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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Condutas dos servidores na campanha eleitoral: ironias do Itamaraty bolsolavista - chanceler acidental; Paulo Roberto de Almeida

Conduta dos servidores na campanha eleitoral: ironias do Itamaraty bolsolavista

 

Paulo Roberto de Almeida

(www.pralmeida.orghttp://diplomatizzando.blogspot.com)

[Objetivoesclarecimento públicofinalidaderessaltar a contradição]

 

O boletim diário do Itamaraty, instrumento básico de informação dos diplomatas, ao lado do Boletim de Serviço – que publica os atos oficiais de movimentação de pessoal e medidas correlatas –, que deveria ser complementado pelos clippings diários de notícias nacionais e internacionais – perversamente suprimidos pela atual gestão, provavelmente porque a “grande mídia” trazia muita matéria contrária à política externa bolsolavista –, publicou a seguinte nota nesta quarta-feira, 9/09/2020:

 

"Eleições Municipais 2020 – Orientações sobre condutas vedadas aos Agentes Públicos Federais em eleições | Última atualização - 31/08/2020 às 09:51

Com o objetivo de orientar a ação dos agentes públicos, a Plataforma +Brasil disponibiliza cartilha com informações básicas acerca dos direitos políticos e das normas éticas e legais que devem nortear a atuação dos agentes públicos federais no ano das eleições municipais de 2020 http://plataformamaisbrasil.gov.br/ajuda/manuais-e-cartilhas/condutas-vedadas-aos-agentes-publicos-federais-em-eleicoes-2020.

Além disso, a Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República também publicou normas sobre veiculação de publicidade governamental no período de eleições municipais, disponíveis no endereço http://www.secom.gov.br/eleicoes-municipais-2020-orientacoes-ao-sicom."

 

Existe aqui uma suprema ironia para quem conhece a história do chanceler acidental. Essa mesma Cartilha, distribuída a todos os “agentes públicos federais” a cada eleição, já estava em vigor nas eleições presidenciais de 2018, da qual o então ministro de primeira classe recém promovido pela administração Temer-Aloysio Nunes, participou com grande entusiasmo, ainda que clandestinamente ao início. Quando descoberto, numa famosa matéria da jornalista Patrícia Campos Mello, do dia 30 de setembro de 2018, o militante até então secreto da causa bolsonarista, foi pedir perdão ao titular do Gabinete, por meio da Secretaria Geral do Itamaraty; recebeu permissão para continuar, e por isso até fez uma postagem, no dia 2 de outubro, agradecendo a deferência: 

Quero aqui agradecer e enaltecer as altas chefias do Itamaraty por seu compromisso com a liberdade de expressão e com o pluralismo, que me dá a oportunidade de compartilhar estas reflexões. Não sei se esses princípios sobreviverão se o PT “tomar o poder”.

 

Pretendo destacar aqui algumas pérolas do comentarista desconhecido, até quase a véspera do primeiro turno de 2018, agregando alguns exemplos ao longo do período eleitoral que vai de meados de setembro até a realização do segundo turno. O fato é que ele estava empenhado na campanha desde 2017, quando se revelou por meio de um famoso artigo, “Trump e o Ocidente”, que foi publicado na revista do IPRI, que eu dirigia, Cadernos de Política Exterior (embora o artigo não tivesse muito a ver com a natureza da publicação).

Os interessados em conhecer o “pensamento” – se o substantivo se aplica – do chanceler acidental podem acessar o seu blog (enquanto existir) que se chama – num título que remete aos círculos wagnerianos pré-nazistas – Metapolítica 17 - contra o globalismo (neste link: https://www.metapoliticabrasil.com/blog/), do qual retiro apenas alguns tópicos, para refrescar a memória de alguns responsáveis pelo Comitê de Ética da PR sobre como se pode burlar impunemente as regras de conduta que eles recomendam aos “agentes públicos”. 

 

1) Na primeira postagem, em 22 de setembro de 2018, Ernesto Araújo, enalteceu as virtudes do povo: 

Os ignorantes e os instruídos

Ernesto Araújo O povo é muito mais são e sábio do que a classe instruída. Talvez justamente por não passarem por uma escolarização emburr...

Na campanha eleitoral brasileira, hoje, vemos os instruídos preocupados unicamente com duas ou três frases pronunciadas por Bolsonaro ou pelo General Mourão. Repetem essas frases nos seus restaurantes e teatros e competem para ver quem mais se indigna. (Só não se dão ao trabalho de analisar o contexto das frases, é claro, porque analisar uma expressão no seu contexto é tarefa complexa, a exigir as faculdades cognitivas que os vários níveis de educação lhes retiraram.) Dizem que jamais votariam num candidato que disse isto ou aquilo sobre "as mulheres" ou "os gays". Para eles, mulheres ou gays não são indivíduos realmente existentes, mas categorias políticas, personagens chapados numa novela esquerdista com um enredo absolutamente primário, que jamais satisfaria qualquer pessoa dotada de boa-fé e curiosidade intelectual.

 

2) Logo em seguida, no dia 23/09/2018, ele enaltece a polarização em curso: 

Viva a polarização

Toda a realidade, seja humana ou natural, está estruturada de maneira polarizada, com dois polos binários, que se resolvem no logos incar...

As mesmas pessoas que dizem detestar a polarização querem apelar a um certo moralismo puramente verbal no atual debate político. Sustentam que algumas frases que Bolsonaro pronunciou a respeito de mulheres, gays ou negros, transformam a eleição numa questão moral. O saque da Petrobras, o mensalão, o achincalhamento das instituições, o assassinato de Celso Daniel e a tentativa de assassinato de Bolsonaro, nada disso acaso são questões morais? (...)

A esquerda não quer polarização porque não quer nenhuma concorrência ao seu polo totalizante, que ocupa todo o espectro do centro moderado até o stalinismo (veja-se, para exemplificá-lo, a perspectiva de uma aliança do PT, cuja candidata a vice-presidente pertence ao PC do B stalinista, com o PSDB liberal reformista, cuja candidata a vice-presidente pertence ao PP, partido herdeiro da ARENA: assim, o centro moderado no Brasil vai de Stalin a Geisel, passando por Lula e FHC).

 

3) Dois dias depois, em 25/09/2018, o elogio é ao povo, que “se interessa por política externa”, contrariamente ao que acreditaria a esquerda: 

O que está em jogo

Ernesto Araújo É um equívoco dizer que o eleitor brasileiro não se interessa por política externa e que por isso as relações internaciona...

O sistema não quer que o brasileiro saiba que o Brasil está, hoje, chamado a participar de uma gigantesca luta mundial, que se desdobra em vários aspectos: (...)

A luta pela soberania econômica e política dos países, contra o domínio das cadeias produtivas de bens e contra o monopólio da circulação de informações por uma elite transnacional niilista, contra uma economia globalizada maoísta-capitalista centrada na China.

A luta pela democracia efetiva e contra a reemergência do bolivarianismo na América Latina, o sistema regional de implantação do "Socialismo do Século XXI".

As opções reais de política externa são: ou aliar-se aos países e forças que lutam contra o globalismo, ou deixar que o Brasil, junto com todas as nações, desapareça na geleia geral de um mundo desnacionalizado e desespiritualizado (a nação é a casa do espírito!) e torne-se uma província da "pátria grande" socialista.

A esquerda, juntamente com o centro..., usa o seu controle da mídia e da academia para ocultar ao brasileiro o que está em jogo nas eleições, em relação à nossa inserção internacional: se o Brasil combaterá por um mundo de nações e de pessoas livres, ou se continuará deixando-se levar para um império global sem amor e sem apego, onde impera um programa de controle político-mental que aniquila a personalidade de pessoas e povos para melhor dominar.

 

4) No dia seguinte, 26/09, os ataques ao PT emanam naturalmente do “povo”: 

O povo contra o sistema

Ernesto Araújo No final dos anos 70 e primeira metade dos anos 80, o debate esquerda-direita no Brasil era um debate político entre liber...

