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quinta-feira, 21 de outubro de 2021

Um conto de dois blocos: a falecida Alca e o debilitado Mercosul - Paulo Roberto de Almeida

 Um conto de dois blocos: a falecida Alca e o debilitado Mercosul

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

Notas para informação dos membros da Liga Acadêmica de Direito Internacional, da Faculdade de Direito de Vitória, no dia 22/10/2021, por via do Google Meet. 

 

 

Sumário: 

Introdução: cabe comparar o que é comparável

1. Ascensão e queda da Alca, o projeto de liberalização comercial hemisférica

2. Postura do governo brasileiro no quadro dos encontros hemisféricos

3. Participação do Brasil em outros blocos, como o BRICS

4. Blocos e alianças estratégicas na matriz das relações exteriores

5. A relação econômica entre Brasil-China e suas implicações

6. Minhas conclusões sobre nossa interface externa

 

 

Introdução: cabe comparar o que é comparável 

Em 1859, o grande romancista das misérias do primeiro capitalismo inglês, Charles Dickens, publicava um romance histórico chamado A Tale of Two Cities. Desde a desastrosa guerra da Crimeia, em 1855 – em cuja península, em fase de incorporação ao império russo, os exércitos coligados da Grã-Bretanha e da França foram derrotados pelas forças da autocracia czarista –, o já famoso escritor estava extremamente preocupado com o ambiente de descontentamento público que ele via emergir em seu país em consequência da lentidão das reformas políticas em curso; ele temia o perigo iminente de uma revolução social na Inglaterra, semelhante à que havia ocorrido mais de meio século antes na França da monarquia dos Bourbons. Nesse mesmo ano de 1855, Dickens escreveu uma carta a um parlamentar liberal na qual dizia: 

I believe the discontent to be so much the worse for smouldering instead of blazing openly, that is extremely like the general mind of France before the breaking out of the first Revolution, and is in danger of being turned by any one of a thousand accidents – a bad harvest [como havia ocorrido na França, pouco antes de 1789] – the last strain too much of aristocratic insolence or incapacity – a defeat abroad [como a que havia recém ocorrido na Crimeia] – a mere chance at home – into such a Devil of conflagration as never been beheld since. (Introduction by Gillen D’Arcy Wood in: Dickens, A Tale of Two Cities; New York: Barnes & Noble Classics, 2003, p. xiii)

 

A Tale of Two Cities era apenas em parte uma “novela histórica” sobre personagens em duas capitais, Paris e Londres, pois o que Charles Dickens tinha em mente não era tanto o estado da França em 1789 e sim a situação corrente na sua Inglaterra natal, seu temor de revoltas populares e violência da plebe nas ruas de Londres. Karl Marx, que já estava refugiado na Inglaterra desde 1848, e que admirava Charles Dickens, dizia em 1854 que o escritor inglês “havia alertado o mundo sobre mais verdades políticas e sociais do que as que eram ditas por todos os políticos profissionais, os publicistas e os moralistas tomados conjuntamente” (idem). Nessa novela ele descreve as revoltas das massas parisienses com horror, pois imaginava que elas pudessem ocorrer também na capital britânica. Seu romance começa com um parágrafo dezenas de vezes repetido na literatura e na política, ainda que de forma extremamente sintética:

It was the best of times, it was the worst of times, it was the age of wisdom, it was the age of foolishness, it was the epoch of belief it was the epoch of incredulity, it was the season of Light, it was the season of Darkness, it was the spring of hope, it was the winter if despair, we had everything before us, we had nothing before us, we were going direct to Heaven, we were all going the other way – in short the period was so far like the present period, that some of the noisiest authorities insisted on its being received, for good or for evil, in the superlative degree of comparison only. (p. 7)

 

Escolhi começar citando essa famosa novela de Charles Dickens, pois que o tema que me foi oferecido para discorrer no modo comparativo não pode certamente ser conduzido em qualquer grau superlativo. Os dois “personagens” selecionados para esta preleção, Alca e Mercosul, não guardam a mesma condição de existência material como era o caso de Londres e Paris. Em primeiro lugar porque, como coloquei no título, um dos blocos já faleceu, a Alca, e o outro se encontra bastante debilitado na atualidade, isso desde algum tempo. Em segundo lugar, porque os tais blocos, de um lado, pertencem à mesma família geral, a das iniciativas de integração regional, de abertura econômica e de liberalização comercial, mas, de outro, representam, cada um, duas espécies diferentes, o primeiro às zonas de livre comércio tão somente, o segundo às uniões aduaneiras e a um otimista projeto de mercado comum.

Dito isto, preliminarmente, cabe seguir o roteiro de questões que me foi oferecido como guia para esta palestra, com o objetivo de tentar esclarecer a natureza de cada um deles, examinar o posicionamento dos governos brasileiros em relação a um e a outro bloco, assim como a relação mantida com outros blocos ou iniciativas de integração ou, também, de simples coordenação de posições – como no caso do Brics, por exemplo. Cabe, por fim, discorrer sobre outras questões de atualidade, como a ascensão da China e sua impressionante projeção econômica internacional, já configurando um novo centro de poder mundial, não só no domínio comercial, mas também nos terrenos tecnológico, financeiro e militar. 

 

1. Ascensão e queda da Alca, o projeto de liberalização comercial hemisférica 

A Área de Livre Comércio das Américas era um dos componentes, talvez o mais importante, do processo hemisférico de integração, nos terrenos econômico, financeiro e comercial, lançada na primeira reunião de cúpula de chefes de Estado e de governo dos países do hemisfério americano (com exceção de Cuba), realizada em Miami, em dezembro de 1994, a convite do presidente americano Bill Clinton. O objetivo era negociar uma vasta liberalização do comércio de todos os países da região, marcada por diferentes reuniões de ministros de comércio e intensos encontros de trabalho entre técnicos negociadores, com o objetivo de concretizar a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), numa nova reunião conclusiva dos mandatários dos 34 países participantes, prevista para concluir-se em 2005. Paralelamente, ocorriam, igualmente reuniões de ministros de finanças dos mesmos países, no âmbito do Comitê Hemisférico sobre Assuntos Financeiros, instância estabelecida no quadro da própria agenda de Miami, para discutir temas como abertura dos mercados financeiros, o reforço dos sistemas bancários e a integração dos serviços financeiros, mas também o combate coordenado aos crimes nessa área específica.

A questão a ser enfatizada de imediato é que esse complexo processo de negociações, extremamente sofisticado, congregando centenas de técnicos, economistas e diplomatas de todos os países participantes, foi hostilizado de imediato pelas forças de esquerda nesses países, parlamentares progressistas e partidos socialistas, sindicatos de trabalhadores e ONGs comprometidas com causas sociais, a pretexto de “assimetrias”, ou seja, o argumento de que essa integração entre uma grande economia avançada, como a dos Estados Unidos, e países de desenvolvimento médio ou de menor desenvolvimento relativo seria desvantajosa para estes, e deveria, portanto, ser rejeitada. Diversos países latino-americanos, contudo, a exemplo do Chile, da Colômbia e do México, dirigidos por forças centristas ou de direita, favoreciam essa integração, com o argumento de que a abertura do enorme mercado americano a seus produtos, assim como o aumento do fluxo de investimentos diretos americanos em seus países, seriam compensações suficientes para a abertura que teriam de fazer aos países avançados (EUA e Canadá) nesse processo de liberalização recíproca.

Registre-se, por um lado, que o México não era exatamente um entusiasta da Alca, pois que desde o início do processo, em 1994, ele já tinha sido integrado a um esquema menor, mas bem mais relevante, que era o NAFTA, o Acordo de Livre Comércio da América do Norte, congregando os três países da região: EUA, Canadá e o próprio México. O Chile, por seu lado, já ambicionava ter um acordo bilateral de liberalização comercial com os EUA desde vários anos, o que se concretizou pouco depois que o processo da ALCA foi interrompido – de fato cancelado –, por iniciativa concertada dos três grandes países com governos de esquerda no início dos anos 2000: a Venezuela, o Brasil e a Argentina. Cabe registrar, igualmente, que o Mercosul já se encontrava envolvido em outro processo negociador, desta vez envolvendo a União Européia, com a qual havia sido assinado um acordo interregional de cooperação, firmado em Madri, em dezembro de 1995, dando a partida, portanto, a uma dinâmica paralela de negociações para o aprofundamento de um relacionamento histórico entre países da América Latina e Caribe com a União Européia.

As negociações da Alca sempre se desenvolveram num clima bastante difícil, de grandes diferenciações de posturas entre os países da América Latina – que não pode ser tomada como um todo, pois sempre se manifestaram discordâncias entre América do Sul, dentro desta, e dos países do continente com os da América Central e do Caribe, que de fato conseguiram acordos separados com os EUA, depois que a ALCA foi abandonada – e de grande insatisfação pela postura ainda protecionista e subvencionistas dos EUA nos temas agrícolas e de grande ofensiva deles nos temas industriais e de serviços, especialmente os financeiros. Não estranha, assim, que bastou uma ofensiva de bloqueio – por razões totalmente políticas, e talvez até ideológica – conduzida por Chávez, Lula e Kirchner para que todo o processo viesse a um impasse, na cúpula que deveria ter sinalizado seu término, em Mar del Plata, em 2005. 

