São tantas, tão repetidas, tão canhestras e patéticas as trapalhadas e improvisações dessa coisa que passa por governo, que necessitaríamos de um blog inteiro, integralmente especializado nesse tipo de assunto, para expor. discutir, analisar as formas peculiares de governança -- um termo que provavelmente não se aplica -- da república dos companheiros.
Abaixo, apenas dois exemplos.
Paulo Roberto de Almeida
Usina de trapalhadas
Editorial O Estado de S.Paulo, 1 de dezembro de 2012
O governo confirmou mais uma vez sua vocação para a
trapalhada e sua aversão ao planejamento, ao improvisar a proposta de
renovação de concessões do setor elétrico. Surgiram ameaças de
processos, erros de cálculo foram reconhecidos e acionistas minoritários
da Eletrobrás protestaram contra a violação de seus interesses. Na
quinta-feira, o Ministério de Minas e Energia divulgou um aumento das
indenizações previstas para dez usinas. Nessa altura, muito tempo já
havia sido gasto numa discussão desnecessária. Empenhados em garantir já
em 2013 a redução das tarifas de eletricidade, a presidente Dilma
Rousseff e os responsáveis pela política energética precipitaram-se ao
lançar seu arremedo de plano, negligenciaram detalhes de contratos,
deixaram de combinar o jogo com todos os funcionários envolvidos e
surpreenderam os dirigentes das empresas concessionárias. A polêmica só
ocorreu, segundo o secretário executivo do Ministério de Minas e
Energia, Márcio Zimmermann, porque algumas elétricas queriam lucrar mais
que a indústria do petróleo.
Afirmações desse tipo foram desmentidas por funcionários do próprio
setor público federal. A Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig)
tem direito de renovar as concessões de três usinas por 20 anos sem
redução de tarifas, afirmou um dos diretores da Agência Nacional de
Energia Elétrica (Aneel), Julião Coelho. Os atuais contratos permitem a
renovação automática da primeira concessão e esse benefício foi
concedido a outras concessionárias. Há, portanto, um argumento baseado
em cláusula contratual - mas o governo, segundo Zimmermann, respeita
contratos e o marco regulatório. No caso da Usina de Três Irmãos, da
paulista Cesp, o erro foi cometido na base de cálculo da amortização.
Tomou-se como início da operação o ano de 1982, mas o correto é 1992.
Esse foi um dos casos revistos. Também houve erros em cálculos relativos
a outras empresas, mas bem menores, segundo a agência.
O conselho de administração da Eletrobrás, controlada pela União,
decidiu aceitar as condições ditadas pelo governo, com perspectiva de
grandes perdas. Acionistas minoritários, no entanto, mobilizam-se contra
a posição majoritária. A indenização oferecida é bem menor, segundo os
críticos, do que os custos de amortização ainda pendentes. Neste ano, a
empresa perdeu cerca de dois terços do valor de mercado. A maior parte
da redução ocorreu depois do anúncio, em setembro, da proposta de
renovação das concessões.
Até o procedimento escolhido pelo governo para sacramentar os novos
contratos e a redução da conta de luz é contestável. Nenhuma insegurança
jurídica decorre da Medida Provisória (MP) 579, disse o secretário
executivo do Ministério de Minas e Energia. Errado, mais uma vez.
A edição de uma MP para redefinir a política energética já é uma
aberração. Pela Constituição, MPs são admissíveis em casos de
"relevância e urgência". Ninguém contesta a relevância de uma política
para o setor elétrico, mas o critério de urgência é inaplicável. Ao
traçar diretrizes para um importante ramo da infraestrutura como objeto
de decisão urgente o governo apenas confirma sua incompetência
administrativa. O recurso a uma MP, nesse caso, denuncia improvisação,
evidencia mais uma vez um pendor para o autoritarismo e justifica todas
as dúvidas quanto à segurança legal dos investimentos e outros negócios
realizados no Brasil.