O PT assumiu assim, sem maior dificuldade, o completo controle do país. Atribuiu ao PSDB o papel de "direita" e governou confortavelmente por 13 anos. (...) Esse regime tão eficiente e popular só se esqueceu de colocar uma coisa em sua equação: o povo. (...)

Dessa agenda do povo brasileiro nasceu a candidatura de Bolsonaro. Todos sabem que Bolsonaro é o único candidato anti-sistema. (...) Na verdade, sua candidatura é o único projeto político que atende ao anseio mais profundo do povo brasileiro.

Trata-se de uma candidatura de direita, certamente, e não poderia ser de outra forma já que todo o espectro político do sistema foi ocupado pela esquerda. (...)

Tudo o que é decente e bom, hoje, está na direita, simplesmente porque a direita é, hoje, o único lugar que acolhe tudo o que é bom e decente. (...)

Por isso, muitas pessoas que se consideram centristas e muitos políticos autênticos estão abandonando os candidatos presidenciais ditos de centro e entendendo que a única casa sob cujo teto podem abrigar suas ideias e suas esperanças é a campanha de Bolsonaro.

 

5) Imediatamente após, em 27/09, confiando na sua “clandestinidade”, Ernesto se permite criticar o discurso do presidente Temer, na abertura dos debates na Assembleia Geral, quando o presidente se refere à “nossa Venezuela” (ele coloca o vídeo do discurso para provar), e logo em seguida transcreve um trecho do discurso do presidente Trump atacando de forma veemente o governo de Maduro: 

"Nosso país, a Venezuela"

Do discurso do Presidente Michel Temer na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas (Nova York, 25/10/2018): “Na América do Sul, os ...

Mas sabemos que a solução para a crise virá quando, na verdade, o nosso país, a Venezuela, reencontrar o caminho do desenvolvimento. (https://www.youtube.com/watch?v=1nYdOEM6D1M).

Do discurso do Presidente Donald Trump na mesma ocasião: (...)

 

6) No mesmo dia, ele ainda encontra tempo para atacar o candidato do PT e seu projeto, provavelmente numa alusão à linha de transmissão que transporta eletricidade da Venezuela a Roraima, destacada da rede nacional de energia.: 

Linha de transmissão

Haddad é o poste de Lula. Lula é o poste de Maduro, atual gestor do projeto bolivariano. Maduro é o poste de Chávez. Chávez era o poste d...

Haddad é o poste de Lula.

Lula é o poste de Maduro, atual gestor do projeto bolivariano.

Maduro é o poste de Chávez.

Chávez era o poste do Socialismo do Século XXI de Laclau.

Laclau e todo o marxismo disfarçado de pós-marxismo é o poste do maoísmo.

O maoísmo é o poste do inferno.

Bela linha de transmissão.

 

7) No dia seguinte, em 28/09, sempre atarefado em sua missão secreta de angariar votos para o seu candidato, ou mais provavelmente em consolidar sua candidatura ao cargo de chanceler do futuro presidente, ele conclama os conservadores a se mobilizarem: 

Acorda e luta!

Acorda, liberal! Sai da cama, conservador! Você pretende ficar neutro, assistindo à batalha pelo futuro do Brasil e comendo pipoca, como ...

Acorda, liberal!

Sai da cama, conservador!

Você pretende ficar neutro, assistindo à batalha pelo futuro do Brasil e comendo pipoca, como se estivesse vendo Croácia x Dinamarca?

Você tem algo mais importante a fazer do que salvar o seu país?

Quem se diz liberal e não está com Bolsonaro é porque não se importa com a liberdade, mas apenas com a sua própria imagem.

Quem se diz conservador e não está com Bolsonaro é porque só quer conservar sua própria convicção de superioridade moral.

O PT (Partido Terrorista) está se preparando para tomar o poder no Brasil.

Na véspera da I Guerra Mundial, o Secretário do Exterior britânico, Edward Grey, prevendo a catástrofe, disse a um amigo: “As luzes estão-se apagando em toda a Europa. Não as veremos novamente em nossas vidas.”

No Brasil, se o PT ganhar, vai extinguir todas as luzes da decência e da liberdade, e não as veremos acesas novamente em nossas vidas. (...)

Fascista é o nome dado pelos comunistas a qualquer inimigo do regime de terror que o PT pretende instaurar ou reinstaurar no Brasil.

A sobrevivência do Brasil depende de você perder o medo de ser chamado de fascista. 

Acorda, sai da cama e vem para a luta! É o Brasil que está jogando o jogo mais importante da sua vida.

 

8) Depois de mais uma postagem atacando a esquerda no dia 29, no próprio dia em que sua identidade seria revelada na reportagem de Patrícia Campos Mello na FSP (30/09), como o único diplomata a apoiar ativamente o candidato da direita, ele novamente conclama o povo a vir em apoio ao candidato, revelando seus sentimentos com uma grande carreata pró-Bolsonaro em Brasília: 

Mas se ergues da justiça a clava forte

Algumas reflexões sobre a carreata pró-Bolsonaro em Brasília, com 25.000 carros, em 30 de setembro: Não vi ódio em ninguém, em nenhum ins...

Algumas reflexões sobre a carreata pró-Bolsonaro em Brasília, com 25.000 carros, em 30 de setembro:

Não vi ódio em ninguém, em nenhum instante. O movimento popular por Bolsonaro não se nutre de ódio, mas de amor e de esperança. As pessoas sorriem e celebram. Há um clima de congregação, uma energia coletiva impressionante, uma presença. Só me lembro de uma atmosfera cívica desse tipo em duas ocasiões: a campanha das Diretas Já em 1984 e o movimento pelo impeachment em 2016. É a primeira vez, portanto, que este oceano profundo, obscuro, poderoso de sentimento coletivo, ruge desta maneira em uma situação eleitoral. Isso significa que se trata de muito mais do que uma eleição, de uma escolha entre diferentes projetos para a pátria. Trata-se de uma luta pela sobrevivência da pátria.

O hino nacional fala de bosques e campos floridos e de uma vida serena, mas em certo ponto interrompe todo esse aconchego e proclama: “mas se ergues da justiça a clava forte, verás que o filho teu não foge à luta”. A mão fazendo o gesto de atirar é a pátria-mãe erguendo a clava forte! E não esqueçamos que Jesus, o príncipe da paz, disse em alto e bom som: “não vim trazer a paz, mas a espada”.

Arma só é símbolo de violência na mão de bandido. Na mão de pessoas de bem, arma é símbolo de orgulho, confiança, determinação e justiça.

Vi pessoas de todos os níveis de renda, de todos os tons de pele. Vi homens e muitas mulheres, se bobear mais mulheres do que homens. Pensei na cena final do Fausto de Goethe: Das Ewig-Weibliche zieht uns hinan. “O eterno feminino nos eleva ao alto.” A Virgem e a pátria-mãe gentil estão conosco.

Alegria por poder participar de algo tão grande, angústia por saber que não temos a opção de perder diante de um inimigo tão pérfido, confiança na justiça e no poder mais alto. A carreata continua até salvarmos o Brasil.

 

9) No dia seguinte, 1/10/2018, mas com uma postagem que já devia estar preparada antes, ele ainda ataca o candidato da esquerda em especial e o marxismo em geral: 

Teses sobre Fernando Haddad

Em 1998, o então professor de Ciência Política da USP Fernando Haddad publicou, na revista Estudos Avançados, um breve texto intitulado "...

O marxismo é um projeto para destruir o cristianismo, não o capitalismo. O capitalismo é visto por Marx simplesmente como um meio capaz de acelerar, pela desagregação que promove na sociedade tradicional, seu projeto anticristão. (...) A tarefa então é aniquilar a família humana, destruir o homem, para poder aniquilar o salvador que é Deus. Isto não está em alguma nota de pé de página ou em algum rascunho de Marx, está no centro do texto que os marxistas consideram a essência de sua obra. Esse é o marxismo ou o socialismo que, com Haddad, pretende tomar o Brasil.