Lula e seu chanceler, Celso Amorim, até demonstraram grande orgulho por terem, em suas próprias palavras, “implodido a Alca”. O fato é que, uma vez constatado o bloqueio de qualquer possibilidade de acordo hemisférico, os EUA começaram a negociar acordos bilaterais – com Chile, Colômbia e Peru – e plurilaterais – com os países da América Central, por um lado, com a Comunidade do Caribe, por outro – de livre comércio, ficando apenas de fora os quatro países do Mercosul e os chamados “bolivarianos”: Venezuela, Equador e Bolívia. Perdeu-se, assim, uma oportunidade de dar a partida a um grande esforço de montagem de um espaço econômico mais ou menos unificado nas Américas, ainda que com a preservação de grandes assimetrias estruturais (o que aliás sempre foi o caso anteriormente).

 

2. Postura do governo brasileiro no quadro dos encontros hemisféricos

O Brasil sempre foi um dos países mais protecionistas do mundo e, por conseguinte, das Américas também, sendo uma ilusão aquela história de que os EUA se industrializaram precocemente por terem adotado tarifas protetoras desde o início do século XIX, ao passo que o Brasil se deixava supostamente levar por teorias livre-cambistas e de abertura econômica. Isso nunca foi verdade, e o Brasil, junto com Argentina aliás, sempre praticou diversas formas de protecionismo comercial, não apenas tarifas aduaneiras, mas também restrições para-tarifárias, lei do similar nacional, monopólios estatais e reservas de mercado para empresas nacionais, etc. Não obstante, a partir de meados do século XX, os diferentes governos apoiaram projetos de integração econômica entre os países da América Latina, já tendo em vista a dimensão e a sofisticação de sua estrutura produtiva interna e sua capacidade competitiva com os vizinhos, especialmente os do Cone Sul, com os quais sempre foi mais intenso o comércio regional.

Esta é razão de o Brasil ter apoiado e incentivado os dois acordos de liberalização comercial consolidados nos dois tratados de Montevidéu: o de 1960, criando a Alalc, a Associação Latino-Americana de Livre Comércio, e o de 1980, que substituiu a Alalc pela Aladi, a Associação Latino-Americana de Integração, baseado num modelo mais flexível, de preferências tarifárias de modo parcial e de escopo limitado e um número menos de países. Na verdade, esses acordos da Alalc e da Aladi sempre serviram bem mais às multinacionais estrangeiras instaladas nos grandes países da região do que às empresas nacionais estrito senso. Mas diferente foi a história do Mercosul, que precede a Alca não apenas cronologicamente, mas também no espírito e na forma, nos objetivos e no formato institucional.

Iniciado em 1998, por um Acordo bilateral entre o Brasil e a Argentina, que já previa o projeto de um mercado comum, o Mercosul, no espaço de dez anos, e era uma tentativa de superar a integração superficial dos esquemas da Alalc e da Aladi, por uma integração mais profunda, ou seja, já prevendo o formato do mercado comum. A metodologia e o ritmo desse processo foram ainda acelerados pelos dois países em 1990, reduzindo o prazo à metade e acelerando a liberalização comercial, tornando-a automática, e não mais dependente da assinatura de protocolos setoriais como estavam sendo feitos desde meados dos anos 1980. Foi esse formato, derivado da Ata de Buenos Aires que se transformou no Tratado de Assunção, em 1991, quando Paraguai e Uruguai também fizeram questão de participar do projeto de mercado comum entre o Brasil e a Argentina. 

Quando ocorreu a proposta americana do projeto de Área de Livre Comércio da América Latina, o Mercosul já estava adiantado na implementação da sua união aduaneira, com a negociação de uma Tarifa Externa Comum, formato que não estava previsto no projeto americano da ALCA. O Mercosul também já tinha decidido que negociaria conjuntamente com qualquer parceiro externo, seja acordos bilaterais com países específicos, seja acordos mais amplos com blocos já constituídos – como a União Europeia – ou em implementação, o que era o caso da ALCA justamente. É preciso deixar claro que zonas de livre comércio não são excludentes ou exclusivas, podendo ser concluídas com quaisquer tipos de países, em número praticamente infinito, ao passo que uniões aduaneiras são, por definição, processos mais restritos, que exigem concordância dos membros em diversos aspectos de suas políticas macroeconômicas e setoriais (comercial, industrial, tributária, cambial, etc.).

Tudo isso era feito e negociado não apenas entre burocratas de governo, economistas e diplomatas, mas com base em intensas consultas com representantes da comunidade empresarial e das associações de trabalhadores, com vistas a obter o acordo e o envolvimento e a participação ativa da sociedade civil nesses importantes processos negociadores, uma vez que eles implicam questões relevantes da estratégia nacional de inserção econômica internacional e devem estender-se por um longo período de tempo, praticamente por mais de um mandato eletivo (presidencial e congressual). A sociedade e seus representantes devem, pois, ter acesso aos processos negociadores em âmbito bilateral ou no caso dos acordos mais amplos, como era o caso do processo hemisférico (que já está encerrado) e do acordo de associação com a União Europeia, que tardou vinte anos para ser concluído (e ainda não se sabe quando poderá entrar em vigor, em função das preocupações europeias com a postura do governo Bolsonaro em matéria de meio ambiente).

Como o Brasil sempre foi um país enfaticamente protecionista, com mobilização intensa de seus industriais e demais agentes produtivos na proteção do mercado interno e na defesa contra a concorrência externa, é evidente que o país sempre exibiu enorme relutância na negociação de projetos mais ambiciosos de abertura econômica e de liberalização comercial, o que significa, também, que nossa participação nos grandes fluxos de comércio internacional de produtos com maior elasticidade-renda era bastante limitada, sendo ainda mais reduzida nos intercâmbios de intangíveis (serviços). A legislação sobre investimentos estrangeiros também sempre apresentou limitações em função de monopólios estatais, reservas de mercado aos nacionais e limitações das compras governamentais a ofertantes instalados no país. O Mercosul expressa bastante esse protecionismo entranhado, e o governo só pode limitar-se às concessões que o empresariado esteja disposto a fazer, em função de sua competitividade externa, regional ou internacional. Adicionalmente, os descompassos diplomáticos no presente governo de Jair Bolsonaro nas relações com a Argentina, assim como a incompreensão manifesta do ministro da Economia sobre o significado do Mercosul dificultam enormemente a busca de uma solução aos problemas atuais do bloco.

 

3. Participação do Brasil em outros blocos, como o BRICS

Existem blocos de todos os tipos, formatos, tamanhos, sabores e cores, para todos os fins e objetivos que possam decidir os países: alianças políticas ou militares, cooperação fronteiriça, cultural ou tecnológica, acordos de livre comércio (mais numerosos) ou de união aduaneira (em menor número), de unificação monetária (moeda única ou comum), ou até de confederação ou de união política (como um dia poderá ser a União Europeia). 

No plano do Direito Internacional e do sistema multilateral criado após a Segunda Guerra Mundial – grosso modo a ONU e suas agências especializadas –, é preciso distinguir entre, de um lado, organizações intergovernamentais, ou órgãos multilaterais congregando Estados soberanos para as finalidades estabelecidas em seus acordos constitutivos, que são em princípio universais, ou seja, congregando todos os Estados que aceitem seus princípios, estatutos e regras de funcionamento, e de outro lado, entidades mundiais ou regionais de menor escopo substantivo, com adesão restrita unicamente aos países ou Estados que partilham de objetivos comuns, como pode ser uma aliança militar como a OTAN, um órgão de consulta e coordenação econômica, como é a OCDE, ou blocos regionais, como são a OEA, a União Africana, a ASEAN, e todos acordos comerciais, bilaterais, plurilaterais ou regionais, como são o TPP e o RCEP. Cabe uma observação especial ao esquema europeu de integração, uma vez que ele transcende o simples nível multilateral ou interestatal, ou seja, o âmbito do Direito Internacional, para alcançar um caráter supranacional, ou supraestatal, ou seja, se situa no âmbito do Direito Comunitário. 

