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segunda-feira, 16 de outubro de 2023

A banalização de tragédias sem fim - Daniel Afonso da Silva (Jornal da USP)

A banalização de tragédias sem fim

Daniel Afonso da Silva, pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais (Nupri) da USP

Jornal da USP,  16/10/2023: https://jornal.usp.br/?p=693695

Um famoso adágio latino informa que não se deve jogar nem brincar com o sofrimento dos outros. A face inquestionavelmente macabra na natureza humana que reemergiu com a agressão de altíssima intensidade perpetrada pelo Movimento de Resistência Islâmica, Hamas, ante a população do Estado hebreu de Israel assim como com a coalizão do Ocidente em apoio à investida de Israel na faixa de Gaza afirma que o conteúdo desse adágio foi simplesmente desprezado ao longo do tempo.

A tensão multimilenar desses povos judeus e ismaelitas remonta à legenda de Abraão, do Gênesis, nos mistérios da Bíblia. A materialização do ódio de parte a parte foi reforçada nas desventuras do imperador Nero nos anos de 60 da era cristã e, por mais de mil anos, em seguida, ambientou cruzadas intermináveis pelo domínio de lugares sagrados. O que acabou por enebriar os imaginários de todos os envolvidos.

Os descaminhos da reforma e da contrarreforma entre katholikós nos séculos XV e XVI provocaram uma carnificina tão letal quanto a peste dos tempos anteriores. O absolutismo europeu como instrumento de mediação para encerrar essas guerras civis religiosas implacáveis desembocou na famosa raison d’Était que forjou, inicialmente, a obliteração da presença de Deus no cotidiano corrente para depois retirar, integralmente, a convicção da fé cristã como princípio constitutivo da Europa e do Ocidente.

Os iluminismos ambientes nos séculos XVII e XVIII fizeram de tudo para acelerar essa degradação dos valores do cristianismo primitivo. Fomentaram numa crítica obstinada que produziu uma crise sem precedentes na natureza da própria realidade moderna dois para três séculos após ser iniciada. A decapitação do rei concretizou todo esse propósito de banalização da transcendência com a promoção de um desconjuntamento moral da vinculação entre sociedades, Estado e o divino. Os mandatários passaram a ter apenas um corpo em lugar de dois. Consequentemente, de súbito, como desejaram Voltaire, Kant e Hegel, “les enfants de la patrie” [crianças da pátria], também conhecidos por cidadãos – como, desde 1792, aduz La Marseillaise francesa – foram investidos das responsabilidades totais sobre a sua própria sorte terrena. A busca da felicidade, assim, virou um experimento da razão sendo a deferência ao divino relegada aos impérios de uma intermitente ilusão.

A Modernidade, planejada para rivalizar com o Deus presente, desse modo, parecia se confirmando de cabo a rabo. Com os dividendos da recente revolução industrial, demonstração mais eloquente da pujança dessa Modernidade, franceses, ingleses e afins, principais representantes desse novo paradigma, conquistaram um poder de gestão e arbitragem do mundo inteiro jamais vislumbrado desde os tempos do imperador Rômulo de Roma. Por consequência, após a Revolução Francesa, desde Paris, Londres e afins, trabalhou-se diuturnamente para esse mundo inteiro virar uma réplica ou duplicação em miniatura da Europa e do Ocidente. A europeização, ocidentalização, dessacralização e desencantamento do mundo estavam em curso. Tudo em nome da razão.

O primeiro grande choque dessa tentação da razão dos modernos veio do Caribe, de Saint Domingue, em 1804, das tropas de Toussaint L’Ouverture. Nesse momento, ficou evidente que na consciência de colonialidade – espelho de Próspero da Modernidade nos espaços coloniais – residia o antídoto para toda a prepotência da razão dos modernos. Começava-se, assim, a fase de afirmação da razão divergente, do reconhecimento dos outros e da emergência do resto.

Mesmo ignorando toda essa verdade paralela, Hegel viu na famosa batalha napoleônica d’Iena, em 1806, o início de uma viragem mental geral sem volta que parecia levar a história ao seu novo fim. Como no canto de Camões. Um fim da história que indicava novos começos. Onde “mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”. Agora sem Deus, sem fé e com muita imanência.

Precisou Napoleão chegar à Campanha da Rússia, em 1812, para os hegelianos perceberem que, mesmo com a mudança de tempos e vontades, a razão dos modernos era impotente diante dos mistérios do divino. Os russos mobilizaram coragem onde eles próprios não a viam e resistências onde eles mesmos nunca foram capazes de perceber.

Basta se reler Tolstói para tudo isso se pressentir.

A força daqueles mujiques que enfrentaram – e venceram – a maior armada do planeta vinha do fundo dos anos, dos confins do tempo, de uma devoção sem fim. Não era algo terreno nem racional, tampouco moderno. Era a convicção atemporal de serem eleitos de Deus. Um Deus que lhes impingia a vontade para lutar até o seu último homem para defender o essencial da natureza de seu mundo eslavo.

Esse segundo choque de realidades, como o primeiro no Caribe, foi minimizado e rapidamente esquecido depois que o inglês William Pitty e o francês Talleyrand-Périgord tomaram as rédeas das tratativas de Viena de 1814-1815 e conduziram os europeus e os ocidentais às novas ilusões da razão moderna e iluminista que resistiram até o colapso geral de 1914.

Depois do que se viu e ainda se sente entre 1914 e 1918 – VerdunLa SommeLa MarneChemin des Dames e outras imitações de inferno terreno – virou natural também se minimizar o calvário da Guerra do Paraguai, as bestialidades da guerra civil norte-americana e os holocaustos coloniais pela África e pela Ásia entre Napoleão e o presidente Woodrow Wilson. Mas não teve jeito. A Grande Guerra de 1914-1918 desmascarou a Modernidade e pôs fim à ambição dos europeus de europeização, ocidentalização e miniaturização do mundo.

Quem duvidou de início, poucos anos depois, compreendeu tudo quando Paris, Londres, Washington e afins foram obrigadas a se aliançar com eslavos, africanos, médio-orientais e asiáticos para conter a sanha tétrica de Hitler e de suas inumeráveis reproduções em pequena escala em todas as partes do mundo. Mesmo assim, essa sanha sem graça nem Graça – desgraçada, portanto – acabou por ceifar a existência de mais de seis, sete ou oito milhões de judeus e conduzir à penúria, ao degredo e ao desespero mais de 50, 60 ou 80 milhões de seres humanos. Tudo simbolizado na Shoah, na raison d’Était e na razão iluminista tout court. Foi uma carnificina sem perdão. Que, por ser assim, justificou a criação de um Estado hebreu para os judeus e a privação dos muçulmanos aos seus espaços de reivindicação no Oriente Médio.

Esse terceiro choque de visões e razões do mundo dividiu ainda mais o mundo já dividido e reforçou a transcendência como fator de separação.

Ocidentais, europeus e norte-americanos, simularam não se tratar de nada disso. Seguiram minimizando o seu Deus em favor da sua democracia. Todo o mal-estar da civilização entre eles anunciava ruínas que ninguém queria ver. Sem Deus, mesmo que apenas um Dieu caché, a cultura do Ocidente ia se fragmentando. A fragmentação de culturas, em si, nunca representou um problema. A fragmentação de culturas pelo solapamento de seus fundamentos enseja um feito grave. Indica a aproximação de seu fim. Como notaram Nietzsche depois Auerbach. Com seu Deus ausente, o Ocidente não passava de um tipo de civilização que ia desaparecendo. Foi esse o recado dos 20 anos de crises, em longa noite escura, de 1914 a 1945. Um recado para o Ocidente. Não para os demais.

A gestão da dissuasão nuclear a seguir, ao longo da Guerra Fria, permitiu a minoração concreta dessa sensação de ruínas ocidentais e a contenção daquela percepção de separação entre os outros, notadamente os médio-orientais. Sempre que alguma pulsão se alterava por lá, a Otan, a URSS ou as Nações Unidas se mobilizavam para tudo arbitrar e estancar para nada se descarrilar. Foi assim em 1956 no Egito. Assim em 1967 na Guerra dos Seis Dias. Assim em 1973 no Yom Kippur, Grande Perdão, dos judeus.

