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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

terça-feira, 13 de junho de 2023

A History of Brazilian Economic Thought: livro de Ricardo Bielschowsky, Mauro Boianovsky e Mauricio Coutinho (orgs.) - resenha de Matheus Assaf (FSP)

            Capa do livro A History of Brazilian Economic Thought 


Livro apresenta pensamento econômico do Brasil a estrangeiros

'A History of Brazilian Economic Thought' reúne textos que analisam do período colonial ao passado recente

 

Matheus Assaf

Professor de economia na Fundação Getulio Vargas e doutor em Teoria Econômica pela Universidade de São Paulo

FOLHA DE S. PAULO, 9.jun.2023 às 23h15

https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2023/06/livro-apresenta-pensamento-economico-do-brasil-a-estrangeiros.shtml

 

Editado pelos pesquisadores Ricardo Bielschowsky, da UFRJ, Mauro Boianovsky, da UnB, e Mauricio Coutinho, da Unicamp, "A History of Brazilian Economic Thought" tem a proposta de consolidar em língua inglesa uma ampla investigação da evolução do pensamento econômico no Brasil.

O livro reúne textos de diversos pesquisadores importantes no tema, incluindo os editores, analisando do período colonial ao passado recente —como buscam uma audiência internacional, os textos são didáticos sobre as particularidades brasileiras.

Resumo brevemente alguns dos tópicos discutidos. O primeiro capítulo aborda a segunda metade do século 20, com a criação dos primeiros cursos de pós-graduação em economia e o surgimento de uma comunidade acadêmica de economistas. Suas contribuições científicas estão relacionadas aos desafios econômicos brasileiros e à própria história de sua formação. A questão do subdesenvolvimento motivou as primeiras investigações científicas em economia por brasileiros —notavelmente, o trabalho de Celso Furtado. 

Já em meio à crise inflacionária da década de 1980, o trabalho se direciona a questões de estabilização monetária. A indexação foi uma particularidade do sistema brasileiro que chamou a atenção de economistas, e teorias sobre inflação inercial e como estabilizar a economia brasileira foram intensamente debatidas.

As contribuições acadêmicas dos economistas também foram moldadas pelo particular pluralismo metodológico das instituições de ensino no Brasil —o conhecido embate entre "ortodoxos" e "heterodoxos". Desta forma, há importantes contribuições de brasileiros tanto na teoria econômica tradicional quanto em abordagens e tópicos alternativos.

No primeiro caso, o autor destaca o trabalho de Aloisio Araujo, José Scheinkman e Marilda Sotomayor —todos com passagem pelo Impa, uma instituição dedicada principalmente à matemática. Entre os heterodoxos, há brasileiros com contribuições fundamentais para a teoria pós-keynesiana, como Fernando Cardim de Carvalho. Também há relevante presença na comunidade internacional de outras áreas como metodologia da economia e a própria história do pensamento econômico.

Se economistas acadêmicos no Brasil são um produto da segunda metade do século 20, problemas de ordem econômica sempre estiveram presentes no país, assim como indivíduos enfrentando essas questões.

No período colonial, o livro explora visões sobre como a colônia poderia servir economicamente ao império português (do padre Antônio Vieira no século 16, até Sousa Coutinho no fim do século 18).

No século 19, a questão do trabalho escravo foi central. Abolicionistas como André Rebouças precisaram imaginar como reformular uma economia dependente de tal instituição perversa. Neste período em que a economia dependia da exportação de produtos agrários, principalmente o café, debates monetários estiveram centrados na questão cambial, e a discussão entre papelistas e metalistas é analisada.

Visões sobre a política comercial também são exploradas, desde o período imperial. Embora alguns influentes autores tenham importado ideias de abertura comercial do liberalismo europeu (como o visconde de Cairu e Tavares Bastos), políticas protecionistas foram defendidas e implementadas por políticos como Manuel Alves Branco, Rodrigues Torres e Carneiro Leão. O livro também mostra que na República Velha, usualmente associada à defesa do café, já havia debates sobre a proteção da indústria nacional.

