1399. O Itamaraty Sequestrado: a destruição da diplomacia pelo bolsolavismo, 2018-2021 (Brasília, 13 maio 2021, 114 p.; ISBN: 978-65-00-22215-9; Formato Kindle, ASIN: B094V28NGD; 927 KB).
Divulgado no blog Diplomatizzando, com sumário, dedicatória e prefácio (8/05/2021; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2021/05/o-itamaraty-sob-ataque-2018-2021.html); disponível na Amazon.com.br (link: https://www.amazon.com/-/pt/dp/B094V28NGD/ref=sr_1_1?dchild=1&keywords=O+Itamaraty+Sequestrado%3A+a+destrui%C3%A7%C3%A3o+da+diplomacia+pelo+bolsolavismo%2C+2018-2021+%28Bolsolavismo+diplom%C3%A1tico+Livro+1%29&qid=1621002681&s=digital-text&sr=1-1). Relação de Originais n. 3904.
Índice
Prefácio 9
1. Ascensão e queda do bolsolavismo diplomático, 2018-2021 14
1.1. O assalto dos novos bárbaros ao Itamaraty 14
1.2. Novamente no limbo, analisando o bolsolavismo diplomático 18
1.3. A patética carta de demissão do chanceler acidental 20
2. Degradação democrática e demolição diplomática 22
2.1. O destino da nação: declínio ou renovação da democracia brasileira 22
2.2. A História não se repete, nem mesmo como farsa 24
2.3. O que fazer na ausência de um estadista circunstancial? 25
2.4. Uma inédita ruptura nos padrões tradicionais da política externa 26
2.5. O alinhamento automático ao presidente Trump: um escândalo temporário 27
2.6. A hostilidade em relação à China como critério da identidade comum 28
2.7. O isolamento na esfera internacional e no contexto regional 29
2.8. O caso da tecnologia 5G: prejuízos reais em qualquer hipótese 30
2.9. O caso da Amazônia: uma extraordinária vocação para o erro 31
2.10. A postura no caso da pandemia da COVID: negacionismo em toda a linha 31
2.11. Uma nova Idade das Trevas? 32
3. Submissão ao Império e relações com os vizinhos regionais 34
3.1. A importância da descontinuidade, em circunstâncias inéditas 34
3.2. A importância histórica das relações regionais e hemisféricas 34
3.3. Da aliança não escrita aos impasses políticos e econômicos 35
3.4. Bolsonaro e uma inédita relação de alinhamento sem barganha 36
3.5. A desintegração regional e o desalinhamento com os vizinhos 39
3.6. Qual o futuro da integração, do Mercosul, da política externa brasileira? 40
4. Um novo animal na paisagem: o globalismo e os seus descontentes 42
4.1. O espectro do globalismo: a emergência da irracionalidade oficial 42
4.2. Dos antiglobalizadores aos antiglobalistas? 43
4.3. À la recherche du globalisme perdu 44
4.4. Os nacionalismos canhestros: genitores do antiglobalismo irracional 48
5. Um “balanço” desequilibrado: a despedida do chanceler acidental 50
5.1. Ascensão e queda de um capacho exemplar 50
5.2. O “balanço” e o seu oposto: mentiras, falácias e falcatruas 51
5.3. A justificativa prolixa e a declaração de política objetiva 75
6. Quo vadis, Brasil? 76
6.1. Estaríamos enfrentando uma fase tendencial de declínio? 76
6.2. O que é verdadeiramente estratégico na vida da nação? 77
6.3. Quão baixo, quão fundo, uma sociedade pode descer? 78
6.4. Um “exército de ocupação” interno? 81
6.5. Sobre os descaminhos do Brasil atual 83
Apêndices 84
Sumários dos livros do ciclo do bolsolavismo diplomático 84
(1) Miséria da diplomacia: a destruição da inteligência no Itamaraty 84
(2) O Itamaraty num labirinto de sombras: ensaios de política externa e de diplomacia brasileira 85
(3) Uma certa ideia do Itamaraty: a reconstrução da política externa e a restauração da diplomacia brasileira 85
(4) O Itamaraty Sequestrado: a destruição da diplomacia pelo bolsolavismo, 2018-2021 88
(5) Apogeu e demolição da política externa: itinerários da diplomacia brasileira 89
Livros publicados pelo autor 91
Nota sobre o autor 95
Correto, em sua singela atitude, mas não basta meramente seguir adiante, em meio à borrasca, ou contemplando a violência arrogante que se abate sobre nós.