Mas o fim da Guerra Fria alterou tudo. Um imenso vazio se instalou de fato entre os ocidentais, europeus e norte-americanos, especialmente em seu trato com os outros. Um novo fim da história foi propalado. Ares de triunfalismos rondaram, mais uma vez, os espíritos. A razão iluminista, anulada pelas guerras totais e pelo mal-estar da civilização, dava mostras de revivescência. Não surgia em chamas, mas suas brasas voltavam a crepitar. Só que agora transvestidas em conceitos mais novos. Globalização, democracia e consumo. Todos com pretensões universais.

Isso tudo levou ocidentais, europeus e norte-americanos, a voltar a querer europeizar e ocidentalizar o mundo. Como nos tempos de Hegel. Como nas tramas de Voltaire. Fizeram, assim, entender que o mundo, depois do ocaso da URSS, poderia, enfim, ser plano, unipolar e sem rugas. Uma verdadeira e integral miniatura do Ocidente. Um mundo condenado ao occidental way of life and meaning. Sem divergências mentais nem modificação de humores. Como num sonho comum, com amores, pudores e valores suspirando na mesma hora.

Mas nada durou sendo assim.

Os ataques do 11 de setembro de 2001, o 9/11, vieram anunciar as fraturas irreconciliáveis de um mundo inteiro com muita história e nenhuma salvação.

O notável historiador francês Robert Frank identificou nessas efemérides do 9/11 a revanche de quem foi historicamente retirado da história – a saber, a revanche dos fiéis e infiéis médio-orientais. Samuel P. Huntington, historiador e cientista político norte-americano, percebeu se tratar da revanche dos outros, novamente dos médio-orientais, impermeáveis às pretensões ocidentais. Já o búlgaro Tzevtan Todorov, de saudosa memória, permitiu-se anotar que tudo aquilo sinalizava o retorno dos bárbaros, o império das pulsões e os imponderáveis da desrazão.

O que se vê nessa recente afronta do Hamas aos hebreus de Israel demonstra a resultante de tudo isso. Fragmentação do Ocidente. Entropia da civilização. Mal-estar da Modernidade. Incontinências da Pós-Modernidade. Retorno dos bárbaros. Retorno da desrazão. Embate implacável entre civilizações. Revanche, sem perdão, de povos inteiros, historicamente, açoitados em sua cultura, fé e condição e obrigados a acreditar em globalização, democracia e consumo.

Não precisa muito se dizer que a reação norte-americana ao 9/11 foi a conhecida guerra terrorista ao terror que brutalizou todas as relações entre os eleitos de Deus médio-orientais. A pacificação entre judeus e ismaelitas ensejada desde Oslo desapareceu. A autoridade da Autoridade Palestina começou a esmaecer. A tentação do islamismo mundializado passou a tomar conta. Osama Bin Laden e o presidente George W. Bush ditaram a pauta de tudo. O nós e eles ficou instalado. Nunca mais se conseguiu entre todos algo acordar.

O presidente Barack H. Obama tentou minimizar as ilusões dos imperativos universais de globalização, democracia e consumo entre os médio-orientais. Foi, assim, ao Cairo em 2009. Ofertou uma reconciliação. Propôs um recomeço. Indicou empatia à alteridade. Mas tudo em vão. Não dava mais. O Cícero africano, que presidia a Costa do Marfim, decidiu, meses depois, desrespeitar o pleito eleitoral de seu país e, com isso, inaugurou a Primavera dos Árabes. Os marfinenses, de início, se rebelaram. Inundaram praças e ruas. Chamaram a atenção em protestos. Como resposta, o presidente Laurent Gbagbo, resistindo na função, decidiu reagir. Colocou tanques de verdade nas ruas. Autorizou o uso de munição de verdade nesses tanques. E permitiu que se alvejassem manifestantes de carne e osso – e, portanto, também de verdade – em protestos pelas ruas das cidades. Quanto horror! Ocidentais, europeus e norte-americanos, quiseram intervir. E intervieram. Mas a desgraceira já se anunciava sem fim. Mais uma distopia do 9/11. Mais um choque da desrazão. Agora infestando todo o Magreb e regiões médio-orientais.

A Primavera dos Árabes de braço com a guerra terrorista ao terror do presidente George W. Bush e à fúria islamista de Osama bin Laden promoveram, dessa maneira, a maior hecatombe humana desde as guerras totais de 1914-1945. Hecatombes essas que internacionalistas, de modo pomposo, denominam crises humanitárias. Cidades inteiras, neste início de século XXI, foram destruídas, pela África e pelo Oriente Médio, em nome dos barbarismos da desrazão. Países inteiros, africanos e médio-orientais, seguiram iludidos pelos mantras do consumo, da democracia e da globalização. Regiões inteiras foram conflagradas em nome do Deus Mercado que esses conceitos ensejam. Criou-se, assim e contudo, o maior contingente de miseráveis deste mundo, geralmente vagando por terras estranhas às suas e ansiando um singelo lugar ao sol.

Quem viu tudo isso desde as capitais do Ocidente – Paris, Londres, Nova York, Washington, Berlim – ficou perplexo e quis desconversar sobre uma responsabilidade que também era sua. O seu autoconsolo vinha já de tempo de todo o seu esforço silencioso em acolher partes de toda essa nova miséria do mundo desde o colapso das descolonizações. Mas esse seu tudo, neste conflagrado século XXI, virou pouco. Mas esse pouco mostrou a sua face adstringente nas capitais ocidentais depois que o Hamas voltou a brutalizar as interações médio-orientais nas semanas recentes.

Desde o 7 de outubro de 2023 que as grandes cidades europeias e norte-americanas vivenciam as tentações médio-orientais. Subitamente, as suas populações se descobriram majoritariamente não ocidentais e não sabem o que fazer. Eternos fiadores do Estado hebreu israelense, a Europa e os Estados Unidos foram surpreendidos por um apoio interno sem precedentes de seus concidadãos à causa dos palestinos e aos desvarios do Hamas. O presidente Emmanuel Macron se obrigou a baixar decretos censurando manifestações pró-islamistas na França. Os mandatários de Bruxelas, Berlim, Londres e Washington fizeram o mesmo. Ninguém no que restou do Ocidente presumia algo similar. Uma traição dentro de casa. Ninguém sabe se por Emma ou Capitu. Mas, simplesmente, um novo choque de desrazão sem precedentes simbólicos no coração desses ainda ocidentais, europeus e norte-americanos, e, portanto, bem ao fundo, cristãos.

Adicione-se aos fatos o reconhecimento de que esses desavergonhados apoiadores dos barbarismos islamistas do Hamas não são leninistas nem trotskistas, tampouco stalinistas ou afins. São os próprios islâmicos que passaram a povoar demograficamente a Europa e os Estados Unidos e conseguiram desmoralizar todos os apelos de laicidade e assimilação. O que um dia foi o debate sobre portar ou não um véu, agora virou a deliberação sobre permitir ou não o apoio a ações terroristas de macabra ventura em terras médio-orientais.

Voltaire nem Kant tampouco Hegel imaginaram uma tamanha transgressão de valores ocidentais pretendidos universais.

Se isso não bastasse, após a selvageria do Hamas, o reflexo legítimo do Estado hebreu seria, em nome de sua honra, contra-atacar. E o contra-ataque começou. Fechou-se um cerco à Faixa de Gaza. Privou-se a todos de água, gás e eletricidade. Bombardeou-se edifícios, praças e ruas. Tudo isso antecipando um confronto anunciado terrestre para caçar até o último homem dos radicais do Hamas.

Nessa incursão terrestre – se acontecer – as forças israelenses vão experimentar o que os oficiais brasileiros do Bope experienciam na Rocinha, no Jacarezinho, na Nova Brasília, na Vila do Vintém no Rio de Janeiro: uma guerrilha urbana sem regras nem solução onde as maiores baixas são colaterais e de inocentes. O problema é que esse tipo de investida foi – e continua sendo – imensamente condenado por ocidentais, europeus e norte-americanos, quando utilizado pelas tropas russas na Ucrânia. Será que no caso israelense se vai aprovar?

Muitos pesos e muitas medidas. Não tem como suportar.

