramento, em uma curva ascendente iniciada sob Michel Temer (2016-2018) —que rompeu com a simbólica prática de governos anteriores de nomearem civis para comandar o Ministério da Defesa. 
A Folha obteve as informações por meio de pedidos da Lei de Acesso à Informação enviados a mais de cem órgãos federais, incluindo os ministérios e principais estatais, como Embratur, Chesf (Companhia Hidrelétrica do São Francisco) e Casa da Moeda. Em pelo menos 30 houve ampliação do número de militares em relação a Temer. Em apenas 4 houve redução. Alguns não responderam ao pedido.

A ampliação de fardados em funções ocupadas eminentemente por civis após o fim da ditadura militar (1964-1985) foi mais expressiva em pastas próximas a Bolsonaro, como o Gabinete de Segurança Institucional, que passou de 943 para 1.061 militares. Na Vice-Presidência, houve salto de 3 para 65. Outras também tiveram crescimento relevante. No Meio Ambiente, responsável pelo mais recente desgaste do governo, o número de militares foi de 1 para 12. O Ministério da Justiça, comandado por Sergio Moro, quase dobrou o seu contingente verde-oliva —de 16 para 28. Por ordem do general Guilherme Theophilo, secretário nacional de Segurança Pública, os militares da pasta devem ir fardados toda quarta-feira. Pela manhã, pontualmente às 8h45, eles se perfilam para a execução do Hino Nacional. A solenidade, conhecida como formatura, é comum apenas em unidades militares.


A Folha ouviu ex-ministros da Defesa e especialistas. Em linhas gerais, avaliam que o governo Bolsonaro recorreu à caserna menos pela afinidade do presidente com os militares e mais pela quase absoluta falta de estrutura partidária e política dele, que foi um deputado de baixíssima expressão na maior parte de seus 28 anos de Congresso Nacional. "Ele sempre foi uma espécie de sindicalista parlamentar voltado para as Forças Armadas, sobretudo os escalões mais intermediários e baixos, além de policiais. Obviamente tem uma visão ideológica por trás, mas, quando ele chega ao governo, onde vai buscar estrutura? Nas Forças Armadas", afirma Raul Jungmann, que foi ministro da Defesa e da Segurança Pública de Temer. "Elas [Forças Armadas] hoje têm um programa de formação de quadros que eu reputo entre os melhores do mundo. A gente não tem a tecnologia, o dinheiro, mas em termos de formação eles são muito exigentes", diz o ex-ministro. "Esses presidentes que chegam ao poder sem uma estrutura partidária consolidada, de apoio, tendem a fazer esse movimento. O primeiro é diminuir o número de ministérios, até pela falta de quadros capacitados. A dimensão do autoritarismo é muito flagrante no governo atual, mas tem essa outra dimensão que é o despreparo, não só do presidente, mas uma ausência dos quadros ao seu redor", reforça o historiador Carlos Fico, professor da UFRJ. 

Sobre as consequências da "invasão verde-oliva" em cargos eminentemente civis, Jungmann diz não ver maiores problemas. Fico ressalta a discrepância entre a lógica da caserna e da administração pública. "Esse ethos militar seguramente não é familiar e frequentemente não é compatível com o ambiente de gestão mais democrática. Esse é um dos prejuízos. Existe também um certo mito de que os militares seriam bem preparados. O fato é que eles são preparados nas escolas militares, que têm um componente ideológico muito forte e muito negativamente forte, que ainda ressoa aquele ambiente da Guerra Fria." 


Para Aldo Rebelo, que foi coordenador político do governo Lula (2003-2010) e ministro da Defesa de Dilma Rousseff (2011-2016), o maior prejuízo pode ser para a imagem dos militares. "O problema que vejo é que isso possa parecer um aval das instituições militares a políticas de governo, algumas das quais eu sei que eles não estão de acordo, como a política externa." No fim de janeiro, o cientista político Octavio Amorim Neto, professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (Ebape), da FGV, publicou artigo em que manifestava preocupação com a ameaça de perda de controle civil sobre os militares. "O referido controle é uma condição necessária de um regime democrático. Não há democracia quando as Forças Armadas vetam decisões governamentais que não digam respeito à defesa nacional", escreveu à época.
Agora, afirmou à Folha que a demissão do general Santos Cruz da Secretaria de Governo é um exemplo de limite político estabelecido por Bolsonaro aos seus antigos colegas de caserna. Mesmo assim, há um enfraquecimento desse controle, em sua visão. "O Ministério de Defesa é, em qualquer lugar do mundo, o principal instrumento de controle dos militares pelos civis. O simples fato de estarmos há quase 20 meses sem um civil à frente do ministério é evidência suficiente da erosão do referido controle." 

