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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

domingo, 29 de dezembro de 2019

Vivendo com Livros: uma loucura gentil: Kindle Book - Paulo Roberto de Almeida

Vivendo com Livros: uma loucura gentil 

eBook Kindle

Coletânea das principais resenhas elaboradas entre 1976 e 1994, de livros em diferentes categorias. 


Índice



À guisa de prefácio

HISTÓRIA

1. Pierre Renouvin: Histoire des relations internationales
2. Pandiá Calógeras: A Política Exterior do Império
3. Hélio Vianna: História Diplomática do Brasil
4. Delgado de Carvalho: História Diplomática do Brasil
5. Amado L. Cervo/C. Bueno: História da Política Exterior do Brasil
6. Carlos M. Pelaez/Wilson Suzigan: História Monetária do Brasil
7. John W. F. Dulles: Mr Dulles e o Brazil

ECONOMIA

8. Paul Krugman: Rethinking International Trade
9. Santiago Fernandes: A Ilegitimidade da Dívida Externa
10. Pedro da Motta Veiga: A Evolução do Mercosul: cenários
11. José Maria Aragão: Harmonização de Políticas no Mercosul

POLÍTICA

12. Alexandre Soljénitsyne: Lénine à Zurich
13. Movement for Socialist Renewal: Manifesto for a new USSR
14. Lodgaard/Birnbaum (eds): Overcoming Threats to Europe
15. José Carlos Mariategui: Política Exterior y Diplomacia
16. Daniel Yergin: The Prize: The Quest for Oil, Money and Power
17. Jean-Christophe Rufin: L’Empire et les Nouveaux Barbares
18. Maria Helena Tacchinardi: A Guerra das Patentes
19. Moniz Bandeira: Estado e Política Internacional na América Latina

SOCIOLOGIA

20. Florestan Fernandes: A Revolução Burguesa no Brasil
21. Helder Gordim da Silveira: Integração latino-americana
22. Rubens Antonio Barbosa: América Latina em Perspectiva
23. Pedro Scuro Neto: Pactos e Estabilização Econômica
24. Hélio Jaguaribe: Brasil 2000

DIREITO

25. A. A. C. Trindade: Repertório Brasileiro de Direito Internacional
26. José A. E. Faria: Princípios, Finalidade do Tratado de Assunção

FILOSOFIA

27. Sérgio Paulo Rouanet: Édipo e o Anjo: Freud e Walter Benjamin
28. Sérgio Paulo Rouanet: Teoria Crítica e Psicanálise
29. João Almino: O Segredo e a Informação: ética e política
30. Sérgio Bath: Maquiavelismo: a prática política segundo Maquiavel
31. Francis Fukuyama: The End of History?

CIÊNCIA

32. Stephen Jay Gould: Ever Since Darwin/Mismeasure of Man
33. Martinière-Cardoso (eds): Coopération Scientifique France-Brésil

34. Livros de Paulo Roberto de Almeida
35. Nota sobre o autor

Detalhes do produto


  • Formato: eBook Kindle
  • Tamanho do arquivo: 555 KB
  • Número de páginas: 344 páginas
  • Quantidade de dispositivos em que é possível ler este eBook ao mesmo tempo: Ilimitado
  • Vendido por: Amazon Servicos de Varejo do Brasil Ltda
  • Idioma: Português
  • ASIN: B0838DLFL2


À guisa de prefácio


Es, pues, de saber, que este sobredicho hidalgo, los ratos que estaba ocioso... se daba a ler...; y llegó a tanto su curiosidad y desatino en esto, que vendió muchas hanegas de tierra... para comprar libros... y así llevó a su casa cuantos pudo haver dellos. (...) En resolución, él se enfrascó tanto en su lectura, que se le pasaban las noches leyendo de claro en claro, y los dias de turbio en turbio; y así, del poco dormir y del mucho leer se le secó el celebro, de manera que vino a perder el juicio.
Miguel de Cervantes Saavedra