E, justamente, por não se suportar que os africanos se rebelaram em cascata nos últimos meses e anos no Sahel e em seus arredores quando notaram que europeus e norte-americanos esboçaram um zelo pela democracia, pelo consumo e pelos direitos humanos dos ucranianos que nunca sinalizaram engendrar ao encontro dos africanos no Sudão, na Nigéria, no Mali, no Congo, no Burundi, no Burkina Faso nem no Gabão. Mesmo o cinismo, a mentira e a complacência, já forjava Shakespeare, um dia encontram o seu fim.

Muitos ainda se perguntam, nesse sentido e não em qualquer outro, a razão pela qual uma vastíssima quantidade de países, notadamente africanos, outrora subservientes aos ditames do Ocidente, dos europeus e dos norte-americanos, preferiu simplesmente ignorar os reclamos de Paris, Berlim, Londres e Washington para o fazimento de uma condenação internacional implacável de embargos e sanções contra o povo russo. A resposta desde muito vem evidente: os sonhos de diferentes são divergentes. Os ponteiros dos relógios do Ocidente e do resto não batem a mesma hora. Assim, quase ninguém dos divergentes apoiou a ofensiva europeia e norte-americana contra o presidente Vladmir Putin. E quem, desavisadamente, hesitou e apoiou, logo em seguida recuou e declarou neutralidade.

Nada disso quer dizer que o famigerado “Sul Global” seja uma realidade. Qualquer observador honesto e minimamente informado compreende que essa imagem meridionalista sugere uma simplificação extremamente perigosa das fraturas expostas de um mundo contemporâneo em dissolução. A China e a Rússia, por exemplo, vedetes de primeiro plano desse arranjo meridional, estão no hemisfério norte. A Austrália e a Nova Zelândia, inquestionáveis entrepostos extremo-ocidentais na Oceania, estão ao Sul. A Síria, o Irã e o Catar sonham sonhos eslavos, asiáticos, médio-orientais, mas jamais ocidentais. A Arábia Saudita ainda espera, um dia, se norte-americanizar. A Malásia se imagina virar uma Arábia Saudita. A Zâmbia namora vez a China vez a Rússia, desejando ser um grande da Eurásia. O Uruguai daria tudo para não pertencer ao Sul nem ao Mercosul. O Chile, nem se fale. O Sudão do Sul gostaria muito de estar no hemisfério norte. E o Brasil e a Argentina, que, por evidência, possuem bons corações, nunca conseguiram sincronizá-los para pulsar no mesmo tom.

Esse mosaico de uma realidade em decomposição pode ser ainda evidenciado pela dificuldade que todos esses países têm tido em se posicionar diante da inquestionável carnificina impetrada pelo Hamas. Ninguém dos isolados meridionais deu um apoio cerrado à Israel como a Argélia, a Síria, o Líbano, o Catar e o Irã deram à Palestina e ao Hamas. A Rússia nem a China, membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas, preferiram se manifestar. Aprovaram em silêncio o regozijo de ver mais uma arquitetura ocidental – no caso, Israel – desmoronar. O presidente brasileiro, inquestionavelmente o chefe de Estado mais experiente, mais importante e mais expressivo entre os mandatários do Brics e do mundo de tinos meridionais, não soube o que dizer e ainda não se decidiu sobre como fazer para redizer o que não disse imaginando dizer.

Note-se a magnitude do problema.

E que ainda seja anotado que tudo fica mais grave quando se reconhece que o Egito alertou repedidas vezes aos israelenses – como de resto o fizera em 1973, nos ataques sobre o Yom Kippur – da iminência de um ataque islamista de gigantescas proporções. Por que se ignorou?

Uma primeira explicação poderia se aninhar no complexo de superioridade de um povo judeu que suportou as maiores perseguições registradas pela história da humanidade. Esse sentimento de superioridade confere aos mandatários israelenses níveis extremos de orgulho e desprezo frente aos demais. Especialmente ante aos seus vizinhos magrebinos. O orgulho precede a queda, já diziam os Provérbios de Salomão. As gentes de Telavive e Jerusalém sabem bem disso. Portanto, olhando mais de perto, existem outras razões mais tangíveis para essa sua indiferença e não ação. No recente alargamento dos Brics, o Cairo foi indicado com mais uma capital desse aglomerado de antagonistas meridionais. Virou, desse modo, razoável aos israelenses suspeitar das tramas dos mandatários do Egito.

Enfim, não se deve, de fato, jogar nem brincar com o sofrimento dos outros. Quem ainda não reconheceu a pugnacidade desse ensinamento, que volte a meditar sobre todas essas indeterminações destes tempos interessantes, desencantados e sem perdão que a Modernidade, a Pós-Modernidade e o século XXI apresentam.

O formidável diplomata francês Maurice Gourdant-Montagne, antigo secretário-geral do Quai d’Orsay [Itamaraty francês] e conselheiro especial do presidente Jacques Chirac, nesse sentido, vem de publicar um livro simplesmente extraordinário sob o título Les autres ne pensent pas comme nous [em tradução livre, Os outros não pensam como nós pensamos]. Desde o enunciado do título já vai evidente uma mudança de mentalidade sem precedentes no ideário franco-europeu-ocidental.

Desde os tempos de André Gide que os franceses, europeus e ocidentais acreditavam verdadeiramente que os médio-orientais, latino-americanos, asiáticos e afins eram europeus e ocidentais alfabetizados em outro idioma. Esse seu reflexo foi assim por praticamente todos os séculos do XVIII ao XX. Talvez uns e outros ainda o mantenham assim. Mas a ascensão da China, da Ásia e da Eurásia e a projeção de imensos oásis de prosperidade pela África, América Latina e América do Sul informam que o parêntese de cinco séculos de europeização e ocidentalização dos negócios do mundo está terminando. Tudo que se vivenciou depois de 1492 chegou ao século XXI integralmente estraçalhado. Nada disso consegue mais se sustentar. E isso tem implicações gravíssimas para o ordenamento internacional. Ou, como anunciava o presidente Ronald Reagan, para a new world order. Perceba-se que a mesma Organização das Nações Unidas que não consegue selar o destino da intempérie da Rússia versus a Ucrânia, desde 1948 também não consegue impor uma paz sustentável aos fiéis e infiéis médio-orientais. Do contrário, só pioram a situação. E, aqui, o caso do Irã, nesse intercurso, parece o mais ilustrativo.

Com o escalpelamento da Al Qaeda e, em seguida, do Estado Islâmico, a responsabilidade pela afirmação do islamismo mundial ficou a cargo de Teerã. Os promotores da revolução iraniana empunharam essa responsabilidade como a missão final de suas vidas. O aglomerado denominado irmandade muçulmana virou o seu principal aliado nessa mundialização. E tem muito que já deixou de ser enigma que essa irmandade encarna o Hamas na Palestina.

A Palestina continua um ambiente pobre, limitado e desprovido de recursos. Quem rever com vagar o que os integrantes do Hamas fizeram no dia 7 de outubro de 2023 poderá notar que seria impossível a um grupo local empobrecido pelas circunstâncias e amputado em sua razão possuir tamanha proeminência de materiais, inteligência e logística assim como tantos aparatos táticos e estratégicos para tamanha operação. Parece evidente que tudo veio do Irã e de suas coalizões africanas e médio-orientais pela causa islâmica. Isso quer dizer que um cessar-fogo entre os israelenses e o Hamas na Faixa de Gaza vai depender da arbitragem dos iranianos. Sim: vai ser necessária uma conversação com o diabo. Ou, melhor, com os outros.

Os ocidentais, europeus e norte-americanos, identitários, pós-modernos e de disposição woke, desde que começaram a matar o seu Deus no século XVII iniciaram a desprezar o diabo. Muitos nem sabem que ele existe. O diabo são, literalmente, os outros. Tal e qual o inferno que dizia Sartre. A prepotência moderna da razão iluminista retirou da consciência do Ocidente, dos europeus e norte-americanos, o compromisso de reconhecimento dos outrosOutros que, definitivamente, ne pensent pas comme nous.

Todos esses feitos e fatos recentes ao longo do século XXI indicam que os ocidentais começaram a, sem perceber, virar esses outros. O ocaso do Ocidente ainda figura num futuro incerto. Mas a sua perda de relevância vai se fazendo inquestionável e conduzindo os seus praticantes a uma considerável irrelevância. Irrelevantes viram os outros.

