Da minha série de "clássicos revisitados":
O
Príncipe, revisitado
Maquiavel para os
contemporâneos
Disponível neste link da Amazon:
https://www.amazon.com/dp/B00F2AC146
Informação sobre a capa:
Pedro Paulo Palazzo de Almeida, elaborado a partir de óleo de Santi di Tito (ca. 1560-1600); Niccolò Machiavelli; © Archivo Iconografico, Corbis
Sumário
Prefácio
Dedicatória
1.
Dos regimes políticos: os
democráticos e os outros
2.
Das velhas oligarquias e
do Estado de direito
3.
Da variedade de estados capitalistas
4.
Do governo pelos homens e do
governo pelas leis
5.
Da transição política nos regimes
democráticos
6.
Da conquista do poder: a
liderança política
7. Da eficácia do comando e da manutenção do poder
8. Da ilegitimidade política: da demagogia e da força
9. Das repúblicas democráticas e sua base econômica
10.
Das forças armadas e das alianças
militares
11. Do estado laico e da força das religiões
12.
Da profissionalização das
forças militares
13.
Dos gastos com defesa e da
soberania política
14.
Da preparação estratégica do
líder político
15.
Do exercício da autoridade
16.
Da administração econômica da
prosperidade
17.
Do uso da força em política
18.
Da mentira e da sinceridade em
política
19.
Da dissimulação como forma de arte
20.
Da dissuasão e da defesa do estado
21.
Da construção da imagem: verdade
e propaganda
22.
Dos ministros e secretários de
estado
23.
Dos aduladores e dos verdadeiros
conselheiros
24.
Da arte pouco nobre de arruinar
um estado
25.
Do acaso e da necessidade em política
26.
Da defesa do Estado contra os
novos bárbaros
Carta
a Niccolò Machiavelli
Apêndices
O
que nos separa de Maquiavel?
Recomendações
de leituras
Outros livros de Paulo Roberto de Almeida
Prefácio
Este livro foi escrito por um proscrito.
Explico: O Príncipe, original de 1513,
foi escrito por Nicolau Maquiavel quando ele se encontrava em completo
ostracismo, depois que a conquista da Toscana pelos espanhóis recolocou no
comando de Florença, em 1512, a família dos Médici.
Como escreveu Delio Cantimori, no verbete
sobre o florentino que ele preparou para a Storia
della Letteratura Italiana (quinto volume, da Garzanti), “nonostante
l’ingegno, l’acutezza e la dottrina che gli venivan riconosciuti, il
Machiavelli non fu mai chiamato agli uffici maggiori della repubblica fiorentina
che egli servi dal 1498 al 1512”. (Delio Cantimori, “Introduzione”, in Niccolò
Machiavelli, Il Príncipe e le opere
politiche, Milão: Garzanti, 1976, xi.)
De fato, depois de ter servido durante
quase três lustros à República da sua cidade natal (1469), e de ter
desempenhado missões diplomáticas da mais alta responsabilidade – em 1500, em
Pisa, para resolver uma rebelião de soldados mercenários; logo em seguida junto
ao reino de Luís XII da França, retornando ali mais três vezes, entre 1504 e
1511; em 1502 junto ao duque Valentino, César Bórgia, em Urbino e Sinigaglia;
em 1503 e 1505, em Roma; em 1507, junto ao Imperador Maximiliano, do Sacro
Império Romano Germânico –, Maquiavel nunca mais retornou ao seu cargo de segretario, a despeito de ter
desempenhado outras missões diplomáticas nos últimos anos de sua vida.
Como o próprio Maquiavel escreveu, em
torno de 1518-1519, na apresentação a um outro texto dessa sua fase de
desterro, os Discorsi sopra la prima deca
di Tito Livio, ele havia colocado em seus escritos toda a substância do que
sabia e do que tinha aprendido ao longo de uma vida dedicada à prática política
e às leituras constantes em torno “delle cose del mondo”, ou, como transcreve
Cantimori, “per ‘lunga pratica’ della vita politica, ‘continua lettura’ della
storia política” (Idem, a partir de C. Pinsin, Sul testo del Machiavelli. La prefazione alla prima parte dei
“Discorsi”, in Atti dell’Academia delle Scienze di Torino, vol. 94 (1959),
disp. 2, Torino, 1960, p. 506-518; cf. Introduzione, op. cit. supra, xi.).