O Ministério da Defesa afirma que os militares "podem contribuir com suas sólidas formações e experiências nas atividades e funções julgadas necessárias e oportunas pelos gestores públicos, desde que guardem consonância com suas competências". A pasta diz que o número de militares da ativa em funções da administração pública não é representativo e que uma das atribuições subsidiárias das Forças Armadas é cooperar para o desenvolvimento regional.

O Gabinete de Segurança Institucional diz que o crescimento de militares no órgão se deve ao aumento do nível da segurança prestada ao presidente, vice-presidente e familiares, que são em maior número em relação a 2018. A Secretaria-Geral afirma que o número de militares da ativa na administração permanece estável em relação ao governo passado. "A contribuição dos militares é relevante na medida em que possuem formação e experiência nas áreas em que atuam", diz. O Incra (órgão da reforma agrária) alega que o aumento do número de militares foi uma decisão de gestão do atual governo. Minas e Energia afirma que as nomeações levam em conta a meritocracia, independentemente da origem civil ou militar. Ciência e Tecnologia diz que os militares, assim como os outros servidores, foram selecionados por suas qualidades técnicas.

Os desastres da política externa do olavo-bolsonarismo - Paulo Roberto de Almeida


Os desastres da política externa do olavo-bolsonarismo

Paulo Roberto de Almeida
  
As decepções e mesmo as derrotas eram previsíveis: conduzida por amadores da própria família presidencial e por um aspone medíocre de um partido sem qualquer credencial no setor, e que, sob recomendação de um guru destrambelhado e completamente inepto em relações internacionais, escolheram um chanceler amestrado para operar a máquina do Itamaraty (sem maiores credenciais para fazê-lo, e devendo sua designação à montagem improvisada de qualificações artificialmente moldadas para agradar os novos donos do poder), a diplomacia “terraplanista” só podia dar errado em toda a linha, e isso pela absoluta ignorância, despreparo e vulgaridade do titular.
Primeiro, foi a servidão voluntária e sabuja demonstrada não em relação a um país, os EUA, mas a um dirigente tosco, Trump, que já tinha amplamente demonstrado as mesmas más qualidades que o seu novo admirador beato. A submissão às piores loucuras do “laranjão” grosseiro e autocentrado, foi muito além do antigo entreguismo tupiniquim, que só queria ampla associação com o capital estrangeiro via investimentos diretos privados, jamais subordinação da política externa a uma potência qualquer, mesmo sendo ela a líder ocidental na luta contra o comunismo. Essa primeira grande ilusão terminou por ser desfeita na questão da OCDE, e parece comprometer irremediavelmente as chances de ter um de seus pimpolhos — o 03, o chanceler real, mas totalmente inepto para o cargo — aprovado como embaixador na capital do império.
Segundo, foi a grosseria demonstrada pelo titular principal no tratamento da questão das queimadas amazônicas, tanto interna quanto externamente, o que implodiu imediatamente a implementação do acordo UE-Mercosul laboriosamente construído pela equipe econômica (com a participação marginal do Itamaraty), sem chances de aprovação pela parte europeia no futuro previsível. A culpa, no caso, incumbe inteiramente ao chefe de Estado, um antidiplomata absoluto, no caso secundado por assessores militares que continuam a ser paranoicos amazônicos, como nos velhos tempos da ditadura militar.