Resistir também é necessário, em face do arbítrio, do desgoverno, da mentira, da fraude, da sordidez, da desumanidade, da ignorância, da perversidade, do sectarismo, do fundamentalismo, da intolerância, da burrice e, sobretudo, da prepotência e da estupidez.
É preciso não só resistir, mas antepor a tudo isso o diagnóstico correto, assim como prescrever o tratamento adequado, segundo os melhores valores da ética pública, acompanhada de sólidos princípios morais, fundamentados na razão e derivados do conhecimento.
Tal é o sentido de minhas reflexões e tais são as motivações de minha postura, de meus escritos, de minhas ações.
Refletir, resistir, navegar...
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 30 de abril de 2021
Este livro é dedicado aos meus colegas do corpo da diplomacia profissional do Serviço Exterior brasileiro, que tiveram de suportar, durante dois anos e alguns meses, a mais esquizofrênica das diplomacias imagináveis, seja na já longa trajetória da política externa brasileira, desde a Independência, seja no plano da diplomacia mundial, absolutamente sem precedentes em nossa história (e, espera-se, sem sucedâneas), ou na comparação com qualquer outra diplomacia nacional, no contexto regional ou em âmbito mundial.
A todos os colegas, de todas as classes, condições e opiniões que possam ter sobre a substância do que deveria ser a política externa brasileira, meus cumprimentos pela resiliência, pela persistência e pela resistência, ainda que de maneira silenciosa e discreta. Creio ter interpretado o sentimento da maioria, mesmo quando alguns discordaram de minha postura e de meu posicionamento em face da miséria diplomática e da destruição da inteligência que vivemos desde o final de 2018 até o início de 2021.
Prefácio
Pretendo que este seja o meu “último” livro, não absolutamente, mas relativamente, e isto a dois títulos: ele pretende circunscrever um período determinado da trajetória do Itamaraty contemporâneo, tal como evidenciado nos anos extremos de seu subtítulo, e tem, sobretudo, o objetivo de concluir a série dos livros de debate, ou de “combate”, do ciclo que chamei de “diplomacia bolsolavista”, iniciada de maneira improvisada e que assim continuou por mais quatro exemplares da série, agora aparentemente vindo a termo. Espero não ter de voltar mais ao período que se encerrou em março de 2021 – salvo algum novo “acidente de percurso” – e voltar a dedicar-me a trabalhos de pesquisa menos marcados por aspectos conjunturais como os que aqui são enfocados, em especial aposentando definitivamente esse adjetivo pouco recomendável que marcou a diplomacia “bolsolavista” do Brasil nesses anos.
Na verdade, este livro estava destinado a ser apenas a “segunda parte” de uma obra bem mais alentada, voltada para uma exposição e análise de um período mais amplo da política externa e da diplomacia do Brasil, mas que terminou dividida em dois volumes, por razões de ordem prática e também por decisões de natureza conceitual: por um lado, a obra projetada, e em larga medida elaborada nos últimos anos, revelou-se de dimensões maiores do que o normalmente imaginado para um volume impresso, como era a intenção original, dada essa minha incômoda peculiaridade de “escrevinhador”, bem mais do que simplesmente escritor; por outro lado, ela comportava, justamente, ensaios de natureza mais historiográfica e “estrutural”, além de uma série de artigos e comentários de características conjunturais, vinculados estreitamente ao período recente, e excepcional, do itinerário do Brasil nas relações internacionais contemporâneas. Daí a decisão de fracioná-la entre um volume impresso a ser ainda publicado e este destinado a sair mais rapidamente como e-book.
