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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

quinta-feira, 21 de outubro de 2021

Ex-chanceler e ex-presidente da Funag indiciados por CRIMES? Inédito na história do Itamaraty

Um chanceler criminoso? Du jamais vu...

Um presidente da Funag reles contraventor da lei? Incroyable!

 De memória de homem, e de acordo com os anais da diplomacia brasileira, não se tem notícia de que um chanceler (ainda que ex) e um presidente da Funag (também já substituído) tenham sido, no passado recente ou nos registros remotos, indiciados por CRIMES COMETIDOS no exercício das funções.

É o que se pode ler no Relatório da CPI da Pandemia, um detalhado documento que transcreve as oitivas e as ações (e sobretudo omissões) de cada um no trato da pandemia, no contexto da qual ambos seguiram fielmente as recomendações, diretivas, ordens e loucuras daquele que passa por dirigente nacional, assim como seus respectivos chefes (informais) no Gabinete do Ódio ou entre os círculos íntimos do primeiro.

Paulo Roberto de Almeida

RELATÓRIO PRELIMINAR DA CPI DA PANDEMIA, EM 17/10/2021

Disponível na plataforma Academia.edu, neste link: 

https://www.academia.edu/59148514/Relatorio_Preliminar_da_CPI_da_Pandemia_em_17_10_2021

ou aqui: 

https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida/Varia


Transcrevo as partes pertinentes, relativas ao ex-chanceler acidental e seu fiel escudeiro capacho, ex-presidente da Funag: 

p. 65, notas 32, 33 e 34: 

32. Depoimento à CPI do senhor Ernesto Araújo no dia 18 de maio de 2021. 

33. Na avaliação da documentação enviada à CPI, observou-se que, em nosso entendimento, dificilmente – salvo alguns pouquíssimos casos, não seria necessário o estabelecimento de sigilo para a documentação. Além disso, organizações da sociedade civil obtiveram vários desses documentos por meio da LAI -Lei de Acesso à

Informação – e os tornaram públicos por meio de seus sítios eletrônicos na Internet.

34 A agência de notícias tornou disponíveis os documentos que lhe foram enviados pelo Ministério das Relações Exteriores:  https://drive.google.com/drive/folders/16YkCA-bsu8PcDTUOJDLronL_S75-J2Ww Acesso 21 Ago 2021. 


p. 233, sobre cobertura da vacinação:

 

Conforme documentação obtida pela CPI, o Ministro Ernesto Araújo encaminhou comunicação à Covax Facility, em 31 de agosto, último dia do prazo para adesão, optando pelo modelo de Optional Purchase (que permite recusar qualquer vacina oferecida enquanto mantém a possibilidade de cobrir a porcentagem de doses escolhidas) com cobertura de 20% da população, padrão proposto pela Gavi, que coordena o consórcio junto com a OMS.


p. 613 do Relatório preliminar: 

Em seguida, está o núcleo que oferece suporte político às decisões da organização [formada pelo Gabinete do Ódio]. Ele é formado essencialmente por parlamentares, políticos, autoridades ú.blicas e religiosas. Nele, estão incluídos os Deputados Federais Ricardo Barros, Osmar Terra, Carlos Jordy, Carla Zambelli, Bia Kicis, Silas Malafaia, Carlos Wizard, o ex-ministro Ernesto Araújo, Roberto Goidanich (ex-presidente da FUNAG), o ex-deputado Roberto Jefferson e o ministro Onyx Lorenzoni. Eles incentivaram as pessoas ao descumprimento das normas sanitárias impostas para conter a pandemia e adotaram condutas de incitação ao crime. Os detalhes das postagens de cada um estão devidamente demonstrados no item 9.5.3.


p. 624, sobre as ações conduzidas pelos personagens: 


Citamos o caso ocorrido na Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG). Trata-se de uma entidade da administração pública, subordinada ao Ministério das Relações Exteriores. Conduzida por seu presidente Roberto Goidanich, que agia sob o comando do então Chanceler Ernesto Araújo, a fundação promoveu eventos, palestras e lives com palestrantes negacionistas, incluindo os filhos do Presidente da República. O teor das palestras eram em sua maioria contra as medidas sanitárias de contenção da pandemia e vacinas.


p. 625-26, sobre essas ações: 


Dessa forma, a FUNAG, sob comando de Roberto Goidanich do seu chefe, ministro Ernesto Araújo, utilizaram a estrutura pública para propagar teorias e incentivar o descumprimento das normas sanitárias

durante a pandemia.


p. 721-22, dentro do

Capítulo:  9. DESINFORMAÇÃO NA PANDEMIA (FAKE NEWS)

Seção: 9.4 MODO DE AGIR


- Ernesto Araújo

Ex-chanceler do governo Bolsonaro, durante a pandemia além de atuar diretamente na compra de insumos para vacinas, aparece como responsável na troca de telegramas para garantir a fabricação e disseminação do tratamento precoce, através da cloroquina. Em suas redes sociais, chegou a chamar o coronavírus de Comunavírus, e foi acusado pelo Ministro Gilmar Mendes, do STF, de divulgar fake news em suas redes sociais. Recentemente, postou em seu Twitter que passaria a ingressar o quadro de colunistas do Terça-Livre, com textos semanais.

Ernesto era o ministro de Relações Exteriores durante o período em que a Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG) promoveu seminários e palestras com negacionistas e influenciadores bolsonaristas para atacar medidas de contenção da pandemia.


22/04/2020 – Em postagem em sua rede social chama o Coronavírus e Comunavírus.



06/12/2020 – Em sua rede social fez uma postagem sobre uma teoria da conspiração que diz que a pandemia do novo coronavírus teve origem em um complô das elites com o objetivo de controlar as massas.


04/10/2021 – Anuncia em rede social entrevista que deu ao Terça Livre sobre cenário na pandemia e que passaria escrever artigos semanais para o site.





p. 723, para o ex-presidente da Funag: 


- Roberto Goidanich

Durante o período da pandemia esteve como presidente da Fundação Alexandre de Gusmão – FUNAG, e realizou eventos e palestras negacionistas, inclusive como palestrante. Com ele, a fundação se tornou um dos principais canais de divulgação de teses contrárias às medidas sanitárias adotadas ao longo da pandemia.


01/05/2020 – Postagem realizada nesta data mostra a divulgação do evento no perfil oficial da FUNAG, que também realizava a transmissão ao vivo.