Ainda não me ocorreu, apesar do excesso de leituras, a fatalidade que se abateu sobre o cavaleiro da Mancha. Em todo caso, meu cérebro não parece ter secado pelo fato de também passar muitas noites na companhia dos livros ou escrevendo sobre eles. Este livro, que fala exclusivamente de outros livros, pode ser considerado como o resultado de algumas dessas noites de leitura.
As resenhas de livros, como se sabe, têm geralmente o estranho hábito de revelar não exatamente o conteúdo do livro examinado ou o que diz o autor em causa, mas mais frequentemente o que pensa deles o próprio resenhista. Este volume não pretende ser uma exceção a essa regra não-escrita da prática do book-review, mesmo se ele a implementa de uma maneira particular.
Com efeito, os resenhistas profissionais costumam ostentar um certo air blasé ou de détachement vis-à-vis da obra resenhada, típicos de quem se julga no direito de falar bem (ou mal) do autor, sem outros objetivos que os de parecer erudito ou de impressionar o leitor. A grande vantagem desta coletânea em relação às antologias de resenhistas é talvez o fato de que ela não foi feita por um resenhista profissional, mas sim por um simples amante dos livros.
Os trabalhos aqui coletados foram escritos não por encomenda de algum editor ou diretor de folha literária, mas como resultado de minha livre escolha, motivado única e exclusivamente pelo desejo de realizar eu mesmo uma espécie de “homenagem voluntária” aos livros ou aos autores selecionados. Essa postura é tanto mais defensável e legítima que muitas das resenhas aqui incluídas não foram escritas para serem publicadas e nem mesmo se referiam a obras do momento ou a autores vivos. Motivou-me o simples gosto da palavra escrita, que responde, neste caso, a meu incontrolável, constante e não tão secreto vício da leitura.
Efetivamente, tenho vivido com livros, pelos livros e para os livros uma boa parte de minha vida, provavelmente dois terços de uma existência passada na atenta fixação do papel impresso. Entretanto, até onde alcançam minhas lembranças da primeira infância, não se pode dizer que o gosto da leitura constituísse uma espécie de kismet pessoal ou que ele estivesse entranhado num certo ambiente familiar.
Não me lembro, por exemplo, que minha casa contivesse muitos livros, pelo contrário, provavelmente muito poucos. Meus pais, típicos filhos de imigrantes pobres, de extração camponesa portuguesa e italiana, tinham sido criados entre o trabalho e a escola, processo que conduziu a uma educação primária incompleta nos dois casos. Mas, como todos os imigrantes, ambos davam uma importância muito grande à educação formal dos filhos, o que, dadas as condições de penúria material em que vivíamos, não necessariamente se traduziu em aquisição voluntária de outros livros que não, chegada a hora, os didáticos. 
Foram circunstâncias fortuitas que me fizeram chegar aos livros e com eles passar boa parte de minha vida. Minha casa, na então Chácara Itaim, bairro paulistano do Jardim Paulista, ficava muito próxima de uma biblioteca infantil, que eu passei a frequentar antes mesmo de estar formalmente alfabetizado. Na “Biblioteca Anne Frank” passei todos os anos de minha infância e os primeiros da adolescência. Uma vez treinado nas primeiras letras, na “atrasada” idade dos sete anos, passei a ler furiosamente: lia com avidez, não só na própria biblioteca, como todos os dias retirava sistematicamente um ou dois livros para ler em casa, à noite. Se não li todos os livros da biblioteca, devo ter chegado muito perto disso.
Alguns anos depois, trabalhando durante o dia e estudando à noite, passei a frequentar as bibliotecas do centro de São Paulo: a pública “Mário de Andrade”, a liberal e circunspecta da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, a especializada em economia do Centro das Indústrias, a da USIS, junto ao Consulado dos Estados Unidos, a da União Cultural Brasil-Estados Unidos e várias outras mais. Também comecei a percorrer incessantemente as livrarias do centro da cidade, em especial a velha Brasiliense, na Barão de Itapetininga, e a Zahar, na Praça da República.