O 11 de setembro de 2008, a crise financeira mundial de 2008, a pandemia de covid-19, a nova fase da tensão russo-ucraniana e agora as escaramuças entre fiéis e infiéis médio-orientais evidenciam que um novo mundo já nasceu. Sem os controles antigos, sem os seus autoritarismos nem os seus constrangimentos. Ninguém consegue presumir o devir de tudo isso. Mas uma coisa é certa: se a superação das ilusões das certezas ocidentais não for, logo, realizada, seguir-se-á nessa onda de tragédias e estupefação sem fim. Como que se brincando com fogo, banalizando-se o mal. Sem um reposicionamento do Ocidente, dos ocidentais, europeus e norte-americanos, no cenário mundial, uma nova história vai ter fim. Mas, dessa vez, talvez, o seu último.



O papel da Justiça internacional no conflito em Nagorno-Karabakh - Lucas Carlos Lima (FSP)

 OPINIÃO

 
 LUCAS CARLOS LIMA

O papel da Justiça internacional no conflito em Nagorno-Karabakh

Decisões de cortes terão efetivo papel na vida e memória da população civil

https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2023/10/o-papel-da-justica-internacional-no-conflito-em-nagorno-karabakh.shtml

Lucas Carlos Lima

Professor de direito internacional na UFMG, é coordenador do Grupo de Pesquisa em Cortes e Tribunais Internacionais CNPq/UFMG


Folha de S. Paulo, 14/10/2023

Não só no campo de batalha se descortinam conflitos trágicos como o na região de Nagorno-Karabakh, enclave europeu pelo qual se digladiam Armênia e Azerbaijão. Ao mesmo tempo em que centenas de refugiados buscam abrigo fora de sua terra natal e tropas disputam um território rico em recursos e conflitos históricos, times jurídicos encetam causas em tribunais internacionais para demonstrar que ao oponente não socorre o direito.

O questionamento que segue é: em meio aos fluxos migratórios e às brutalidades bélicas, qual é o papel efetivo de tribunais internacionais num conflito como o que se desenlaça no coração do Cáucaso?
Em apertada síntese, pode-se citar dois fronts judiciais nos quais a questão de Nagorno-Karabakh é discutida: a Corte Internacional de Justiça, em Haia, e a Corte Europeia de Direitos Humanos, em Estrasburgo.

m Haia, o litígio gira em torno da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1966), da qual o Brasil faz parte e deseja ver respeitada. Armênia e Azerbaijão alegam em processos que o oponente viola direitos protegidos ao discriminar minorias étnicas na região que controlam.

O que desejam os Estados com esse processo? Certamente que o tratado seja respeitado, mas há um argumento jurídico a mais.

Em Estrasburgo, a Convenção Europeia de Direitos Humanos arrola uma série de direitos que estariam sendo violados pelos dois Estados. Há aqui uma particularidade. Nesse tribunal, há não só o conflito entre os Estados como de indivíduos que acionam os Estados pela violação de seus direitos. O atual conflito continuará aumentando o já vultoso número de casos nessa corte.

É um truísmo afirmar que, para o direito internacional, é necessário estar claro quem controlava determinada região no momento em que a violação ocorreu. Aqui consiste uma dos principais vocações desses tribunais: após analisar cuidadosamente os fatos, determinar quem concretamente violou o direito.

Mas a justiça internacional possui percalços ao exercer essa vocação. No atual desenho dos tribunais internacionais, a ação imediata que esses órgãos judicantes possuem é extremamente limitada. Os olhos que vagam a Haia ou Estrasburgo por uma determinação do fim do conflito não o encontrarão. Contudo, existe a chance de que esses tribunais ofereçam pelo menos uma resposta juridicamente baseada, comprovada através de um justo e equilibrado processo, que violações ocorreram e que o direito internacional, num determinado momento e espaço, tinha um lado.

Os tempos da justiça internacional são particulares. Que o diga o Brasil, que em setembro de 2023 teve finalmente encerrado o caso da reparação pelas violações contra Damião Ximenes Lopes na Corte Interamericana, decidido em 2006.

O conflito em Nagorno-Karabakh não terá seu fim decretado pela sentença de um tribunal. Contudo, esses tribunais não apenas servirão para dizer a qual lado socorria o direito como terão efetivo papel na vida e memória daqueles que mais sofrem: a população civil protegida pelos tratados firmados.


O tempo parece outorgar à história a última palavra sobre o valor da justiça internacional.


Dois artigos sobre a desumanidade da esquerda: Eduardo Affonso e Pablo Ortellado (O Globo)

 O fanatismo político pode cegar, e como…

PRA


O horror, o horror

Eduardo Affonso, O Globo (14/10/2023)

São monstros que relativizam crimes de guerra. Desalojaram do cérebro todo senso de humanidade, para acomodar uma ideologia

Cerca de 3 mil jovens se divertem num festival de música eletrônica. Em poucos minutos, ao menos 260 estarão mortos. Haverá estupros. Transeuntes serão baleados, aleatoriamente, nas estradas, nas ruas. Famílias, chacinadas dentro de casa. Pessoas torturadas serão exibidas como troféus. Pelo menos 150 civis — entre eles, idosos e crianças —, levados como reféns.

Talvez tenha havido um tempo em que a simples leitura desse parágrafo fosse suficiente para definir quem são os algozes, quem são as vítimas. Não mais. Um filósofo contemporâneo terá material de sobra — nos jornais, nas conversas, nas redes sociais — para desenvolver uma teoria sobre a relatividade do mal.

Poderá começar com as notas do PCO, presidido pelo jornalista Rui Costa Pimenta. Com os cadáveres ainda insepultos, ali se festejava: “Ontem foi um dia histórico não só para o povo palestino, mas para todos que querem ver o mundo livre da opressão, da tirania e do terrorismo. Todo apoio ao Hamas! Fim de Israel!” e “A violência e a guerra pode [sic] ser um espetáculo repugnante, mas elas são parte da política”.

E prosseguir com as declarações do jornalista Breno Altman, para quem “A guerra de um povo subjugado contra um Estado colonial é sempre justa. Esse é um marcador essencial para ler a situação palestina”. Quem precisa da Convenção de Genebra quando está do lado progressista da Força?

“O que o Hamas fez contra Israel é condenável e repudiamos. Mas nesta guerra não há inocentes”, ecoou o teólogo, filósofo e defensor dos pobres e excluídos, o ex-frei Leonardo Boff. Do seu ponto de vista, as crianças mortas no ataque de 7 de outubro carregariam o pecado original de ser judias.

Todos ignoram, por conveniência, que, além dos mais de mil assassinados em Israel, o Hamas também condenou à morte milhares de palestinos, ao fazê-los de escudo humano. Que, para o grupo terrorista, vidas palestinas importam tão pouco quanto quaisquer outras.

Soubemos, por fotografias e relatos, das tragédias do colonialismo, da escravidão, do Holodomor, do Holocausto. Pela televisão, tomamos contato com as atrocidades no Vietnã, na Bósnia, no Camboja, no Iraque, em Ruanda e Burundi. No que parecia ser o limite, assistimos aos vídeos da degola de prisioneiros, feitos por jihadistas. Chegamos agora a outro patamar: a transmissão, ao vivo, das execuções e dos abusos, orgulhosamente gravados pelos criminosos. Nossa geração não precisa estar no campo de batalha para ter uma experiência imersiva no horror.

“A ocasião faz o furto; o ladrão já nasce feito”, escreveu Machado de Assis. Esses que olham o horror nos olhos e não se horrorizam — ao contrário, debocham das vítimas em rede social, celebram nas universidades, abusam das conjunções adversativas, transbordam em eufemismos — há pouco bradavam por vacinas para salvar vidas, se comoviam com o drama dos ianomâmis, tinham na ponta da língua slogans para preservar o planeta.

São monstros que sempre estiveram, mais ou menos despercebidos, à nossa volta. Bastou a ocasião, e ei-los relativizando crimes de guerra, em negacionismo do pacto civilizatório. Monstros que desalojaram do cérebro todo senso de humanidade, para acomodar uma ideologia.