Disponível em: https://twitter.com/FUNAGbrasil/status/1256211263157305348?s=20


p. 990-91, 

Capítulo: 13. INDICIAMENTOS

seção: 13.6 DO CRIME DE EPIDEMIA


Pelas mesmas razões, Mayra Pinheiro, por sua atuação na crise de Manaus, que concorreu para agravar o resultado, e o ex-Chanceler, Ernesto Araújo, que pela aposta em medicamentos, como a cloroquina e hidroxicloroquina, e pela falta de proporção e rigor técnico entre a busca de medicamentos no mercado internacional e pela campanha de desinformação institucional, via Fundação Alexandre de Gusmão, que, sob seu comando, promoveu eventos, palestras e lives com palestrantes negacionistas, incluindo os filhos do Presidente da República, também concorreu, pela imperícia e imprudência, para agravar o resultado da epidemia entre nós.


p. 1007, 

Capítulo: 13. INDICIAMENTOS

seção: 13.10 Da incitação ao crime


Nesse cenário de disseminação de comunicações enganosas, identificou-se a participação do presidente Jair Messias Bolsonaro, ... (...)

Como partícipes desse delito, ainda devem ser incluídos o exministro Ernesto Araújo e o ex-presidente da FUNAG, Roberto Goidanich. Essas condutas configuram a prática do crime de incitação ao crime, previsto no art. 286 do Código Penal.


p. 1058, 13.28 Resumo dos indiciamentos


5) ERNESTO HENRIQUE FRAGA ARAÚJO – Ex-ministro das Relações Exteriores - art. 267, p. 2. (epidemia culposa com resultado morte) e art. 286 (incitação ao crime), combinado com art. 29; todos do Código Penal;


p. 1069-70, continuidade:

14. ENCAMINHAMENTOS

Em relação aos crimes mencionados no item anterior, deverão ser encaminhadas, sem prejuízo de eventuais conexões processuais:

(...)

v) aos Ministérios Públicos estaduais, com competência para atuar na primeira instância da Justiça Comum, e à Secretaria de Segurança Pública dos Estados, para o encaminhamento à delegacia de polícia com competência para a investigação, observando-se o local em que foi cometido o crime ou, não podendo esse ser identificado, o foro do domicílio ou da residência do investigado, cópias do presente relatório e dos documentos e oitivas relacionados aos fatos praticados por (...) por Ernesto Henrique Fraga Araújo; (...); Roberto Goidanich;...


p. 1168, no último capítulo

16. CONCLUSÕES:

(...)

Restou claro, nas sucessivas comunicações diplomáticas a que teve acesso a CPI, o erro de estratégia cometido pela gestão de Pazuello e de Ernesto Araújo (falta de prioridade dada para a vacinação e a aposta em medicamentos, como a cloroquina e hidroxicloroquina), o que contrasta com a postura quase desesperada em 2021 da nova gestão Queiroga e Carlos Alberto França, dada a segunda onda e o aumento de casos e mortes, em busca de vacinas e insumos para produção de vacinas, assim como o pedido de aumento da cobertura populacional na Covax Facility. 

(...)

quarta-feira, 20 de outubro de 2021

CPI da Pandemia: o relatório e o indiciamento por crimes (versão preliminar, contendo debate sobre o tema do genocídio)

CPI da Covid realiza leitura do relatório final 

Relator da CPI, senador Renan Calheiros, realiza a leitura do parecer final mais atualizado:

bit.ly/3DWCN9k

CPI: Renan pede indiciamento de 66 pessoas.

CRIMES NO ATACADO:

Por Erika Hilton:

1️⃣ - JAIR BOLSONARO indiciado por:

- Epidemia com resultado de morte

- Infração a medidas sanitárias preventivas

- Incitação ao crime

- Falsificação de documento particular

- Prevaricação

- Crime contra a humanidade

- Crime de responsabilidade

2️⃣ - CARLOS BOLSONARO e EDUARDO BOLSONARO indiciados por

- Incitação ao crime

3️⃣ FLÁVIO BOLSONARO indiciado por

- Incitação ao crime

- Improbidade administrativa

4️⃣ - MARCELO QUEIROGA indiciado por

- Epidemia culposa com resultado de morte

- Prevaricação

5️⃣ - EDUARDO PAZUELLO indiciado por

- Crime contra a humanidade na modalidade de extermínio

- Epidemia com resultado de morte

- Emprego irregular de verbas públicas

- Prevaricação

- Comunicação falsa de crime

6️⃣ - RICARDO BARROS indiciado por

- Incitação ao crime

- Formação de organização criminosa

- Improbidade Administrativa

- Advocacia administrativa

7️⃣ - ERNESTO ARAÚJO indiciado pro

- Epidemia culposa com resultado de morte 

- Incitação ao crime

8️⃣ - CARLA ZAMBELLI, BIA KICIS e LUCIANO HANG indiciados por

- Incitação ao crime, disseminação de fake news.

9️⃣ - OSMAR TERRA 

- Epidemia culposa com resultado de morte

🔟 - MAURO LUIZ DE BRITO RIBEIRO, presidente do CFM, indiciado por

- Epidemia culposa com resultado de morte

1️⃣1️⃣ - - ESCÂNDALO DA COVAXIN

Roberto Ferreira Dias, Coronel Élcio Franco, Luiz Dominguetti, Coronel Marcelo Blanco e Pastor Odilon serão indiciados por negociar e propor compra de vacinas com propina nos crimes de Corrupção passiva e ativa e outros crimes. 