Muito do que figura em um e outro volume já se encontrava preparado ao final do mês de novembro de 2020, logo após as eleições americanas, que levaram à derrota do candidato preferido pelos bolsonaristas brasileiros, seu líder e modelo Donald Trump, saindo vitorioso em seu lugar o democrata Joe Biden, mesmo se o processo de verificação tenha se arrastado irritantemente até o mês de janeiro seguinte, inclusive com cenas explícitas de contestação ilegal dos resultados obtidos nas urnas (o que foi inclusive apoiado pelo presidente brasileiro, assim como pelo seu chanceler depois afastado). Ao final do ano decidi retirar a parte conjuntural para torná-la esta obra independente, deixando para o livro a ser publicado em formato impresso os ensaios de natureza mais conceitual, ou estrutural.
O caráter “terminal” deste livro, agora publicado em formato digital, também segue a tendência adotada pelas demais obras deste ciclo “que não deveria existir”, cujos sumários figuram no apêndice. Explico rapidamente o que já está exposto no primeiro capítulo desta obra, que retraça a própria trajetória do bolsolavismo diplomático, um experimento alucinante e alucinado de bizarrices no âmbito da política externa, e que durou do início do governo Bolsonaro, em janeiro de 2019, até o mês de março de 2021, quando o chanceler acidental é levado a se demitir, por absoluta falta de condições políticas para continuar no cargo, mesmo dispondo de todo o apoio do presidente (e contra a sua vontade): o que ocorreu, de fato, foi um veto praticamente unânime dos senadores à sua continuidade na função, sob ameaça de paralisia dos trâmites legislativos interessando ao Itamaraty.
Na verdade, esse período pode se estendido para trás e para frente, no seguinte sentido: os preparativos para “revolucionar” a diplomacia e a política externa do Brasil começaram bem antes, em articulações no seio de um grupo restrito de amadores (de fato, ineptos completos) em temas de política externa, de relações exteriores do Brasil e de política internacional, em geral, que tinham a real intenção de alterar as bases fundamentais de atuação das relações externas do Brasil com base em concepções simplórias, em teorias conspiratórias, em ideologias de extrema-direita, ou mais propriamente reacionárias, que se vinculavam à visão do mundo de ultra conservadores dos Estados Unidos e, mais especialmente, ao anticomunismo primário e exacerbado do polemista que passa por guru presidencial, Olavo de Carvalho.
Esse pretenso intelectual cercou-se de um pequeno grupo de fiéis devotos, alguns até fanáticos de seu anticomunismo fundamentalista, passando eles a preparar o que eu chamei de “assalto ao Itamaraty” desde 2016. Pouco depois eles ganharam a adesão de um solitário diplomata profissional, com articulações mais efetivas estabelecidas no decorrer de 2018, quando esse adesista oportunista passou a trabalhar intensamente, ainda que de modo clandestino, em prol do candidato que se apresentou nas eleições daquele ano. Imediatamente após a vitória do candidato de extrema-direita, o chanceler designado passou a atacar de forma vergonhosa o Itamaraty e os diplomatas profissionais, como se todos eles tivessem sido coniventes com o “marxismo cultural”, com o lulopetismo e outros desvios esquerdistas, ou até progressistas, na visão dos alucinados engajados em sua errática campanha.