Terceiro, o rompimento virtual de relações pessoais com o provável futuro presidente argentino, e danos irreparáveis nas relações entre os dois grandes vizinhos platinos e sócios no Mercosul, devido a agressões verbais incompreensíveis e irreparáveis por parte do mesmo personagem tosco e vulgar, jamais controlado pelo seu chanceler acidental; ao contrário, este acrescentou a indignidade ao insulto, ao comparar o provável vencedor a uma boneca russa, com dois ou três esquerdistas dentro, numa inacreditável demonstração de grosseria diplomática inadmissível num funcionário de carreira (só pode ter sido por seguidismo burro ao chefe). Como reparar e superar esse terceiro grande desastre ainda é uma incógnita no futuro das relações bilaterais e da agenda do Mercosul, já estressada por uma ignorância do titular da Economia sobre a importância do bloco para o Brasil, e não só economicamente.
Esses três grandes desastres diplomáticos — o fim do sonho do ingresso rápido na OCDE e da aliança com o império, a virtual postergação indefinida do acordo UE-Mercosul e a queima gratuita de pontes na principal relação bilateral — se tinham agregado à crônica de outros pequenos desastres anunciados ainda durante a campanha: a devoção evangélica a Jerusalém, o afastamento irracional do principal parceiro comercial e o anticlimatismo burro defendido pelos encarregados do 1/2 ambiente, ministro setorial e chantecler, felizmente contornados por assessores mais racionais ainda presentes e pela pressão do agronegócio, visivelmente preocupado pelas perdas imensas que decorreriam dessas três outras loucuras diplomáticas.
Tem muitas outras bobagens, reais e potenciais, na frente antidiplomática do governo, entre elas o fracasso imediato da adesão ao aventureirismo eleitoral trumpista na questão da Venezuela, a luta insana contra a “ideologia do gênero”, contra um suposto globalismo e o “marxismo cultural” no plano mundial, a aliança com líderes da extrema-direita nacionalista em outros países e outras obsessões ideológicas dos novos cruzados no poder.
Tudo isso conforma um desastre político e diplomático sem precedentes em nossa trajetória de quase dois séculos de lenta construção de uma política externa respeitável e respeitada em âmbito mundial, e mais do que vergonhoso para o corpo profissional do Itamaraty.
Continuarei acompanhando as confusões na área externa, com a compreensível preocupação de um profissional do setor, estarrecido com a diminuição do nosso prestígio internacional, em proporções nunca antes vistas em nossa história diplomática. Lamento ter de desempenhar esse papel de alerta, mas estou seguro de interpretar o sentimento e as apreensões da maior parte dos meus colegas de carreira e de muitos observadores externos.
Ao corpo diplomático estrangeiro, que ainda busca explicações para certos atos inexplicáveis dos atuais titulares do setor, caberia uma palavra de caução quanto a possíveis novos desenvolvimentos nessa área, que não posso oferecer neste momento, por absoluta falta de clareza em torno da possível trajetória a partir dos desastres atuais já enunciados: ou recrudescimento nos erros e equívocos já materializados, ou modesta correção de rumos, que no momento julgo ser improvável. Isso exigiria uma revolução mental por parte do principal responsável e um abandono dos assessores ineptos que não me parece perto de ocorrer. Ou seja, o Brasil poderá continuar exibindo mediocridade governamental e diplomática pelos três anos à frente.
  
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 14/10/2019


Miséria da Política Externa - José Augusto Guilhon de Albiquerque

José Augusto Guilhon | Professor de Relações Internacionais

WASHINGTON É APENAS UM DETALHE, BEM QUE EU AVISEI

É A POLÍTICA EXTERNA, SEU TOLO
Em julho, “analistas” e “especialistas” de sempre, pegavam no pé do nosso presidente por causa do nepotismo moral de prometer nomear seu filho para a mais importante missão no exterior, a embaixada em Washington. Ora, o problema realmente grave é a condução de nossa política externa. Segue o blog que postei, comentando esse equívoco:

Bolsonaro está enrolando toda a imprensa e a grande maioria dos publicistas (como eram chamados os que escrevem e falam sobre a coisa pública). Dá vontade de zombar, desqualificar intelectualmente, contestar os fatos, condenar moralmente – concentrar-se nas inúmeras insuficiências intelectuais, morais e de personalidade do presidente. Em pura perda, porque, como já disse em blog anterior, nosso presidente atua por impulso, e não por escolha racional. 
Enquanto se discutem seus gestos e façanhas, os efeitos delas permanecem, e o alvo da controvérsia é totalmente infenso a ela, porque, como também já disse, ele jamais faria nada “disso daí”. Tanto isso vale para sua declaração de que jamais falaria de coisas estratégicas ao telefone, como quando explica que não pratica nepotismo nem favoritismo, nem toma decisões temerárias ao indicar uma pessoa inexperiente e sem qualificações para um posto diplomático que é vital para o interesse nacional.
Acho muito improvável – levando-se em conta a ligeireza com que trata de suas prerrogativas como chefe da Nação e do Estado – que saiba distinguir as questões estratégicas de seus compromissos com os interesses imediatos de seguidores. Tampouco acho provável que saiba distinguir suas relações pessoais de uma política de relações exteriores, a julgar pelo fato de empregar, como modelo de entendimento de tudo o que se passa na sociedade e no Estado, metáforas de relações conjugais, casamento, noivado, namoro e sexo.
Nossa embaixada em Washington é apenas um detalhe – sem dúvida importante, mas um detalhe – no que diz respeito à nossa política externa, que se encontra à deriva. Alguns exemplos concretos podem ajudar a esclarecer meu argumento.
Posso estar enganado, mas o momento de maior risco externo neste governo ocorreu em Pacaraima, na fronteira com a Venezuela, quando o Itamaraty e a Presidência da República cogitaram de coordenar com os EUA uma ação em território venezuelano, que não ocorreu graças à intervenção contrária das nossas Forças Armadas e à moderação de nossos vizinhos do Grupo de Lima. 
Isso se passou a milhares de léguas de Washington. A embaixada em Washington poderia ter aumentado o risco em mãos inexperientes e sem qualificações? Até poderia, tendo um chefe de missão alinhado com John Bolton, assessor de insegurança nacional de Trump. Diga-se de passagem: quem, da confiança de Macron ou de Merkel, ou mesmo de Johnson, tomaria a bênção de John Bolton ou de Steve Bannon?
Também a milhares de léguas de Washington, ocorreram as graves trapalhadas com navios de carga de bandeira iraniana. O embargo trumpiano ao Irã é um dos jogos de guerra prediletos do presidente americano, uma crise criada gratuitamente (mas com custos altíssimos), de acordo com a opinião geral dos especialistas em política externa mais destacados do mundo. Por causa de sua obstinação em alterar o acordo alcançado entre as principais potências mundiais e o Irã – sob a liderança de Obama –, Trump está cobrando um preço enorme aos principais aliados dos EUA em termos perdas de comércio, investimentos e segurança energética.
Todos os países sérios do mundo, especialmente as principais potências europeias, com dependência energética do fluxo de petróleo pelo Oriente Médio, definiram uma política para enfrentar ou contornar o embargo trumpiano, que prevê retaliações contra todas as empresas que não cumprirem seu diktat. E mantêm essa política em contínua evolução, uma vez que o que Trump diz não se escreve, e mesmo o que se escreve não se faz.
Embora as áreas governamentais da agricultura, do comércio exterior, de energia e do sistema bancário, possam e devam ser ouvidas, cabe ao Itamaraty, por orientação do Presidente da República, enfrentar a ameaça aos interesses nacionais provocada por Trump. O Presidente da República Federativa do Brasil, diferentemente dos Estados Unidos da América, não compartilha com nenhum outro poder ou setor do governo (nem com o Itamaraty) a responsabilidade pela definição e a condução da política externa. 
O Itamaraty, portanto, – ou melhor, seu chefe – prevarica ao não possuir um protocolo bem definido sobre as políticas a serem seguidas pelo País em casos como o dos navios sob bandeira iraniana que a Petrobrás se recusou a abastecer. Na vigência desse protocolo, não se deixaria a questão do embargo ao sabor de um jogo de empurra entre decisões da Petrobras, de juízes de diferentes instâncias, ou do STF, despreparados que são, e sem autoridade constitucional para interferir na definição e condução da política externa brasileira.
É bem verdade que o Presidente da República abriu mão de ter uma política externa ao nomear um chanceler sem qualquer experiência de chefia de missão no exterior e ao entregar a definição de nossa política externa a outro país, como tornou público ao declarar, segundo a Folha (25/07/2019): “Sabe que estamos alinhados à política deles. Então, fazemos o que tem que fazer”. 
Em casos dessa natureza, é dever de Estado do chefe da diplomacia esclarecer ao Presidente a diferença entre alinhamento diplomático e subserviência a uma potência externa. É o que deveria distinguir o Brasil de Hong Kong e Macau, por exemplo, cuja política externa e de defesa estão a cargo de Pequim. 
O prejuízos aos interesses nacionais e a sua segurança internacional estão – e tudo indica que continuarão – em risco, independentemente de quem for efetivamente nomeado para Washington.