Todos os acordos internacionais, de cooperação ou de integração, representam uma espécie de renúncia, ou perda de soberania, uma vez que os Estados partícipes consentem em não atuar, em suas políticas e objetivos domésticos, contrariamente às obrigações que eles contraíram no quadro dos acordos internacionais que assinaram, que possuem objetivos universais – como a paz, a segurança e o desenvolvimento integral de todos os países, como no caso da ONU e suas agências – ou mais limitados: de cooperação e integração econômica, de defesa, de combate ao crime organizado, etc. Os países europeus, por sua vez, ao empreender os primeiros acordos de integração – CECA (Tratado de Paris, 1951), Tratados do mercado comum (Roma, 1957) – renunciaram expressamente à soberania nacional sobre a produção de carvão e do aço e depois a todos os demais produtos na concepção do mercado comum, adotando estruturas supranacionais, como foram a Alta Autoridade (na CECA) e depois a Comissão Europeia (no caso dos tratados de Roma), preservando, por outro lado, uma entidade intergovernamental, que é o Conselho Europeu (de chefes de Estado ou de governo, ou de ministros setoriais). A União Europeia representa graus ainda mais elevados de desnacionalização de políticas nacionais, envolvendo fronteiras, segurança e defesa, moeda comum e outros aspectos que podem compreender opções para determinados países membros (por exemplo, nem todos os membros da EU aderiram ao euro).

O Brasil sempre teve uma postura inclusiva na maior parte dos acordos de caráter universal (ONU) ou mundial (Gatt, depois OMC, etc.), mesmo não tendo grande poder decisório em determinados organismos (possui apenas uma pequena cota parte no FMI, por exemplo). Mas no plano regional sempre esteve disposto a aderir, ou mesmo sugerir acordos e uniões políticas e econômicas: Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR, 1947, modelo de defesa coletiva que seria utilizado no Tratado do Atlântico, que criou a OTAN, em 1949), depois a OEA (1948), o Tratado de Montevidéu de 1960 (Alalc), o de 1980 (Aladi), o Tratado de Integração Argentina-Brasil (1988) e depois o de Assunção (1991, com Paraguai e Uruguai). Não ingressou na OCDE (1960) porque não foi convidado, mas tampouco estava preparado para aceitar determinadas obrigações dos países membros (como a liberalização dos investimentos estrangeiros e dos movimentos de capitais, por exemplo), mas agora se dispõe a aceitar essas regras e solicitou formalmente adesão (ainda não consumada). Também ingressou em bancos de desenvolvimento (como o BID, 1960), no Clube de Paris (entidade de países credores, que existe desde os anos 1960, mas à qual o Brasil só foi aceito em 2017) e no BIS (Banco de Compensações Internacionais, ou Banco de Basileia, cooperação entre bancos centrais). 

Em outros termos, o Brasil pode decidir fazer parte, ou se tornar membro de diferentes entidades interestatais internacionais ou regionais, com cujos princípios constitutivos, estatutos e objetivos ele esteja de acordo, como determinar o governo e decidir o Congresso (embora alguns acordos tenham sido feitos no Estado Novo, quando não havia Parlamento funcionando). Em alguns casos, ele mesmo pode determinar o surgimento de uma nova entidade – como no caso dos diferentes esquemas de integração regional –, ou propor, com alguns sócios escolhidos a dedo, um novo bloco para preencher objetivos específicos ou interesses nacionais bem definidos. 

Este não é o caso, contudo, do BRIC (este era o formato original, em 2006-2009) ou do BRICS (como se tornou a partir de 2011), que reputo como sendo uma entidade totalmente artificial, disfuncional e pouco propensa a consolidar um processo autônomo de afirmação internacional, de acordo a objetivos de desenvolvimento nacional especificamente brasileiros. O fato de que o BRICS tenha constituído um Novo Banco de Desenvolvimento – fundado aliás no Brasil, em 2014 – não me parece representar nenhum objetivo maior no quadro de nossa interface externa, apenas mais burocracia e contribuições mandatórias que são sempre custosas. Não é por falta de financiamento que a infraestrutura brasileira interna e para as exportações ainda é de péssima qualidade, e sim pela ausência de um bom ambiente regulatório e de bons projetos para captar recursos de diversas fontes externas e até internas, privadas ou de fundos e bancos existentes. O BRIC-BRICS foi uma construção política, reunindo quatro países que possuem poucos pontos em comum, em suas respectivas diplomacias e quase nenhuma convergência explícita nas estratégias de desenvolvimento.

 

4. Blocos e alianças estratégicas na matriz das relações exteriores

Blocos e alianças estratégicas deveriam ser como esses remédios de tarja preta, que só podem ser receitados em condições especiais, depois de um bom exame do paciente, da avaliação de seus efeitos colaterais e com um bom seguimento regular por especialistas na questão. Tais agrupamentos têm sido sobre-estimados e sobretudo vendidos a um preço acima de seu valor de mercado. Ao longo da história, muitos desses grupos foram constituídos, geralmente com objetivos econômicos ou de defesa.

Os mais frequentes são os blocos de comércio, mas mesmo aqui as variedades são muitas, desde os analgésicos das áreas de preferências tarifárias (como os acordos da Aladi, e vários outros pelo mundo, sobretudo entre países em desenvolvimento), ao fortificante das zonas de livre comércio (são centenas e centenas já registradas na OMC, como a Efta, por exemplo, embora algumas fossem bem mais musculosas, como o antigo Nafta), à vitamina da união aduaneira (o próprio Mercosul é uma, mas parece uma colcha de retalhos, muito perfurada), à anfetamina do mercado comum (o que gostaria de ser o Mercosul, mas ainda não consegue, e que corresponde à Comunidade Europeia nos anos 1960), passando depois aos antibióticos das uniões econômicas e monetárias (só a União Europeia adentrou por essa via, não considerando os países que renunciaram a ter moeda própria), até chegar nos barbitúricos da união política (por vezes por incorporação voluntária ou consentida, em outras por absorção). 

É possível que eles possuam virtudes estimulantes e fortificantes para os que deles fazem parte, mas também existem efeitos indesejados, como o fato de reduzirem os objetivos dos mais ambiciosos ao mínimo denominador comum; ou então levar os menos poderosos a agregar apoio às ambições dos mais fortes, que podem lograr, num caso ou noutro, alguma conquista que sozinhos não poderiam. A questão da confiança nesses blocos é fundamental, mas é difícil controlar a postura de cada um deles: existem os recalcitrantes até num bloco altamente institucionalizado, como o da União Europeia, ou manobras unilaterais que podem afastar parceiros formais do objetivo comum, como já tinha observado Tucídides, no caso da Liga Ateniense, que não impediu alguns membros de apoiarem Esparta na guerra do Peloponeso. 

Quanto aos pontos positivos ou negativos, o leque de alternativas ou de interpretações contraditórias é muito amplo para ser tratado nos limites deste pequeno texto. Mas cabem as perguntas de praxe: o Mercosul ajuda ou prejudica o Brasil? – perguntam alguns; já escrevi muito sobre o Mercosul, e meus trabalhos podem ser encontrados em minhas plataformas de interação acadêmica. O Brics é uma boa coisa para o Brasil, ou para a África do Sul? E o Ibas, a primeira entidade da fábrica de experimentos externos da diplomacia lulopetista, trouxe resultados positivos? Se sim, por que não se reúne mais? A Unasul, o que trouxe de diferente que o Brasil não fazer por si mesmo, bilateralmente ou em acertos pragmáticos, para algum projeto ad hoc? Em resumo, todos esses blocos, grupos, foros entregam o que prometem e os seus benefícios superam os seus custos, políticos e financeiros? Pode ser, mas seria preciso uma avaliação independente dos governos para avaliar se é realmente bom para o país. 

Por vezes, uma condução dos projetos nacionais em bases inteiramente autônomas, ou no plano estrito das relações bilaterais em caráter seletivo, pode oferecer um maior leque de opções ao país do que o pertencimento a um bloco arranjado de forma por vezes improvisada, no qual para conduzir qualquer nova iniciativa se deve sempre partir do mínimo denominador comum, uma vez que raramente projetos ambiciosos podem ser inteiramente compartilhados com três ou mais sócios do mesmo empreendimento. Creio que o Brasil é suficientemente instruído, sobretudo em sua diplomacia, para escolher ele mesmo suas melhores opções, tanto no plano formal – ou seja, em formato bilateral, regional ou plurilateral –, quanto no plano substantivo, ou seja, nos objetivos que pretende atingir em seu processo de desenvolvimento (se é que ele tem algum, realmente). 

 

5. A relação econômica entre Brasil-China e suas implicações

Apenas noções antiquadas de geopolítica pretendem limitar a esfera dos interesses nacionais ao âmbito de uma geografia determinada, ainda que de alcance regional ou mesmo mundial. Meio século atrás o Brasil ainda se definia como uma nação cristã do Ocidente e, por isso mesmo, aliada da grande potência hemisférica, contra o “comunismo ameaçador”. Um general autoritário, prussiano, mas suficientemente inteligente em matéria de política externa e versado nos interesses nacionais, resolveu mudar essa postura, em favor do que se convencionou chamar de diplomacia ecumênica, ou o pragmatismo responsável do ministro Azeredo da Silva, incorporado na diplomacia do General Ernesto Geisel. Foi ele quem tomou a decisão – aliás contra a direita burra militar – de estabelecer relações diplomáticas com a República Popular da China, em 1974, embora o crescimento do comércio bilateral tenha sido muito lento nos primeiros vinte anos. Desde 2009, a China é o principal parceiro do Brasil no plano estritamente do comércio, mas as perspectivas no plano dos investimentos e de projetos de cooperação científica e tecnológica também podem ser promissoras, se o Brasil realmente possuir diretrizes bem estabelecidas nesses terrenos. 