A sabedoria judaica ensina que quem salva uma vida salva o mundo inteiro. Mundos inteiros se perdem, neste instante, em Israel, na Faixa de Gaza. Os monstros comemoram.

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Perdemos a decência?

Pablo Ortellado, O Globo (14/10/2023)

Em nome do anti-imperialismo, jogamos fora o respeito aos mais fundamentais princípios de humanidade

Logo após o ataque do Hamas a Israel, mensagens de apoio à causa palestina tomaram as mídias sociais. Primeiro, vieram as chocantes imagens de jovens massacrados num festival de música, famílias inteiras assassinadas em fazendas e kibutzim, sequestros de crianças e idosos. Minutos depois, chegaram mensagens entusiasmadas de apoio à causa palestina — vindas de ativistas, de lideranças políticas e de parlamentares de esquerda. Como chegamos ao ponto em que pessoas de bem celebram, como um ato justo de resistência, o terrorismo, o assassinato frio de civis?

Podemos supor que essas mensagens apoiaram apenas a “resistência palestina”. Mas o Hamas não são os palestinos. O Hamas nem representa os palestinos — nem sequer os da Faixa de Gaza. O Hamas é um agrupamento político teocrático, não democrático, que não reconhece o Estado de Israel e pratica o terrorismo como forma de luta. Governa de fato a Faixa de Gaza, mas não se pode dizer que é um governo legítimo. O Hamas chegou ao poder por meio da via eleitoral em 2006, expulsou seu concorrente secular (o Fatah) e governa o território desde então sem eleições periódicas.

O movimento que vimos não foi uma explosão espontânea de revolta da população civil palestina, foi uma ação militar friamente planejada por um agrupamento político-religioso para atingir propósitos políticos. Ao apoiar a ação “de resistência”, não se apoiam os palestinos, mas o Hamas.

Tampouco se apoiam os palestinos ao apoiar uma ação contrária a Israel. A crítica às políticas de Israel para a Palestina inclui muitas posições, e o terrorismo teocrático do Hamas é a pior delas. Há um sem-número de motivos para criticar a política israelense que transformou a Faixa de Gaza numa espécie de prisão a céu aberto e que aos poucos ocupa todo o território da Cisjordânia com sucessivos assentamentos ilegais. Todas essas críticas são necessárias. E nenhuma delas precisa levar a apoiar o terrorismo.

Isso posto, podemos discutir por que, afinal de contas, precisamos nos importar com o apoio ao Hamas se estamos no Brasil, tão longe da guerra. Importa pouco para o desenlace do conflito se o MST, o PT ou algum parlamentar brasileiro faz ou deixa de fazer uma declaração de apoio às ações do Hamas. A importância dessas declarações está noutro lugar.

As declarações sinalizam uma complacência com a violência e com o terrorismo quando se considera que o adversário ou as ações do adversário são ilegítimas. O que preocupa nas declarações de apoio é que uma ação bárbara que assassinou friamente centenas de civis possa ser considerada legítima ou aceitável porque se entende que Israel oprime os palestinos.

O raciocínio que leva a apoiar a ação do Hamas porque se condena a política de Israel não é diferente daquele que leva a apoiar as violações de direitos humanos na Venezuela porque se condena o golpismo da oposição. Também não é diferente daquele que apoia a invasão do Congresso brasileiro porque se considera que o STF e o TSE são parciais.

Toda essa chocante onda de apoio à causa palestina no contexto das ações do Hamas preocupa porque, em nome do anti-imperialismo, jogamos fora o respeito aos mais fundamentais princípios de humanidade. E nada disso muda — na verdade, se agrava — se, nos próximos dias, viermos a testemunhar, do outro lado, apoio aos abusos das Forças de Defesa de Israel contra a população civil na Faixa de Gaza. Para enfrentar os adversários políticos, não estamos apenas fechando os olhos aos abusos — estamos renunciando à nossa decência.




domingo, 15 de outubro de 2023

Hipólito da Costa como um dos pais fundadores da nação: seminário na Câmara dos Deputados - Paulo Roberto de Almeida

No ano anterior e no ano do bicentenário da independência, participei de diversos seminários. Três deles na Câmara dos Deputados, tendo escolhido para um deles o jornalista Hipólito da Costa como meu tema de alocução. Eu já tinha preparado um trabalho a esse respeito, que foi publicado em livro organizado pela mesma CD em  2021 w publicado em 2022, cujos dados editoriais são estes: 

3954. “Hipólito da Costa, a censura e a independência do Brasil”, Brasília, 1 agosto 2021, 16 p. Introdução ao livro de José Theodoro Mascarenhas Menck: Hipólito José da Costa, o Correio Braziliense e as Cortes de Lisboa de 1821: a Imprensa no processo de independência do Brasil; Obra Comemorativa dos Duzentos Anos da Imprensa Brasileira e sua Contribuição ao Processo da Independência do Brasil na coleção do Bicentenário da CD. Publicado in: José Theodoro Mascarenhas Menck: A imprensa no processo de Independência do Brasil (Brasília: Câmara dos Deputados, 2022, 228 p.; p. 19-41; ISBNs: Papel: 978-65-87317-75-5; E-book: 978-65-87317-76-2; Prefácio: Helena Chagas; Introdução: Paulo Roberto de Almeida; Posfácio: Enrico Misasi. Relação de Publicados n. 1527.

 

No seminário de 2022, também falei sobre Hipólito e a Câmara transcreveu minha alocução, que não foi o texto que publiquei em outro livro, a ser publicado pela Editora Appris. Eis a minha palestra transcrita.

 

O SR. PAULO ROBERTO DE ALMEIDA - Muito obrigado, Deputado Gustavo Fruet. Eu li, muito recentemente, uma apresentação ou uma tese sua sobre parlamentarismo. Somos colegas na mesma causa.

Gostaria, em primeiro lugar, de apresentar minhas desculpas por não estar fisicamente, presencialmente neste seminário, por motivo de precaução, em virtude da permanência da pandemia e também por respeito aos demais participantes.

Gostaria de fazer os meus agradecimentos, em primeiro lugar, ao Deputado Enrico Misasi, que me convidou para este seminário e com o qual já participei de outras iniciativas, ao meu colega do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, o Secretário-Geral José Theodoro Menck, e ao meu colega diplomata e sócio acadêmico do IHGDF, o André Ricardo Heráclio do Rêgo.

Minhas saudações aos meus colegas de Mesa: a pesquisadora Isabel Lustosa, que tem esse belo livro sobre o nosso herói do dia.

(Exibe livro.)

Minhas saudações aos jornalistas Malcolm Forest, pelo comparecimento.

Bem, a minha mensagem principal nesta breve alocução é a seguinte. O Hipólito da Costa foi o primeiro estadista do Brasil. Isso parece contraditório, porque, desde a sua ida para Coimbra, no início da última década do século XVIII, o Hipólito da Costa nunca mais voltou ao Brasil. Ele morou em Portugal, fez uma viagem aos Estados Unidos, numa missão um pouco de espionagem industrial ou agrícola ou de prospecção de plantas úteis, maquinários úteis, a serviço do D. Rodrigo de Sousa Coutinho. Como disse a Isabel, ele retornou, apresentou seu relatório a quem o mandou em viagem, mas também deixou um diário da sua viagem a Filadélfia, aos Estados Unidos, de 1798 a 1799, que ficou desconhecido durante muitos anos, até que Alceu Amoroso Lima o descobrisse na Biblioteca de Évora e o mandasse publicar, pela Academia Brasileira de Letras pela primeira vez. Mas há uma edição mais recente no Senado Federal. Vocês podem consultar na Biblioteca Digital do Senado Federal esse belo relato, que antecipa o Alexis de Tocqueville em mais de 40 anos, porque o Hipólito vai descrever não apenas a sua viagem, os seus negócios, as suas entrevistas, os seus conhecimentos, mas também o que eram os Estados Unidos, na religião, na sociedade, na política. Ele é um Tocqueville avant-lettre.