1️⃣2️⃣ - PREVENT SENIOR 

Os donos da Prevent Senior, Eduardo Parrillo e Fernando Parrillo, serão indiciados por:

- Crime contra a humanidade

- Perigo para a vida e a saúde de outrem

- falsidade ideológica

- Omissão de notificação da doença

- Incitação ao crime

🔟 - MAURO LUIZ DE BRITO RIBEIRO, presidente do CFM, indiciado por

- Epidemia culposa com resultado de morte

Esta foi uma das CPI's mais importantes da história e ainda vamos levar tempo para digerir e responsabilizar todos os envolvidos nessa gestão criminosa da pandemia. Devemos lutar pela memória e justiça para todas as vítimas desse governo negacionista! #CPIdaCovid

@ErikaHilton


RELATÓRIO PRELIMINAR DA CPI DA PANDEMIA, EM 17/10/2021

Disponível na plataforma Academia.edu, neste link: 

https://www.academia.edu/59148514/Relatorio_Preliminar_da_CPI_da_Pandemia_em_17_10_2021

ou aqui: 

https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida/Varia

(Mesmo que o GENOCÍDIO contra populações indígenas não tenha sido considerado crime imputável ao presidente, considero relevante ler o subcapítulo "13.26 DO GENOCÍDIO", por conter elementos relevantes para um debate sobre o tema)

MINUTA CONTENDO RESUMO DOS TRABALHOS DA CPI DA PANDEMIA ATÉ 17 DE OUTUBRO DE 2021

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 

2. ANTECEDENTES 

3. DO REQUERIMENTO DE INSTAURAÇÃO DA CPI. DO FATO DETERMINADO. DO OBJETO

DA CPI 

3.1 INSTAURAÇÃO 

3.2 COMPOSIÇÃO 

3.3 OBJETIVOS 

4. PLANO DE TRABALHO 

5. DESENVOLVIMENTO DOS TRABALHOS DA COMISSÃO 

6. ANÁLISE 

6.1 GABINETE PARALELO 

6.2 IMUNIDADE DE REBANHO 

6.3 TRATAMENTO PRECOCE 

6.3.1 A VALIDADE CIENTÍFICA DO TRATAMENTO PRECOCE E MEDICAMENTOS RATIFICADOS PELAS AUTORIDADES SANITÁRIAS BRASILEIRAS 

6.3.2 O USO POLÍTICO E RAZÕES DA INSISTÊNCIA NO TRATAMENTO PRECOCE 

6.3.3 O PAPEL DO MINISTÉRIO DA SAÚDE 

6.3.3.1 Depoimento do ex-Ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta 

6.3.3.2 Depoimento do ex-Ministro da Saúde Nelson Teich 

6.3.3.3 Depoimento do ex-Ministro da Saúde Eduardo Pazuello 

6.3.3.4 Depoimento do Ministro da Saúde Marcelo Queiroga 

6.3.4 TRATECOV 

6.3.5 PRODUÇÃO DE FÁRMACOS: O PAPEL DO EXÉRCITO, FIOCRUZ E IMPORTAÇÕES 

6.3.6 O PAPEL DA INDÚSTRIA FARMACÊUTICA 

6.3.7 O PAPEL DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA 

6.3.8 OUTROS ATORES: O PAPEL DOS INFLUENCIADORES DIGITAIS E DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA 127

6.3.8.1 O papel dos influenciadores digitais 

6.3.8.2 O papel do CFM 

6.3.9 GASTOS DO GOVERNO COM OS MEDICAMENTOS DO “KIT-COVID” 

6.3.10 CONCLUSÕES PARCIAIS A RESPEITO DO TRATAMENTO PRECOCE 

6.4 OPOSIÇÃO ÀS MEDIDAS NÃO FARMACOLÓGICAS 

6.5. A FALSA ALEGAÇÃO DE SUPERNOTIFICAÇÃO POR COVID-19 

6.6 RECUSA E ATRASO NA AQUISIÇÃO DAS VACINAS 

6.6.1 DEPOIMENTO DO EX-MINISTRO DA SAÚDE EDUARDO PAZUELLO 

6.6.2 DEPOIMENTO DO EX-SECRETÁRIO EXECUTIVO ANTÔNIO ÉLCIO FRANCO FILHO 

6.6.3 DOCUMENTAÇÃO E OUTROS ELEMENTOS PROBATÓRIOS 

6.6.3.1 Pfizer 

6.6.3.2 Sinovac/Butantan 

6.6.3.3 Moderna e Janssen 

6.6.3.4 Covaxin 

6.6.3.5 Covax Facility 


(...)


6.7. CRISE DO ESTADO DO AMAZONAS E A FALTA DE COORDENAÇÃO DO GOVERNO FEDERAL

6.7.7 A RESPONSABILIDADE DO GOVERNO DO AMAZONAS POR ATOS RELACIONADOS AO ENFRENTAMENTO

DA PANDEMIA 

6.8 O CASO COVAXIN

6.9. HOSPITAIS FEDERAIS DO RIO DE JANEIRO 

6.10 CASO VTC OPERADORA LOGÍSTICA LTDA - VTCLOG 

6.11 ANÁLISE ORÇAMENTÁRIA DA PANDEMIA NO BRASIL 

7. INDÍGENAS 

8. IMPACTOS DA PANDEMIA SOBRE AS MULHERES, A POPULAÇÃO NEGRA E OS QUILOMBOLAS

9. DESINFORMAÇÃO NA PANDEMIA (FAKE NEWS)

10. PREVENT SENIOR

11. ASPECTOS LEGAIS E JURÍDICOS

12. DOS CRIMES

13. INDICIAMENTOS

13.26 DO GENOCÍDIO

14. ENCAMINHAMENTOS

15. PROPOSIÇÕES LEGISLATIVAS E RECOMENDAÇÕES

15.4 PROPOSIÇÕES LEGISLATIVAS DE AUTORIA DA CPI , p. 1078

16. CONCLUSÕES, p. 1161


terça-feira, 19 de outubro de 2021

Mini-macro história sobre o país que um dia foi do futuro - Paulo Roberto de Almeida

Mini-macro história sobre o país que um dia foi do futuro 

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

  

Considerações feitas a alguém que me perguntava sobre coisas quase impossíveis, ou pelo menos improváveis. Teremos condições de superar nossas principais mazelas em tempo razoável, saberemos consertar nossos “malfeitos” em pouco tempo? 

Não seria esperar muito das nossas elites? Afinal de contas, elas demoraram meio século para extinguir o tráfico, esperaram quase mais quarenta anos para abolir a escravidão, nunca fizeram reforma agrária, só concederam direitos laborais pelas mãos de um ditador fascista, construíram tardiamente uma escola republicana, que logo veio abaixo na primeira pressão exercida pela urbanização e democratização do acesso aos mais pobres, jamais se ocuparam de eliminar, ou ao menos minimizar o patrimonialismo do estamento burocrático e dos políticos profissionais, sequer nos ocupamos seriamente de combater a corrupção e quando alguns tentaram foram prontamente escorraçadas pela cooperação mafiosa de bandidos de colarinho branco com “adevogados” de porta de cadeia regiamente pagos com o próprio dinheiro da corrupção, temos quase todo o know-how da corrupção bem azeitada, só faltando alguns aperfeiçoamentos para chegarmos no “ótimo paretiano” da cleptocracia científica, digna das melhores teses de candidatos a Ph.D. em ciência política, temos farto material disponível para romancistas iniciantes em busca de inspiração para obras no realismo fantástico, gênero Law & Order, enfim, somos quase campeões, medalhas de ouro nas Olimpíadas do Crime. 