 

10) Finalmente, provavelmente constrangido por ter sido revelado, ele vai pedir compreensão ao Gabinete, no dia 2/10, e até se permite elogiar a postura aberta das “altas chefias”, personalidades que ele atacaria de forma acerba depois, com munição fornecida pelo “Gabinete do Ódio”;

Um registro

Quero aqui agradecer e enaltecer as altas chefias do Itamaraty por seu compromisso com a liberdade de expressão e com o pluralismo, que m...

Quero aqui agradecer e enaltecer as altas chefias do Itamaraty por seu compromisso com a liberdade de expressão e com o pluralismo, que me dá a oportunidade de compartilhar estas reflexões.

Não sei se esses princípios sobreviverão se o PT “tomar o poder”.


11) Nos dias seguintes, e durante todo o intervalo entre o primeiro e o segundo turno, EA faz diversas postagens, praticamente uma a cada dia, sempre atacando a esquerda, o PT e o seu candidato. Quase na véspera do segundo turno, em 20/10, ele recrudesce: 

Eu vim de graça

Não há nada que o PT odeie tanto quanto a liberdade: liberdade econômica, liberdade de pensamento, liberdade de expressão. Isso porque o ...

Não há nada que o PT odeie tanto quanto a liberdade: liberdade econômica, liberdade de pensamento, liberdade de expressão.

Isso porque o PT, fiel ao “belo ideal socialista”, odeia o ser humano.

Deixado a si mesmo, o ser humano cria e produz, ama e constrói, trabalha e confia, realiza-se e projeta-se para a frente.

Então não pode. O PT (que aqui significa não apenas “Partido dos Trabalhadores”, mas também Projeto Totalitário ou Programa da Tirania) não pode deixar o ser humano a si mesmo. (...)

A única coisa que o Projeto Totalitário não criminaliza é o próprio crime e os próprios criminosos. Ou seja, o PT criminaliza tudo, menos a si mesmo.

Agora querem criminalizar o Whatsapp.

O ideal do PT (já expresso por alguns ecologistas radicais) é que a espécie humana não existisse. Já que existe, ainda, vamos fazer dela o pior possível, para que a humanidade se odeie tanto a ponto de um dia cometer suicídio. Sim, o Projeto Totalitário, do qual o “Partido dos Trabalhadores” faz parte integralmente até a medula dos seus ossos e até o fundo do buraco que tem no lugar do coração, é levar a humanidade ao suicídio. Para isso precisa destruir a alegria de viver, que depende da liberdade. Censurar o Whatsapp é mais uma tentativa.

 

12) Finalmente, o triunfo, devidamente comemorado em 24 de outubro de 2018:

Todo o poder emana

Nunca é demais lembrar o que diz o Artigo 1º, parágrafo único, da Constituição Federal: “Todo o poder emana do povo.” Em todos os 114 art...

O povo vem criando um novo Brasil. Já criou ao menos a imagem de um novo Brasil – um Brasil sem PT, sem crime, sem falsidade – e agora se prepara para alcançar essa imagem, para tocá-la e começar a vivê-la.

 

13) Seguiram-se uma dezena de postagens altamente ideológicas, como pode ser verificado no site Metapolítica 17, e isso a despeito de o presidente, que o escolheu em 14/11/2018 (sob provável injunção do guru expatriado e dos dois olavistas que o controlam de perto, em Brasília), ter prometido uma política externa “sem ideologia”. Uma dessas postagens consistiu num artigo, “Contra o consenso da inação”, com críticas acerbas ao ex-ministro Rubens Ricupero e ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que foi objeto de uma postagem conjunta, que fiz em meu blog na madrugada do dia 4/03/2019, e que motivou minha exoneração poucas horas depois.

 

14) Nos meses seguintes, as postagens amainaram, mas todas elas tinham um sentido altamente ideológico, como aquela famosa que defendia a tese – imediatamente rejeitada até pela embaixada da República Federal da Alemanha em Brasília – segundo a qual o nazismo era um “movimento de esquerda”, em 30/03/2019: 

Pela aliança liberal-conservadora

A esquerda fica apavorada cada vez que ressurge o debate sobre a possibilidade de classificar o nazismo como movimento de esquerda. Dá a ...

 

15) Raras foram as postagens no restante do ano de 2019, sendo que uma delas, em 19 de julho, defendia a “liberdade religiosa, religião libertadora”, até que finalmente chegamos à apoteose ideológica da famosa reunião dos impropérios, no dia 22 de abril de 2020, durante a qual o presidente recrudesceu contra a Polícia Federal e seus demais inimigos no governo e fora dele, ao passo que o chanceler acidental, defendendo o grande papel do Brasil de Bolsonaro na reorganização do poder mundial, cunhou o famoso slogan do “comunavirus”, o terrível inimigo que surgiu na China para dominar o Ocidente: 

Chegou o Comunavírus

O Coronavírus nos faz despertar novamente para o pesadelo comunista. Chegou o Comunavírus. É o que mostra Slavoj Žižek, um dos principais...

 Žižek revela aquilo que os marxistas há trinta anos escondem: o globalismo substitui o socialismo como estágio preparatório ao comunismo. A pandemia do coronavírus representa, para ele, uma imensa oportunidade de construir uma ordem mundial sem nações e sem liberdade.


Querem mais, querem se divertir, querem lamentar? Basta acessar o site do chanceler acidental – que não sei quanto tempo dura, mas tenho tudo registrado –, embora outras formidáveis bobagens figuram em entrevistas e artigos que podem ser acessadas nos sites do Itamaraty e da Funag. Creio que bastam as pérolas acima...

 


Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 3750, 9 de setembro de 2020

 

Fundação do Itamaraty vira aparelho de guerra cultural bolsonarista - Vera Magalhães (BR político)

 Fundação do Itamaraty vira aparelho de guerra cultural bolsonarista

Vera Magalhães

BR político, 9/09/2020

https://brpolitico.com.br/noticias/fundacao-do-itamaraty-vira-aparelho-de-guerra-cultural-bolsonarista/


A Fundação Alexandre Gusmão (Funag), vinculada ao Itamaraty, está sendo usada para promover ciclos de palestras com expoentes do bolsonarismo e reforçando teses negacionistas em relação à pandemia do novo coronavírus e em defesa de pautas da extrema-direita, como pregação antiaborto e contra o chamado "globalismo".

O conjunto de eventos e publicações promovidos pela entidade, que é um órgão público, é completamente tomado pela guerra cultural bolsolavista, sem nenhum espaço para teses de outras vertentes ou para representantes do próprio Itamaraty que pensam fora da cartilha do chanceler Ernesto Araújo.

Em 27 de agosto, a Funag promoveu um seminário intitulado "Como destruir um país: a aventura socialista na Venezuela", com a presença da embaixadora da Venezuela no Brasil, designada pelo governo paralelo de Juan Guaidó, Maria Tereza Expósito, e de Lucas Ribeiro, colunista do site Brasil sem Medo, ligado a Olavo de Carvalho.

Em 21 de agosto foi a vez de uma conferência virtual do jornalista Alexandre Garcia, que desde que deixou a Rede Globo se aproximou do bolsonarismo.

As palestras sempre são divididas em uma série de vídeos, todos disponibilizados, juntamente com a versão integral, no canal da fundação do Itamaraty no YouTube e também nas plataformas de streaming.

O mesmo expediente foi feito com conferência feita pelo deputado federal e filho do presidente Eduardo Bolsonaro, cuja candidatura ao posto de embaixador do Brasil em Washington foi frustrada em 2019. Ainda assim, o 03 ministra uma conferência sobre "benefícios" do "resgate" das relações entre Brasil e Estados Unidos, numa visão unilateral e absolutamente instrumentalizada ideologicamente de relações sobre as quais diplomatas e especialistas em relações internacionais fazem inúmeras restrições, pelos prejuízos comerciais e políticos que o alinhamento automático a Donald Trump causa ao Brasil.

Não para por aí. A deputada bolsonarista Chris Tonietto (PSL-RJ) é a protagonista de outra conferência, com direito a pílulas nos canais da Funag, com o tema "o direito a vida", que novamente trata a questão da legislação para aborto sob viés ideológico da direita, sem contraponto algum. Ademais: em que esse assunto é pertinente a uma fundação que discute questões diplomáticas e de relações internacionais? Fica evidente a instrumentalização de um órgão público apenas para a guerra cultural.