A complexa estrutura da economia mundial contemporânea determina, quase que de modo automático, uma imbricação necessária das economias nacionais, que de resto já funcionam em interdependência crescente, não tanto em função de determinações e escolhas governamentais, mas sobretudo em função de decisões tomadas em nível microeconômico, por parte das empresas privadas, que atuam segundo seu próprio cálculo de modo independente para uma alocação ótima de investimentos diretos. Critérios básicos nesse terreno são a abertura econômica, a criação de um ambiente favorável aos investimentos estrangeiros e a liberalização comercial de modo amplo, se possível ou necessário de modo unilateral. 

Isso significa que a antiga concentração, por vezes obsessiva, na busca e na conformação de um “espaço de políticas públicas”, potencialmente de autonomia nacional pela via da substituição de importações, não estaria mais de acordo com as novas características da geoeconomia global, o que talvez ainda não figure em todos os manuais de economia, ou nas respostas-padrão nos concursos de ingresso para a carreira diplomática. Imagine-se que diplomatas inteligentes já tenham superado tais concepções simplórias da independência nacional, que combinavam mais com os militares de antigamente.

Entre a última década do século XX e a primeira do século XXI – quando o mundo finalmente se libertou da velha Guerra Fria geopolítica, com a implosão do socialismo e o desaparecimento da União Soviética, e adentrou, talvez, numa nova Guerra Fria econômica, com a ascensão fulgurante da China –, o gigante asiático se tornou o parceiro incontornável de mais de uma centena de países, pelo menos no plano comercial, e se prepara para, dentro em breve, suplantar os EUA em termos de PIB (mas não, obviamente, em termos de PIB per capita, o que deve demorar mais um século, se algum dia chegar). A China, que perdeu a primeira e a segunda revoluções industriais, e talvez até a terceira, em meados do século XX – quando a China estava submetida ao maoísmo demencial –, se incorporou decisivamente à quarta revolução industrial e já se encontra ativamente numa das vanguardas da quinta revolução industrial. Ouso prever que, assim como os padrões industriais foram europeus, na sua primeira expressão tecnológica do século XIX, e que eles se tornaram basicamente americanos, com aportes europeus e japoneses, no decorrer do século XX, esses padrões vão combinar a inovação tecnológica de grandes empresas (muitas não existem ainda) e de laboratórios privados e governamentais dos países avançados, entre os quais a China já se inclui, e ela continuará determinando, grande medida, o futuro da Ásia (como já tinha ocorrido séculos atrás) e do mundo, pelo menos o mundo no qual o Brasil está inserido.

O Brasil sofreu um processo de desindustrialização precoce – que, no entanto, não é inevitável ou definitiva – e perdeu competitividade no plano internacional, o que só lhe é garantido, desde alguns anos, graças às exportações crescentes de commodities e graças à sua valorização em função da imensa demanda chinesa. Assim como, no século XIX foi um dependente financeiro dos banqueiros britânicos, e que, no século XX, tornou-se um grande dependente econômico e parcialmente político dos EUA, na atualidade tornou-se um dependente comercial da China, que lhe garante boa parte do superávit na balança comercial total, podendo compensar, em parte, os déficits crônicos nos serviços, e em parte nas transações correntes, o que absolutamente imprescindível para algum equilíbrio no balanço de pagamentos. A China é, para o Brasil e para dezenas de outros países, absolutamente incontornável no plano do comércio e progressivamente para investimentos, financiamentos e cooperação tecnológica. Trata-se de uma relação basicamente econômica, mas ela também possui implicações em outras áreas, como por exemplo nas ferramentas de comunicação e de informação, entre elas na questão do 5G (e futuramente do 6G e outras ferramentas). 

Assim como ocorria nos tempos das relações prioritárias com os EUA, as assimetrias – comerciais e outras – entre o Brasil e a China são bastante evidentes. A China já tinha a sua geografia comercial bem assentada: ela sempre importou matérias-primas de todos os fornecedores possíveis, e continua exportando seus manufaturados – boa parte produtos de design e tecnologia ocidentais – para todos os mercados abertos ao engenho e à arte de seus diplomatas e mercadores, todos absolutamente pragmáticos quanto aos resultados esperados, sem qualquer concessão a veleidades ideológicas ou uma patética aliança de um grupo de “não hegemônicos” contra os poderosos do mundo (como era a concepção equivocada dos lulopetistas que guiavam a diplomacia nos governos do PT). De uma aliança ilusória desses tempos de “diplomacia Sul-Sul” (mas a China é praticamente um país do “Norte”) se passou, nos tempos obscuros da diplomacia bolsolavista a uma paranoia contra o “comunismo chinês” que não faz nenhum sentido, nem econômico, nem diplomático. Um futuro governo “normal” deverá restabelecer as bases de uma relação proveitosa ao Brasil.

 

6. Minhas conclusões sobre nossa interface externa

A política externa e a diplomacia são coetâneas à própria construção da nação, aliás desde antes mesmo que ela assumisse o formato político de um Estado independente, como brilhantemente demonstrado pela obra que já nasceu clássica do embaixador Rubens Ricupero: A diplomacia na construção do Brasil, 1750-2016 (2017). A primeira fase da existência da nação foi dedicada à construção do próprio Estado, em meio a grandes comoções políticas, guerra no Prata e rebeliões internas, que exigiram um constante sentido de unidade nacional da parte dos dirigentes políticos, seja no turbulento primeiro Reinado, seja na ainda mais desafiada década das regências. Infelizmente, esses dirigentes não atenderam aos conselhos de Bonifácio e Hipólito, no sentido de se lograr uma rápida extinção do tráfico escravo e a liberação progressiva do recurso à escravatura, o que gerou uma grave deformação na formação da nova nação, que prolongou seus efeitos pelo resto do século XIX, durante todo o século XX e que ainda hoje projeta seus efeitos nefastos sob a forma de iniquidades sociais pouco compatíveis com a relativa sofisticação do desenvolvimento material do país.

A lenta construção de uma sociedade inclusiva vem sendo, durante todo o período recente, dificultada por um sistema político extremamente fragmentado, por uma democracia de muito baixa qualidade – porque marcada pelo mau funcionamento do Estado e pelo grau elevado de corrupção política –, o que vinha sendo parcialmente compensado por uma diplomacia particularmente exitosa, de grande qualidade e muito ativa. Infelizmente, essa trajetória parece temporariamente interrompida por uma grande ruptura com padrões aceitáveis de uma governança responsável, ao ser guindado no comando do país um político de tendências autocráticas, particularmente inepto em matéria de políticas públicas e excepcionalmente medíocre no tocante a uma política externa, já não se diga de qualidade, mas meramente aceitável, segundo alguns padrões a que se estava minimamente acostumado nas décadas anteriores. O resultado tem sido, nos dois anos e meio do presente mandato de Bolsonaro, uma governança caótica, improvisada, e uma diplomacia que logrou provocar o isolamento total do Brasil na região e na maior parte do mundo, sendo que o chanceler parece satisfeito com a condição de “pária”.

O Brasil tem sido um fornecedor altamente competitivo de produtos que se inserem plenamente em suas vantagens ricardianas permanentes, ou seja, os bens derivados das atividades de exploração de seus recursos naturais abundantes, o que promete continuar pelo futuro indefinido. De fato, o Brasil é um grande ofertante de todos os produtos que correspondem à sua matriz secular de economia extrativa e de base agrícola, mas tem enormes dificuldades para se inserir nos mercados de produtos de maior valor agregado, como os da eletrônica avançada, os da química fina e, de forma geral, produtos intangíveis, ou da inteligência. 

Vantagens comparativas, justamente, constituem a base sobre a qual se assentam os duplos fluxos, in e out, que todo país mantém com todos os demais, à base das assimetrias naturais que são as que sustentam as interações de todos os tipos. O Brasil tem inúmeras vantagens comparativas, absolutas e relativas, e uma análise prospectiva pode revelar em quais direções o país deve dirigir os seus esforços de investimento nos próximos anos, o que exige, obviamente, um governo que escape do jogo mesquinho da política corrente para visualizar os cenários futuros abertos ao engenho e à arte do povo brasileiro, dos seus agentes econômicos, dos seus artistas, músicos e esportistas. O mapa diplomático brasileiro é um dos mais extensos do mundo, o que deveria facilitar um esforço de identificação de tendências de consumo e de desenvolvimento em cada um dos países nos quais temos representação. Por uma vez, caberia, sem descurar nossas vantagens baseadas em recursos naturais dos últimos 500 anos, explorar as futuras vantagens, com base na projeção do que podemos fazer no quadro da economia do conhecimento e da sustentabilidade.