O Brasil precisa com urgência de mais seriedade e mais competência
administrativa na política de infraestrutura, mas esse problema não pode
ser resolvido por meio de MPs (neste caso, por meio de duas, porque uma
segunda, com correções, foi publicada na sexta-feira). O governo já
proporcionaria um alento aos cidadãos se pelo menos reconhecesse as
próprias trapalhadas e se esforçasse para definir com clareza seus
objetivos e instrumentos.
Se falassem menos em Estado forte e planejassem mais, as autoridades
evitariam, entre outros vexames, o de ver construído um parque eólico de
geração elétrica, na Bahia, sem o correspondente sistema de
transmissão. Nenhuma falha desse tipo se corrige com MPs fora de hora.
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Decisão sobre royalties deve abrir nova disputa
Parlamentares de municípios não produtores de petróleo já pensam em como derrotar o governo nesse tema
30 de novembro de 2012
Eduardo Bresciani, Rafael Moraes Moura e Renata Veríssim, de O Estado de S. Paulo
BRASÍLIA - A presidente Dilma Rousseff vetou nesta
sexta-feira a mudança na forma de dividir os royalties de petróleo
recolhidos nos campos já em exploração e confirmou que o dinheiro que
for obtido com a compensação em novas áreas terá de ser aplicado na
educação. O veto vai gerar nova batalha no Congresso liderada pelos
parlamentares que representam Estados e municípios que pouco produzem
petróleo no País.
A estratégia do governo para anunciar sua "solução" para o impasse
sobre a divisão da compensação financeira paga pelas petroleiras foi a
mesma do embate do novo Código Florestal. Naquele caso, o governo sofreu
duas derrotas no Congresso e buscou uma brecha para impor sua vontade
sem submeter ao crivo dos parlamentares.
A decisão foi tomada no último dia, o anúncio feito por um conjunto
de ministros e a solução foi a edição de uma MP tentando "corrigir" o
que o Planalto entende como equívocos do Congresso. Escalados para
anunciar a posição da presidente, os ministros Edison Lobão (Minas e
Energia), Gleisi Hoffmann (Casa Civil), Aloizio Mercadante (Educação) e
Ideli Salvatti (Relações Institucionais) destacaram que o objetivo do
veto parcial é evitar que a questão gere uma guerra nos tribunais. "Não
há desapreço pelo Congresso, mas a defesa dos princípios constitucionais
que asseguram contratos firmados até esta lei", diz Lobão. "Estamos
fazendo o aperfeiçoamento da lei", completa.
Queda brusca
Um dos motivos que levou ao veto é que uma nova distribuição que
mexesse em áreas licitadas levaria municípios e estados produtores,
principalmente Rio e Espírito Santo, ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Sem o veto, os recursos de royalties dos estados produtores cairiam dos
atuais 26,25% para 20% em 2013 e os dos municípios de 26,25% para 15% no
próximo ano e para 4% em 2020.
Outro motivo é que o texto aprovado pelo Congresso previa divisão de
101% de royalties a partir de 2017, uma "inconsistência material",
segundo Mercadante.
O governo preservou os porcentuais aprovados pelo Congresso em
relação ao modelo de partilha, fixando em 15% a alíquota dos royalties
que deve ser pago pelas petroleiras e aumentando a parcela de recursos
que irá para os cofres dos não produtores. Para atender, em parte, o
desejo dos parlamentares, o governo enviará uma MP adotando os
porcentuais fixados por eles para as novas áreas que forem licitadas
pelo antigo modelo de concessão. Estará ainda na MP a vinculação dos
recursos das novas áreas de forma exclusiva para a educação, não podendo
ser usado para cumprir exigência de investimento no setor.
Com essas regras, os recursos para os não produtores vão demorar a
chegar. O governo prevê que isso ocorra a partir de 2014, mas
parlamentares acham que repasses significativos só ocorrerão após 2020.
Este é o problema que levará o Congresso novamente a enfrentar o
Planalto. "Vamos tentar reverter isso por todos os caminhos", adianta o
vice-líder do PMDB, Marcelo Castro (PI), um dos principais articuladores
dos não produtores.