Já no "período desenvolvimentista" (1930-80) não havia entre os brasileiros uma corrente única de pensamento, mas uma variedade de visões sobre o desenvolvimento. Além da comunidade ligada às teses de desenvolvimento da Cepal, também havia grupos com inspirações liberais e marxistas. Esta diversidade de pensamento se concretiza na formação das instituições acadêmicas plurais nas décadas de 1960 e 1970.

"A History of Brazilian Economic Thought" cumpre o objetivo de apresentar esse panorama de forma ampla. A quantidade de informação pode sobrecarregar o leitor leigo, mas a leitura não exige grande conhecimento técnico prévio. Os capítulos formam textos independentes e seguem tópicos e períodos bem definidos, podendo assim o leitor dedicar mais atenção a assuntos de interesse específico.

A HISTORY OF BRAZILIAN ECONOMIC THOUGHT: FROM COLONIAL TIMES THROUGH THE EARLY 21ST CENTURY

Preço: US$ 42 (ebook importado)

Autoria: Ricardo Bielschowsky, Mauro Boianovsky e Mauricio Coutinho (orgs.)

Editora: Routledge, 268 págs.


This book provides a comprehensive analysis of the evolution of Brazilian economic thought ranging from colonial times through to the early 21st century. It explores the production of ideas on the Brazilian economy through various forms of publication and contemporary thoughts on economic contexts and development policies, all closely reflecting the evolution of economic history.

After an editorial introduction, it opens with a discussion of the issue of the historical limits to and circumstances of the production of pure economic theory by Brazilian economists. The proceeding chapters follow the classical periodization of Brazilian economic history, starting with the colonial economy (up until the early 19th century) and the transition into an economy independent from Portugal (1808 through the 1830s) when formal independence took place in 1822. The third part deals with the "coffee era" (1840s to 1930s). The last part covers the "developmentalist" and "globalization" eras (1930–2010).

Chapter 1|5 pages

Editorial introduction

ByRicardo Bielschowsky, Mauro Boianovsky, Mauricio C. Coutinho

Part 1|32 pages

Contributions to economic theory

Chapter 2|30 pages

Contributions to economics from the "periphery" in historical perspective

The case of Brazil after mid-20th century
ByMauro Boianovsky

Part 2|47 pages

Colonial and early post-colonial periods

Chapter 3|24 pages

Sugar, slaves and gold

The political economy of the Portuguese colonial empire in the 17th and 18th centuries *
ByJosé Luís Cardoso

Chapter 4|21 pages

The transition to a post-colonial economy

ByMauricio C. Coutinho

Part 3|68 pages

The "coffee era"

Chapter 5|21 pages

Economic ideas about slavery and free labor in the 19th century 1

ByAmaury Patrick Gremaud, Renato Leite Marcondes

Chapter 6|22 pages

Debating money in Brazil, 1850s to 1930

ByAndré A. Villela

Chapter 7|23 pages

Industrial development and government protection

Issues and controversies, circa 1840–1930
ByFlávio Rabelo Versiani

Part 4|92 pages

The "developmentalist" and the "globalization" eras

Chapter 8|52 pages

Brazilian economic thought in the "developmentalist era": 1930–1980

ByRicardo Bielschowsky, Carlos Mussi

Chapter 9|38 pages

The end of developmentalism, the globalization era and the concern with income distribution (1981–2010)

ByEduardo F. Bastian, Carlos Pinkusfeld Bastos


 





 

Mais um populista corrupto, que mobilizou massas e "endireitou" a Itália: Berlusconi

Berlusconi tinha razão: ele não era um Trump italiano.
Trump é que era um Berlusconi americano, não apenas pela cronologia: pelos trambiques, pelas mentiras, pela atração por garotas de programa, pelo autoritarismo evidente.
Ambos tinham forte afeição por Putin; Trump ainda tem.
Paulo Roberto de Almeida

Ishaan Tahroor

The Washington Post, June 13, 2023

Silvio Berlusconi’s political style lives on

Silvio Berlusconi waves outside his private residence, the Palazzo Grazioli, in Rome on Nov. 27, 2013. (Vincenzo Pinto/AFP/Getty Images)