Da mesma forma, depois de escapar da inquisição do Pina Manique e viajar para Grã-Bretanha, para Londres, em 1805, ele faz a sua narrativa da perseguição, que também está publicada pelo Senado e vale a pena ler, não só pelo aspecto de direito ou de defesa, mas realmente para termos uma ideia do que era o cenário de Portugal no final do século XVIII e início do século XIX, sabendo que a inquisição só foi extinta em Portugal em 1848.

Ele se tornou maçom. Daí a sua grande lucidez sobre a política. Apesar de admirador do sistema constitucional inglês, da monarquia constitucional, pelo menos desde a Revolução Gloriosa, do século XVII, ele era um observador atento, um crítico realmente do imperialismo inglês e dos interesses sobre os países tutelados, a sua colônia. Mas ele se torna realmente um estadista do Brasil quando ele inicia o primeiro jornal independente, o Correio Braziliense, o seu Armazém Literário, uma espécie de gabinete de curiosidade que tinha de tudo: relatos de guerra, decretos reais, decretos de governos, sessões de Parlamentos, de Constituinte, preço, cotação de commodities, como temos hoje em todos os jornais. Era um gabinete de curiosidades, que teve um papel enorme, mais do que o que se pode avaliar, na formação de uma nova mentalidade para portugueses, súditos de Portugal, em Portugal mesmo e sobretudo no Brasil. Isso começa particularmente com a sua análise dos tratados de 1810, os tratados impostos pelo partido inglês, digamos, no governo da monarquia portuguesa já no Rio de Janeiro. A análise que ele faz dos tratados, em especial do tratado de comércio, torna-se o padrão, digamos, o paradigma da análise dos tratados desiguais, que permaneceram no Brasil até 1844 pelo menos — no caso da China, por exemplo, foram até 1 século adiante. Apenas na Segunda Guerra foram eliminados esses tratados desiguais.

A análise que ele faz sobretudo das relações comerciais desiguais, iníquas, assimétricas vai ser reproduzida pelo Oliveira Lima, em D. João VI no Brasil, publicado em 1908, que também tem edições recentes fac-similares ou redigitalizadas tanto no Senado quanto na Biblioteca Digital da FUNAG, do Ministério das Relações Exteriores, e, mais tarde, pelo Roberto Simonsen, um industrial que também era professor na Escola Paulista de Sociologia, que, em História Econômica do Brasil, de 1938, transcreve literalmente a análise do Hipólito sobre os tratados. Então, é aí que ele forma uma ideia sobre o que deveria ser o Brasil.

Aliás, o Barbosa Lima Sobrinho, grande jornalista — ele foi da ABI, talvez mais do que qualquer outro jornalista, durante décadas —, em Antologia do Correio Braziliense, dá muita importância ao papel da imprensa, à concepção de uma independência ou de uma autonomia do Brasil desde 1808. Essa independência vai se aprofundar, evidentemente, no Reino Unido, em 1815, quando o Brasil se torna um reino, portanto, com status similar ao de Portugal. Depois, em 1820, o Hipólito José da Costa também vai analisar a Revolução do Porto, que adota imediatamente a Carta de Cádiz, aquela Constituição feita pelos liberais espanhóis em Cádiz, em 1812, que foi adotada na Espanha durante 3 anos, o triênio liberal, mas depois voltou à autocracia, ao absolutismo de Fernando VII, mas que também foi adotada imediatamente por Portugal, provisoriamente, com as suas adaptações pelas Cortes, e a que D. João VI teve que jurar no Rio de Janeiro.

Esse período mais fértil da postura do Hipólito como estadista, de 1820 a 1822, quando termina o Correio Braziliense, está muito bem selecionado naquela antologia feita pelo Sérgio Góes de Paula, uma coleção sobre grandes figuras da nossa história. O Sérgio Góes de Paula fez uma seleção, de 1820 a 1822, dos melhores textos de Hipólito sobre as Cortes de Lisboa, sobre o sistema constitucional inglês e sobre o que o Brasil deveria ou poderia fazer para assegurar a sua autonomia, dentro dessa utopia do poderoso império, ou seja, um grande império luso-brasileiro, multinacional, mas com sede no Rio de Janeiro. Tanto ele quanto José Bonifácio tinham essa aspiração, assim como o próprio D. Pedro I, evidentemente. Isso não deu certo, porque as Cortes avançaram muito. Quando as Cortes proclamaram a Constituição portuguesa, em setembro de 1822, o Brasil já tinha declarado a sua independência. Pelo estatuto, as Cortes queriam tornar o Brasil uma colônia, com as províncias separadas, conectadas diretamente a Portugal. Por isso que eu chamei o Hipólito de primeiro estadista do Brasil.

A Isabel Lustosa fez uma edição fac-similar do Correio Braziliense com o Alberto Dines, em torno de 2000, de 2001, que está também inteiramente disponível, seja na edição original, na Biblioteca Mindlin, do Instituto de Estudos Brasileiros de São Paulo, seja nessa edição feita em 2000 e 2001, entre o atual Correio Braziliense, de Brasília, e a Imprensa Oficial do Estado de São Paulo.

Correio Braziliense foi muito citado em diferentes estudos historiográficos. Existe a biografia do Macedo e do Rizzini, já do final dos anos 50, e esse belo livro da Isabel Lustosa, que tem vários outros livros sobre a imprensa do Brasil, tanto portuguesa quanto brasileira ou brasiliense, como diria o nosso Hipólito, como o Insultos Impressos, a guerra de versões que havia no Brasil nos anos 1821 e 1822, entre constitucionalistas, monarquistas absolutistas, reacionários, republicanos, entre Barata, Ledo e vários outros maçons. Houve toda uma guerra na imprensa, com o próprio Cairu, um cortesão que animou diferentes jornais. A Isabel Lustosa já nos deixou um brilhante relato sobre esse período muito rico para analisar a imprensa, como mostrou agora o Malcolm Forest, com princípios ainda válidos atualmente.

Mentiras havia naquela época, evidentemente, versões falsas, mas o código de ética dos jornalistas está presente na grande imprensa, nos órgãos responsáveis.

Gostaria de agradecer esta oportunidade para me manifestar sobre o primeiro estadista do Brasil.

Muito obrigado, Deputado Gustavo Fruet. (Palmas.)

 

sábado, 14 de outubro de 2023

O Brasil NÃO precisa de atentados terroristas: já tem o suficiente made at home

 Documentos descobertos e mantidos em sigilo pela Polícia Federal do Brasil, FBI e Polícia francesa revelam que o Estado Islâmico (ISIS), teria ordenado a execução de um atentado na capital carioca. O alvo da ação seria o Cristo Redentor, um dos símbolos mais conhecidos do Rio. Foram enviados para o sequestro de um avião que seria lançado contra a “estátua-símbolo dos infiéis cristãos”.


Nos registros da Polícia Federal consta que os dois terroristas chegaram ao aeroporto Galeão Tom Jobim no domingo, 1º de novembro, às 21h47m, num voo da Air France. A missão começou a sofrer embaraços já no desembarque, quando a bagagem dos muçulmanos foi extraviada, seguindo num voo para o Paraguai. Depois de quase seis horas de peregrinação por diversos guichês e dificuldade de comunicação pelo inglês ruim, os dois saem do aeroporto, aconselhados por funcionários da Infraero a voltar no dia seguinte, com intérprete.


Os terroristas pegaram um táxi pirata na saída do aeroporto, sendo que o motorista percebeu que eram estrangeiros e rodou duas horas dando voltas pela cidade, até abandoná-los em lugar ermo da Baixada Fluminense. No trajeto, ele parou o carro e três cúmplices os assaltaram e espancaram. Eles conseguiram ficar com alguns dólares que tinham escondido em cintos próprios para transportar dinheiro e pegaram carona num caminhão que entregava gás.


Na segunda-feira, às 7h33m, graças ao treinamento de guerrilha no Afeganistão, os dois terroristas conseguem chegar a um hotel de Copacabana. Alugaram, então, um carro e se perderam no Rio: entraram numa favela e o carro foi totalmente metralhado. Mais uma vez, devido ao treinamento de guerrilha, se safaram e voltaram para o aeroporto, determinados a sequestrar logo um avião e jogá-lo bem no meio do Cristo. Enfrentam um congestionamento monstro por causa de uma manifestação de estudantes e professores em greve – e ficaram três horas parados na Avenida Brasil, altura de Manguinhos, onde seus relógios foram roubados em um arrastão.