Um dos mais conhecidos blogueiros bolsonaristas, Flávio Gordon também mereceu uma palestra da Fundação Alexandre Gusmão, com direito a propaganda explícita de seu livro, "A Corrupção da Inteligência". O tema da conferência não poderia ser mais talhado pelo bolsolavismo militante: Globalismo e Comunismo. De novo, o aliado da família Bolsonaro e admirador de Olavo de Carvalho recebe tratamento vip da fundação pública: dezenas de vídeos e pílulas nos canais da fundação.

Mas o puro creme do proselitismo político e do negacionismo científico, além da instrumentalização política explícita da pandemia, fica por conta do ciclo de palestras batizado de "A conjuntura internacional pós-coronavírus". A próxima edição do evento acontece nesta quinta-feira, dia 10.

Os convidados da sexta edição, realizada no último dia 3, foram o blogueiro Paulo Eneas, do site bolsonarista e propagador de desinformação Crítica Nacional, o economista Paulo Figueiredo Filho, especialista em relações internacionais, bolsonarista e trumpista, e o professor de filosofia da Universidade Federal de Pelotas Carlos Adriano Ferraz.

O tema das palestras deixa evidente o viés anticientífico e de total contrariedade às recomendações sanitárias da Organização Mundial de Saúde, base para que a maioria dos países do mundo tenha adotado medidas de enfrentamento à pandemia: "A pandemia e a agenda globalista", "A ascensão e queda da China", "A nocividade do uso de máscaras", "O uso de máscaras e o controle social", "Mecanismos de controle do Estado sobre o indivíduo", "A pandemia foi instrumentalizada para fins políticos?", "O que fazer com a OMS?" e "A questão da obrigatoriedade da vacinação".

Todos esses temas têm sido tópico de declarações negacionistas do presidente Jair Bolsonaro ao longo da pandemia, inclusive sua mais recente investida sobre a obrigatoriedade da vacinação.

Fica evidente o uso político de uma fundação que deveria fomentar o pensamento plural, ser representativa da tradição diplomática do Itamaraty e debater doutrinas, ideias e teses respaldadas em evidências e na ciência, e não pura pregação ideológica com base em teorias da conspiração, narrativas vazias e negacionismo científico.


Mortes por cólera e golpe eleitoral: o rastro das missão brasileira no Haiti - Ricardo Seitenfus

MISSÃO DE PAZ?

Mortes por cólera e golpe eleitoral: o rastro das missão brasileira no Haiti

Ex-representante da OEA fala sobre as consequências da missão militar brasileira no país mais pobre do ocidente

Brasil de Fato, 9/09/2020

A um mês de completar três anos da retirada das Forças Armadas brasileiras do Haiti, o rastro da presença dos militares ainda está presente no país. A principal marca da Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (Minustah), comandada pelas tropas do Brasil durante treze anos (2004-2017), são milhares de vítimas de uma epidemia de cólera, a miséria e a instabilidade política em que o país se encontra ainda hoje.

É o que afirma Ricardo Seitenfus, doutor em Relações Internacionais pelo Instituto de Altos Estudos Internacionais da Universidade de Genebra que atuou como representante especial da Organização dos Estados Americanos (OEA) no Haiti entre 2009 e 2011.

Em seu livro A ONU e a Epidemia de Cólera no Haiti, Seitenfus aponta que soldados do Nepal que atuaram na Minustah foram os responsáveis por levaram o vírus ao Haiti. Segundo ele, ao invés de combater a disseminação da doença, a Organização das Nações Unidas (ONU) concentrou esforços em esconder sua responsabilidade pelo episódio com conivência dos oficiais brasileiros. 

“Há uma lei do silêncio em torno da questão que é vergonhosa. Se sabia desde o início [que os soldados nepaleses levaram a coléra para a ilha] e isso provocou milhares de mortes. Quando fazemos o balanço da situação do Haiti no momento em que saímos, é de um país com 50 mil mortes de cólera, instável e mais pobre do que estava. Ao invés de premiar os militares que lá foram, deveríamos pedir a conta a eles”, disse Seitenfus, em entrevista ao Brasil de Fato.

Durante a Missão de Paz, o Brasil enviou 37 mil militares ao Haiti, maior força militar brasileira no exterior depois da Guerra do Paraguai.

"Nós nos apresentamos como salvadores do Haiti. Premiamos os generais brasileiros que passaram no Haiti com postos de ministros. No Palácio do Planalto, nunca foi contestado nada, quando de fato o Brasil foi conivente com essa situação", afirmou o especialista.

Para ele, é urgente que os brasileiros e haitianos conheçam todos os lados da Missão de Paz que deixou danos permanentes no país.

"Foi uma experiência para o Brasil que começou de forma eufórica e terminou de forma trágica. Essa é a experiência da Minustah. E eu espero que os militares - muitos se referiram ao Haiti como se fosse um pós-doutorado que tivessem feito lá fora - reflitam sobre sobre os aspectos absolutamente negativos da missão".

Confira a entrevista completa.

Brasil de Fato - Em seu livro “A ONU e a epidemia de cólera no Haiti” você aponta a responsabilidade da Missão das Nações Unidas para a estabilização no Haiti (Minustah) em relação a epidemia de cólera que atingiu o país. Como isso aconteceu?

Ricardo Seitenfus - A primeira coisa que quero enfatizar é que o Haiti, apesar de reunir condições sanitárias que nós sabemos que são as piores do Ocidente, nunca, nunca, reitero, em toda sua história, teve cólera. A história da cólera nas Américas exclui o Haiti. A primeira vez que chega a cólera no Haiti é em outubro de 2010 por meio de movimentos de tropas das Nações Unidas e soldados vindos da região de Katmandu, do Nepal. A cólera surge justamente em um vilarejo ao lado de Mirebalais, onde estava a base de soldados do Nepal.

Isso ficou claro, e aí é importante o fio do tempo, a cronologia. Em novembro de 2010, ficou bastante claro. Mesmo em outubro, autoridades haitianas, a começar pelo presidente da República, René Préval, faz uma declaração para a imprensa: "isso é uma doença importada". Ficou bastante claro desde o início que havia um elemento exógeno, estrangeiro, que havia se inserido no meio haitiano naquela região. E as Nações Unidas tomam uma decisão em sua mais alta cúpula de não reconhecer a essa realidade.

E a partir daí estabelece uma estratégia de várias etapas, que eu descrevo no livro, de negação, minimização, até que em 2013, três anos depois, eles reconhecem que sim. Mas aí falam que têm imunidade. Que as operações de paz se beneficiam da imunidade das Nações Unidas.

Mas durante esse período, caso as autoridades haitianas soubessem, desde o início, desde 20 de outubro de 2010, que tivessem certeza que dali que veio a cólera, o embrião, assim que se comporta, poderiam ter tomado medidas preventivas como, por exemplo, proibir a utilização dos rios.  No Haiti, os rios, no interior, que dão água potável,  são utilizados para banho, para dar de beber aos animais, preparar as refeições, cozinhar, fazer de tudo. Os rios são limpos. Não existem defensivos agrícolas, as águas são limpas, é uma agricultura absolutamente natural.

E a partir daí, essa água que era uma fonte de vida no Haiti, sobretudo no Haiti rural, se transformou. Houve, como o epidemiologista francês Renaud Piarroux fala, um verdadeiro tsunami colérico. Não foi um ou dois turistas. Aquilo matou dezenas e centenas e depois milhares de pessoas em um período extremamente curto.

Queria fazer uma primeira diferenciação entre o que aconteceu no Haiti na época e o que acontece hoje. É que se sabe muito bem como tratar a cólera. É uma doença hiper conhecida, comportamento previsível, mesmo que seja objeto de mutações genéticas, o comportamento de impedir que se use os esgotos e o uso apenas de água encanada e tratada. Enfim, há uma série de medidas profiláticas bastante simples de serem aplicadas.