Condenado ao confinamento por um ano, em
1512, mas não reabilitado depois disso, Maquiavel se retirou na sua vila
Albergascio, perto de San Casciano, no Val di Pesa, e ali, amargurado por um
injusto isolamento, soube reagir ao afastamento forçado da política ativa que
lhe impuseram, colocando no papel suas reflexões sobre a prática da política,
sobre a arte da guerra e a propósito dos ensinamentos que se podiam retirar do
itinerário dos grandes homens e da evolução, entre auge e declínio, das
sociedades da antiguidade clássica. Por uma dessas ironias da História, ele
veio a morrer no mesmo ano em que a república foi restabelecida em Florença, em
1527.
Este Príncipe,
Revisitado também condensa tudo o que me foi possível aprender ao longo de
uma vida dedicada à atenta observação delle
cose del mondo, ao estudo das coisas da política e das artes diplomáticas,
assim como no aproveitamento de continue
letture, em todas as áreas das ciências humanas e disciplinas afins, ou
seja, em tudo aquilo que interessa ao homem enquanto ser político. Esta obra
também foi escrita em condições de relativo isolamento, pelo menos da
diplomacia prática, que exerci de modo contínuo de 1977 a 2003, depois de já
ter enfrentado meu próprio desterro, não de todo voluntário, entre 1970 e 1977,
na fase mais dura do regime militar que tutelou o Brasil de 1964 a 1985. Meu
novo ostracismo involuntário permitiu, ao lado do exercício de lides acadêmicas
que sempre permearam a atividade profissional, longas noites de leitura,
intensas reflexões sobre as transformações do mundo contemporâneo e do Brasil
atual, como também propiciou a produção de escritos a respeito da conjuntura
política e sobre a história diplomática, divulgados em revistas especializadas
ou em livros por mim publicados.
De todos os livros que escrevi – no mais
das vezes voltados para as relações internacionais e a política externa do
Brasil –, o que mais reflete o meu pensamento político e aquele de que mais
gosto, A Grande Mudança (Códex,
2003), é o que menos obteve sucesso de público, permanecendo relativamente
desconhecido (talvez pelo fato de, quando do lançamento, me encontrar no
exterior). Em todo caso, este livro retoma algumas das reflexões ali conduzidas
pela primeira vez e amplia meu aprendizado nas artes da política por meio de
uma retomada linear do texto que se encontra, a justo título, no panteão das
grandes obras do pensamento universal. Quinhentos anos depois, como para muitos
clássicos, a constatação se impõe por si só: Maquiavel continua atual!
Este “Maquiavel para os contemporâneos”
segue fielmente o roteiro traçado nos últimos meses de 1513 pelo pensador e
diplomata florentino. A estrutura e o foco dos capítulos permanecem idênticos:
apenas troquei “Itália” por “nação”, em dois capítulos finais, seja para tornar
a reflexão mais universal, seja para fazê-la aplicável a uma outra grande nação
de tradição latina. A temática e a substância de cada um dos capítulos também permanecem
relativamente similares: os problemas que angustiavam o segretario de há meio milênio parecem rigorosamente os mesmos, com
pequenas adaptações de detalhe ou de linguagem. Alguma novidade nisso?
Provavelmente não!
As referências e o tratamento dos problemas
são, contudo, inteiramente atuais, ainda que se tenha optado por um estilo e um
linguajar deliberadamente “caducos”, como forma de manter um “parentesco
espiritual” com a obra de meu predecessor diplomático do Renascimento. O que eu
fiz, sim – e nisso me cabe o copyright,
ainda que eu deva conceder os moral
rights ao florentino –, foi reescrever totalmente o seu “manual de política
prática” no sentido daquilo que eu penso deva determinar, hoje, a política
moderna: o compromisso democrático; o cumprimento das “regras do jogo”, como
diria um outro filósofo da política, Norberto Bobbio; a transparência na
administração da coisa pública; a correção no manejo do pubblico denaro e, sobretudo, a honestidade intelectual, que para
mim é o critério básico de qualquer ação social, independentemente da área na
qual ela se insira.