Tudo isso em menos de 200 anos de vida independente: já não é uma “boa” performance? 

Poucos países fizeram como o Brasil no domínio da história monetária mundial: pelo menos oito moedas no espaço de três gerações, sendo seis novos padrões monetários em menos de dez anos, inflação astronômica, com números equivalentes a anos-luz de deterioração do poder de compra da moeda corrente. 

Não, o Brasil definitivamente não é para amadores: nem os brasilianistas mais experientes conseguem explicar tudo isso para seus conterrâneos. Vamos precisar de todo um exército de sociólogos experimentados, e não tenho certeza de que eles dariam conta de nossa prolixidade na arte de não perder a oportunidade de perder oportunidades, como diria o saudoso Roberto Campos. 

Somos realmente fantásticos, com toda a non chalance dos grandes desfiles de Carnaval, que enchem os olhos de admiração dos turistas, ao ver como fazemos o máximo de brilho a partir de tanta miséria humana e desagregação moral.

Sorry pela breve síntese de nossos fracassos…

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4000: 19 outubro 2021, 2 p.


Bolsonaro, o monstro do presente - Dorrit Harazim

domingo, 17 de outubro de 2021

Dorrit Harazim - Delinquente em série

O Globo

Dias atrás, o New York Times presenteou seus leitores com a história do cidadão espanhol Martín Zamora e de seu novo modelo de negócio. Proprietário de uma funerária na cidade portuária de Algeciras, de onde se avista o Marrocos, logo ali na ponta africana do Mediterrâneo, Zamora tornou-se catador e repatriador de cadáveres. Seus cadáveres são de migrantes anônimos que morrem afogados ao tentar a travessia, flutuam à deriva por semanas antes de aportar na costa espanhola e permanecem por meses no necrotério local por falta de quem os procure. Acabam enterrados em vala comum, sem identificação. Segundo a ONG Caminando Fronteras/Walking Borders, que desde 2002 atua nessa necrofronteira, 2.087desses seres humanos em busca de vida morreram ou sumiram naquelas águas.

O cidadão Zamora ampliou seu negócio funerário abrindo uma frente detetivesca. Com autorização das autoridades locais e gratidão do imã de Algeciras, ele persegue pistas ínfimas para devolver nome e identidade aos mortos. Um amarfanhado pedaço de papel encontrado em algum bolso pode conter um número de telefone quase apagado e abrir um leque de buscas; a logomarca fabril na roupa esgarçada de outro cadáver pode ser fotografada e divulgada nas redes sociais, como garrafa jogada ao mar. Quando o corpo está irreconhecível, um sapato, uma aliança, uma camiseta podem servir de fio da meada, explica o espanhol.

Com que finalidade, tudo isso? Para ele tentar localizar algum parente do morto, em algum país do além-mar, e oferecer entregar o ente perdido em domicílio, com esmero e respeito. Zamora é um benemérito? Não, cobra US$ 3.500 para embalsamar e transladar. Nos últimos anos já identificou e repatriou mais de 800 mortos.

Zamora então é vil, como os coiotes argentários que abandonam suas vítimas? Nem um pouco, seu trabalho é honrado, e as famílias que podem pagar agradecem por poder encerrar de forma digna a incerteza do luto.

Na verdade, o cidadão Zamora pode ser descrito como testemunha consciente de seu tempo. Contou a Nicholas Casey, do Times, ter “a sensação de que dentro de alguns anos — 30, 40, 50 anos, não sei quantos —as gentes do futuro olharão para nós um pouco como monstros. Vão nos ver como monstros porque saberão que deixamos as pessoas morrerem deste jeito”.

Disse tudo, e vale como reflexão para esses dias de encerramento da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a Covid-19 no Senado. Não será preciso aguardar décadas para “gentes do futuro”, no Brasil, saberem que deixamos mais de 600 mil pessoas “morrerem deste jeito”. É esperado que a culpa dos principais responsáveis pela orfandade em massa nas famílias brasileiras esteja dissecada no relatório final prometido para terça-feira. As ignomínias, baixezas, pulhice e desdém para com a vida alheia estarão tipificados na forma de crimes penais e devem levar ao indiciamento de ao menos 40 pessoas, além do predador-chefe, Jair Bolsonaro.

A inação cúmplice por parte de entidades como o Conselho Federal de Medicina, a Agência Nacional de Saúde Suplementar, na figura de seu diretor-presidente Paulo Rebello Filho, os Ministérios Públicos e Legislativos estaduais, vários ministérios e secretarias coniventes, a deliberada experimentação com humanos da operadora Prevent Senior, médicos e servidores públicos corrompidos — todos, em conjunto, fizeram o Brasil sangrar. A extensão do material coletado vai muito além do que pôde ser compartilhado ao longo das arrastadas sessões do horror praticado, transmitidas ao vivo. Espera-se que o texto do relatório final seja cirúrgico, claro e sem rebusques verbais de indignação. O documento terá peso histórico para a República, para consulta das “gentes do futuro”.

Além disso, servirá como retrato parcial da Presidência de Jair Bolsonaro — o conjunto da obra de destruição do país pelo ex-capitão continua em aberto até 2022. Até porque trata-se de um delinquente em série, que se afirma na reincidência — seja na rejeição continuada e ostentatória da vacina contra a Covid-19, seja no descumprimento metódico de obrigações constitucionais. A forma por ele escolhida para governar não mudará: está assentada no irracionalismo, na idealização do conflito e da violência e no desprezo à livre circulação de ideias. Para quem, até agora, se considera apenas testemunha involuntária da delinquência bolsonarista, vale lembrar o espanhol Zamora: o que fazer para também não sermos considerados monstros no futuro?

Sobre a tecnologia, ou know-how, da corrupção política - Paulo Roberto de Almeida

Sobre a tecnologia, ou know-how, da corrupção política

  

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

  

Bandidos políticos comuns, ou “normais”, roubam nas margens: pequenas emendas paroquiais, ONGs familiares, compras superfaturadas nos municípios, rachadinhas e notas falsas. 