É certo que o Brasil se encontra, às vésperas do segundo centenário de sua independência, numa situação miserável, o resultado de erros monumentais da condução de sua política econômica nos 15 anos anteriores, da inércia governamental decorrente de uma corrupção política também mastodôntica, de uma incapacidade geral de suas elites políticas e econômicas em realizar um diagnóstico correto dos problemas existentes e, a partir daí, traçar um roteiro de reformas estruturais para superar a “estagnação secular” que nos atinge desde os anos 1980. É certo também que o governo atual se apresenta como um dos mais medíocres de toda a história do Brasil, não apenas por não conseguir estabelecer qualquer programa de governança racional, mas igualmente e sobretudo por ter elevado, de maneira extraordinária, a ignorância aos pináculos do poder. A olhar a história passada não se consegue identificar um governo que tenha consagrado o preconceito e o despreparo como credenciais para a ocupação de postos no governo, desde que identificados os candidatos com as “ideias” bizarras dos titulares do poder. O Itamaraty, infelizmente, não ficou imune a essa tendência.

Uma alternância no poder, que virá no momento oportuno, deveria encontrar um Itamaraty renovado, aliviado da depressão atual, com uma nova geração devotada justamente a um outro tipo de política externa e de diplomacia, adequada a um mundo sensivelmente diferente do que tivemos até aqui. Os mais jovens, que subirão a postos de mando nos próximos anos, terão de se organizar de forma autônoma, dado o virtual esgotamento de ideias, não exatamente entre os diplomatas, mas entre aqueles políticos que poderiam liderá-los na concepção e implementação de uma nova política externa, a partir, igualmente, de uma nova diplomacia.

Diplomacia, em qualquer tempo, em qualquer lugar do mundo, para todos os tipos de situações, inclusive em caso de guerras, significa, antes de tudo e principalmente, capital humano. Muito antigamente, a diplomacia era uma função episódica, reservada aos enviados dos soberanos, que para isso mesmo escolhiam os seus melhores assessores, ou nobres de fino trato, conhecimento de línguas e algumas posses, pois também era preciso exibir alguma pompa. Nas burocracias modernas, os diplomatas também se distinguem por sua educação refinada, domínio perfeito de outros idiomas e uma real vocação para a missão, que não é, justamente, simplesmente burocrática. 

A primeira academia diplomática nasceu em Viena, entre os Habsburgos, e depois disso a maior parte das diplomacias modernas criou instâncias de formação e treinamento de seu pessoal diplomático e consular (ainda duas carreiras separadas em alguns serviços). A despeito de ser relativamente recente, criado em 1945, o Instituto Rio Branco ganhou bastante prestígio, talvez nem tanto pelo que se estuda ali, mas pela preparação prévia que os candidatos já precisam ter para serem selecionados para a carreira. Em todo caso, o IRBr e o IPRI deveriam servir para a formação constante, o treinamento e o aperfeiçoamento dos diplomatas, que já são excelentes, mas que podem ficar ainda melhores se constantemente levados a continuar nos estudos, dentro e fora da própria Casa. Muitos deles hoje exibem mestrados e doutorados, no Brasil e no exterior, mas nem sempre uma visão puramente acadêmica é o que se requer no trabalho ativo, e sim a própria experiência adquirida nas frentes negociadoras, e na observação atenta de como são, como funcionam (ou não) outros países, por vezes os mais exóticos.

O capital humano do Itamaraty já é bom, de ingresso, mas pode ficar ainda melhor, se adequadamente estimulado, incentivado, cobrado a incrementar seus estudos e experiências com base num programa integrado das unidades de ensino, pesquisa e debate da Casa, com publicações constantes, até em áreas da cultura e da literatura em geral, não diretamente funcionais para o trabalho burocrático modorrento.

Um planejamento estratégico para a diplomacia brasileira deveria partir de um diagnóstico dos desafios principais do país, para a partir daí começar a traçar as grandes linhas de ação da política externa e da atuação da Casa naquelas áreas e espaços nos quais se requer a ação da diplomacia para subsidiar os esforços de desenvolvimento nacional (sim, o Brasil ainda é um país subdesenvolvido, não tanto pelas insuficiências de sua indústria ou agricultura, mas pela pobreza do seu povo e pela desigualdade vergonhosa que caracteriza nosso perfil distributivo). Um exercício de planejamento estratégico, como em vários outros esforços de ganhos de produtividade, pode até fazer com que o Itamaraty continue fazendo muito do que já faz atualmente, ou o que sempre fez: informação, representação, negociação. 

Mas ganho de produtividade significa fazer o mesmo com menos custos, ou fazer mais com os mesmos custos, o que me parece mais interessante. Isso depende basicamente do capital humano, que deve ser treinado a fazer algo mais do que simplesmente informar a Secretaria de Estado sobre o que se passa no seu posto e pedir instruções sobre como proceder para dar cumprimento à sua agenda de trabalho. Um planejamento estratégico para a diplomacia brasileira deveria partir de um diagnóstico dos desafios principais do país, para a partir daí começar a traçar as grandes linhas de ação da política externa e da atuação da Casa naquelas áreas e espaços nos quais se requer a ação da diplomacia para subsidiar os esforços de desenvolvimento nacional (sim, o Brasil ainda é um país subdesenvolvido, não tanto pelas insuficiências de sua indústria ou agricultura, mas pela pobreza do seu povo e pela desigualdade vergonhosa que caracteriza nosso perfil distributivo).

Um exercício de planejamento estratégico, como em vários outros esforços de ganhos de produtividade, pode até fazer com que o Itamaraty continue fazendo muito do que já faz atualmente, ou o que sempre fez: informação, representação, negociação. Mas ganho de produtividade significa fazer o mesmo com menos custos, ou fazer mais com os mesmos custos, o que me parece mais interessante. Isso depende basicamente do capital humano, que deve ser treinado a fazer algo mais do que simplesmente informar a Secretaria de Estado sobre o que se passa no seu posto e pedir instruções sobre como proceder para dar cumprimento à sua agenda de trabalho. O planejamento estratégico da diplomacia brasileira deveria oferecer aos diplomatas os grandes temas relevantes do seu trabalho. Este não necessariamente será sobre a agenda diplomática do país ou do órgão em questão, pois esse é o lugar comum e o pão diário de todo diplomata, mas poderá ser a vida interna do país, seus êxitos e fracassos no tratamento e encaminhamento dos seus principais problemas nas questões econômicas, sociais, culturais, educacionais, e questões conexas.

Digo isso porque quer me parecer que o Brasil não possui nenhum problema internacional digno de nota, em todo caso algum que derive de suas posturas diplomáticas, que sempre me pareceram bastante corretas (menos as atuais, que são horrorosas, mas essa é outra questão). O que o Brasil exibe ao mundo, e que precisa ser corrigido urgentemente, são, precisamente, sua situação calamitosa no plano social, a ineficiência de seu Estado, com seus mandarins privilegiados, a falta de segurança pública, a pobreza andrajosa das ruas, o desempenho calamitoso de seus estabelecimentos de ensino de massa, a corrupção nas altas esferas públicas, a violência contra os mais humildes e minorias, a falta de um Estado de Direito, o que também tem a ver com o lado perdulário e pouco produtivo do Judiciário. O Brasil possui inúmeras “jabuticabas”, que não existem em outros países, e que não teriam por que subsistir aqui; uma boa observação a partir do exterior, com base naquilo que já se conhece do Brasil, pode permitir detectar tudo isso.

Ou seja, os diplomatas podem continuar fazendo aquilo que sempre fizeram, mas um outro olhar de fora do Brasil para dentro poderia ajudar bastante a corrigir nossas deformações mais gritantes. O Brasil será um país melhor para o mundo quando ele for melhor para si mesmo, para os seus filhos, em especial os mais humildes. Não sei se esse seria um bom exercício de planejamento diplomático, mas a mim parece suficientemente gratificante como para justificar algumas horas a mais a estudar o Brasil no Instituto Rio Branco e no IPRI, e algumas horas a mais, no exterior, a estudar o país em seus aspectos internos, e não apenas a sua diplomacia e suas posturas negociadoras. Tais são, parece-me, as bases para o estabelecimento de um verdadeiro e completo planejamento estratégico para o serviço diplomático brasileiro.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4001: 21 outubro 2021, 17 p.

 

 

Recomendações de leitura e de consulta: 

3984. “Alca e Mercosul: dois processos paralelos, não divergentes”, Brasília, 22 setembro 2021, 3 p. Paper introdutório, destinado aos participantes de um evento organizado pelo Instituto Brasileiro de Debates (6/10/2021, 19hs). Divulgado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2021/09/alca-e-mercosul-dois-processos.html).

3850. “Lista de trabalhos sobre Mercosul, União Europeia e integração”, Brasília, 31 janeiro 2021, 17 p. Listagem seletiva em torno dos conceitos referidos, de 1987 a 2020. Postado na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/45068630/Trabalhos_PRAlmeida_sobre_Mercosul_Uniao_Europeia_e_integracao_1987_2020); anunciado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2021/02/lista-de-trabalhos-sobre-mercosul-uniao.html).