Por fim, às 15h45m chegam ao Tom Jobim para sequestrar um avião. Aeroviários e passageiros estão no saguão do aeroporto, tocando pagode e gritando slogans contra o governo. O Batalhão de Choque da PM chega batendo em todos, inclusive nos terroristas. Às 18h, aproveitando o resgate de presos feito por um esquadrão de bandidos do Comando Vermelho, eles conseguem fugir da delegacia em meio à confusão e ao tiroteio. Às 19h05 eles se dirigem ao balcão da GOL para comprar as passagens. Mas o funcionário omite a informação de que os voos da companhia estão suspensos.


Eles, então, discutem entre si: começam a ficar em dúvida se destruir o Rio de Janeiro, no fim das contas, é um ato terrorista ou uma obra de caridade.


Às 23h30m, sujos, doloridos e mortos de fome, decidem comer alguma coisa no restaurante do aeroporto. Pedem sanduíches de churrasquinho com queijo de coalho e limonadas. Só na terça-feira, às 4h35m, conseguem se recuperar da intoxicação alimentar de proporções equinas, decorrente da ingestão de carne estragada usada nos sanduíches. Foram levados para o Hospital Miguel Couto, depois de terem esperado três horas para que o socorro chegasse e percorresse os hospitais da rede pública até encontrar vaga. Debilitados, só terão alta hospitalar no domingo.


Domingo, 18h20h: os homens do Estado Islâmico saem do hospital e chegam perto do estádio do Maracanã. O Flamengo acabara de perder o jogo . A torcida rubro-negra confunde os terroristas com integrantes da galera adversária, e lhes dá uma surra sem precedentes.  Ao verem uma barraca de venda de bebida nas proximidades, decidem se embriagar uma vez na vida. Tomam cachaça adulterada com metanol e precisam voltar ao Miguel Couto.


Segunda-feira, 23h42m: os dois terroristas fogem do Rio escondidos na traseira de um caminhão de eletrodomésticos, assaltado horas depois na Serra das Araras. Desnorteados, famintos, sem poder andar e sentar, eles são levados pela van de uma Ong ligada a direitos humanos. Conseguiram fugir do retiro da Ong no dia seguinte e perambulam o dia todo à cata de comida. Cansados, acabam adormecendo debaixo da marquise de uma loja.


A Polícia Federal ainda não revelou o hospital onde os dois foram internados em estado grave, depois de espancados quase até a morte por um grupo de mata-mendigos. O porta-voz da PF declarou que, depois que os dois saírem da UTI, serão recolhidos no setor de imigrantes ilegais, em Brasília, onde permanecerão até o Ministério da Justiça autorizar a deportação – se tiver verba, é claro.


Os dois consideraram desnecessário o terrorismo no Brasil e elegem o Rio área de treinamento especializado.”

quinta-feira, 12 de outubro de 2023

O avanço do islamismo preocupa a França - Gilbert Collard

 A paranoia atinge muita gente, que não confia no vigor da cultura nacional para controlar o fervor religioso de estrangeiros imigrantes.


Prezados Todos

A França (liberal e pioneira na criação de permissividades) está passando por uma fase de "muçulmanização" nos hábitos e na leis.

Um advogado francês chamado Gilbert Collard resolveu se manifestar:

- "Fui obrigado a tomar consciência da extrema dificuldade em definir o que é um infiel, para poder escolher entre Alá ou o Cristo; até porque o Islamismo é de longe a religião que progride mais depressa no nosso país. Participei de um estágio anual de atualização, necessária para renovação da minha habilitação de segurança nas prisões. 

Nesse estágio houve uma apresentação por parte de quatro palestrantes, representando respectivamente as religiões Católica, Protestante, Judaica e Muçulmana, explicando os fundamentos das suas doutrinas respectivas. 

Foi com um grande interesse que esperei a exposição do Imã.

A apresentação deste ultimo foi notável, acompanhada por uma projeção em vídeo.


Terminadas as intervenções, chegou-se ao tempo de perguntas e respostas, e quando chegou a minha vez, perguntei: 


- “Agradeço que me corrija se eu estiver enganado, mas creio ter compreendido que a maioria dos Imãs e autoridades religiosas decretaram o “Jihad” (guerra santa), contra os infiéis do mundo inteiro, e que matando um infiel (o que é uma obrigação imposta a todos os muçulmanos), estes teriam assegurado o seu lugar no Paraíso. Neste caso poderá dar-me a definição do que é um infiel?”


Sem objetar à minha interpelação e sem a menor hesitação, o Imã respondeu:

- *_"Infiel é todo não muçulmano”_*.


Eu respondi: 

- “Então permita-me assegurar se compreendi bem; os adoradores de Alá devem obedecer às ordens de matar qualquer pessoa não pertencente à vossa religião, a fim de ganhar o seu lugar no Paraíso, não é verdade?


A sua cara, que até então tinha tido uma expressão cheia de segurança e autoridade, transformou-se subitamente na de um menino, apanhado em flagrante com a mão dentro do açucareiro!!!


- _*"É exato"*_, respondeu ele num murmúrio.


Eu retorqui: 

- “Então, eu confesso ter bastante dificuldade em imaginar o Papa dizendo para os católicos que massacrem todos os vossos correligionários, ou o Pastor Stanley dizendo o mesmo para garantir a todos os protestantes um lugar no Paraíso.”


O Imã ficou sem voz !


Continuei: 

- “Tenho igualmente dificuldades em me considerar vosso amigo, pois que o senhor mesmo e os vossos confrades incitam os vossos fiéis a cortarem-me a garganta!”


Além disso, me aflige uma outra questão: 

- “O senhor escolheria seguir Alá que vos ordena matar-me a fim de obter o Paraíso, ou o Cristo que me incita a amar-vos a fim de que eu aceda também ao Paraíso, porque Ele quer que eu esteja na vossa companhia?”


Nessa hora, dava para ouvir uma mosca voar, enquanto que o Imã continuava silencioso.


Será inútil afirmar que os organizadores e promotores do Seminário de Formação não apreciaram particularmente esta maneira de tratar o Ministro do culto Islâmico e de expor algumas verdades a propósito dos dogmas desta religião.


No decurso dos próximos trinta anos, haverá suficientes eleitores muçulmanos no nosso país para instalar um governo de sua escolha, com a aplicação da “Sharia” como lei.


Parece-me que todos os cidadãos deste país e do mundo deveriam poder tomar conhecimento destas linhas, mas como o sistema de justiça e das “mídias” liberais combinados com a moda doentia do "politicamente correto", não permitirão de forma nenhuma que este texto seja publicado de forma intensiva.


É por isto que eu vos peço para enviar a todos os seus contatos via Internet.

Obrigado, 

Gilbert Collard, cristão, cidadão francês e advogado.

Israel paga o preço do populismo - Yuval Noah Harari

A explicação real para a disfunção de Israel é o populismo

Yuval Harari, O Estado de São Paulo / The Washington Post (11-12/10/2023)

Os israelenses ainda estão com dificuldades para entender o que acaba de nos atingir. Primeiro nós comparamos o atual desastre à Guerra do Yom Kip pur, de 1973. Cinquenta anos atrás, os Exércitos do Egito e da Síria lançaram um ataque surpresa e infligiram a Israel uma série de derrotas militares, até que as Forças de Defesa de Israel se reagruparam, recuperaram a iniciativa e viraram a mesa.

Mas à medida que cada vez mais histórias e imagens horripilantes de massacres de comunidades emergem, nós vamos nos dando conta de que os acontecimentos do sábado recente não são de nenhuma maneira parecidos com a Guerra do Yom Kippur. Em jornais, nas redes sociais e nos lares as pessoas estão traçando comparações com os momentos mais obscuros do povo judeu — da mesma forma que os Einsatzgruppen, as unidades nazistas de extermínio móvel, cercavam e assassinavam judeus durante o Holocausto e que o Império Russo assassinava judeus nos pogroms.