Mas o período também pode ser estendido para a frente, ou seja, sem esse corte definitivo na demissão do chanceler acidental, em 29 de março de 2021, na medida em que os responsáveis pelo “furacão” iniciado em 2018 continuam de certo modo no comando da política externa, detendo talvez algumas alavancas de atuação no próprio Itamaraty, o que assegura a sobrevivência, pelo menos parcial, de algumas das concepções olavistas ou “bolsonaristas” (as aspas se justificam pelo fato de que o próprio presidente tem demonstrado uma incapacidade notória para compreender o mundo exterior e de situar o Brasil nesse contexto). Trata-se de um quadro ainda preocupante, ainda que as “alucinações exteriores” do chanceler acidental não mais disponham da base operacional que lhe foi atribuída desde novembro de 2018. O personagem em questão pretende ainda continuar influenciado, senão a política externa, pelo menos um número indeterminado de seguidores, com o objetivo de manter o Brasil vinculado à visão do mundo ultraconservadora de líderes estrangeiros.
Confirmo que este livro e todos os demais do ciclo impropriamente chamado de “bolsolavismo diplomático” não deveriam existir pelo fato de que eles nunca integraram meus projetos definidos de trabalho; eles estão, de alguma forma, afastados de minhas concepções relativamente bem organizadas de produção intelectual: pesquisa cuidados, leitura atenta e extensa da documentação e da literatura secundária, planejamento e inserção num campo definido de elaboração especializada, redação sistemática de acordo a um esquema ou plano previamente estabelecido, culminando numa eventual publicação, se por acaso o resultado final encontra alguma editora complacente (embora muitos deles tenham adotado a via mais fácil e acessível do e-book). Em todo caso, os produtos deste ciclo não planejado surgiram sempre como reação momentânea à obra de destruição que estava sendo perpetrada não só no Itamaraty, mas contra o próprio Brasil, representada pela deformação completa de nossas tradições diplomáticas, assim como da própria política externa, com efeitos prejudiciais aos interesses nacionais, pois que respondendo unicamente às concepções equivocadas sobre o mundo e o Brasil, sob a influência de ideologias esquizofrênicas.
Foi assim que surgiu o primeiro do ciclo, Miséria da diplomacia: a destruição da inteligência no Itamaraty, em meados de 2019, praticamente de improviso, feito com base em notas e comentários que passei a fazer ao contemplar – já “liberado” de qualquer função na Secretaria de Estado desde o início daquele ano – as várias loucuras que vinham sendo perpetradas na (e contra uma) instituição das mais respeitadas na burocracia federal e até admirada por vizinhos e outros parceiros externos, dada a qualidade de seu capital humano. Para ser mais preciso, o que mais me angustiava não era tanto os muitos ataques ao Itamaraty – um verdadeiro sequestro da instituição, como adotado no título deste quarto livro do ciclo –, uma vez que considero a diplomacia profissional perfeitamente capaz de recuperar sua alta qualidade no desempenho das funções corriqueiras, uma vez libertada dos “novos bárbaros” que a dominaram temporariamente. O mais preocupante foi constatar o prejuízo real, ou potencial, aos interesses nacionais, em decorrência das ações, omissões e deformações que estavam sendo infringidas às políticas setoriais vinculadas à interface externa da ação do Estado (em comércio, em meio ambiente, em direitos humanos, em integração, enfim, um pouco em todas as vertentes da ação internacional do país).
Ao início, se tinha a esperança de que pressões de militares, de representantes do agronegócio, dos interesses econômicos em geral, assim como da própria classe política, seriam capazes de corrigir, coagir, restringir, fazer retroceder as alucinações exteriores mais estapafúrdias, mas não foi o que ocorreu; ao contrário, recalcitrantes ou divergentes do governo foram sendo eliminados ou afastados e o Brasil parecia navegar satisfeito numa aliança com um punhado diminuto de “aliados” da direita conservadora, em especial, numa submissão vergonhosa ao dirigente bizarro do principal parceiro hemisférico. Estabeleceu-se uma virtual unanimidade na opinião pública contra uma política externa esquizofrênica, o que me levou a prosseguir no meu combate solitário contra a diplomacia “bolsolavista”. Na verdade, esse conceito define muito mal o verdadeiro caos que passou a vigorar na política externa brasileira e na ação de uma diplomacia isolada do mundo, dos interesses nacionais do Brasil e do próprio corpo profissional do Itamaraty.