Silvio Berlusconi waves outside his private residence, the Palazzo Grazioli, in Rome on Nov. 27, 2013. (Vincenzo Pinto/AFP/Getty Images)

The encomia and eulogies are still pouring forth for Silvio Berlusconi, the former Italian prime minister, media mogul and larger-than-life demagogue who died in a hospital in Milan on Monday at age 86. For a generation, Berlusconi loomed over his nation’s political scene and cast a shadow on the rest of the West. Long after his death, we’ll still be living with the brash political style and quasi-populism that powered his career.

Through his multiple stints in office, Berlusconi ran Italy’s government longer than anyone since the fascist dictator Benito Mussolini. He came to power as a modernizing wrecking ball, aimed at supplanting an establishment collapsing under the weight of corruption scandals and public disenchantment. He exits the stage a diminished, if unbowed, figure — a junior partner in a right-wing coalition who spent years fighting tangled legal battles over all sorts of damning charges, from bribery to abuse of office to paying for sex with an underage minor.

 

For a time, though, Berlusconi captured the imagination of the public like no other, using his control and influence in the media and his carefully cultivated mass appeal, including his tabloid-catching role as owner of one of Italy’s most popular soccer clubs.

“Berlusconi’s marshalling of Il Cavaliere, or the Knight, as he was called, did this almost entirely on his own terms,” wrote Jason Horowitz in The Washington Post’s obituary. “He rode his television airwaves into the center of the vituperative political arena and used all the weapons at his disposal to stun the opposition, lasso a coalition out of warring allies and, above all, fight for his own survival.”

“It is now difficult to imagine an Italy without Berlusconi,” declared a Monday editorial in La Repubblica, a major Italian daily. “In the last 50 years, there hasn’t been a day in which his name hasn’t been mentioned, on TV, in the newspapers, in Parliament, in bars and at the stadium.’’

 

Berlusconi’s populist appeal was anchored in Italian fatigue in a fraying liberal-democratic project. But what he offered was a polarizing mix of nationalist and anti-elite tub-thumping that paved the way for the Italian far right to capture the mainstream, including Berlusconi’s own center-right base.

 

“To the mass of the people, Berlusconi appeared capable of delivering change. He appeared new,” Roberto D’Alimonte, a political scientist at the Rome-based university Luiss, told The Post. “Some will remember him as a man who could have done more to modernize the country. For others, he will be the great corruptor of Italian society, and it will take a generation to recover from the malaise that he has instilled.”

Analysts routinely trot out the parallels between Berlusconi and former president Donald Trump, and for good reason. “Both men began as real-estate magnates, became media stars and segued into politics. Both have made a point of undermining their country’s established institutions, including the press and judiciary,” wrote the Guardian’s Jon Henley. “Rejected by their respective liberal establishments, both also have responded — despite their great wealth — with the populist tactic of portraying themselves as the true voice of the people against an out-of-touch and corrupt elite.”

Berlusconi had cozy relations with other illiberal nationalists, including Israeli Prime Minister Benjamin Netanyahu, who could well take inspiration from Berlusconi’s overcoming of his legal challenges. Despite his many cases, the former Italian prime minister was only found definitively guilty once — in 2013, when the country’s highest court upheld his conviction for tax fraud, a move that saw him frozen out of parliament for half a decade.

“No politician anywhere in the world, not even Netanyahu, faced over their career anything like the number and range of criminal allegations that Berlusconi did,” wrote Netanyahu biographer Anshel Pfeffer. “But he wore his prosecutors down with time-delaying tactics, a relentless barrage of pressure in his tame media and finally, when it became necessary, changes to the law that ensured he would not have to go to prison and could remain in politics.”

Pfeffer, writing in Israeli newspaper Haaretz, added: “It was enough to redefine Italian politics and the media so enough of them could be convinced that he was the victim of left-wing enemies, and maintain the base support among his Forza Italia party.”

