Esse título não passaria pela cabeça de um anti-imperialista profissional, desses que pululam na academia. Mas ele é meu, não do jornalista que assina a matéria abaixo transcrita...
O que é novo e relevante na vinda de Obama
Paulo Sotero
O Estado de S.Paulo,
19 de março de 2011
Um fato distingue os dois dias que o presidente Barack Obama passará no Brasil, neste fim de semana, das 14 visitas que líderes dos Estados Unidos fizeram anteriormente ao País. Esta será a primeira vez desde a democratização que o diálogo entre os governos brasileiro e norte-americano será iniciado com a vinda do líder dos Estados Unidos ao Brasil. Até agora, o brasileiro ia primeiro a Washington. Três presidentes, Tancredo Neves, Fernando Collor e Luiz Inácio Lula da Silva, foram aos Estados Unidos em busca de beneplácito antes mesmo de tomar posse.
Em diplomacia, liturgia é substância. Nesse sentido, a vinda de Obama neste início do governo de Dilma Rousseff, ainda que determinada por questões de protocolo, é um gesto significativo. Reflete o desejo dos dois governos de recolocar nos trilhos uma relação importante para ambos depois do descarrilamento provocado por trombadas entre Washington e Brasília em episódios como a crise constitucional em Honduras, em 2009, e a malsucedida mediação brasileiro-turca do impasse nuclear entre o Irã e a comunidade internacional, no ano passado.
Mais importante, talvez, a iniciativa de Obama de vir primeiro ao Brasil simboliza o reconhecimento por Washington da nova importância que o País assumiu nas Américas e no mundo desde que se tornou, há 17 anos, um país democrático e economicamente estável. "O Brasil não é mais um país emergente, o Brasil emergiu", costuma dizer o embaixador dos Estados Unidos em Brasília, Thomas A. Shannon, quando fala sobre o desafio que as duas nações têm hoje de aprender a se relacionar de forma produtiva e mutuamente vantajosa num mundo em que ambas são atores centrais em questões regionais e globais, como a governança das finanças internacionais, as mudanças climáticas, a segurança alimentar, o combate à pobreza e a defesa da paz.
O contexto torna a mensagem implícita na visita de Obama ainda mais relevante. As dificuldades com que o presidente norte-americano e sua colega brasileira lidam hoje em casa para implementar seus respectivos programas de governo envolvem essencialmente as mesmas questões. Trata-se de reduzir as dívidas e os déficits governamentais, melhorar a qualidade do gasto público e investir forte em educação, infraestrutura e inovação a fim de aumentar a competitividade internacional de suas exportações, ampliar mercados e criar empregos. Com exceção do endividamento, menor no Brasil, são desafios certamente maiores aqui dos que nos Estados Unidos.
Guardadas as devidas proporções, as coincidências das pautas domésticas dos dois governos propiciam um ambiente para um estreitamento de laços que produza mais do que a criação de grupos de trabalho - destes já há mais de 20 - e leve a resultados reconhecíveis como proveitosos por seus beneficiários diretos em ambos os países, ou seja, investidores e empresários, cientistas, educadores, líderes cívicos envolvidos em projetos de promoção da justiça e de maior igualdade social. O primeiro presidente negro dos Estados Unidos e a primeira presidente mulher do Brasil certamente compartilham um interesse natural em fazer com que seus governos enfoquem questões cruciais como o combate à discriminação baseada em gênero e raça. Informações preliminares indicam que Obama e Dilma privilegiarão as áreas de energia e infraestrutura, nas quais há grande interesse de investidores de ambos países em ampliar negócios e abrir mercados. Apostarão, também, no aprofundamento da cooperação científica e tecnológica, uma área na qual os dois países têm história, bem como na cooperação para a assistência ao desenvolvimento na África, que atende a interesses de ambos.
A essa agenda positiva se contrapõem obstáculos que existem nos dois países para a resolução de antigas pendências, como as da política comercial, ou o atendimento da expectativa brasileira de apoio dos Estados Unidos à sua pretensão a uma cadeira permanente num Conselho de Segurança (CS) da ONU reformado e mais representativo da realidade internacional. Há, certamente, nos dois países, quem trabalhe para amplificar essas diferenças. Dedo em riste, um alto funcionário brasileiro disse há dias a um diplomata americano, em evento social, que se Obama não anunciar o apoio dos Estados Unidos a uma cadeira permanente para o Brasil no CS a visita será um fracasso.
Não é o que indica, porém, o empenho do Itamaraty para incluir no comunicado final da visita linguagem sobre uma visão comum a respeito de segurança internacional e desenvolvimento e a necessidade de reformar o CS. Trata-se de uma admissão tácita por parte da diplomacia brasileira da necessidade de, antes de insistir no endosso dos Estados Unidos à cadeira permanente, reconstruir a confiança mútua perdida principalmente no episódio iraniano. Há, por outro lado, uma mudança do rumo da discussão sobre o tema em Washington, alimentada pela reposicionamento do Brasil em relação ao Irã e pelo impacto das rebeliões populares contra tiranias no norte da África e no Oriente Médio.
Em recente reunião informal de ex-embaixadores e altos funcionários da diplomacia dos Estados Unidos, a maioria mostrou-se favorável a que Obama endosse a ascensão do Brasil ao CS durante a visita, como fez em relação à Índia, em visita a Nova Délhi, em 2010. "A reforma do CS e a ascensão do Brasil a membro permanente são inevitáveis e têm baixo custo para a Casa Branca, até porque não é questão em pauta na ONU no momento", disse um dos participantes. No ambiente positivo que se espera que a visita de Obama crie para as relações bilaterais, a manifestação do apoio dos Estados Unidos ao Brasil no CS da ONU produziria o efeito salutar e imediato de fortalecer o engajamento entre as duas maiores democracias e economias do continente. Não seria pouco para um líder que tem tido dificuldade em transformar sua grande popularidade internacional em resultados tangíveis para a política externa dos Estados Unidos.
DIRETOR DO BRAZIL INSTITUTE, WOODROW WILSON INTERNATIONAL CENTER FOR SCHOLARS