 

 

Brasil e seus submarinos nucleares ( mais 30 anos para terminar?)

 Resposta do Embaixador do Brasil em Londres (publicada na The Economist de 16/10/2021, secção Letters):

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Brazil’s nuclear programme

You were right to quote an expert affirming that Brazil’s nuclear-powered submarine programme is legitimate (“Underwater atoms”, October 2nd). Brazil is possibly the only country in the world with a constitution that prohibits the use of nuclear energy for non-peaceful purposes. For 30 years we have had full transparency through the nuclear-monitoring mechanisms of the Brazilian-Argentine Agency for Accounting and Control of Nuclear Materials as well as the International Atomic Energy Agency. Brazil is a signatory to all the main international instruments on non-proliferation. And our determination to promote meaningful nuclear disarmament is also unwavering: we were the first country to sign the Treaty on the Prohibition of Nuclear Weapons.




Simply put, the nuclear-propulsion submarine that Brazil has been developing for four decades is a response to the country’s need to look after its vast Atlantic coast. No more, no less.

fred arruda
Ambassador of Brazil

London


On Friday, October 15, 2021, 08:58:48 PM EDT, joao oliveira <joaocoliveira@yahoo.com> wrote:



Fonte: The Economist de 2 de outubro 2021


Brazil might get nuclear-powered submarines before Australia

 

Nuclear submarines have caught the world’s eye in recent weeks. On September 15th the United States, Australia and Britain announced the aukus pact to help Australia build nuclear subs, a military capability so potent that the United States has never shared it with any ally other than Britain. Yet on the other side of the Earth from Perth, where the Australian boats may one day be based, another middle-ranking power has been quietly honing the same technology for far longer.

At the Itaguaí naval complex near Rio de Janeiro, and other sites scattered across Brazil, hundreds of engineers are slowly designing and piecing together parts of the Álvaro Alberto, a nuclear-powered submarine named after a former vice-admiral and pioneer of the country’s nuclear programme. If all goes to plan, it could land in the water at Madeira island in Itaguaí in the early 2030s, before Australia gets a sniff at its own subs. That would make Brazil the first non-nuclear-armed country to operate a nuclear-powered submarine.

Brazil’s armed forces began serious nuclear work in the 1970s, with an eye on eventually producing nuclear weapons. The navy was the spearhead of that effort, deploying hundreds of staff in a secret programme to spin uranium in centrifuges—a process that enriches it for use in reactors (or bombs)—and to build the miniature reactors that can fit inside the cramped hull of a submarine. This work survived the end of military rule in 1985. It then languished for a while, but received enthusiastic support from Luiz Inácio Lula da Silva, Brazil’s left-wing president from 2003 to 2010.

Progress since then has been slow, though Jair Bolsonaro, Brazil’s current president, attended a ceremony marking the initial assembly of a prototype reactor in Iperó, 120km north-west of São Paulo, in October 2020. A month later the navy finalised the boat’s basic design. That was in no small part thanks to Naval Group, the largely state-owned French arms company whose jilting last month by Australia, as part of aukus, provoked a diplomatic incident. Under a deal agreed in 2008 under Lula, Naval Group signed a contract with Odebrecht, a conglomerate now synonymous with corruption, to sell advanced diesel-electric submarines to Brazil.

Many see Brazil’s quest for nuclear subs as a quixotic frippery. It is “a mad indulgence of Lula’s boom era”, says one foreign diplomat. Brazilian officials justify the programme by pointing to the “Blue Amazon”, a term coined by the navy. It refers to the country’s 8,000km-long coastline, the economic riches that lie off it and the importance of defending them. Brazil says its continental shelf gives it rights beyond the exclusive economic zone of 200 nautical miles (370km) set out in the un Convention on the Law of the Sea (see map).

Yet one of the world’s stealthiest military platforms might be considered overkill for protecting fish, guarding oil rigs and warding off Argentine warships that are no longer hostile. Diesel-electric submarines, which are quieter in shallow water, and far cheaper to build, would be better suited to coastal defence. One reason for the programme’s survival may be that it has friends in high places. The minister of mines and energy, for instance, is a former admiral who commanded Brazil’s submarine force and ran the navy’s nuclear work. Mr Bolsonaro, a former army officer himself, has stacked his government with military folk and increased the armed forces’ budget this year (the amount for subs shrank by 31%, amid a wider fiscal crisis).

Geopolitical factors are at work, too. The subs have justified the need to master the complete fuel cycle—the process of mining, milling and enriching nuclear fuel—and thus placed Brazil “in the threshold between being a nuclear state and not being a nuclear state”, says Carlo Patti, author of “Brazil in the Global Nuclear Order”. That means the country can produce its own nuclear energy, without seeking help from rich countries which, in Brazil’s view, have monopolised such technology on the pretext of non-proliferation. It also means that Brazil could produce weapons-grade uranium if it chose to. Both capabilities are sources of “political and technological prestige”, says Mr Patti.

For largely the same reason, they make non-proliferation advocates nervous. Brazil once had a secret weapons programme. In 2019 Mr Bolsonaro’s son, a member of Congress, said that Brazil would be “taken more seriously” if it had nukes. Whereas most countries have signed a so-called Additional Protocol with the International Atomic Energy Agency, a nuclear watchdog, which allows for enhanced inspections, Brazil has long refused to do so, on the basis that nuclear-armed states have not done enough to disarm.

In practice, the subs are not much cause for worry. Brazilian nuclear material is monitored under a special bilateral pact with Argentina, which was signed in 1991. And unlike British and American subs, which use uranium enriched to the high levels suitable for a bomb, Brazil’s planned reactor will use low-enriched stuff that would need to be spun further for nefarious purposes. Brazilian naval officers are keen to show that their programme is above-board, and would not like to be lumped in with nuclear pariahs like Iran. “I'm not concerned,” says Togzhan Kassenova, an expert on non-proliferation at the State University of New York at Albany.

A nuclear submarine is one of the most sophisticated and complex pieces of military hardware that any country can build. Brazil’s programme has now survived military and civilian governments, and presidents of both the left and right. Its survival owes much to Lula, who has said he will run in next year’s presidential elections and enjoys a commanding 18-percentage-point lead over Mr Bolsonaro.

“The project appears to be irreversible,” noted Ms Kassenova and two other experts who visited the Itaguí shipyard in 2018. No country below the equator has ever owned or operated a nuclear-powered submarine. Brazil and Australia will now be vying to get there first.



Ex-chanceler e ex-presidente da Funag indiciados por CRIMES? Inédito na história do Itamaraty

Um chanceler criminoso? Du jamais vu...

Um presidente da Funag reles contraventor da lei? Incroyable!

 De memória de homem, e de acordo com os anais da diplomacia brasileira, não se tem notícia de que um chanceler (ainda que ex) e um presidente da Funag (também já substituído) tenham sido, no passado recente ou nos registros remotos, indiciados por CRIMES COMETIDOS no exercício das funções.

É o que se pode ler no Relatório da CPI da Pandemia, um detalhado documento que transcreve as oitivas e as ações (e sobretudo omissões) de cada um no trato da pandemia, no contexto da qual ambos seguiram fielmente as recomendações, diretivas, ordens e loucuras daquele que passa por dirigente nacional, assim como seus respectivos chefes (informais) no Gabinete do Ódio ou entre os círculos íntimos do primeiro.

Paulo Roberto de Almeida

RELATÓRIO PRELIMINAR DA CPI DA PANDEMIA, EM 17/10/2021

Disponível na plataforma Academia.edu, neste link: 

https://www.academia.edu/59148514/Relatorio_Preliminar_da_CPI_da_Pandemia_em_17_10_2021

ou aqui: 

https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida/Varia


Transcrevo as partes pertinentes, relativas ao ex-chanceler acidental e seu fiel escudeiro capacho, ex-presidente da Funag: 

p. 65, notas 32, 33 e 34: 

32. Depoimento à CPI do senhor Ernesto Araújo no dia 18 de maio de 2021. 

33. Na avaliação da documentação enviada à CPI, observou-se que, em nosso entendimento, dificilmente – salvo alguns pouquíssimos casos, não seria necessário o estabelecimento de sigilo para a documentação. Além disso, organizações da sociedade civil obtiveram vários desses documentos por meio da LAI -Lei de Acesso à

Informação – e os tornaram públicos por meio de seus sítios eletrônicos na Internet.