No entanto, as Nações Unidas naquele momento, não seguiram o caminho normal que segue a ciência no caso da cólera, que é a análise do que compõe esse vibrião colérico. Eles foram buscar outras motivações e origens possíveis para o surgimento do cólera e deixaram de lado a análise do genoma sequencial. 

O que foram fazer? Disseram que várias teses apareceram... uma era de que forças telúricas surgiram a partir do terremoto de janeiro de 2010. É inédito que cientistas se baseiem nisso, porque nunca se viu. Depois falaram do balastro dos navios que acostam em um porto que chama San Mar, mas também, evidentemente, não foi ali que nasceu. 

E uma terceira explicação foi o aquecimento global, dizendo que a cólera seria originária do aquecimento global, que impulsionaria o surgimento do bacilo cholerae na região do Delta do Artibonite. Ou seja: se afasta completamente o que já em 1851 havia sido estabelecido, que teria que analisar o genoma sequencial do cólera. E se vai para teorias naturais, que as origens seriam naturais e não de atividade humana. Essa é uma diferença muito grande em relação à covid-19 porque não sabemos qual o comportamento dele. A ciência está dividida, alguns exigem certas coisas, outros propõem a cloroquina... Há um debate dentro da ciência que se presta a uma utilização política.

No caso da cólera no Haiti não. Deveria ser bastante claro: é a análise do genoma sequencial. E é isso que, finalmente, a comissão de especialistas convocados pelo Ban Ki-moon, então secretário-geral da ONU, quando entrega o relatório em maio de 2011, afirma. Fazendo a análise do genoma sequencial e dizendo que provavelmente veio do Nepal, que é em razão da atividade humana, ou seja, dos excrementos e não uma causa natural.

Mas mesmo assim, como no relatório os especialistas escrevem provavelmente, as Nações Unidas se utilizam da expressão para alegar que não há certeza. Mas havia certeza.

Em 2012, uma das integrantes da comissão de especialistas disse: "não, o vibrião (bactéria) colérico tem a mesma composição no Haiti e no Nepal, exatamente a mesma". Então há uma situação bastante clara desde o início. Um elemento estrangeiro, de origem humana, que provoca a cólera no Haiti. E as Nações Unidas, ao longo de todo esse período, tem essa atitude de desviar a atenção, de desresponsabilizar. 

E, muito importante enfatizar isso, há uma conjunção de vontades de esconder a realidade. A grande imprensa internacional praticamente não fala sobre isso. Os governos envolvidos com a Minustah, a começar pelo nosso, não falam sobre isso. 

Para que tenha uma ideia, ainda em 2017, sete anos depois que havia o reconhecimento científico-político dessa realidade, o então ministro das Relações Exteriores do Brasil, Aloysio Nunes, vai ao Haiti para se despedir das tropas, que estavam voltando, e diz que as infelicidades haitianas não são de responsabilidade da Minustah. Há o que eu chamo de Omertá. Uma lei do silêncio em torno da questão, que é vergonhosa. Se sabia desde o início e isso provocou milhares de mortes.

O Renaud Piarroux não fala de dez mil, ele fala em 50 mil mortes em total silêncio, em total conivência. Em total lei da Omertá, dos mafiosos italianos. Ainda hoje, fico muito feliz que estejamos tratando disso, é uma responsabilidade intelectual minha de escrever esse livro. É um livro desagradável, claro que é, porque a realidade é muito desagradável.

Nós nos apresentamos como salvadores do Haiti. Premiamos os generais brasileiros que passaram no Haiti com postos de ministros. No Palácio do Planalto, nunca foi contestado nada, quando de fato o Brasil foi conivente com essa situação. O Brasil não exerceu a responsabilidade que deveria ser a sua.

E mais ainda, o general Paul Cruz que em 2010 era o Force Commander da Minustah, ele tinha a responsabilidade do acampamento, da base dos nepaleses. Ou seja, o Brasil, não somente seus militares mas também o seu governo, têm responsabilidade em relação a isso.

Quando se consulta essa solução proposta no apagar das luzes de seu mandato pelo Ban Ki-Moon e de recolher US$ 400 milhões para resolver essa situação, no site, é possível ver que os Estados Unidos colocaram US$ 10 milhões e que o Nepal colocou US$ 237 dólares e o Brasil zero.

É algo que temos que resgatar. Faz parte da nossa experiência, infelizmente com esses dados absolutamente negativos. E a humanidade não aprendeu porque está repetindo os erros com a covid. Não aprendeu e toda a discussão sobre a origem da covid é de novo a discussão sobre a origem da cólera.

Toda a discussão sobre o papel da OMS, também tivemos lá. Sobre o papel da OMS e da Opas (Organização Pan-Americana da Saúde) braço americano da OMS. Chegaram a falsificar mapas na época para mostrar que a cólera não havia surgido no departamento de Mirebalais, ou seja, houve uma conivência do conjunto das Nações Unidas, da chamada "família" das Nações Unidas. 

Quando se recupera os dados, as declarações, as informações, os mapas, é absolutamente incrível o que aconteceu no Haiti e que foi levado de roldão com um total manto de cumplicidade e de silêncio sobre isso.

Até chegar ao que eu te disse anteriormente, a questão da imunidade. Dizer que soldados envolvidos em operações de paz tem imunidade. Como? Baseado na Convenção de Londres de 1946, que foi firmada para proteger os funcionários civis das Nações Unidas. Como há também a proteção diplomática das convenções de Viena para os embaixadores, para os enviados... mas nunca se falou que isso protegeria soldados em armas, em armas ofensivas, inclusive.

Então, no frigir dos ovos, uma conclusão que se pode extrair dessa interpretação maximalista das Nações Unidas sobre o privilégio da imunidade é que os soldados das Nações Unidas, os capacetes azuis nas Operações de Paz, são os únicos que não precisam respeitar as Convenções de Genebra e não precisam respeitar o direito da guerra. Isso é um absurdo total. Sabemos que em 1948 foi firmada a Declaração Universal dos Direitos Humanos e o primeiro princípio é o direito à vida.

E, portanto, lá os soldados, segundo essa interpretação das Nações Unidas, podem matar e voltar para seu país livremente, sem nenhum tipo de processo. Fazendo um parênteses, tem a questão dos "babies da Minustah".As crianças que foram geradas por soldados e aí tem uma lista de nacionalidades onde o Brasil está em segundo lugar. São mais de 280 crianças. Também não há nenhum tipo de proteção ou trabalho feito pelas Nações Unidas e muito menos pelos militares, pela Justiça militar dos países que enviaram tropas pra lá. 

E aí também é uma discussão jurídica que pra mim é bastante clara sobre o duplo chapéu que têm os soldados enviados em Operações de Paz, que seria o chapéu do país que envia e o chapéu das Nações Unidas. A ONU se esconde atrás dessa possível interpretação do duplo chapéu para dizer que a Justiça militar dos respectivos países fará com que isso seja resolvido, que fará justiça. E nunca foi feito.

Tem uma frase que eu utilizo que é: a justiça militar está para a justiça como a música militar está para a música. Há uma grande diferença entre justiça militar e justiça. 

Qual seria a responsabilização possível no caso da disseminação da cólera no Haiti?

Em 2017, o Ban Ki-Moon criou uma espécie de observatório sobre possíveis delitos sexuais, muitos haviam sido acusados em Operações de Paz. No Congo, no Haiti e outros lugares. Então, tem uma responsável que recebe as demandas por parte das famílias ou por parte das vítimas, mas são demandas individuais ao passo que isto está previsto exclusivamente para delitos de natureza sexual. Não está previsto para vítimas de ações coletivas, que é o caso da cólera.

Não há maneira de buscar justiça. As Nações Unidas haviam previsto no acordo de sede com o Haiti, uma comissão de reparações de particulares, e essa comissão nunca foi criada. 

Inclusive, na Comissão de Londres, na chamada sessão 29, que supostamente daria imunidade para todos em trabalho para as Nações Unidas, na sessão 30, ou seja, na sessão seguinte, diz que quando houver algum tipo de dúvida em relação à interpretação das sessões anteriores, seria feito uma consulta à Corte Internacional de Justiça. As Nações Unidas nunca aceitaram isso. Está previsto na Convenção de Londres de 1946 e também no acordo-sede entre as Nações Unidas e o Haiti, mas nunca permitiram.