Enfim, foram anos e anos de contato com os livros, lendo em toda e qualquer circunstância, em casa ou no trabalho, na escola e nos transportes públicos, sob chuva ou sol quase se poderia dizer. Raramente, ou quase nunca, saía de casa sem um livro na mão ou na pasta: qualquer oportunidade era boa para se avançar na leitura, mesmo na fila do recrutamento militar (quando estava acompanhado de Gustavo Corção, uma leitura insuspeita nos anos do regime militar). Ao deixar o Brasil pela Europa, no começo dos anos 70, arrastei comigo uma biblioteca que certamente deve ter intrigado diversos agentes alfandegários. No velho continente, como não podia deixar de ser, passei boa parte de uma longa estada de sete anos voluntariamente encerrado em bibliotecas universitárias, sobretudo a do Instituto de Sociologia da Universidade de Bruxelas. Continuei depois esse hábito nas demais cidades a que fui levado por força de uma vida profissional sempre nômade.
Desde muito cedo, habituei-me também a fazer fichas de livros, sob a forma de notas sintéticas, algumas compilações mais ou menos longas ou mesmo resenhas críticas, em cadernos ou folhas esparsas. Infelizmente, algumas dessas resenhas pioneiras foram perdidas com os papéis da juventude, entre a partida e a volta da Europa. Minha primeira resenha publicada parece ter sido a de uma obra do Erich Fromm, A Sobrevivência da Humanidade (tradução brasileira, pela Zahar, de Can Man Survive?), que saiu no jornal do centro acadêmico do Colégio Costa Manso, onde eu cursava o Clássico (em torno dos 16 anos, portanto). Muitos outros trabalhos dessa época, que precedeu minha saída do Brasil, se perderam: lembro-me de extensos resumos de obras políticas, de leituras anotadas de Sartre, Celso Furtado, Caio Prado, Florestan Fernandes e muitos outros autores brasileiros ou estrangeiros.
Mais tarde, durante minha estada universitária na Europa, preenchi diversos cadernos quadriculados, organizando-os por temas, ali compilando apreciações críticas e resumos de dezenas de livros, sem considerar as simples notas bibliográficas, que tinham seus cadernos especiais. Mas, essas anotações não cobrem senão uma parte de minhas leituras, aquelas ligadas diretamente ao estudo acadêmico ou às preocupações políticas. Dezenas de outros livros, cujos títulos se perderam em agendas extraviadas, permaneceram sem registro, sem falar dos muitos romances, policiais ou literários, que nunca foram objeto de qualquer tentativa de “crítica literária”. Se fosse possível fazer uma lista mais ou menos abrangente de minhas leituras, ela certamente ocuparia dezenas de páginas e nunca estaria completa.
A presente seleção de livros resenhados, portanto, não cobre senão uma ínfima parte de minhas leituras, compreendendo as obras efetivamente objeto de apreciação crítica. Alguns dos trabalhos aqui reunidos foram, parcial ou integralmente, publicados em revistas acadêmicas ou periódicos brasileiros, muito embora diversas outras resenhas permaneçam inéditas até aqui. Uma única exceção ao critério de autoria: a inclusão do resumo de minha própria tese de doutoramento em ciências sociais, mas que no caso serve para explicar melhor minha posição em relação à obra de Florestan Fernandes, objeto de um trabalho na seção “Sociologia”. Várias outras resenhas não foram escritas pensando precipuamente em sua divulgação, mas sim sob a forma de simples avaliação pessoal no curso de um estudo. Elas são agora transcritas em sua forma original, salvo, num ou noutro caso, pequenas adaptações de forma ou supressões de trechos, por inadequação à atualidade ou limitações de espaço.
Mais do que simples resenhas, estes trabalhos correspondem ao que um habitual leitor do The New York Review of Books, como eu, chamaria de review-article, que na verdade significa aproveitar a oportunidade da publicação de algum novo livro (neste caso, alguns antigos também) para falar sobre os mais diversos problemas de atualidade ou de história. O livro-objeto é, assim, uma simples escusa para uma digressão sobre temas diversos, em outros casos quase que um exercício de estilo ou um divertissement.