34 A agência de notícias tornou disponíveis os documentos que lhe foram enviados pelo Ministério das Relações Exteriores:  https://drive.google.com/drive/folders/16YkCA-bsu8PcDTUOJDLronL_S75-J2Ww Acesso 21 Ago 2021. 


p. 233, sobre cobertura da vacinação:

 

Conforme documentação obtida pela CPI, o Ministro Ernesto Araújo encaminhou comunicação à Covax Facility, em 31 de agosto, último dia do prazo para adesão, optando pelo modelo de Optional Purchase (que permite recusar qualquer vacina oferecida enquanto mantém a possibilidade de cobrir a porcentagem de doses escolhidas) com cobertura de 20% da população, padrão proposto pela Gavi, que coordena o consórcio junto com a OMS.


p. 613 do Relatório preliminar: 

Em seguida, está o núcleo que oferece suporte político às decisões da organização [formada pelo Gabinete do Ódio]. Ele é formado essencialmente por parlamentares, políticos, autoridades ú.blicas e religiosas. Nele, estão incluídos os Deputados Federais Ricardo Barros, Osmar Terra, Carlos Jordy, Carla Zambelli, Bia Kicis, Silas Malafaia, Carlos Wizard, o ex-ministro Ernesto Araújo, Roberto Goidanich (ex-presidente da FUNAG), o ex-deputado Roberto Jefferson e o ministro Onyx Lorenzoni. Eles incentivaram as pessoas ao descumprimento das normas sanitárias impostas para conter a pandemia e adotaram condutas de incitação ao crime. Os detalhes das postagens de cada um estão devidamente demonstrados no item 9.5.3.


p. 624, sobre as ações conduzidas pelos personagens: 


Citamos o caso ocorrido na Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG). Trata-se de uma entidade da administração pública, subordinada ao Ministério das Relações Exteriores. Conduzida por seu presidente Roberto Goidanich, que agia sob o comando do então Chanceler Ernesto Araújo, a fundação promoveu eventos, palestras e lives com palestrantes negacionistas, incluindo os filhos do Presidente da República. O teor das palestras eram em sua maioria contra as medidas sanitárias de contenção da pandemia e vacinas.


p. 625-26, sobre essas ações: 


Dessa forma, a FUNAG, sob comando de Roberto Goidanich do seu chefe, ministro Ernesto Araújo, utilizaram a estrutura pública para propagar teorias e incentivar o descumprimento das normas sanitárias

durante a pandemia.


p. 721-22, dentro do

Capítulo:  9. DESINFORMAÇÃO NA PANDEMIA (FAKE NEWS)

Seção: 9.4 MODO DE AGIR


- Ernesto Araújo

Ex-chanceler do governo Bolsonaro, durante a pandemia além de atuar diretamente na compra de insumos para vacinas, aparece como responsável na troca de telegramas para garantir a fabricação e disseminação do tratamento precoce, através da cloroquina. Em suas redes sociais, chegou a chamar o coronavírus de Comunavírus, e foi acusado pelo Ministro Gilmar Mendes, do STF, de divulgar fake news em suas redes sociais. Recentemente, postou em seu Twitter que passaria a ingressar o quadro de colunistas do Terça-Livre, com textos semanais.

Ernesto era o ministro de Relações Exteriores durante o período em que a Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG) promoveu seminários e palestras com negacionistas e influenciadores bolsonaristas para atacar medidas de contenção da pandemia.


22/04/2020 – Em postagem em sua rede social chama o Coronavírus e Comunavírus.



06/12/2020 – Em sua rede social fez uma postagem sobre uma teoria da conspiração que diz que a pandemia do novo coronavírus teve origem em um complô das elites com o objetivo de controlar as massas.


04/10/2021 – Anuncia em rede social entrevista que deu ao Terça Livre sobre cenário na pandemia e que passaria escrever artigos semanais para o site.





p. 723, para o ex-presidente da Funag: 


- Roberto Goidanich

Durante o período da pandemia esteve como presidente da Fundação Alexandre de Gusmão – FUNAG, e realizou eventos e palestras negacionistas, inclusive como palestrante. Com ele, a fundação se tornou um dos principais canais de divulgação de teses contrárias às medidas sanitárias adotadas ao longo da pandemia.


01/05/2020 – Postagem realizada nesta data mostra a divulgação do evento no perfil oficial da FUNAG, que também realizava a transmissão ao vivo.




Disponível em: https://twitter.com/FUNAGbrasil/status/1256211263157305348?s=20


p. 990-91, 

Capítulo: 13. INDICIAMENTOS

seção: 13.6 DO CRIME DE EPIDEMIA


Pelas mesmas razões, Mayra Pinheiro, por sua atuação na crise de Manaus, que concorreu para agravar o resultado, e o ex-Chanceler, Ernesto Araújo, que pela aposta em medicamentos, como a cloroquina e hidroxicloroquina, e pela falta de proporção e rigor técnico entre a busca de medicamentos no mercado internacional e pela campanha de desinformação institucional, via Fundação Alexandre de Gusmão, que, sob seu comando, promoveu eventos, palestras e lives com palestrantes negacionistas, incluindo os filhos do Presidente da República, também concorreu, pela imperícia e imprudência, para agravar o resultado da epidemia entre nós.


p. 1007, 

Capítulo: 13. INDICIAMENTOS

seção: 13.10 Da incitação ao crime


Nesse cenário de disseminação de comunicações enganosas, identificou-se a participação do presidente Jair Messias Bolsonaro, ... (...)

Como partícipes desse delito, ainda devem ser incluídos o exministro Ernesto Araújo e o ex-presidente da FUNAG, Roberto Goidanich. Essas condutas configuram a prática do crime de incitação ao crime, previsto no art. 286 do Código Penal.


p. 1058, 13.28 Resumo dos indiciamentos


5) ERNESTO HENRIQUE FRAGA ARAÚJO – Ex-ministro das Relações Exteriores - art. 267, p. 2. (epidemia culposa com resultado morte) e art. 286 (incitação ao crime), combinado com art. 29; todos do Código Penal;


p. 1069-70, continuidade:

14. ENCAMINHAMENTOS

Em relação aos crimes mencionados no item anterior, deverão ser encaminhadas, sem prejuízo de eventuais conexões processuais:

(...)

v) aos Ministérios Públicos estaduais, com competência para atuar na primeira instância da Justiça Comum, e à Secretaria de Segurança Pública dos Estados, para o encaminhamento à delegacia de polícia com competência para a investigação, observando-se o local em que foi cometido o crime ou, não podendo esse ser identificado, o foro do domicílio ou da residência do investigado, cópias do presente relatório e dos documentos e oitivas relacionados aos fatos praticados por (...) por Ernesto Henrique Fraga Araújo; (...); Roberto Goidanich;...


p. 1168, no último capítulo

16. CONCLUSÕES:

(...)

Restou claro, nas sucessivas comunicações diplomáticas a que teve acesso a CPI, o erro de estratégia cometido pela gestão de Pazuello e de Ernesto Araújo (falta de prioridade dada para a vacinação e a aposta em medicamentos, como a cloroquina e hidroxicloroquina), o que contrasta com a postura quase desesperada em 2021 da nova gestão Queiroga e Carlos Alberto França, dada a segunda onda e o aumento de casos e mortes, em busca de vacinas e insumos para produção de vacinas, assim como o pedido de aumento da cobertura populacional na Covax Facility. 

(...)

quarta-feira, 20 de outubro de 2021

CPI da Pandemia: o relatório e o indiciamento por crimes (versão preliminar, contendo debate sobre o tema do genocídio)

CPI da Covid realiza leitura do relatório final 

Relator da CPI, senador Renan Calheiros, realiza a leitura do parecer final mais atualizado:

bit.ly/3DWCN9k

CPI: Renan pede indiciamento de 66 pessoas.

CRIMES NO ATACADO:

Por Erika Hilton:

1️⃣ - JAIR BOLSONARO indiciado por:

- Epidemia com resultado de morte

- Infração a medidas sanitárias preventivas

- Incitação ao crime

- Falsificação de documento particular

- Prevaricação

- Crime contra a humanidade

- Crime de responsabilidade

2️⃣ - CARLOS BOLSONARO e EDUARDO BOLSONARO indiciados por

- Incitação ao crime

3️⃣ FLÁVIO BOLSONARO indiciado por

- Incitação ao crime

- Improbidade administrativa

4️⃣ - MARCELO QUEIROGA indiciado por

- Epidemia culposa com resultado de morte

- Prevaricação

5️⃣ - EDUARDO PAZUELLO indiciado por

- Crime contra a humanidade na modalidade de extermínio

- Epidemia com resultado de morte

- Emprego irregular de verbas públicas

- Prevaricação

- Comunicação falsa de crime

6️⃣ - RICARDO BARROS indiciado por

- Incitação ao crime

- Formação de organização criminosa

- Improbidade Administrativa

- Advocacia administrativa

7️⃣ - ERNESTO ARAÚJO indiciado pro

- Epidemia culposa com resultado de morte 

- Incitação ao crime

8️⃣ - CARLA ZAMBELLI, BIA KICIS e LUCIANO HANG indiciados por

- Incitação ao crime, disseminação de fake news.