Portanto há uma espécie de denegação de jurisdição. As vítimas não sabem a quem demandar. Isso é uma infração jurídica e mesmo penal. Ou seja, a vítima tem que ter meios de reclamação e não tem.

E com relação ao comando da Minustah, qual foi o papel das Forças Armadas brasileiras nesse período?

São duas fases da Minustah. Há uma fase que vai de 2004 a janeiro de 2010 e uma segunda fase de janeiro de 2010 até o seu fim. Até o final de 2009, eu representava a OEA no Haiti, tínhamos reuniões no Core Group para discutir o que chamávamos de modelo de saída de crise. Como podemos deixar o Haiti? Uma missão de paz onde não havia guerra. 

Tudo estava mais ou menos encaminhado. As gangues haviam sido desmanteladas, o Préval havia sido eleito no primeiro turno de 2006, a economia havia retomado um pequeno e médio crescimento, havia um diálogo nacional. Então, 2008-2009 é um momento de imaginar um modelo de saída de crise, fechar as malas e ir embora. É quando acontece o terremoto, em janeiro de 2010.

E o terremoto muda tudo. Vem os marines nos Estados Unidos, 20 mil. O Préval é visto como alguém inapto. Em outubro vem a cólera, um milhão de pessoas nas ruas. É necessário tirar todos os destroços da região metropolitana de Porto Príncipe. Há 230 mil mortos, 300 mil feridos. É uma catástrofe de dimensões gigantescas.

Nesse momento, quando os Estados Unidos enviam os 20 mil marines, mostram, bem claramente, que o Comando Sul não confia na Minustah. Há uma certa tensão entre a Minustah e militares americanos para saber quem vai fazer o que naquele momento, quem distribui os livros, quem faz segurança.

Os haitianos foram extremamente corajosos e até estóicos com o terremoto, não houve saques, rebeliões, não houve nada. Poucas semanas depois os marines foram embora, viram que não tinham função nenhuma ali. Mas mesmo assim, a partir daquele momento, o papel político da América Latina e propriamente do Brasil se esvai. O que é confirmado em dois episódios.

No episódio da cólera, onde ficamos em silêncio e não fizemos o que deveria ser feito, e no episódio das eleições do fim de ano de 2010 para a substituição do Préval. Houve um golpe eleitoral preparado pela Hillary Clinton com a conivência dos demais, que impactou o resultados das eleições no primeiro turno. Conto isso em outro livro: "Haiti: dilemas e fracassos internacionais".

Eu me opus ao golpe e me retiraram do Haiti em novembro de 2010. E ai é eleito o Michel Martelly. E aí é interessante... Fomos em uma Missão de Paz e resgatam o duvalierismo depois desse período. E ele faz o mandato dele de uma forma autoritária até 2016 e faz o sucessor dele que lá está até hoje. Não tem mais parlamento, não tem mais Conselho Eleitoral, desígnios dos prefeitos. É, de fato, um ditador.

Há mesmo até uma tese dizendo que normalmente depois de uma operação de paz o que fica no país que recebeu a operação de paz é um regime autoritário. É o caso da Libéria, do Congo, do Camboja. O primeiro-ministro do Camboja está no cargo há 37 anos. E foi colocado pelas forças de paz das Nações Unidas. Há outra tese que diz que as operações de paz das Nações Unidas, quando vão embora, deixam alguém autoritário e de extrema-direita. No caso do Haiti é bastante claro em relação a isso.

O Brasil perde, e a América Latina junto, o comando, mas unicamente pró-forma. Mandamos, nesse período, 37 mil militares ao Haiti. É a maior força militar brasileira no exterior depois da guerra da Tríplice Aliança, da Guerra do Paraguai. Mais ainda que na Segunda  Guerra Mundial quando mandamos 26 mil militares pro norte da Itália.

Então, é a maior presença brasileira militar depois da Guerra do Paraguai e quando fazemos o balanço disso, a situação do Haiti no momento em que saímos é um país com 50 mil mortes de cólera, deixamos um país instável, mais pobre do que estava e ao invés de premiar os militares que lá foram, deveríamos pedir contas a eles. Mas não foi isso que foi feito.Há uma tentativa de dourar a pílula, de contar outra história, quando a história é muito dramática, muito difícil.  

A América Latina teve esse papel triste, para as Forças Armadas brasileiras, foi um treinamento. Inclusive o Heleno, em 2010, diz que como treinamento foi excelente. Como Missão de Paz não tem mais sentido. Ele mesmo disse isso. Em 2010 deveríamos ter saído do Haiti e ter outro tipo de presença de cooperação econômica e desenvolvimento econômico e social. Hoje o Haiti está em pior situação do que estava em 2004.

E no caso desse exercício doméstico que as tropas brasileiras acabaram fazendo lá, vemos que mais pra frente tivemos uma intervenção no Rio de Janeiro da mesma forma. Esses militares estão hoje no governo. Foi uma decisão do governo mas qual o interesse das Forças Armadas em permanecer no Haiti? Visibilidade? Por que permaneceram ali?

Acho que há muitas razões. Primeiro a participação em uma operação de guerra sem correr nenhum risco. Tivemos zero mortes em combate, zero. Nenhum soldado, nenhum militar, nenhum policial morreu em combate no Haiti. Morreram em acidente, suicídio, é outra coisa.

Primeiro, é um exercício militar com baixa zero. Segundo, uma parte dele é paga pelas Nações Unidas. Terceiro: Tivemos autonomia de transporte, de comunicações, de testar a indústria bélica nacional, fantástica. Em um terreno propício. E, finalmente, uma última razão e que muitos mencionavam, e outros pensavam, que o Haiti era um laboratório que serviria de experiência para serem usadas nas regiões metropolitanas brasileiras.

A questão haitiana se resume às favelas de Porto Rico. Os militares, a começar pelo General Heleno, que fala claramente de usar helicópteros para sobrevoar favelas e atirar contra, como já foi feito no Rio de Janeiro. Como fizeram no Haiti. Dizer que no Haiti, como disse ele, havia uma autorização judicial, que o juiz dava autorização, isso não é verdade. O judiciário haitiano nunca se voltou a essa questão. Era única e exclusivamente dos militares da Minustah. 

Houve mortes em 2005 e 2006 sim [em decorrência do uso de helicópteros]! Há um documentário sobre isso, em que se mostra claramente que usaram helicópteros. Havia alguns diplomatas e militares que diziam que até escreveram que o Haiti seria um laboratório. Eu acho isso uma posição vergonhosa, de se utilizar dessa situação terrível para fazer uma espécie de aprendizado. Mas é isso que foi feito. 

O senhor aponta que os militares atuaram para encobria a epidemia de cólera no Haiti e hoje vemos os militares aqui no Brasil tomando pra si o Ministério da Saúde e também lidando com uma epidemia. O senhor vê semelhanças na ação militar brasileira nesses casos?

Eu acho que no caso do Haiti, se entrevistarem algum militar [brasileiro] sobre isso, ele vai dizer duas coisas: Primeiro que não sabia. E que segundo, não ficou claro de onde veio a origem [da cólera]. 

É evidente que o tratamento que foi feito em relação à cólera no Haiti foi feito com a conivência dos militares. Foi uma decisão política do Departamento de Assuntos Jurídicos da Secretaria Geral das Nações Unidas que sequer o secretário geral comanda. As decisões que emanam do Conselho de Segurança são inimputáveis. Se o Conselho decidiu pela missão de paz e segurança internacional, não pode ser colocada em questão nada que decorra dessa missão. 

O departamento de Assuntos Jurídicos zela para que isso seja respeitado. Nenhuma interpretação que venha a contrariar essa autonomia total e absoluta, essa imunidade total e absoluta, pode ser aceita.