Um dia, vou percorrer novamente as bibliotecas de minha infância e adolescência e tomar nota de todos os livros que me fizeram companhia por tantos e tantos anos. Por falta de tempo, isto não ocorrerá certamente antes da aposentadoria, período que já antevejo como de um retorno a intensas leituras.
Esperando chegar esse tempo, decidi selecionar, à intenção dos amigos e curiosos, algumas de minhas leituras anotadas, isto é, aquelas que resultaram em resenhas formais e que, como tal, foram objeto de publicação.
Dedico esta primeira coletânea, com todo amor, a alguém que realiza a proeza de ler ainda mais do que eu, Carmen Lícia, sem cuja compreensão eu não teria cultivado, com tanta intensidade, o vício compulsivo da leitura.

Paulo Roberto de Almeida
Paris, dezembro de 1994
Brasília, 29 de dezembro de 2019

sábado, 28 de dezembro de 2019

Razões do secular atraso brasileiro - Paulo Roberto de Almeida


Razões do secular atraso brasileiro

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: participação em debate; finalidade: esclarecimento público]
  
Recentemente, participando de um “debate” sobre as razões do nosso atraso, um interlocutor atribuiu a D. Pedro II a responsabilidade por esse atraso, ao que reagi imediatamente ao dizer que achava que ele estava exagerando ao responsabilizar o monarca bonachão, razoavelmente culto, mas cingido por normas constitucionais e institucionais de ter um papel mais afirmado nas várias políticas dos gabinetes monárquicos (um pouco como no esquema britânico: “o rei reina mas não governa”), a despeito do poder Moderador, que só servia para trocar os gabinetes, mas não para organizar eleições, que eram invariavelmente fraudadas.
Quero agora estender-me um pouco mais nessa questão, que reputo essencial para a compreensão de nossa história.
Os responsáveis pelo atraso brasileiro foram, e continuam sendo, os mesmos homens que derrotaram José Bonifácio (na questão do tráfico e da escravidão, por exemplo), que desprezaram os ensinamentos de Hipólito da Costa (no seu Correio Braziliense) e que zombaram do industrialismo de Mauá (na verdade Irineu Evangelista de Souza, pois o título de barão que lhe foi atribuído foi apenas uma hipócrita compensação pela rejeição de suas ideias e a expropriação do segundo Banco do Brasil).
Os verdadeiros responsáveis pelo atraso foram os escravistas conservadores – mas o partido Liberal, nessa questão era ainda mais Conservador do que o próprio — que rejeitaram as recomendações de Luis Gama pela libertação dos escravos, as de Rebouças, que também propunha reformas modernizantes, as de Joaquim Nabuco, que queria abolição com reforma agrária e educação, ou seja, as mesmas elites medíocres e atrasadas que continuaram, no século XX, se opondo a Monteiro Lobato, a Eugênio Gudin, a Roberto Campos e a Gustavo Franco, entre muitos outros.
Essas são algumas das muitas razões de nosso atraso secular: começa no escravismo, passa pelo latifundismo, pelo patrimonialismo, pelo autoritarismo (não só das FFAA), pelo protecionismo dos industriais e agricultores, pelo subvencionismo de banqueiros e capitalistas em geral, pela anticompetição, pelo corporativismo estatal, pelo nepotismo e prebendalismo dos mandarins do Estado, pela inconsciência e mediocridade geral das elites dirigentes, mas sobretudo, SOBRETUDO, pela NÃO EDUCAÇÃO DAS MASSAS.
A verdade é que as nossas elites, todas elas – capitalistas, banqueiros, sindicalistas, políticos – continuam medíocres, e de vez em quando, por causa da não educação das massas, mas também pela inconsciência das classes médias, resvalam para o salvacionismo de populistas medíocres, de demagogos ignorantes como os que atualmente nos governam.
Não querendo ser pessimista, acho que vai demorar mais um pouco para o Brasil “endireitar” de vez, não no sentido político ou ideológico, mas no sentido de corrigir as muitas falhas de sua democracia de baixíssima qualidade, e isso não depende apenas de estadistas – que não os temos –, e sim da educação geral de todo o povo.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 28 de dezembro de 2019

O fracasso da Bolsodiplomacia - Editorial Estadão

Só não vê isto quem NÃO QUER ver. Nem é questão de ter ou de não ter votado no Bolsonaro, é sobre o que acontece agora. Fico pasma com a IGNORÂNCIA de alguns que nada ganham em defender este tipo de gente e que, no entanto, os defendem. Felizmente vejo que muitos já se deram conta da realidade!
Compartilho do Paulo Roberto de Almeida que entende do assunto e que cito: "O Editorial do Estadão sobre a diplomacia fracassada do governo Bolsonaro seria devastador para qualquer chefe de Estado, que buscaria se corrigir em face de críticas contundentes. Mas não Bolsonaro, que só recua em face de resistências bem fortes (dos militares, dos capitalistas do agronegócio), não por novas convicções retiradas da experiência. Mas o editorial se esquece de mencionar os péssimos conselheiros presidenciais em assuntos internacionais, a começar por aquele guru destrambelhado e escatológico que vive fora do país. Esses também são responsáveis pelos desastrosos não resultados de uma diplomacia sem direção e sem objetivos claros."
Carmen Lícia Palazzo

Diplomacia da camaradagem
Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
26 de dezembro de 2019 | 03h00

Quase todas as decisões adotadas pelo presidente Jair Bolsonaro na condução da política externa deram em nada ou impuseram severos prejuízos, sejam os de ordem econômica, sejam os danos à imagem do Brasil no exterior.