Dei prosseguimento, portanto, ao segundo volume do ciclo, O Itamaraty num labirinto de sombras (2020), quando já estávamos numa espécie de “revolução cultural” dentro do Itamaraty, ao se confirmar a emergência da irracionalidade oficial, em grande medida identificada com o espectro do globalismo maléfico aos interesses nacionais, ao que respondi com o meu “manifesto globalista”. Como se acentuassem os comportamentos mais esquizofrênicos do chanceler acidental, manifestamente submisso a chefes notoriamente ineptos na condução das relações exteriores do país, empreendi pouco depois o terceiro volume do ciclo, Uma certa ideia do Itamaraty (2020), já focado num trabalho de reconstrução da política externa e de restauração da diplomacia profissional.
Informo agora que, paralelamente a essa exposição pública – de certo modo inédita nos anais de nossa diplomacia sempre tão bem comportada –, tomei a iniciativa de empreender um exercício de consulta, que conduzi de modo bastante discreto junto a colegas de carreira, tendente a constituir as bases de um planejamento para uma diplomacia pós-bolsonarista. Não logrando, contudo, obter as reações esperadas, dei por encerrado esse exercício pouco tempo depois, com apenas algumas contribuições recebidas. É verdade que já estávamos em meio à pandemia da Covid-19, quando o ritmo normal de trabalho ficou bastante alterado, tanto na Secretaria de Estado, quanto nos postos no exterior e toda a Casa se movimentava para, no contexto de fechamento de voos e aeroportos, trazer de volta ao Brasil milhares de turistas brasileiros espalhados nos quatro cantos do mundo.
Todos esses livros, assim como o quinto (em fase de preparação para publicação), têm seus sumários reproduzidos num dos apêndices da presente obra, e estão relativamente acessíveis aos interessados em plataformas de interação acadêmica ou no formato Kindle; a lista quase completa de meus livros figura num outro apêndice, assim como várias dezenas de ensaios, notas e artigos encontram-se livremente disponíveis em minhas ferramentas de comunicação social. Este é, portanto, o “último” livro de um ciclo que não deveria – salvo desastre maior – ter continuidade em meu planejamento normal de trabalhos, com diversos outros projetos parados em meu pipeline de contínua produção intelectual. Devo agora uma explicação para a mudança do título originalmente concebido – O Itamaraty sob ataque –, que já tinha sido anunciado nessas redes de comunicação social. Meu colega e amigo, Miguel Gustavo de Paiva Torres, de quem pude examinar sua tese do Curso de Altos Estudos do Instituto Rio Branco sobre o chanceler do Império Paulino José Soares de Souza quando ele era conselheiro candidato à promoção a ministro de segunda classe da carreira, foi quem fez a sugestão, ao ler o sumário previamente anunciado numa de minhas postagens. Ele escreveu-me o seguinte:
Sobre o seu novo livro trago sugestão para sua avaliação: Itamaraty Sequestrado. Vejo a situação mais como a de um sequestro político da Casa do que propriamente um ataque.
Agradeci, portanto, ao Miguel Gustavo, passando a adotar a sua sugestão, o que lhe dá direito, senão ao copyright do título, pelo menos a moral rights em relação a um conceito que efetivamente identifica o estado de submissão a que foi submetido o Itamaraty nos dois anos e meio que precederam ao mês de abril de 2021. Com efeito, o que ocorreu no Brasil, e para a sua diplomacia profissional, entre o final de 2018 e o início de 2021, não encontra precedentes em nossa história bissecular, e espera-se que não deixe um legado ou alguma semente contaminada pelas distorções registradas nesse insólito período. Aproveito para informar que a tese de CAE de Miguel Gustavo, intitulada O Visconde do Uruguai e sua atuação diplomática para a consolidação da política externa do Império, foi publicada em 2011, com um belo prefácio do grande mestre Antonio Paim, pela Fundação Alexandre de Gusmão, encontrando-se disponível na biblioteca digital da Funag.