A similar dynamic is on show now in the United States, as Trump and even some of his Republican rivals attempt to use the ongoing investigations into (and indictments of) the former president to stoke grievance among their base support. While Berlusconi was less ideological than many of his right-wing counterparts, his politics of personality offered a template for how democracies can erode.

“Berlusconi demonstrated that institutional guardrails are, even in supposedly consolidated democracies, much weaker than politicians and political scientists had assumed,” wrote Yascha Mounk in the Atlantic. “The threat he embodied was in his example; he himself remained a deeply personalist politician, who relied on his charisma and cared mostly about his own interests. Berlusconi’s successors are just as willing to bend the rules or exploit their image, but for purposes that could do much more severe damage.”

It’s not a coincidence that some of Berlusconi’s fond friends on the world stage were autocrats and demagogues themselves. One of the most eye-catching tributes to him Monday came from Russian President Vladimir Putin, a close friend, as my colleagues put it, “linked by a shared boorish machismo” and no shortage of rumors of covert business deals and joint escapades in “bunga bunga” sex parties.

Putin penned a lengthy letter hailing Berlusconi. “I have always sincerely admired his wisdom and his ability to make balanced, far-sighted decisions, even in the most difficult situations,” Putin wrote. “During each of our meetings, I was literally charged with his incredible vitality, optimism and sense of humor. His death is an irreparable loss and great sorrow.”

 

segunda-feira, 12 de junho de 2023

O Tribunal Penal Internacional investiga Putin por Crimes contra a Humanidade

 Mais um crime contra a humanidade perpetrado por Putin. Lula teria alguma opinião a respeito?


International Criminal Court investigates the destruction of Nova Kakhovka Dam

The International Criminal Court had already launched an investigation of Russia's destruction of the Nova Kakhovka Dam (NKD) in Kherson Oblast, Ukraine's President stated. 

The NKD "destruction could, in principle, be prosecuted under various provisions in the ICC Statute, including the war crime of intentionally directing attacks against civilian objects and a provision concerning attacks that cause serious damage to the natural environment. It could possibly also be prosecuted as a crime against humanity, potentially with reference to utilizing environmental destruction to attack the civilian population," Just Security made a preliminary assessment of the legal conditions of what could potentially become the Court's first environmental crimes investigation. 

Source: Centre for Defence Strategies (CDS) is a Ukrainian security think tank; 

Daily Brief, June 12, 2023

POLÍTICA EXTERNA: A diplomacia ‘repentista’ de Lula - José Eduardo Faria (Jota)

POLÍTICA EXTERNA

A diplomacia ‘repentista’ de Lula

Com a cabeça nos tempos da Guerra Fria, presidente tornou assertiva sua posição à esquerda na economia e na geopolítica

José Eduardo Faria
Jota, 11/06/2023

 

diplomacia de Lula
Lula recebe presidentes sul-americanos em Brasília. Crédito: Ricardo Stuckert/PR

Para um presidente da República inteligente mas pouco instruído que optou por priorizar a política externa, deixando a política interna para seus ministros, os primeiros cinco meses de mandato estão corroendo rapidamente sua autoridade e credibilidade. Com a cabeça nos tempos da polarização da Guerra Fria, Lula tornou assertiva sua posição à esquerda quer na economia quer na geopolítica.  

Na economia, por exemplo, criticou a hegemonia do dólar no comércio mundial, na viagem à China. Também defendeu a criação de uma moeda alternativa ao fim de seu encontro em Brasília com 11 presidentes de países sul-americanos em maio. “Por que hoje um país precisa correr atrás de dólar para exportar, quando ele poderia exportar em sua própria moeda, e os bancos centrais certamente poderiam cuidar disso”, indagou Lula na ocasião, não escondendo a pretensão de ser porta-voz dos interesses da região. 

No plano político, surpreendeu ao afirmar nos Emirados Árabes Unidos que o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, é tão culpado quanto o presidente russo, Vladimir Putin, pela invasão da Ucrânia pela Rússia. E, depois de dizer que “a construção da guerra foi mais fácil do que será a saída da guerra, porque a decisão da guerra foi tomada por dois países”, defendeu a criação de uma espécie de G20 político com o objetivo de restabelecer a paz naquela região. 