Os companheiros começaram por aí, antes de ganhar desenvoltura em grandes estados ou o poder nacional: merenda escolar, transporte público, lixo urbano, orçamentos de pequenos municípios. Aprenderam, com seus colegas da máfia sindical e os guerrilheiros reciclados neobolcheviques e desenvolveram as técnicas da cleptocracia.

Colegas “inteligentes” em instituições da República sabem roubar grande: projetos de infraestrutura, grandes cargos em estatais e, sobretudo, o orçamento paralelo das grandes emendas.

Vamos aos exemplos: o psicopata perverso, por exemplo, é um desses ladrões medíocres: nenhum super capitalista se associou a ele para meter a mão grande; ficou nas rachadinhas e rachadonas (uma mansão de 6 milhões não se compra com contracheques) e botou um pé ou dois nos negócios das milícias e contrabandistas de armas.

O PT, por seu lado, organizou grandes assaltos ao Estado, à caverna de Ali Babá da vaca petrolífera, se meteu em grandes negociatas, inclusive internacionais, e está louco para voltar a fazer. Esqueceu de tomar lições de cleptocracia com gente especializada (do antigo KGB, por exemplo) e por isso escorregou no tratamento com pequenos larápios (os mestres costumam eliminar esses chatos).

Já Eduardo Cunha valia, sozinho, meio PT, roubou como um paxá ou um pro-cônsul romano na Gália e deixou uma super herança maldita: as emendas obrigatórias, que depois derivaram para o orçamento secreto, a forma legal de roubar grande, ao lado dos fundos Partidário e Eleitoral.

Mais um pouco o Brasil vai entrar no Guiness da corrupção política, e certos politicos poderão escrever manuais do tipo: The Idiot’s Guide to Steal BigHow to Build your own Kleptocracy, ou Tudo o que você sempre quis saber sobre a corrupção política e não tinha a quem perguntar (editoras não faltarão, mas os livros logo serão pirateados pelos colegas da primeira categoria). 

A corrupção política tem um passado respeitável no Brasil, um presente magnífico e um futuro brilhante!

Não acreditam?

Gente de pouca fé!

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 3999: 18 outubro 2021, 2 p.

 

 

 

segunda-feira, 18 de outubro de 2021

O povo brasileiro é idiota? - Mario Sabino, Carlos Pozzobon, Paulo Roberto de Almeida

 Mario Sabino disse aquilo que muitos intelectuais, de esquerda e direita, muitos jornalistas e personalidades “de bem”, pensam, mas não ousam proclamar abertamente: a maioria do povo, os brasileiros em geral, sobretudo as chamadas “classes subalternas” são IDIOTAS , ou otários, e se deixam enganar pelos piores demagogos, de todas as tendências, sobretudo os mais desonestos, como são Lula e Bozo, este um idiota e ignorante boçal ele mesmo, só inteligente para roubo do baixo clero.

Paulo Roberto de Almeida 

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Antigamente se dizia que a nossa estupidez era originada da escravidão. A escravidão se foi e a estupidez continua. Na minha opinião, a questão vai além de tudo o que se conhece pela pena dos sociólogos do Brasil. O assunto é tão vasto que só podemos aplicar o remédio em gotas diárias, como muita gente boa vem fazendo aqui.

Carlos Pozzobon

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Somos uma nação de gente estúpida

Mario Sabino 

Uma pesquisa telefônica do Centro Integrado de Pesquisa e Comunicação (Cipec), feita na semana passada, perguntou aos entrevistados quem era o mais honesto: se Lula, Jair Bolsonaro ou Sergio Moro (foto). Quase 50% dos entrevistados (49,4%) responderam que era Lula; 26,4% disseram que era Jair Bolsonaro; 24,2% afirmaram que era Sergio Moro. Uma pesquisa divulgada dias antes pela Qaest chegou ao mesmo ranqueamento, ao indagar quem era o melhor candidato para combater a corrupção. Entre os três possíveis candidatos para 2022, o petista é apontado como o mais adequado por 28% dos entrevistados e Jair Bolsonaro por 24%. Sergio Moro vem em último lugar, com 14%.

Analistas de pesquisas são obrigados a tentar encontrar alguma lógica em respostas ilógicas. No caso da pesquisa do Cipec, a explicação foi que o resultado espelha a intenção de voto em Lula e Jair Bolsonaro nos cenários de primeiro turno e que os 24,2% de Moro “refletem, em certa medida, o espaço mínimo no cenário atual para uma candidatura nem Lula nem Bolsonaro”. Também é possível pensar que duas mentiras sobre Sergio Moro colaram: a de que ele foi parcial ao condenar Lula, o injustiçado que encontrou a redenção no Supremo Tribunal Federal, e a de que “traiu” Jair Bolsonaro, ao sair do governo por causa da politização da Polícia Federal. Afinal de contas, as máquinas petista e bolsonarista de propaganda são poderosas e sem freios.

Não vou, porém, tentar achar lógica em respostas ilógicas. Como tenho o estranho hábito de dizer o que penso, apresento o meu resumo da ópera-bufa: boa parte dos brasileiros é simplesmente otária. Seja por ignorância, miséria material, crenças sebastianistas ou qualquer outra explicação sociológica, o fato é este — somos uma nação de gente estúpida, que cai em qualquer conversa de qualquer malandro.

Só a estupidez explica que tamanha quantidade de gente possa achar que Lula e Jair Bolsonaro são mais honestos do que Sergio Moro. A organização comandada pelo primeiro saqueou a Petrobras e adjacências, em bilhões de reais, depois de protagonizar a vergonha do mensalão, no qual dinheiro público era usado pelo governo do PT, essa coisa linda, para comprar votos no parlamento. A família do segundo foi financiada por rachadinhas em gabinetes legislativos e, agora, dedica-se a explorar outras possibilidades rastaqueras. Quanto a Sergio Moro, até onde se sabe, o seu patrimônio é compatível com os salários que recebeu como juiz e ministro. Hoje, muito possivelmente, ele tem rendimentos maiores, como sócio-diretor de uma empresa de compliance, baseada nos Estados Unidos. Compliance: ou seja, o seu papel é ajudar a colocar empresas privadas nos trilhos, para que não cometam más práticas e possam ser acusadas de desonestas. Continua a trabalhar, portanto, em prol da transparência, assim como fez quando era magistrado e integrante do governo. Ninguém precisa ser apoiador de Sergio Moro para constatar o fato.