Eu, pessoalmente, tenho parentes e amigos nos kibbutzim Be’eri e Kfar Aza — e ouvi muitas histórias horripilantes. O Hamas tomou controle total dessas duas comunidades por horas. Os terroristas foram de casa em casa, assassinando sistematicamente famílias inteiras, matando pais diante dos filhos e fazendo reféns, até bebês e avós. Sobreviventes apavorados trancaram-se dentro de armários e porões, telefonando para o Exército e a polícia em busca de uma ajuda que com frequência chegou tarde demais.

Meu tio, de 99 anos, e sua mulher, de 89, são membros da comunidade de Be’eri. Todo contato com eles foi cortado pouco após o Hamas tomar o kibbutz. Eles se esconderam em sua casa por horas, enquanto dezenas de terroristas destruíam e assassinavam. Eu fui informado de que eles sobreviveram. E conheço muita gente que acaba de receber a pior notícia de suas vidas.

Minha tia e meu tio são dois judeus durões — nascidos no Leste Europeu nos anos do entreguerras, eles já perderam um mundo no Holocausto.

Nós crescemos com histórias a respeito de judeus indefesos escondendo-se de nazistas em armários e porões sem ninguém acudir em sua ajuda. O Estado de Israel foi fundado para garantir que isso não jamais se repetisse.

Então, como isso foi acontecer? Como o Estado de Israel fracassou nessa sua missão?

Em um nível, os israelenses estão pagando o preço por anos de soberba, durante os quais nossos governos e muitos israelenses comuns sentiram que nós éramos muito mais fortes que os palestinos, que nós poderíamos simplesmente ignorá-los. Há muito o que criticar a respeito da maneira que Israel abandonou a tentativa de fazer paz com os palestinos e mantém há décadas milhões de palestinos sob ocupação.

Mas isso não justifica as atrocidades cometidas pelo Hamas, que de qualquer forma nunca contemplou nenhuma possibilidade de algum tratado de paz com Israel e fez tudo o que pôde para sabotar o processo de paz de Oslo. Qualquer um que queira a paz deve condenar e impor sanções contra o Hamas e exigir a libertação imediata de todos os reféns e o desarmamento completo do grupo.

Além disso, independentemente de quanta culpa seja possível atribuir a Israel, isso não explica a disfunção do Estado. A história não é uma anedota com lições de moral.

A explicação real para a disfunção de Israel é o populismo, não alguma suposta imoralidade. Por muitos anos, o país tem sido governado por um homem-forte populista, Binyamin Netanyahu, que é um gênio das relações públicas mas um primeiro-ministro incompetente. Ele deu preferência repetidamente aos seus interesses pessoais em detrimento do interesse nacional e construiu sua carreira dividindo a nação e fazendo-a voltar-se contra si mesma. Ele nomeou pessoas para ocupar posições importantes com base mais em lealdade do que em qualificação, assumiu o crédito por todos os sucessos mas nunca admitiu responsabilidade por fracassos e pareceu dar pouca importância tanto em falar quanto em escutar a verdade.

A atual coalizão de governo de Netanyahu é de longe a pior. É uma aliança entre fanáticos messiânicos e oportunistas desavergonhados que ignoraram os muitos problemas de Israel — incluindo a situação de segurança em deterioração — e colocaram foco, em vez disso, em concentrar poderes ilimitados para si mesmos. Na busca deste objetivo, eles adotaram políticas extremamente polarizadoras, disseminaram teorias conspiratórias ultrajantes a respeito de instituições de Estado que se opõem às suas políticas e rotularam elites do país como traidores a serviço do “Estado profundo”.

O governo foi alertado repetidamente por suas próprias forças de segurança e numerosos especialistas que suas políticas estavam colocando Israel em perigo e erodindo a dissuasão israelense em um momento de crescentes ameaças externas. Quando o chefe do Estado- Maior israelense solicitou uma reunião com Netanyahu para alertá-lo a respeito das implicações em segurança das políticas do governo, o primeiro-ministro recusou-se a recebê-lo. Quando o ministro da Defesa, Yoav Gallant, não obstante, levantou o alarme, Netanyahu o demitiu. Mas o premiê foi então forçado a restituí-lo no cargo, em razão da indignação pública. Comportamentos desse tipo ao longo de muitos anos possibilitaram à calamidade se abater sobre Israel.

Não importa o que alguém possa pensar a respeito de Israel e do conflito israelo-palestino, a maneira que o populismo corroeu o Estado de Israel deveria servir de alerta para outras democracias de todo o mundo.

Israel ainda pode se salvar da catástrofe. O país ainda conta com uma vantagem militar decisiva sobre o Hamas e seus muitos outros inimigos. A longa memória do sofrimento judaico está agora galvanizando a nação. As IDF e outros organismos de Estado estão se recuperando de seu choque inicial. A sociedade civil está se mobilizando como nunca, preenchendo muitas lacunas deixadas pela disfunção governamental. Os cidadãos estão formando longas filas para doar sangue, recebendo em suas casas refugiados das zonas de guerra e doando comida, roupas e outros itens básicos.

Neste momento de necessidade, nós também conclamamos nossos amigos em todo mundo a ficar do nosso lado. Há muito o que criticar a respeito do comportamento de Israel no passado. O passado não pode ser mudado, mas uma vez que a vitória sobre o Hamas esteja assegurada, os israelenses não apenas acertarão as contas com o atual governo, mas também abandonarão conspirações populistas e fantasias messiânicas — e empreenderão um esforço verdadeiro para realizar os ideais fundadores de Israel, de ser uma democracia por dentro e pacífica no exterior.


Yuval Noah Harari é autor de “Sapiens,” “Homo Deus” e “Unstoppable Us” e professor da Universidade Hebraica de Jerusalém.

quarta-feira, 11 de outubro de 2023

A política externa paralela do governo do PT e o Itamaraty - Paulo Roberto de Almeida

 A política externa paralela do governo do PT e o Itamaraty 

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.


Na frente externa, o Brasil tem vários centros de decisão e de implementação de políticas e medidas: Lula, o PT, o assessor presidencial em assuntos internacionais e o Itamaraty, nessa ordem de importância. Lula, o PT e o assessor internacional possuem suas preferências de alianças externas e prioridades na política internacional. Elas estão claramente do lado das potências contestadoras de uma suposta hegemonia ocidental, considerada por eles como dominadora e contrária aos interesses de longo prazo do Brasil, na verdade, não compatíveis com os instintos primários de todos esses personagens, que padecem de um anti-imperialismo anacrônico e de um antiamericanismo infantil. Eles estão levando o Brasil para um projeto altamente contestável de construção de uma “nova ordem global” antiocidental, claramente liderada por duas grandes autocracias, cuja implementação antinatural vai contra os interesses nacionais do Brasil. 

O Itamaraty, parte submissa dessa coalizão primariamente esquerdista, tem de se submeter à vontade de seus controladores, e tem feito um papel lamentável tanto na emissão de declarações externas, quanto na publicação de notas patéticas, nas quais o principal objetivo é escamotear a realidade, deixando de mencionar atores e autores de atentados terroristas contra alvos e vítimas civis, anteriormente Rússia e Putin, agora Hamas e outros grupos radicais da resistência anti-israelense. Uma nota do Itamaraty chega ao ridículo da falar do “falecimento” de brasileiro em Israel, o que é uma ofensa à família e um atentado à verdade objetiva dos fatos. 

O Brasil diminui cada vez mais sua imagem internacional ao se alinhar às mais execráveis ditaduras e ao eludir uma posição clara sobre graves violações da Carta da ONU e aos direitos humanos. O próximo passo do governo será provavelmente condenar Israel por “terrorismo de Estado”, o que é um fato, mas ao não mencionar o terrorismo bárbaro do Hamas, perde sua credibilidade externa. 

Lula NÃO fez uma nota: apenas uma postagem falando de terrorismo. Mas o que vale para a comunidade internacional são as notas do Itamaraty, que significam posição de governo, e estas até agora têm descurado completamente as expressões terrorismo e Hamas, como já vinham falhando miseravelmente antes ao não condenar nenhum dos bárbaros ataques contra alvos civis na Ucrânia. O Itamaraty emite notas sobre qualquer acidente natural ou humano em qualquer parte do mundo; só tem “esquecido” de emitir notas sobre a guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, sistematicamente e desde sempre.


Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4490, 11 outubro 2023, 2 p.