Maquiavel escreveu o seu pequeno “manual”
como uma espécie de guia de conduta para os governantes, mas ele se coloca bem
mais do ponto de vista do Estado do que do ponto de vista dos cidadãos. Talvez
se pudesse dizer, sem ostentação ou pretensões exageradas, que meu pequeno
manual pretende ser uma espécie de guia de conduta para os governados e ele se
coloca, mais bem, do ponto de vista dos indivíduos, que constituem, afinal de
contas, o destino final de toda a ação política.
Revisitar Maquiavel é sempre angustiante,
como já escreveu certa vez Raymond Aron, uma vez que as relações entre a moral
e a ação política, entre a ética e a eficácia, entre os fins e os meios, estão
sempre sendo colocadas na balança de nossas escolhas fundamentais. As minhas
escolhas ficam transparentes em cada parágrafo do meu texto, mesmo quando a
“racionalidade econômica” parece predominar sobre a “justiça social”, ou quando
os valores morais são confrontados aos procedimentos políticos, que sempre
evidenciam, como todos sabem, o eterno dilema entre as convicções pessoais e os
resultados práticos, no plano da ação social. As minhas opções estão postas
claramente nas páginas que seguem e a primeira delas, ouso repetir, é
justamente a honestidade intelectual. Este princípio fundamental compensa
qualquer ostracismo.
Este livro tinha sido iniciado em meados
de 2003, como o segundo de uma série de “clássicos revisitados” – tendo sido o
primeiro uma atualização do Manifesto
Comunista de 1848, aos 150 anos de sua edição original – mas, desde então,
tinha ficado parado em virtude de uma carregada agenda de obrigações
profissionais e acadêmicas. Inesperadamente, encontrei o tempo que me faltava alguns
anos depois, em férias relativas da diplomacia: sou reconhecido, portanto,
também aos que me permitiram dispor de condições para finalizá-lo.
Paulo Roberto de Almeida
Dedicatória
Al Signore Niccolò
Machiavelli,
segretario diplomatico della
Repubblica di Firenze, banito dal suo posto per motivi di cambiamenti
politiche, uno suo ammiratore.
Caro Niccolò,
Escrevo esta dedicatória quinhentos anos
depois que você dirigiu a sua, num livro de título praticamente igual a este, a
um senhor de nobre linhagem, um dos Médicis, que estava, naquele mesmo momento,
recuperando o poder em Florença, cidade à qual você serviu fielmente durante
longos anos. Sei que a sua dedicatória foi escrita em uma fase muito difícil da
sua vida, quase dramática, quando você tentava, na verdade, recuperar os seus
títulos, cargos e funções, dos quais tinha sido afastado, por motivos de baixa
política, eu até diria por ciúmes, dada a inveja que os novos donos do poder
tinham do seu valor e das suas qualidades de estadista.
De minha parte, ao abrir um livro de
espírito e motivações similares ao seu, não vou dedicá-lo a um representante de
qualquer família ou grupo dirigente. Não pretendo seguir o seu exemplo; para
ser mais exato, não necessito fazê-lo, uma vez que minha vida e o meu trabalho
se desenvolvem em tempos mais amenos, comparativamente aos barbari tempii nos quais você tinha de viver. Por isso, e em total
legitimidade, dedico esta obra a você mesmo, Niccolò, pois ela, na verdade,
tudo lhe deve, muito na forma e bastante do conteúdo.
Não é difícil deduzir de sua obra, e de
sua vida, que você foi um genial pensador político, um diplomata dedicado, um
cidadão honrado, cumpridor dos seus deveres, um atento estudioso dos livros
antigos (como eu sou, aliás), um pai de família extremoso, como a poucos
conheci, em uma atribulada carreira, feita de intensas leituras, frequentes
viagens e muitas reflexões (estou aqui falando de nós dois, ambi due). Como disse um admirador seu,
que me precedeu, “il suo merito
principale sta nell’avere, con metodo sicuro, creato una nuova scienza
politica, fondandola sulla storia e sulla esperienza” (Villari, Machiavelli, vol. II, p. 466).
No Príncipe,
você trata basicamente da monarquia, de um regime conduzido por um chefe
exclusivo, quase despótico, no limite da tirania. Nos seus Discorsi sopra la prima deca di Tito Livio, você se ocupa,
sobretudo, da república, de como ela deveria ser, nos tempos antigos e
modernos. Em ambas as obras, o que está, na verdade, em jogo é a autonomia do
Estado e a sua capacidade de implementar medidas visando ao bem comum, à
sobrevivência da independência e da soberania do Estado em primeiro lugar, para
em seguida velar pelo bem-estar dos súditos, ou dos cidadãos, conforme o caso.