Além disso, durante o encontro com os líderes sul-americanos, também surpreendeu ao conceder ao presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, uma reunião fora da agenda oficial. Na ocasião, afirmou que esse país – classificado pelos relatórios da OEA como “um regime autocrático e sem garantias de liberdades fundamentais” – estaria sendo alvo de “narrativas, em referência às afirmações de que é uma ditadura”. E criticou Washington por desclassificar a legitimidade de Maduro e impor sanções contra seu regime. No dia seguinte, o presidente do Uruguai, um conservador, e do Chile, um esquerdista, protestaram. Não se pode tapar o sol com a peneira, violação de direitos humanos não é narrativa, alegaram. 

Muitas foram as críticas sobre os equívocos e bobagens que Lula vem cometendo e falando em matéria de política externa. Uma das mais felizes foi a do diplomata brasileiro Marcos Azambuja, ex-embaixador na França e na Argentina e ex-secretário-geral do Itamaraty. Em entrevista ao jornal Valor Econômico, ele lembrou, no plano formal, que diplomacia é feita com “palavras medidas milimetricamente, com precisão conceitual e rigor semântico”. E também disse que Lula vem primando pela desatenção à linguagem e pela imprecisão conceitual. “Não pode improvisar linguagem em temas de terreno minado”, como os de política externa. No plano substantivo, Azambuja enfatizou que a falta de “disciplina das ideias” do presidente está levando o Brasil a ter uma política externa “espontânea e improvisada”, o que tende a reduzir a estatura internacional do país. 

Como as críticas foram respeitosas e procedentes, e Lula ainda tem três anos e meio de mandato, o mais sensato é que ele as ouça enquanto é tempo. Sem ser pretensioso nem professoral, eu sugeriria a ele que aproveitasse uma manhã de sábado e se concentrasse por pelo menos meia hora na leitura de um discurso pronunciado na tribuna da Câmara em 26 de agosto de 1959 por um deputado que mais tarde seria ministro das Relações Exteriores e da Fazenda. Trata-se de San Tiago Dantas, e sua fala disse respeito a uma reunião de chanceleres sul-americanos da qual participou. Ocorrida no Chile, ela foi convocada para discutir uma política externa dos países da América do Sul capaz de defender a democracia em plena Guerra Fria.

A base do documento aprovado foi a proposta brasileira, apresentada pelo então titular do Itamaraty, ministro Horácio Lafer. A proposta enfatizava a importância do império da lei, da independência dos Poderes e do controle da legalidade dos atos de governo. Defendia eleições livres e classificava como antidemocrática a perpetuação dos governantes no poder. Enfatizava a importância dos direitos individuais, do direito de manifestação do pensamento e da liberdade de imprensa.

O argumento básico do documento era que apenas com base nesses princípios os governos sul-americanos conseguiriam adotar políticas capazes de promover o desenvolvimento econômico, reduzir desigualdades sociais e assegurar a independência dos povos. “Se o florescimento da democracia na comunidade regional depende do desenvolvimento econômico e se este por sua vez depende da cooperação internacional, é claro que entre esta e o fortalecimento da democracia há uma relação de causalidade indisfarçável, à qual cumpre dar adequada expressão jurídica”, concluiu San Tiago, um nome até hoje respeitado por suas posições avançadas em seu tempo, ao justificar e defender a posição  brasileira. 

Publicado em 1983 pela Câmara na série Perfis Parlamentares, um livro com 695 páginas, esse discurso tem 16 páginas. Mas, se concentrar atenção somente nas páginas 281, 282 e 283, Lula poderá seguir, para seu próprio sucesso político e em benefício do país, o conselho de Azambuja: “Na defesa de valores e de interesses os países precisam usar da sobriedade nas palavras e na moderação no tom; com valores, interesses, sobriedade e moderação costuma-se errar menos”, disse ele, após propor ao presidente que não se comporte mais como um repentista – o cantor nordestino que responde com naturalidade o verso que virá enquanto ainda está cantando o verso anterior. “Na diplomacia, esse é um exercício perigoso”, concluiu.