Os brasileiros achamos que somos muito espertos, mas, na verdade, somos terrivelmente idiotas — idiotia atávica e cultivada com meticulosidade por governos, escolas, artistas, intelectuais, igrejas, emissoras e jornais, e é por esse motivo que estamos entregues a essa malta política. De vez em quando, somos assaltados pela lucidez, mas ela não demora a sumir no nosso nevoeiro mental. O que gostamos mesmo é de chorar na televisão, e certamente a resiliência na revolta e nas cobranças por justiça (a verdadeira, não a da jurisprudência de ocasião) não está entre as nossas qualidades, se é que temos alguma. É falso que abolimos o escândalo, como anda sendo dito, diante da nossa passividade. Nunca nos indignamos realmente com nada. Estúpidos.

Lula e Bolsonaro são mais honestos do que Sergio Moro: francamente, é de perder as estribeiras.

Mario Sabino


Apogeu e Demolição da Política Externa: finalmente chegou-me o livro, e um poster - Paulo Roberto de Almeida

 Recebi nesta segunda-feira, caixa da Editora Appris com exemplares do meu livro, ademais de um poster para eventual lançamento presencial, ou até virtual. Ainda não organizei nada, mas permit-me relembrar que o sumário e apresentação estão neste link do meu blog: 

https://diplomatizzando.blogspot.com/2021/06/apogeu-e-demolicao-da-politica-externa_18.html




domingo, 17 de outubro de 2021

América Latina na era do fascismo, por António Costa Pinto (Kindle)

América Latina na era do fascismo 

por António Costa Pinto (Author)

(Mundo Contemporâneo) (Portuguese Edition) eBook Kindle

Edição Português   Formato: eBook Kindle 


 Este livro revisita o estudo das alternativas autoritárias à democracia liberal na América Latina na década de 1930, a partir da perspetiva da difusão do corporativismo no mundo das ditaduras de entreguerras e entre as elites autoritárias. Adotando um modelo transnacional e comparativo, procura responder às seguintes questões: o que impulsionou a propagação do corporativismo na América Latina? Quais processos de difusão transnacional foram postos em marcha? Como o corporativismo social e político se tornou um conjunto de instituições criadas pelas ditaduras dos anos 1930? Em que tipo de conjunturas críticas foram elas adotadas? É relevante observar que as inter-relações transnacionais entre ditaduras e ideologias corporativas geraram um amplo campo de circulação das ideias e práticas, que configuraram a experiência das ditaduras de entreguerras a uma escala maior do que anteriormente se presumia.

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Paulo Roberto de Almeida


As provas contra Lula: 3 mil evidências, 13 casos e R$ 80 milhões em propina - Diego Escosteguy (Revista Época)

As provas são robustas e contundentes. Será um escárnio se o chefão mafioso for eleito novamente para presidente do Brasil.

Paulo Roberto de Almeida


POLÍTICA

As provas contra Lula: 3 mil evidências, 13 casos e R$ 80 milhões em propina

As investigações apontam pagamentos em dinheiro, depósitos bancários e imóveis – para o ex-presidente e para parentes

 DIEGO ESCOSTEGUY

Revista Época, 05/05/2017

No fim da tarde de uma segunda-feira recente, o ex-­presidente Luiz Inácio Lula da Silva subiu ao palco de um evento organizado pelo PT em Brasília. Empunhou sua melhor arma: o microfone. Aos profissionais da imprensa que cobriam o evento, um seminário para discutir os rumos da economia brasileira, o ex-presidente dispensou uma ironia: “Essa imprensa tão democrática, que me trata maravilhosamente bem e, por isso, eu os amo, de coração”. Lula estava a fim de debochar. Não demorou para começar a troça sobre os cinco processos criminais a que responde na Justiça. Disse que há três anos ouve acusações sem o direito de se defender, como se não tivesse advogados. “Eu acho que está chegando a hora de parar com o falatório e mostrar prova. Eu acho que está chegando a hora em que a prova tem de aparecer em cima do papel”, disse, alterado. Lula repetia, mais uma vez, sua tática diante dos casos em que é réu: sempre negar e nunca se explicar. E prosseguiu: “Eu quero que eles mostrem R$ 1 numa conta minha fora desse país ou indevida. Não precisa falar que me deu 100 milhão, 500 milhão, 800 milhão... Prove um. Não estou pedindo dois. Um desvio de conduta quando eu era presidente ou depois da Presidência”. Encerrou o discurso aplaudido, aos gritos de “Brasil urgente, Lula presidente!”.

A alma mais honesta do Brasil, como o ex-presidente já se definiu, sem vestígio de fina ironia, talvez precise consultar seus advogados – ou seus processos. Há, sim, provas abundantes contra Lula, espalhadas em investigações que correm em Brasília e em Curitiba. Estão em processos no Supremo Tribunal Federal, em duas Varas da Justiça Federal em Brasília e na 13ª  Vara Federal em Curitiba, aos cuidados do juiz Sergio Moro. Envolvem uma ampla e formidável gama de crimes: corrupção, lavagem de dinheiro, organização criminosa, crime contra a Administração Pública, fraude em licitações, cartel, tráfico de influência e obstrução da Justiça. O Ministério Público Federal, a Polícia Federal, além de órgãos como a Receita e o Tribunal de Contas da União, com a ajuda prestimosa de investigadores suíços e americanos, produziram, desde o começo da Lava Jato, terabytes de evidências que implicam direta e indiretamente Lula no cometimento de crimes graves. Não é fortuito que, mesmo antes da delação da Odebrecht, Lula já fosse réu em cinco processos – três em Brasília e dois em Curitiba. Também não é fortuito que os procuradores da força-tarefa da Lava Jato, após anos de investigação, acusem Lula de ser o “comandante máximo” da propinocracia que definiu os mandatos presidenciais do petista, desfalcando os cofres públicos em bilhões de reais e arruinando estatais, em especial a Petrobras.

A estratégia de Lula é clara e simples. Transformar processos jurídicos em campanhas políticas – e transformar procuradores, policiais e juízes em atores políticos desejosos de abater o maior líder popular do país. Lula não discute as provas, os fatos ou as questões jurídicas dos crimes que lhe são imputados. Discute narrativas e movimentos políticos. Nesta quarta-feira, dia 10, quando estiver diante de Moro pela primeira vez, depondo no processo em que é réu por corrupção e lavagem de dinheiro, acusado de receber propina da OAS por meio do tríplex em Guarujá, Lula tentará converter um ato processual (um depoimento) num ato político (um comício).