O fiasco da diplomacia brasileira observado neste ano era totalmente previsível porque o presidente da República erra no básico e não emite qualquer sinal de que está disposto a aprender com seus erros. Jair Bolsonaro crê que a relação entre as nações se estabelece por meio da afinidade pessoal e ideológica entre chefes de Estado, e não pela concertação dos interesses em jogo em uma complexa trama comercial e geopolítica. Ou seja, o presidente Bolsonaro trata o que é um mero facilitador na aproximação entre lideranças internacionais como princípio orientador de suas ações.

A opção pelo alinhamento praticamente automático ao presidente norte-americano, Donald Trump, parece ser a linha mestra da política externa do governo Bolsonaro. Na visão do presidente, isso implicaria resultados que nenhum outro governo antes dele conseguiu produzir, como o ingresso do Brasil na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a abertura do comércio entre os dois países. De fato, Donald Trump apoiou a entrada do Brasil no chamado “clube dos ricos”, mas tratou-se de um apoio vago, sem a definição de prazo ou condições para que o pleito do País fosse de fato analisado. Na verdade, Trump optou por dar preferência aos interesses argentinos no âmbito da OCDE, em detrimento dos brasileiros.

Quanto ao comércio entre Brasil e Estados Unidos, a “proximidade” que haveria entre Bolsonaro e seu contraparte norte-americano também não parece estar ajudando. A carne bovina brasileira continua sob embargo e, em novo revés imposto ao País, Donald Trump decidiu retomar a aplicação de tarifas sobre o aço e o alumínio provenientes do Brasil e da Argentina, sob a alegação de que os dois países estariam praticando uma “deliberada desvalorização de suas moedas a fim de prejudicar as empresas e os trabalhadores dos Estados Unidos”. Sem atinar para a dimensão do problema, Jair Bolsonaro está disposto a resolver a crise com um telefonema. “Se for o caso, falo com Trump, tenho canal aberto”, disse o presidente.

Bolsonaro também tem trabalhado duro para minar a posição de liderança do Brasil na América Latina. Evidente que as dimensões do País, de sua população e a pujança da economia brasileira são os fatores que pesam, e muito, na relação com os vizinhos. Mas o País teria muito mais a ganhar caso Jair Bolsonaro pusesse os interesses do Estado acima de suas predileções. Na Argentina, por exemplo, o presidente brasileiro manifestou apoio à reeleição de Mauricio Macri, que foi derrotado pelo peronista Alberto Fernández. A relação entre Bolsonaro e Fernández já começou estremecida, a bem da verdade por erros que foram cometidos em ambos os lados da fronteira.

No Uruguai, o presidente Jair Bolsonaro apostou na vitória de Luiz Lacalle Pou, que saiu vitorioso do pleito, mas não sem antes recusar o apoio do presidente brasileiro, tido como “tóxico” em razão de suas posições extremadas.

O ano diplomático também foi marcado pelo amplo apoio dado pelo presidente Jair Bolsonaro à recondução do primeiro-ministro israelense Binyamin Netanyahu, outro líder internacional de quem o presidente brasileiro se julga próximo. Jair Bolsonaro chegou a prometer a mudança do local da embaixada do Brasil em Israel, de Tel-Aviv para Jerusalém, o que traria sérios abalos na relação comercial entre o País e as nações árabes.

A nota positiva na condução da diplomacia brasileira neste ano foi a recente mudança da visão do presidente Bolsonaro em relação à China, cedendo ao pragmatismo. Já não era sem tempo o despertar, dada a vibrante relação comercial com nosso principal parceiro.

A afinidade pessoal entre chefes de Estado ajuda muito na fluidez das relações entre as nações. Entretanto, este jamais deve ser o fio condutor da política externa de um país. Os riscos de uma “diplomacia da camaradagem” são muito maiores do que os eventuais benefícios que a proximidade entre os líderes, seja real ou imaginária, pode trazer.