Tanto é assim que quando houve a assinatura do Tratado de Roma do Tribunal Penal Internacional (TPI), os Estados Unidos conseguiram, para os crimes de guerra, de genocídio, fazer com que fosse aprovado por unanimidade uma resolução no Conselho de Segurança dizendo que as tropas em serviço das Nações Unidas não seriam submetidas ao TPI. Ou seja, poderiam vir eventualmente a cometer crimes de guerra mas não poderão ser julgadas pelo Tribunal de Haia.

Nota-se muito bem que há uma percepção de que tudo que está vinculado ao Conselho de Segurança está acima do bem e do mal. Não pode nem ser contestado. Nem por fatos como esse que estou narrando agora, nem pelo Direito. Direitos humanos, direito à vida, direito da guerra, Convenção de Genebra.

É uma visão dos Estados Unidos. Eles dizem: "se vocês não fizerem isso, vou paralisar as Operações de Paz". Parar o financiamento. Tem um artigo da Susan Rice, que foi embaixadora dos Estados Unidos na ONU e conselheira de Segurança Nacional do Obama. Onde ela descreve perfeitamente o papel das operações de paz nas estratégias do poder dos Estados Unidos. 

"O que é mais benéficos para nós? Mandar uma ação de paz ou nossos marines?". Uma operação de paz custa um quarto menos. "Eu adoro ir a um shopping que me dê 75% de desconto". Ela diz isso. 

E até os militares brasileiros, coniventes com essa situação, não entendem. Eu fico pasmo com gente de esquerda que não entenda isso. Em 2004, quem tomou a decisão de ir para o Haiti foi o Lula. Uma ilusão de entrar no Conselho de Segurança, de ter uma política externa mais ativa.

Eu apoiei isso, inclusive, em 2004. Eu pessoalmente apoiei. Só que vimos como fomos manipulados por essa situação. Se nós nos espelharmos na atitude que os militares tiveram, brasileiros e outros, durante a crise da cólera, estamos muito mal amparados hoje com os militares trabalhando com a covid.

Existem algumas semelhanças até da forma como trabalhar a informação. Uma coisa que marcou logo no começo foi o fato dos militares pararem de divulgar os dados em relação aos casos...

E no caso do Haiti, o que se fazia com os jornalistas? Se coloca no avião da FAB e levavam. Não deixavam falar com ninguém. Só com os militares. Pode pegar todo o material que veio de lá durante esses 12, 13 anos, a maioria é muito favorável. 

Mas eu acho que houve essas duas fases, só pra reiterar. Em janeiro de 2010, as cartas são embaralhadas, tudo é diferente. E ninguém está preparado pra isso. Ai foi improvisação, improvisação. Cólera, política, a reconstrução, a tentativa de salvar pessoas. Extremamente complexo.

Foi uma experiência inovadora para todos. Mas creio que em certos momentos de confusão é preciso ter certos princípios. Mas creio que os militares brasileiros e os brasileiros não tiveram esses princípios a partir do momento que foram coniventes com as mentiras das Nações Unidas em relação à cólera. Quando o Itamaraty foi conivente com o golpe protagonizado pela Hillary Clinton.

Quais seriam esses princípios que deveriam ter prevalecido?

O primeiro é o princípio democrático e do respeito à vontade do eleitor. E não trocar resultados. Fomos lá para ensinar a democracia. Talvez não com os melhores professores, mandamos militares, mas o princípio básico é respeitar o veredito das urnas.O segundo é respeitar os interesses daqueles que nós vamos ajudar. Fomos lá para ajudar os civis haitianos, para protegê-los. Nós terminamos matando 50 mil com a cólera e ficamos em silêncio. Fomos coniventes. Por nossa ação e omissão.

São dois princípios básicos que creio que infrigimos e não deixaram boas lembranças para os haitianos.  Acho que perdemos uma aura que tínhamos no Haiti, de simpatia, junto a população, junto aos movimentos de esquerda e aos nacionalista com essa missão que participamos. 

Quais são as responsabilidades que ainda precisam ser cumpridas em relação a esse episódio, no caso da ONU, e também enquanto Brasil? Qual seria o papel das nossas Forças Armadas, necessidade de reflexões nossas, brasileiros, sobre essa atuação?

A nossa primeira responsabilidade é falar a verdade. Reconhecer que efetivamente houve isso, por ação e omissão. Que agimos mal nesse período, fomos coniventes, nos silenciamos, participamos da Lei da Omerttá. O povo haitiano e o povo brasileiro têm direito de saber. Em segundo, é fazer com que essas Operações de Paz não estejam acima do direito, temos que ter uma formulação jurídica que enquadre os militares armados em Operações de Paz. Não é porque eles são enviados pelas Nações Unidas que têm total autonomia.

Eu cito, no livro, três documentos internos na ONU sobre as Operações de Paz. Nada mais. Nenhuma convenção internacional que defina como as tropas devem se comportar. Não existe isso. Não há nenhuma declaração das Nações Unidas que possa ser cobrada.

Então há o que eu chamo de limbo jurídico para as Operações de Paz. Não podemos admitir que depois da Guerra da Criméia, 1870, quando houve a criação do Direito da Guerra, proteger os feridos, os prisioneiros, a não tortura, proteger a população civil, todo esse arsenal que foi construído em quase dois séculos de proteção aos combatentes e aos efeitos dos combates, seja jogado fora. Não seja considerado nas operações. 

"Ah, mas estamos em uma operação de paz". A estamos impondo, por meio de armas, inclusive com armas ofensivas. Há o que eu chamaria de um buraco negro jurídico em torno das Operações de Paz. Seria muito importante que os juristas, aqueles que trabalham com os Direitos Humanos, direito humanitário, internacional, de guerra, se voltasse a isso e exigisse que tivéssemos uma carta de obrigações dos soltados em Operações de Paz.

Finalmente, foi uma experiência para o Brasil que começou de forma eufórica e terminou de forma trágica. Essa é a experiência da Minustah. E eu espero que os militares, muitos militares que se referem ao Haiti, à experiencia haitiana, como se fosse um pós-doutorado que tivessem feito lá fora, reflitam sobre os limites, sobre as limitações, sobre os aspectos absolutamente negativos.

Quando fazemos as contas, enviamos soldados para proteger a população civil no Haiti, provocamos uma situação que hoje, social, econômica e politicamente, é pior. Além disso, houve 50 mil mortes civis de inocentes. Essa é a marca registrada, para mim, da operação da Minustah do Haiti. Não temos porque nos vangloriarmos disso. 

Temos que fazer uma análise e levar, como em dado momento, a presidente Dilma e o Antonio Patriota levaram essa discussão pro Conselho de Segurança. Não somente sobre a responsabilidade de proteger, mas houve uma proposta brasileira sobre a responsabilidade ao proteger. Isso não foi levado em consideração pelos outros membros do Conselho. Houve somente uma discussão informal sobre isso. 

Mas eu creio que o governo brasileiro, qualquer governo, deveria insistir. Voltar a esse ponto fundamental sobre a responsabilidade ao proteger. Quais são os caminhos, os limites, os objetivos. Qual o enquadramento jurídico. Não podemos ter a carta branca que temos hoje.

Novichok: a guerra química de Putin

 Der Spiegel, Hamburgo -  5.9.2020

Germany Debates Halting Contentious Russian Pipeline Project

Leading politicians in Germany from all mainstream parties are demanding that construction on the natural gas pipeline Nord Stream 2 be suspended as a result of the poisoning of Alexei Navalny. But Merkel's government is so far resisting such calls.

 Alexander Chernyshev, Matthias Gebauer, Christina Hebel, Valerie Höhne, Peter Müller, Marcel Rosenbach, Christoph Schult und Fidelius Schmid

 

Officially, it was an invitation for a midday coffee on Wednesday, when Chancellor Angela Merkel gathered her six most important ministers in the Chancellery. A formal meeting of the Security Cabinet would have attracted too much attention.

The discussion focused on the fate of Alexei Navalny, the Russian opposition politician who was poisoned in Russia and who is now receiving treatment at Charité University Hospital in Berlin. Specifically, the results of an analysis performed by the Bundeswehr Institute for Pharmacology and Toxicology in Munich had arrived and a chief staff surgeon from the German military was on hand to explain them to the gathered ministers. Those results were a political bombshell.