Assim, salvo “necessidades” de alguma outra oportunidade de “combate político”, pretendo doravante dedicar-me a trabalhos mais consistentes no plano conceitual, deixando de lado estes escritos que só emergiram em face de desafios inéditos em nossa trajetória diplomática. Este trabalho de resistência intelectual ao “sequestro” operado contra o Itamaraty, e ao próprio Brasil, não foi isento de custos pessoais e funcionais, como sabem todos aqueles que acompanham minha produção intelectual e o meu mais recente ativismo (involuntário) nas redes de comunicação social, sempre com o objetivo de reagir aos despautérios e loucuras dos “novos bárbaros”. Coloquei essa missão de combate aos aloprados da “bolsodiplomacia” acima de meus interesses pessoais, pois que ainda me encontro no serviço ativo, embora sem qualquer função útil na instituição que é a minha desde o período final do regime militar.
Tal situação não é inédita, pois tenho certa experiência em ostracismos e estágios no limbo. Meu primeiro exílio, voluntário, ocorreu justamente durante a ditadura militar, quando completei minha formação acadêmica durante os anos de estudo intenso em universidades europeias. Depois, já na carreira, enfrentei algumas tribulações, pelo fato de nunca eximir de expressar meu pensamento, seja por escrito, seja diretamente em situações de processo decisório no desempenho de funções diplomáticas; mais impactante foi a longa “travessia no deserto” durante o período do lulopetismo diplomático, com o qual eu também mantinha minhas diferenças de visão diplomática e de prioridades na política externa.
Aproveitei aquele período para escrever alguns livros, a partir do bom ambiente de estudos e pesquisas da biblioteca do Itamaraty, o que nada mais era do que a continuidade da prática de frequentar bibliotecas, livrarias e arquivos, que sempre mantive nos mais diferentes países e universidades. É o que eu estaria fazendo atualmente, não fosse a quarentena forçada da pandemia, o que aliás me levou a um acréscimo de produtividade no trabalho intelectual, tanto pelo maior tempo disponível para leituras e escritos, como em virtude da disseminação quase alucinantes das interações pelas vias das ferramentas de comunicação social, que multiplicaram extraordinariamente os apelos e incentivos a debates virtuais. Tais novas “metodologias” de comunicação vieram para ficar, mesmo depois de passada a pandemia.
Ao retornar a meus trabalhos de pesquisa histórica e de reflexão comparativa sobre o processo de desenvolvimento brasileira no contexto mundial, ressalto que estarei sempre atento às “surpresas” – de qualquer tipo – que surgirem na frente da diplomacia brasileira e de sua política externa, assim como totalmente disponível para missões temporárias ou designações formais para as quais possa ser indicado. Tendo passado quatro décadas de minha vida no acompanhamento ativo de nossas relações internacionais, tanto no plano do estudo como no terreno prático, tenho prevista a elaboração de mais algumas obras com certo sentido de permanência. Não é certamente o caso desta aqui, ou das demais deste ciclo, que responderam apenas a um desafio da conjuntura. A bem refletir, porém, uma reflexão ponderada sobre “sobressaltos” institucionais, terremotos políticos ou bizarrices eventuais, como os que enfrentamos na presente fase, sempre oferecerá matéria prima para mais alguma obra inserida em nossa trajetória histórica, ainda que o desejo de todos nós é o de que, assim como o experimento do bolsolavismo diplomático não encontra precedentes nesse itinerário, ele não tenha sucedâneos no futuro previsível.
Com isso, dou por temporariamente encerrado este ciclo de esgrima intelectual contra a malta dos “novos bárbaros”, prontificando-me a voltar sempre quando novos desafios surgirem no horizonte das possibilidades políticas de um país em franco processo de transição para novas configurações institucionais. Vale!
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 9 de maio de 2021