Se não conseguir desviar a atenção, saindo pela tangente política, Lula terá imensa dificuldade para lidar com as provas – sim, com elas. Nesses processos e em algumas investigações ainda iniciais, todos robustecidos pela recente delação da Odebrecht, existem, por baixo, cerca de 3 mil evidências contra Lula. Elas foram analisadas por ÉPOCA. Algumas provas são fracas – palavrórios, diria Lula. Mas a vasta maioria corrobora ou comprova os crimes imputados ao petista pelos procuradores. Dito de outro modo: existe “prova em cima de papel” à beça. Há, como o leitor pode imaginar, toda sorte de evidência: extratos bancários, documentos fiscais, comprovantes de pagamento no Brasil e no exterior, contratos fajutos, notas fiscais frias, e-mails, trocas de mensagens, planilhas, vídeos, fotos, registros de encontros clandestinos, depoimentos incriminadores da maioria dos empresários que pagavam Lula. E isso até o momento. As investigações prosseguem em variadas direções. Aguardem-se, apesar de alguns percalços, delações de homens próximos a Lula, como Antonio Palocci e Léo Pinheiro, da OAS. Renato Duque, ex-executivo da Petrobras, deu um depoimento na sexta-­feira, dia 5, em que afirma que Lula demonstrava conhecer profundamente os esquemas do petrolão. Existem outras colaborações decisivas em estágio inicial de negociação. Envolvem crimes no BNDES, na Sete Brasil e nos fundos de pensão. Haja prova em cima de papel.

Trata-se até agora de um conjunto probatório, como gostam de dizer os investigadores, para lá de formidável. Individualmente e isoladas, as provas podem – apenas – impressionar. Coletivamente, organizadas em função do que pretendem provar, são destruidoras; em alguns casos, aparentemente irrefutáveis. Nesses, podem ser suficientes para afastar qualquer dúvida razoável e, portanto, convencer juízes a condenar Lula por crimes cometidos, sempre se respeitando o direito ao contraditório e à ampla defesa – e ao direito a recorrer de possíveis condenações, como qualquer brasileiro. Não é possível saber o desfecho de nenhum desses processos.

Ainda assim, os milhares de fatos presentes neles, na forma de provas judiciais, revelam um Lula bem diferente daquele que encanta ao microfone. As provas jogam nova luz sobre a trajetória de Lula desde que assumiu o Planalto. Assoma um político que conheceu três momentos distintos. O primeiro momento deu-se como um presidente da República que decidiu testar os limites do fisiologismo e clientelismo da política brasileira. A partir de 2003, e com mais força em 2004, Lula começou a agir para beneficiar, em atos sucessivos, empreiteiras e grandes grupos empresariais, por meio de homens de confiança em postos-­chave no governo. Era, naquele momento, um político cujas campanhas e base aliada eram financiadas, comprovadamente, com dinheiro de propina desses mesmos empresários – entre outros. Era um político que caíra nas graças do cartel de empreiteiras que rapinava a Petrobras e comprava leis no Congresso.

O segundo momento sobreveio entre 2009 e 2010, conforme o tempo dele no poder se aproximava do fim – e, com Dilma Rousseff como sucessora, todos, em tese, continuariam a prosperar. Nesse ponto, assomou um político que, pelo que as provas e depoimentos indicam, passaria a viver às custas das propinas geradas pelo cartel que ajudara a criar. Entre 2009 e 2010, o cartel, em especial Odebrecht e OAS, passou a se movimentar para assegurar que Lula e sua família tivessem uma vida confortável. Faziam isso porque, como já explicaram, deviam propina ao ex-presidente e, não menos importante, pela expectativa de que ele usasse sua influência junto a Dilma Rousseff para manter o dinheiro do governo entrando nas empresas – como fez, de fato, em algumas ocasiões.

Nesse período de final de mandato, houve uma série de operações fraudulentas e clandestinas, comandadas pelo cartel, que resultaram na multiplicação do patrimônio de Lula. Usaram-se laranjas e intrincadas transações financeiras para esconder a origem do dinheiro dos novos bens do ex-presidente. Mas, hoje, esses estratagemas foram descobertos, com fartura de provas, pelos investigadores. Da Odebrecht, Lula ganhou o prédio para abrigar seu instituto, um apartamento em São Bernardo do Campo, onde mora até hoje, e a reforma de um sítio em Atibaia que, todas as provas demonstram, pertence ao petista, e não é somente “frequentado” por ele. Da OAS, ganhou o famoso tríplex em Guarujá, assim como as reformas pedidas por ele – o apartamento só ficou pronto após a Lava Jato, de modo que não houve tempo para que Lula e família se mudassem para lá. A mesma OAS passou a bancar o armazenamento do acervo presidencial do petista. Todas essas operações – todas – foram feitas clandestinamente, para ocultar o vínculo entre Lula e as empreiteiras. Todas foram debitadas do caixa de propinas que Lula mantinha junto às empreiteiras.

Além de dar moradia a Lula, as empreiteiras passaram a bancar o ex-presidente e sua família, além de pessoas próximas. Havia, segundo as provas disponíveis, pagamentos de propina da Odebrecht a um dos filhos do presidente, a um irmão dele, a um sobrinho e a Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula e um dos assessores mais próximos de Lula. Havia pagamentos em dinheiro vivo e, em alguns, casos, por meio de empresas – como a de um filho e a de um sobrinho. Havia, ainda, os pagamentos à empresa de palestras de Lula e ao próprio Instituto Lula. Na maioria dos casos, segundo as evidências, não se tratava de doação ou contratação para palestras, embora essas tenham acontecido em alguns casos. Trata-se de propina disfarçada de doação.  Até que a Lava Jato mudasse tudo, Lula e seus familiares receberam, de acordo com as evidências disponíveis e se obedecendo a um cálculo conservador, cerca de R$ 82 milhões em vantagens indevidas – bens ou pagamentos ilegais.