Muitos se perguntaram se, em cada uma dessas obras, aquele que se expressava
por meio de argumentos rápidos, cortantes, como no Príncipe, ou através de longas digressões históricas, como nos Discursos, era um republicano ou um
cortesão: creio poder dizer que se tratava de um verdadeiro patriota, de um
homem que amava a liberdade, a unidade e a independência de sua pátria, que
era, antes mesmo da “sua” república florentina, a Itália em seu conjunto.
Você tinha o hábito, que eu também
partilho, de apoiar-se na história
para tratar de casos presentes. Não
apenas no Príncipe, mas também nos Discursos, você se referia aos homens de
Estado da Antiguidade para ilustrar suas lições de estadismo, da arte da
política, no mais alto sentido desta palavra. Mas você não pretendia tratar, de
verdade, da situação corrente da
Itália, por mais calamitosa que esta fosse, na luta para assegurar autonomia
nacional e independência em relação às potências da época, a França e a
Espanha, em primeiro lugar. Por certo, lhe entristecia ver as repúblicas e
principados da Itália desunidos, combatendo entre si, enquanto hordas de
mercenários e soldados estrangeiros penetravam em suas cidades, saqueando
palácios, espoliando os burgueses, roubando os camponeses e perpetrando toda
sorte de abusos.
Na verdade, ao escrever tantas páginas
memoráveis nos Discursos e no Príncipe, você estava pensando,
sobretudo, no futuro da Itália. Daí
não hesitar você em recomendar soluções que a muitos podem ter aparecido, e
ainda hoje aparecem, como isentas de qualquer sentido moral. O que você
pretendia, e espero estar bem interpretando suas intenções, era assegurar a
autonomia plena do Estado, de maneira que este pudesse defender a honra
nacional e o bem-estar dos cidadãos
(sim, de preferência a súditos, pois
eu sei que você privilegiava a república, sobre a monarquia, mas achava,
malgrado os inconvenientes, que esta podia ser uma solução temporária a uma
situação de caos incontrolável). Daí sua tolerância com regimes próximos do
autoritarismo – sei que a linguagem antiga se referia à tirania – desde que o
príncipe, em situação de poder e de comando, pudesse ou soubesse garantir pax, ordo et concordia, que para você
eram essenciais na condução dos assuntos públicos.
Claro, o ideal, para você e para todos os
cidadãos de bem –, ainda que convertidos temporariamente em súditos – seria que
o principado ou a república, ameaçados de desagregação, fossem conquistados e
governados por algum sapientissimus
princeps, cercado de conselheiros hábeis – como você mesmo –, até que os
próprios governados pudessem resolver a questão, com a legítima eleição dos
seus chefes, de preferência em regime republicano, aberto aos méritos e não
apenas aos clãs familiares tradicionais. Esse ideal não pôde ser alcançado na
sua Florença, e ainda menos em outras partes da Itália, até vários séculos
depois que você nos legou suas páginas memoráveis sobre a arte de conquistar,
de manter e de governar os principados.
Você bem que se esforçou para que isso
pudesse ocorrer, até violentando parcialmente o seu pensamento, pois que
aparentemente disposto a servir um nobre de natureza despótica, desde que ele
soubesse, pelo menos, lutar pela independência e autonomia da Itália, que ele
pudesse libertá-la dos bárbaros que a assolavam continuamente, nesses tempos de
transição entre o puro regime oligárquico dos tempos antigos e as novas formas
de representação política dos citadinos organizados. Quando, em 1512, depois da
batalha de Ravena, os Médicis recuperaram o poder em Florença, a sua sorte muda
radicalmente. Em lugar de ser recompensado pelo brilhante trabalho diplomático
a serviço de cidade toscana, você, por resolução tomada em 7 de novembro de
1512, foi privado de toda e qualquer função oficial. Segundo os termos do
decreto então assinado, seus direitos e encargos de segretario foram abolidos: cassaverunt,
privaterunt et totaliter amoverunt.
Mais do que você, foi a cidade e o país
que perderam com o seu ostracismo, as suas férias involuntárias, tanto mais
duros, l’ozio forzato e l’allontanamento, que você era, do
testemunho de todos, un uomo attivissimo,
capaz de desempenhar os complexos encargos da sua cancelleria fiorientina com competência invulgar e em tempo exíguo.