O NEO-ENTREGUISMO DA NEO-DIREITA

A noção de que o radicalismo é uma opção estratégica de atores sociais e políticos, e não o resultado espontâneo da convivência humana, não é intuitiva. Apenas a reflexão teórica a partir de fatos observados permite explica-la. Um exemplo singelo pode ajudar a entender este argumento. 
As opiniões políticas, sociais, morais, religiosas, etc., expressam-se geralmente ao longo de um amplo espectro, com tênues divergências entre as diferentes denominações. A hipótese teórica que cabe aqui, é que a polarização provém de uma opção deliberada das denominações extremas, de definir, como principal ameaça a ser combatida e neutralizada, a imensa maioria que as separa. Observe-se que o espectro de diferenças “ideacionais” entre as denominações é geralmente extenso e difuso, o que equivale a dizer que cada variante tende a ser pequena e as alas extremadas a serem minúsculas.
Tudo isso para falar da suposta radicalização entre “nacionalistas” e “entreguistas” ao longo da segunda metade do século passado neste País e, com isso, justificar por que classificar o governo neo-direitista de Bolsonaro como um governo neo-entreguista. Em todo o período mencionado, essas classificações eram mais categorias de ofensa e armas eleitorais do que critérios de diferenciação, tais como seriam hoje as acusações de neoliberalismo ou de globalismo. Ora, a maioria dos acusados de neoliberalismo, no passado ou no presente (não são os mesmos…), sequer poderiam ser considerados liberais, e a imensa maioria dos chamados globalistas sequer sabe do que se trata. 
Tradicionalmente, chamava-se de “entreguistas” os que não excluíam totalmente a presença de capitais estrangeiros no País e, mais importante, não consideravam os EUA uma potência agressora. “Nacionalistas”, por sua vez, eram tachados de “comunistas”, desde que não considerassem a União Soviética um perigo iminente de agressão. Ambos – “nacionalistas” e “entreguistas” – eram ao menos parcialmente estatistas, de moderadamente desenvolvimentistas para cima e favoráveis a proteger o comércio e as indústrias que competiam com importações – que muitos “nacionalistas” chamavam de “burguesia nacional”.
Governos como o brasileiro, o americano, o húngaro, o turco, são hoje chamados, pela literatura internacional de Ciência Política, de “neo-direita” por não se encaixarem no conceito tradicional de direita. Mas o governo Bolsonaro possui, ademais, uma característica única na neo-direita contemporânea, ao aceitar uma tutelagem explícita exercida por uma potência estrangeira, isto é, ao colocar-se numa posição de protetorado – ou seja, um país soberano, cuja política externa e cuja defesa de interesses vitais são, não obstante, exercidos por uma potência estrangeira.
Dois breves exemplos de que o Brasil de Bolsonaro é um protetorado dos EUA de Trump: o enviado especial de Bolsonaro a Washington – seu filho – em companhia de seu chanceler, disse a jornalistas brasileiros à saída de uma reunião com Trump que “Brasil e os Estados Unidos estão aliados e, em que pese alguns líderes tentarem fazer qualquer tipo de negociação com a Amazônia sem a presença do Brasil, vão encontrar muitos problemas de tentar fazê-la porque os Estados Unidos vão se opor a isso”.


O chanceler de Bolsonaro tinha uma agenda secreta – amplamente divulgada pela imprensa – em meados de julho: revisar o discurso do presidente brasileiro na abertura da Assembleia Geral da ONU, com um ex-estrategista chefe de uma potência estrangeira, Steve Bannon.