Como a Economia global pode ajudar novamente o governo Lula - Luiz Guilherme Gerbell (OESP)

 Como a Economia global pode ajudar novamente o governo Lula

Por Luiz Guilherme Gerbelli
O Estado de S. Paulo, 11/06/2023

O início da nova gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem tido uma ajuda inesperada da economia global. Na virada do ano, o que boa parte dos analistas esperava era uma atividade mundial bem mais fraca do que os últimos indicadores têm revelado.

A conjuntura mais positiva deve fazer com que o Brasil colha um novo ano de bom resultado da balança comercial. Uma parte dos bancos e consultorias prevê um superávit acima de US$ 70 bilhões em 2023, o que marcará um recorde se confirmado.

O estágio atual da economia está longe de ter como pano de fundo a forte expansão observada na primeira década dos anos 2000, fundamental para sustentar o crescimento econômico nos dois primeiros mandatos de Lula (2003-2010). Mas o fato de o mundo ter se mostrado resiliente neste início de ano pode ajudar a repetir, ainda que em uma escala menor, o ambiente internacional favorável enfrentado pelo petista no passado.

“Há sinais de desaceleração na atividade global, mas não é um colapso”, afirma Julia Passabom, economista do Itaú Unibanco.

Os analistas ainda tentam entender o que explica essa força acima do esperado na atividade global. O mundo lida com um cenário pouco comum. Enquanto a confiança de consumidores e empresários está em queda - o que indica uma menor propensão para investir e comprar –, os dados de atividade, sobretudo no setor de serviços, ainda não apresentaram uma desaceleração tão acentuada.

“Há sinais de desaceleração na atividade global, mas não é um colapso”, afirma Julia Passabom, economista do Itaú Unibanco.

Os analistas ainda tentam entender o que explica essa força acima do esperado na atividade global. O mundo lida com um cenário pouco comum. Enquanto a confiança de consumidores e empresários está em queda - o que indica uma menor propensão para investir e comprar –, os dados de atividade, sobretudo no setor de serviços, ainda não apresentaram uma desaceleração tão acentuada.

A economia brasileira começou a registrar robustos resultados comerciais no início dos anos 2000, quando o gigante asiático ingressou no comércio internacional e passou a crescer de forma mais acelerada - em alguns anos, o avanço do PIB superou 10%. De 2001 a 2022, as exportações de produtos básicos do Brasil cresceram de US$ 23,8 bilhões para US$ 158,9 bilhões, de acordo com dados tabulados pela Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex).

Hoje, os sinais de desaceleração da economia global levam a uma queda nos preços, que subiram de forma acelerada depois de superada a fase mais aguda da crise sanitária. O Brasil, no entanto, tem conseguido compensar essa redução com o aumento na quantidade de produtos vendidos. O País colheu uma supersafra de grãos e é dono de um agronegócio que se destaca pela sua elevada produtividade.

“O Brasil está performando bem por conta própria, pelos próprios méritos”, afirma Fabio Akira, economista-chefe da BlueLine Asset. ”Houve um choque de oferta no setor exportador. É o que chamo de milagre de multiplicação. Consegue dar uma turbinada no PIB, simultaneamente alivia a inflação e beneficia as contas externas.”

Nos últimos anos, a subida da cotação das commodities ajudou a colocar o comércio internacional do País em outro nível. Um estudo feito pelo Bradesco mostra que o peso da corrente de comércio (soma da importação e exportação) no Produto Interno Bruto (PIB) ultrapassou a marca de 30% desde 2021, o maior patamar desde o início da série histórica, em 1960 - em média, essa relação sempre rondava os 20%.

“É verdade que esse movimento foi fruto do efeito da explosão de preços na pandemia, mas o fato é que houve um efeito multiplicador no crescimento da economia”, avalia Honorato, do Bradesco. “Parte importante da surpresa de crescimento tem a ver com o fato de a força do preço das commodities ter sido subestimada.”