Cansado da sua solidão, da espera em vão por um posto que não veio jamais, você
se entregou, con grandissimo ardore, como
diz Villari, allo studio. Em consequência,
você se refugiou na sua vila de província, dimenticava
la sua miseria, e passou a escrever, segundo esse seu admirador, alcuni di quelle pagine di scienza politica,
che resero per tutti i secoli immortale il suo nome (Villari, op. cit., vol. II, p. 270 e 212). Assim,
no espaço de poucos meses, em 1513, emergiu Il
Principe e tomou forma, ainda que sua redação se estendesse por muitos anos
mais, os seus Discorsi sopra la prima deca
di Tito Livio.
Por todas essas razões, e outras mais,
cabe-me dedicar esta modesta obra, que muito deve, como já disse, às suas
páginas imortais, a você, Niccolò, mesmo a distância de quase quinhentos anos e
em circunstâncias, talvez, muito diferentes daquelas nas quais você foi levado
a colocar no papel suas reflexões e ensinamentos de uma vida inteira dedicada à
coisa pública. No seu tempo, a corrupção política era generalizada, na Itália
mais do que em qualquer outra parte da Europa, talvez porque ali houvesse mais
recursos a serem pilhados por líderes políticos e religiosos sem escrúpulos. A
moral cristã, que deveria teoricamente prevalecer, era na verdade completamente
abandonada na vida pública. Não só no seu tempo, Niccolò...
Daí sua intenção de fundar a política,
tanto a ciência quanto a sua prática, sobre uma nova moral, de caráter laico,
civil, republicano. Devo reconhecer que, a despeito de muitas frustrações na
vida diplomática, nos negócios e na política, você o conseguiu, e de forma
brilhante: hoje, os seus escritos converteram-se em leitura obrigatória, tanto
para os estudiosos quanto, sobretudo, para os praticantes da política, muito
embora estes últimos nem sempre façam bom uso dos seus ensinamentos, que eles
tomam pelo lado mais simplista possível.
A queda da República de Florença foi uma
desgraça pessoal para você, mas talvez tenha sido uma grande fortuna para todos nós, porque o exílio
forçado o levou a escrever suas páginas imortais. Se você tivesse permanecido
na cancelleria fiorentina, não
teríamos dos seus escritos mais que as cartas de legação e os ofícios
diplomáticos, de estilo talvez aborrecido e, em todo caso, circunstanciais e
estritamente conjunturais. Ao contrário, a partir do sabático involuntário que
lhe impuseram, podemos agora dispor de suas idéias e reflexões de maior escopo
conceitual e de larga amplitude intelectual. O seu infortúnio pessoal e a ruína
da Itália nos valeram as mais belas páginas de ciência política que foram
concebidas desde a Antiguidade clássica e, provavelmente, até os dias de hoje.
Quanto aos seus algozes, Niccolò, eles estão, em grande medida, esquecidos.
Esta obra, em particular, corresponde a
um esforço de riordinamento politico
generale de que a Itália muito necessitava, naquela época, e que talvez
outros países ainda necessitem, hoje em dia. A Reforma, iniciada por Lutero,
também fez bem aos países católicos, pois que obrigou-os a corrigir os aspectos
mais corruptos e venais da política e da religião naquele período. Você
preferiu afastar a religião e o poder dito espiritual do esforço de
reconstituição da política e da formação do Estado moderno, o que considero
basicamente correto. Nos tempos que correm, a política é essencialmente laica,
muito embora muitos procurem explorar a religião para seus fins particulares.
Creio, porém, que a política necessita, como na sua época, de um rientro morale que muito beneficiaria as
instituições e os costumes. A sua virtù,
não era a virtude cristã, e sim a coragem e a energia de um líder político no
esforço de construir sobre bases sólidas, mas nem por isso menos éticas, a
administração dos homens e das coisas, em prol do bem-estar comum.
Portanto, meu caro segretario della repubblica fiorentina, à qual você serviu, durante
15 anos, com grandissimo zelo e costanza,
sinta-se homenageado por esta obra que pretende, justamente, prestar-lhe um
modestíssimo tributo pessoal, como prova de meu apreço por sua rara
inteligência e por seu alto valor moral.
Paulo Roberto de Almeida
As 500 anos da redação da obra
do mestre.