9️⃣ - OSMAR TERRA 

- Epidemia culposa com resultado de morte

🔟 - MAURO LUIZ DE BRITO RIBEIRO, presidente do CFM, indiciado por

- Epidemia culposa com resultado de morte

1️⃣1️⃣ - - ESCÂNDALO DA COVAXIN

Roberto Ferreira Dias, Coronel Élcio Franco, Luiz Dominguetti, Coronel Marcelo Blanco e Pastor Odilon serão indiciados por negociar e propor compra de vacinas com propina nos crimes de Corrupção passiva e ativa e outros crimes. 

1️⃣2️⃣ - PREVENT SENIOR 

Os donos da Prevent Senior, Eduardo Parrillo e Fernando Parrillo, serão indiciados por:

- Crime contra a humanidade

- Perigo para a vida e a saúde de outrem

- falsidade ideológica

- Omissão de notificação da doença

- Incitação ao crime

🔟 - MAURO LUIZ DE BRITO RIBEIRO, presidente do CFM, indiciado por

- Epidemia culposa com resultado de morte

Esta foi uma das CPI's mais importantes da história e ainda vamos levar tempo para digerir e responsabilizar todos os envolvidos nessa gestão criminosa da pandemia. Devemos lutar pela memória e justiça para todas as vítimas desse governo negacionista! #CPIdaCovid

@ErikaHilton


RELATÓRIO PRELIMINAR DA CPI DA PANDEMIA, EM 17/10/2021

Disponível na plataforma Academia.edu, neste link: 

https://www.academia.edu/59148514/Relatorio_Preliminar_da_CPI_da_Pandemia_em_17_10_2021

ou aqui: 

https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida/Varia

(Mesmo que o GENOCÍDIO contra populações indígenas não tenha sido considerado crime imputável ao presidente, considero relevante ler o subcapítulo "13.26 DO GENOCÍDIO", por conter elementos relevantes para um debate sobre o tema)

MINUTA CONTENDO RESUMO DOS TRABALHOS DA CPI DA PANDEMIA ATÉ 17 DE OUTUBRO DE 2021

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 

2. ANTECEDENTES 

3. DO REQUERIMENTO DE INSTAURAÇÃO DA CPI. DO FATO DETERMINADO. DO OBJETO

DA CPI 

3.1 INSTAURAÇÃO 

3.2 COMPOSIÇÃO 

3.3 OBJETIVOS 

4. PLANO DE TRABALHO 

5. DESENVOLVIMENTO DOS TRABALHOS DA COMISSÃO 

6. ANÁLISE 

6.1 GABINETE PARALELO 

6.2 IMUNIDADE DE REBANHO 

6.3 TRATAMENTO PRECOCE 

6.3.1 A VALIDADE CIENTÍFICA DO TRATAMENTO PRECOCE E MEDICAMENTOS RATIFICADOS PELAS AUTORIDADES SANITÁRIAS BRASILEIRAS 

6.3.2 O USO POLÍTICO E RAZÕES DA INSISTÊNCIA NO TRATAMENTO PRECOCE 

6.3.3 O PAPEL DO MINISTÉRIO DA SAÚDE 

6.3.3.1 Depoimento do ex-Ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta 

6.3.3.2 Depoimento do ex-Ministro da Saúde Nelson Teich 

6.3.3.3 Depoimento do ex-Ministro da Saúde Eduardo Pazuello 

6.3.3.4 Depoimento do Ministro da Saúde Marcelo Queiroga 

6.3.4 TRATECOV 

6.3.5 PRODUÇÃO DE FÁRMACOS: O PAPEL DO EXÉRCITO, FIOCRUZ E IMPORTAÇÕES 

6.3.6 O PAPEL DA INDÚSTRIA FARMACÊUTICA 

6.3.7 O PAPEL DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA 

6.3.8 OUTROS ATORES: O PAPEL DOS INFLUENCIADORES DIGITAIS E DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA 127

6.3.8.1 O papel dos influenciadores digitais 

6.3.8.2 O papel do CFM 

6.3.9 GASTOS DO GOVERNO COM OS MEDICAMENTOS DO “KIT-COVID” 

6.3.10 CONCLUSÕES PARCIAIS A RESPEITO DO TRATAMENTO PRECOCE 

6.4 OPOSIÇÃO ÀS MEDIDAS NÃO FARMACOLÓGICAS 

6.5. A FALSA ALEGAÇÃO DE SUPERNOTIFICAÇÃO POR COVID-19 

6.6 RECUSA E ATRASO NA AQUISIÇÃO DAS VACINAS 

6.6.1 DEPOIMENTO DO EX-MINISTRO DA SAÚDE EDUARDO PAZUELLO 

6.6.2 DEPOIMENTO DO EX-SECRETÁRIO EXECUTIVO ANTÔNIO ÉLCIO FRANCO FILHO 

6.6.3 DOCUMENTAÇÃO E OUTROS ELEMENTOS PROBATÓRIOS 

6.6.3.1 Pfizer 

6.6.3.2 Sinovac/Butantan 

6.6.3.3 Moderna e Janssen 

6.6.3.4 Covaxin 

6.6.3.5 Covax Facility 


(...)


6.7. CRISE DO ESTADO DO AMAZONAS E A FALTA DE COORDENAÇÃO DO GOVERNO FEDERAL

6.7.7 A RESPONSABILIDADE DO GOVERNO DO AMAZONAS POR ATOS RELACIONADOS AO ENFRENTAMENTO

DA PANDEMIA 

6.8 O CASO COVAXIN

6.9. HOSPITAIS FEDERAIS DO RIO DE JANEIRO 

6.10 CASO VTC OPERADORA LOGÍSTICA LTDA - VTCLOG 

6.11 ANÁLISE ORÇAMENTÁRIA DA PANDEMIA NO BRASIL 

7. INDÍGENAS 

8. IMPACTOS DA PANDEMIA SOBRE AS MULHERES, A POPULAÇÃO NEGRA E OS QUILOMBOLAS

9. DESINFORMAÇÃO NA PANDEMIA (FAKE NEWS)

10. PREVENT SENIOR

11. ASPECTOS LEGAIS E JURÍDICOS

12. DOS CRIMES

13. INDICIAMENTOS

13.26 DO GENOCÍDIO

14. ENCAMINHAMENTOS

15. PROPOSIÇÕES LEGISLATIVAS E RECOMENDAÇÕES

15.4 PROPOSIÇÕES LEGISLATIVAS DE AUTORIA DA CPI , p. 1078

16. CONCLUSÕES, p. 1161


terça-feira, 19 de outubro de 2021

Mini-macro história sobre o país que um dia foi do futuro - Paulo Roberto de Almeida

Mini-macro história sobre o país que um dia foi do futuro 

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

  

Considerações feitas a alguém que me perguntava sobre coisas quase impossíveis, ou pelo menos improváveis. Teremos condições de superar nossas principais mazelas em tempo razoável, saberemos consertar nossos “malfeitos” em pouco tempo? 

Não seria esperar muito das nossas elites? Afinal de contas, elas demoraram meio século para extinguir o tráfico, esperaram quase mais quarenta anos para abolir a escravidão, nunca fizeram reforma agrária, só concederam direitos laborais pelas mãos de um ditador fascista, construíram tardiamente uma escola republicana, que logo veio abaixo na primeira pressão exercida pela urbanização e democratização do acesso aos mais pobres, jamais se ocuparam de eliminar, ou ao menos minimizar o patrimonialismo do estamento burocrático e dos políticos profissionais, sequer nos ocupamos seriamente de combater a corrupção e quando alguns tentaram foram prontamente escorraçadas pela cooperação mafiosa de bandidos de colarinho branco com “adevogados” de porta de cadeia regiamente pagos com o próprio dinheiro da corrupção, temos quase todo o know-how da corrupção bem azeitada, só faltando alguns aperfeiçoamentos para chegarmos no “ótimo paretiano” da cleptocracia científica, digna das melhores teses de candidatos a Ph.D. em ciência política, temos farto material disponível para romancistas iniciantes em busca de inspiração para obras no realismo fantástico, gênero Law & Order, enfim, somos quase campeões, medalhas de ouro nas Olimpíadas do Crime. 

Tudo isso em menos de 200 anos de vida independente: já não é uma “boa” performance? 

Poucos países fizeram como o Brasil no domínio da história monetária mundial: pelo menos oito moedas no espaço de três gerações, sendo seis novos padrões monetários em menos de dez anos, inflação astronômica, com números equivalentes a anos-luz de deterioração do poder de compra da moeda corrente. 

Não, o Brasil definitivamente não é para amadores: nem os brasilianistas mais experientes conseguem explicar tudo isso para seus conterrâneos. Vamos precisar de todo um exército de sociólogos experimentados, e não tenho certeza de que eles dariam conta de nossa prolixidade na arte de não perder a oportunidade de perder oportunidades, como diria o saudoso Roberto Campos. 

Somos realmente fantásticos, com toda a non chalance dos grandes desfiles de Carnaval, que enchem os olhos de admiração dos turistas, ao ver como fazemos o máximo de brilho a partir de tanta miséria humana e desagregação moral.

Sorry pela breve síntese de nossos fracassos…

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4000: 19 outubro 2021, 2 p.