Setor externo melhor
Os resultados da balança comercial devem contribuir para melhorar o resultado do setor externo brasileiro como um todo. Nas contas do Itaú, o déficit em conta corrente do País deve recuar dos atuais 2,7% do PIB no acumulado em 12 meses para 1,7% do PIB ao fim de 2023. “É um número melhor do que a média recente. Nos últimos três anos, ficou ao redor de 2,5% do PIB”, afirma Julia, economista do banco.

O setor externo brasileiro também se beneficia de uma situação confortável no volume de investimentos diretos no País (IDP). Em 12 meses até abril, o IDP somou US$ 82 bilhões (ou 4,17% do PIB), um pouco abaixo do apurado em março (US$ 89,7 bilhões ou 4,57% do PIB), mas muito superior ao verificado em abril de 2022 (US$ 54,3 bilhões ou 3,12% do PIB).

“Bem ou mal o Brasil se livrou dos desequilíbrios externos há algum tempo”, diz Barbosa, do Bradesco. “Hoje, o nosso déficit, comparativamente aos países da América Latina, não chega a chamar tanta atenção.”

O Brasil é um nova Suíça?
Nas últimas semanas, os resultados da balança comercial levaram o economista-chefe do Instituto de Finanças Internacionais (IIF, na sigla em inglês), Robin Brooks, a afirmar que o Brasil caminha para se tornar “a Suíça da América Latina”.

“Está surgindo um enorme superávit comercial, diferente de qualquer outro país da região. Isso vai dar ao Brasil estabilidade externa e uma moeda forte”, publicou o economista no Twitter.

Os números positivos mais recentes do setor externo não apagam o início confuso da gestão Lula na economia. Os ataques do governo ao Banco Central e a incerteza fiscal assustaram os investidores. A nova gestão petista ainda tentou rever o marco do saneamento e questionou a privatização da Eletrobras, o que não foi bem visto. No diálogo com o agronegócio, também houve entraves, com os atos do Movimento dos Sem Terra, que culminaram numa Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). O ministro da Agricultura foi desconvidado da Agrishow, a maior feira do setor.

Do lado positivo, os fatores que ajudam a mitigar essas preocupações e ainda colocam o Brasil no radar do comércio internacional vêm da aprovação na Câmara dos Deputados do arcabouço fiscal - que reduziu o temor com o forte aumento do endividamento do País nos próximos anos -, a investida na reforma tributária, e o discurso ambiental.

“É um governo percebido pela comunidade internacional como tendo um compromisso com o meio ambiente e que tem falado mais da agenda de transição energética. Para o fluxo futuro, isso deve ser importante”, diz o economista-chefe do Bradesco.


O ''negócio'' do futuro e os conselhos de Kissinger - Pedro S. Malan (Estadão)

 O ''negócio'' do futuro e os conselhos de Kissinger

Por Pedro S. Malan
O Estado de S. Paulo11/06/2023

“It is the business of the future to be dangerous” (é o negócio do futuro ser perigoso) escreveu o grande matemático e filósofo Alfred Whitehead em 1926. Tempos atrás, cometi a ousadia de parafrasear o autor na forma “o futuro tem por ofício ser incerto”, porque penso que incerteza engloba não só perigos, como também imprevisibilidades, sonhos, expectativas e oportunidades que o futuro sempre encerra. Este artigo explora certas imprevisibilidades – e possibilidades – do futuro neste sexto e problemático mês do governo Lula 3.

Começo com o conselho de um grande investidor americano, Howard Marks: “Você pode não conhecer o futuro, mas é bom que tenha uma boa ideia sobre onde você se encontra” (you may not know the future, but you would better have a good idea of where you are). Sempre achei que esse conselho se aplica não apenas a pessoas, mas também a empresas, a países e ao mundo.

Em imperdível e longa matéria publicada na The Economist e em português neste jornal (20/5/2023), Henry Kissinger apresenta três lições a “aspirantes a líder”. A primeira: “Identifique onde você está”. E acrescenta a palavra-chave: impiedosamente (pitilessly). O que deveria englobar a compreensão de como e por que se chegou até o momento atual – base para vislumbrar futuros possíveis.

