Confesso que estou curioso para ler os comentários de certa imprensa, que provavelmente se acredita progressista, ou até de esquerda, a propósito das medidas abaixo do socialista François Hollande, presidente da França desde maio último. Recordo-me que quando de sua eleição, certamente gloriosa, os comentaristas em questão se apressaram a saudar a "nova política", não mais baseada em "ajustes recessivos", em "cortes de gastos", em "austeridade conservadora", enfim, em qualquer dessas coisas conservadoras e até reacionárias, mas sim fundadas, dorante, numa política de defesa do emprego, de estímulo ao crescimento, de redução dos espaços de liberdade concedidos ao capital financeiro, enfim, todas essas coisas boas que só os socialistas sabem fazer.
Prometo que não vou fazê-los engolir suas palavras, embora eu tenha registro do que foi dito na ocasião. De resto, basta entrar num desses sites perfeitamente antineoliberais para verificar todas as bondades creditadas antecipadamente ao presidente socialista francês.
E agora que ele está fazendo maldades, o que vão dizer?
Que os ricos precisam pagar? Tudo bem: acho que os ricos vão se expatriar, os que podem, ou praticar um esporte muito conhecido por aqui: a evasão fiscal e a fuga de capitais.
Paulo Roberto de Almeida
França corta gastos e cria novos impostos
Pacote de 30 bilhões tem como objetivo adequar o país às metas fiscais da UE
JAMIL CHADE, CORRESPONDENTE / BASILEIA
O Estado de S.Paulo, 10 de setembro de 2012
A França anunciou ontem novos impostos e duros cortes no
valor de 30 bilhões, no que seu presidente, François Hollande, chamou
de "o maior esforço fiscal em mais de meio século de história".
O novo governo apelou à elite econômica para que mostrasse
patriotismo e anunciou reduções nos gastos durante os próximos dois anos
para permitir que o país volte a estar dentro das metas fiscais da
União Europeia.
Hollande alertou também que a França terminará 2012 estagnada e
reduziu drasticamente a previsão de expansão do Produto Interno Bruto
(PIB) em 2013.
"Serão medidas difíceis e dolorosas", alertou. Só em impostos, o
ajuste prevê uma elevação de 20 bilhões. "Vou controlar a dívida do
país. Não quero deixar isso para meu sucessor nem esse peso para meus
filhos", argumentou o presidente francês.
Ele tentou amenizar o anúncio, insistindo não ter abandonado seu
projeto de campanha de promover o crescimento e indicou que vai gerar
100 mil postos de trabalho até o fim do ano.
"Estou fixando uma agenda para a recuperação da França: dois anos",
disse. O projeto de Hollande foi ontem mesmo acusado pela oposição de
"amadorismo" e de ser "impotente".
Pelo plano, a França terá de cortar 30 bilhões para estar dentro do
teto de déficit determinado pela UE, de 3% do PIB. Para um político que
baseou sua campanha eleitoral na crítica contra a austeridade proposta
pelo ex-presidente Nicolas Sarkozy, os anúncios de ontem revelam um
chefe de Estado que teria sucumbido à pressão pelo rigor fiscal.
Agências de classificação de risco chegaram a alertar para a situação
da França e o próprio Hollande admitiu que o custo de financiar a
dívida poderia começar a ser elevado.
Agora, dois terços desse ajuste serão gerados pelo aumento de
impostos. Já os 10 bilhões que terão de desaparecer das contas públicas
virão de cortes drásticos. Segundo ele, apenas três ministérios serão
poupados: Educação, Defesa e Justiça. Na conta geral, o presidente
garante que nenhum centavo a mais será gasto pelo Estado em 2013, em
comparação a 2012. Fica estabelecido que nenhum funcionário público
extra será contratado.
Patriotas. Outro pilar do ajuste é o aumento de impostos para grandes
empresas, o que permitiria a arrecadação de outros 10 bilhões. Para
completar, Hollande desmentiu rumores e garantiu que vai aplicar um
imposto de 75% sobre aqueles com renda acima de 1 milhão/ano. Segundo
ele, entre 2 mil e 3 mil pessoas seriam afetadas e ninguém ficará de
fora, nem esportistas nem artistas.
Hollande não deixou de criticar a decisão do homem mais rico da
França, Bernard Arnault, de pedir a cidadania belga. A oposição a
Hollande indicou que a decisão de Arnault seria consequência dos novos
impostos. O dono da maior fortuna da Europa e quarta do mundo garantiu
ontem que continuará a pagar impostos na França "como todos os
franceses".
A declaração não foi suficiente para acalmar a ira no país. "Ele
deveria ter medido melhor sua decisão, já que muitos agora pensam em
abandonar a França", declarou Hollande. "Os que têm mais devem mostrar
que são patriotas e dar o exemplo", disse.
Mas não são apenas os milionários que pagarão mais pelos novos
planos. Aqueles com renda acima de 150 mil por ano também terão de
pagar 45% em impostos, algo que promete afetar a classe média.
Hollande reconheceu que as taxas de crescimento previstas para o país
fazem parte do passado. A expansão do PIB para 2012 de 0,3% foi revista
para baixo. "O crescimento desabou nos últimos meses e será pouco
superior a zero em 2012", disse. Para 2013, a situação não é muito
melhor e está prevista alta de 0,8%.