According to meeting participants, the military doctor said there was no doubt that the poison used on Navalny belonged to the Novichok family of nerve agents. Traces of the agent were found in blood, urine and skin samples taken from Navalny as well as on a bottle that he had with him on his trip. Members of his family had kept the bottle after the politician collapsed on a flight from Tomsk to Moscow and turned it over to doctors in Berlin. It is thought that Navalny drank from the bottle after he had been poisoned, accounting for the traces found on the receptacle.

A Chancellery official says that the information shared by the military doctor "was a real shock." Since then, it has been clear that Germany's relationship with Russia will change significantly. The clear evidence that the internationally banned nerve agent was used makes it even more likely that the Kremlin was behind the poisoning. And Russian President Vladimir Putin.

That same evening, Merkel chose unusually harsh words in her public address. "We expect the Russian government to make a statement on this incident," she said. "There are now very serious questions that only the Russian government can and must answer."

The ball is now in Russia's court. In Berlin, meanwhile, a debate has erupted over which sanctions the German government should now consider applying. The expulsion of Russian diplomats and sanctions against the individuals responsible for the annexation of Crimea did little to impress Moscow. Economic sanctions against certain industries or products could be effective, but they would likely hurt Germany as well, given that Moscow's retaliations against such sanctions in the past have been just as severe.

 

"A Mistake from the Very Beginning"

 

The only penalty that would primarily hurt Moscow would be a construction stop on the almost completed Nord Stream 2 natural gas pipeline. "The German government's starry-eyed indifference to President Putin's brutality must finally come to an end," says Agnieszka Brugger, deputy group leader for the Green Party in parliament. "Putting an end to Nord Stream 2 would be the minimum."

The business-friendly Free Democrats (FDP) tend to agree. The pipeline "must immediately be examined," says Bijan Dijr-Sarai, the foreign policy spokesman for the FDP in parliament. He is in favor of an immediate moratorium. "It was a mistake from the very beginning to ignore the political backdrop to Nord Stream 2. It is now coming back to bite the government," he says.

But even members of political parties in Merkel's governing coalition, which pairs her conservatives with the center-left Social Democrats (SPD), are increasingly demanding that the pipeline project be abandoned. One is Norbert Röttgen, a candidate to become chairman of Merkel's Christian Democrats (CDU) and the chair of the Foreign Affairs Committee in Germany's federal parliament, the Bundestag. Another is Manfred Weber, head of the European People's Party group in European Parliament, to which German conservatives belong. "Of course, the most severe measure is part of the list of possible sanctions: a partial stop to the purchase of raw materials," Weber says. "The end of Nord Stream 2 can no longer be excluded."

Within the government, however, that step remains off limits. Officially, at least. In the background, cabinet members admit that the option must at least be discussedConstruction on the project has been suspended anyway because the United States has threatened sanctions. It wouldn't be that difficult, in other words, for the government to announce a moratorium itself and take ownership of the construction suspension.

The chancellor, though, would much prefer a European solution. The Navalny case, she is convinced, isn't just an issue for Germany.

The first opportunity to formulate a joint response came in the form of a Thursday meeting of the Political and Security Committee in Brussels. The committee includes ambassadorial level delegates from the EU member states and the Navalny case was at the very top of the agenda. Germany's EU partners expressed appreciation for the fact that Navalny had been brought to Berlin for medical treatment. That evening, EU foreign policy chief Josep Borrell said that the bloc was considering "restrictive measures."

 

Defending EU Interests

 

Within the EU, it is considered conceivable that sanctions could be levied against persons in Putin's immediate orbit, as happened following the poisoning of the double agent Sergei Skripal. A former Russian spy who had defected, Skripal and his daughter were both poisoned with Novichok in 2018 in the English town of Salisbury. They both survived.

Many diplomats, however, point to the differences between the Skripal poisonings and the Navalny case. For one, the 2018 attack took place on EU territory, while Navalny was poisoned in Russia. Furthermore, British citizens came into contact with the nerve agent during the Skripal attack, while EU citizens were not endangered by the Navalny attackMore than anything, though, investigators were able to relatively clearly identify the perpetrators in the Skripal attack, while that has not thus far been the case this time around. Borrell said through his office that as long as we don't know who was responsible, it is challenging to discuss punitive measures.

Daniel Caspary, head of German conservatives in the European Parliament, believes that the attack on Navalny is just more evidence that Putin doesn't take EU foreign policy seriously. "The poisoning shows that the EU isn't even close to being able to defend its interests, even in its immediate neighborhood," Caspary says.

EU diplomats who have long been involved in Russia policy hold similar views. "It's is clear that Putin is showing Europe the middle finger," says one. "Russia is completely unconcerned about the fact that well-respected scientists have now proven a connection to Moscow. Indeed, that's what the Russians want." The fact that EU foreign policy chief Borrell has condemned the attack "in the strongest possible terms" and demanded a Russian investigation, the diplomat says, will not have much of an effect in Moscow, absent the threat of specific penalties.

Furthermore, it is doubtful whether it will ever be possible to clearly pin the attack on the Kremlin. Novichok may have been originally developed in the Soviet Union, but it has long since found its way to other countries as well.

 

A Delicate Offer

 

Germany, in fact, contributed to that spread. Following the collapse of the Soviet Union, a Russian scientist made the offer to the Bundesnachrichtendienst (BND), Germany's foreign intelligence agency, to discretely remove a substance from the country that officially didn't exist: a binary nerve agent from a secret chemical weapons program with the codename "Foliant." The term "binary" refers to the fact that it can be mixed together shortly before use from two much less harmful substances. That means that not only can the production of the poison be concealed, but it is much safer to transport. The scientist wanted to take his family to the West, and he saw the nerve agent as his ticket.

The offer was too delicate for the BND to decide on its own, and ultimately, the Chancellery of Helmut Kohl decided to bring the valuable mole to Germany - but it was resolved that the substance he had on offer would be analyzed elsewhere. The scientist's wife smuggled two vials of the substances to Sweden in 1997 where it was analyzed in a military laboratory. The result: Novichok.

The BND proudly shared its coup with important NATO partners, including Britain and the U.S., though they already had knowledge of the poison. The analyses, though, would later help British specialists prove the use of Novichok in the Skripal case, even if a different variety was used in that attack.

 

"I Feel Culpable"

 

In addition to the samples smuggled to Sweden, additional quantities of the substance found their way onto the black market. The source was at least one frustrated employee of a secret laboratory in the town of Shikhany, not far from the border to Kazakhstan. The chaos following the collapse of the Soviet Union had led to salaries at the laboratory going unpaid for an extended period.

According to British intelligence reports, the Novichok used in the Skripal attack is linked to the Shikhany laboratory. A high-ranking scientist at the time named Leonid Rink produced a batch of Novichok in 1994, according to the report, and then stored it in glass vials, with each vial containing 0.25 grams of the substances. He stored several of them in his garage. According to court documents, Rink sold his vials to criminals from Chechnya and one from Latvia, who claimed he needed it for "self-defense." Rink sold the vials for $1,500 to $1,800 each.

If stored correctly, experts believe the samples can remain potent for decades. When DER SPIEGEL reached Rink by phone on Thursday, he loyally disputed the notion that Navalny had been poisoned by Novichok. "That is complete nonsense. Even if they found something, it's not poison, there was no poisoning." He said his country is being smeared. Then, he hung up.

His former colleague Vil Mirzayanov has a completely different take. He was the person who publicly revealed the existence of the new Russian family of nerve agents in the early 1990s. Today, the 85-year-old lives in Princeton in the U.S. "Rink has to say such things," Mirzayanov says.

He also has a completely different view of the Navalny poisoning. "State structures are behind it. Without Putin, a thing like this isn't possible in Russia, because such attacks always trigger an international scandal. Regarding his own role, he is rather critical of himself: "I deeply regret having worked in this area and having made a contribution to the development of the nerve agent. I feel culpable."