Os conselhos de Marks e Kissinger aplicam-se a Lula e seu “núcleo duro”, que deveriam estar impiedosamente avaliando a situação em que se encontram – e olhando à frente, com foco na governabilidade, para os cruciais 18 meses à frente, até outubro de 2024. Já em 2021, Marcos Mendes concluiu artigo (FSP, 3/12) com sugestões ao presidente da República a ser eleito em outubro de 2022: “Ou Vossa Excia. constrói e controla uma coalizão majoritária no Congresso ou alguém vai construí-la e inviabilizará o seu governo. E Vossa Excia. já terá um ponto de partida ruim, tendo de desfazer os erros que ora se acumulam”. Mendes não precisou lembrar ao futuro presidente que a composição do Congresso Nacional para a legislatura que se iniciaria (2023-2026) já estaria definida desde o primeiro turno. E que os então incumbentes teriam sobre novos candidatos a enorme vantagem decorrente dos bilionários Fundos Eleitoral e Partidário, bem como das crescentes emendas parlamentares transferindo maior poder ao Legislativo em matéria orçamentária.

A propósito, em excelente artigo recente (Governos e coalizões, FSP, 5/6), Marcus André Melo nota uma característica de nosso fragmentado sistema de presidencialismo multipartidário com partidos não programáticos: “Partidos diferentes ocupando o Executivo e Legislativo decorrem de suas bases eleitorais serem diferentes, e a estrutura de incentivos com que se deparam, radicalmente distinta. Para os deputados, a sobrevivência política é função dos recursos que alimentam redes locais via ministérios, cargos no segundo escalão e emendas orçamentárias. Para o presidente, ela é nacional e de outra natureza: ele (a) é punido (a) ou premiado (a) por desempenho econômico e políticas redistributivas”. O alinhamento entre incentivos tão díspares, nota o autor, não é orgânico. “Há espaço para ganhos de troca, embora o resultado social líquido seja marcado por grande ineficiência alocativa.”

Agora, o segundo conselho de Kissinger: defina objetivos capazes de agregar (enlist, no original) as pessoas. “Encontre meios que sejam enunciáveis (describable means, no original) para alcançar esses objetivos.” Esse conselho é particularmente relevante para o Brasil no momento atual. É importante, na expressão, o describable, porque não bastará enunciar uma longa lista de objetivos desejáveis, sem a preocupação de descrever os meios para alcançá-los. É na identificação destes que surgem os difíceis trade-offs.

O terceiro e último conselho de Kissinger para aspirantes a líder com pretensões de protagonismo global é também particularmente significativo para o Brasil de hoje, que tem claras (e legítimas) pretensões na arena global e que exercerá a presidência do G-20 em 2024. O conselho é: “Ligue tudo isto aos seus objetivos domésticos, sejam eles quais forem”. Afinal, o prestígio, a voz, a influência e o protagonismo de um país no mundo dependem fundamentalmente de sua capacidade de mostrar a si próprio, à sua região, e ao mundo que está sendo capaz de equacionar os seus numerosos problemas domésticos nas áreas econômica, social, ambiental e político-institucional.

A frase de Whitehead que citei no início tem uma importante segunda parte: “(...) and it is among the merits of Science that it equips the future for its duties” (e está entre os méritos da Ciência equipar o futuro para seus deveres). Os países mais bem-sucedidos do mundo foram aqueles que entenderam, ainda que em momentos históricos distintos, que seu desenvolvimento de longo prazo dependeria da força propulsora dada por educação de qualidade e facilitação de avanços científicos, tecnológicos e inovações que permitissem aumentos de produtividade e capacidade de inserção internacional. São estes os elementos que, em última análise, asseguram o desenvolvimento econômico social sustentável no longo prazo de qualquer país. O Brasil não é – e não será – exceção.

*

ECONOMISTA, FOI MINISTRO DA FAZENDA NO GOVERNO FHC. E-MAIL: MALAN@ESTADAO.COM