O terceiro momento de Lula, aquele que as provas revelam com mais nitidez,  precipita-se em março de 2014, quando irrompe a Lava Jato. O petista, que sabia o que fizera e intuía o potencial da operação, preocupou-se. É esse Lula preocupado – quiçá desesperado – que aparece nos processos de obstrução da Justiça. Que, segundo depoimentos e documentos, tenta destruir provas. Tenta, em verdade, destruir a Lava Jato, para por ela não ser destruído. Há semanas, dias antes do discurso de Lula em Brasília, a voz rouca de Léo Pinheiro sacudira Curitiba. Diante do juiz Sergio Moro, Léo Pinheiro expunha segredos guardados por anos. “Eu tive um encontro com o presidente, em junho... bom, isso tem anotado na minha agenda, foram vários encontros.” Era 20 de abril e Léo falava de um encontro mantido há quase três anos, em maio de 2014, quando a Lava Jato começava a preocupar. “O presidente, textualmente, me fez a seguinte pergunta: ‘Léo’, e eu notei até que ele estava um pouco irritado, ‘você fez algum pagamento a João Vaccari no exterior?’. Eu disse: ‘Não, presidente, nunca fiz nenhum pagamento dessas contas que nós temos com Vaccari no exterior’. ‘Como é que você está procedendo os pagamentos para o PT?’. ‘Através do João Vaccari. Estou pagando, estamos fazendo os pagamentos através de orientação do Vaccari, caixa dois e doações diversas que nós fizemos a diretórios e tal’. ‘Você tem algum registro de algum encontro, de conta, de alguma coisa feita com o João Vaccari com você? Se tiver, destrua. Ponto. Acho que quanto a isso não tem dúvida’.”

Lula, como Renato Duque confirmou em depoimento a Moro na sexta-feira, estava se mexendo para descobrir quanto estava sob risco. No depoimento, Duque, que fora indicado pelo PT e pelo próprio Lula à Diretoria de Serviços da Petrobras, destruiu o antigo chefe. Disse, como Léo Pinheiro, que Lula “tinha o pleno conhecimento de tudo, tinha o comando”. Referia-se ao petrolão. Nas últimas semanas, Duque e o ex-ministro Palocci disputavam quem fecharia antes um acordo de delação premiada, em busca de pena menor. Ambos pretendiam entregar informações sobre Lula, pois suas defesas detectaram que a Lava Jato queria mais elementos para cravar que o então presidente não só sabia da existência, como comandava o esquema de corrupção na Petrobras. Palocci recuou duas ou três casas em sua negociação, após a libertação do ex-ministro José Dirceu. Duque aproveitou para avançar. Disse que encontrou Lula pessoalmente três vezes. “Nessas três vezes ficou claro, muito claro para mim, que ele tinha pleno conhecimento de tudo, tinha o comando”, disse Duque. No último encontro, em 2014, segundo Duque, Lula perguntou se ele tinha recebido dinheiro na Suíça da holandesa SBM, fornecedora da Petrobras. Duque diz que negou. Lula, então, perguntou: “Olha, e das sondas? Tem alguma coisa?”. Lula se referia a negócios da Sete Brasil, a estatal criada para turbinar o petrolão. Duque afirma que mentiu a Lula ao dizer que não tinha. Ouviu do então presidente, de saída do cargo: “Olha, presta atenção no que vou te dizer. Se tiver alguma coisa, não pode ter, entendeu? Não pode ter nada no teu nome, entendeu?”.

No ano seguinte, Lula prosseguiu em sua tentativa desesperada de sabotar a Lava Jato. Em maio de 2015, o então senador Delcídio do Amaral foi à sede do Instituto Lula, em São Paulo. Àquela altura, líder do governo no Senado, Delcídio era um interlocutor frequente de Lula sobre a situação precária do governo Dilma no Congresso, mas, principalmente, sobre o avanço da Lava Jato em direção ao coração petista. Na conversa, Lula se disse preocupado com a possibilidade de seu amigo, o pecuarista José Carlos Bumlai, ser engolfado pela operação. Delcídio percebeu que fora convocado para discutir o assunto. Avisou que Bumlai poderia ser preso devido às delações do lobista Fernando Baiano e do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró. Delcídio também tinha medo disso, pois recebera propina junto com Cerveró. Então, contou a Lula que, quatro meses antes, recebera um pedido de ajuda financeira de Bernardo, filho de Cerveró. Delcídio afirma que Lula determinou que era preciso ajudar Bumlai.

Assim, Delcídio passou a trabalhar. Dias depois, encontrou-se com Maurício, filho de Bumlai, e “transmitiu o recado e as preocupações de Lula”. Maurício topou a empreitada: era preciso bancar as despesas com advogado e sustentar a família para “segurar” a delação de Cerveró e, assim, tentar salvar o pai de Maurício. Nos meses seguintes, Maurício Bumlai entregou R$ 250 mil em espécie a um assessor de Delcídio, em encontros em São Paulo. O dinheiro era levado depois à família Cerveró. Quando, em setembro, ÉPOCA publicou que Cerveró fechara um acordo de delação, Maurício interrompeu os pagamentos. Em novembro de 2015, Delcídio foi preso, por ordem do Supremo, por tentar obstruir a Lava Jato.

Por meio de nota, o Instituto Lula afirma que “não há nenhum” ato ilegal nas delações dos executivos da Odebrecht e que as delações não são provas, mas “informações prestadas por réus confessos que apenas podem dar origem a uma investigação. Por enquanto, o que existe são depoimentos feitos aos procuradores, a acusação, divulgados de forma espetacular”. Sobre a “conta Amigo”, a nota afirma ser “a mais absurda de todas as ilações no depoimento de Marcelo Odebrecht”. “Se for verdadeiro o depoimento, Marcelo Odebrecht teria feito, na verdade, um aprovisionamento em sua contabilidade para eventuais e futuras transferências ou pagamentos. A ser verdadeira, trata-se, como está claro, de uma decisão interna da empresa. Uma ‘conta’ meramente virtual, que nunca se materializou em benefícios diretos ou indiretos para Lula.” Sobre a ajuda da Odebrecht a Luís Cláudio, um dos filhos de Lula, o Instituto Lula afirma que “mesmo considerando real o relato de delatores que precisam de provas, Emílio Odebrecht e Alexandrino Alencar relatam que a ajuda para o filho de Lula iniciar um campeonato de futebol americano foi voluntária e após diversas conversas e análises do projeto”. Sobre a mesada de R$ 5 mil que a Odebrecht pagou por anos a Frei Chico, irmão do ex-presidente, a nota afirma que “não só Lula não pediu, como não foi dito que Lula teria pedido”. Afirma que o principal assessor de Lula, Paulo Okamotto, “negou ter recebido qualquer ‘mesada’ de Alexandrino Alencar”. O Instituto diz que a Odebrecht não inventou Lula como palestrante e que “as palestras eram lícitas e legítimas”.