O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

domingo, 25 de fevereiro de 2024

Embargos Culturais: a coluna de livros de Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy no Conjur

EMBARGOS CULTURAIS: a coluna de livros no Conjur de ARNALDO SAMPAIO DE MORAES GODOY

 https://www.conjur.com.br/colunistas/embargos-culturais/

Imperdível, todos os domingos, para os que gostam de livros, em geral, em especial na conexão com mundo jurídico (mas literário também).

Contei, aproximadamente, 494 ou 496 colunas (13 colunas, cada bloco, em 38 blocos), desde a primeira, abaixo reproduzida, sobre Macbeth, que é de 31 de julho de 2011. Ou seja, dentro de SEIS domingos, ele poderá comemorar 500 colunas (e alguns milhares de livros citados paralelamente). Trata-se de um dos mais vigorosos empreendimentos culturais do e no Brasil, à altura de um Wilson Martins, que publicou sete volumes da História da Inteligência Brasileira, falando, se possível, de todas as obras produzidas no Brasil, ou por brasileiros, desde o século XVI até os anos 1970.

A mais recente, logo abaixo, é de 18 de fevereiro de 2024. Ou seja, neste domingo, 25 de fevereiro, teremos uma nova, a qual acessarei assim que disponível (estamos na madrugada do domingo).

Mas não se trata de apenas uma resenha de UM livro cada domingo. Paralelamente, Arnaldo Godoy cita muitas outras obras. Por exemplo, coloquei as notas remissivas para a sua resenha de Macbeth, ao final desta postagem: 

Começo pelos mais recentes, ou seja, das últimas semanas de 2023 e as primeiras de 2024:

RECENTES:

(...)

Passo agora para o primeiro bloco, o 38. do total, com resenhas desde 2011.

Citações desta primeira coluna sobre Macbeth: 

[1] BRADLEY, A. C., A Tragédia shakespeariana, São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009, p. 255. Tradução de John Russell Brown.

[2] Cf. MOURTHÉ, Claude, Shakespeare, Porto Alegre: L & PM, 2010, p. 164. Tradução de Paulo Neves.

[3] Cf. FREUD, Sigmund, Os Arruinados pelo êxito, in Obras Completas, Rio de Janeiro: Imago, 1999, Volume XIV, pp. 331 e ss. Tradução sob direção de Jayme Salomão.

[4] Cf. HELIODORA, Bárbara, Reflexões shakespearianas, Rio de Janeiro: Lacerda Editores, 2004, pp. 159 e ss.

[5] BORGES, Jorge Luís, Prólogos, com um prólogo de prólogos, São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 193. Tradução de Josely Vianna Baptista.

[6] BLOOM, Harold, Gênio- os 100 autores mais criativos da história da literatura, Rio de Janeiro: Objetiva, 2003, p. 44. Tradução de José Roberto O´Shea.

[7] Cf. HONAN, Paul, Shakespeare, uma vida, São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 399. Tradução de Sonia Moreira.

[8] Cf. CARBER, Marjorie, cit., loc.cit.

[9] Cf. FREUD, Sigmund, cit., p. 335


Trabalho excepcional, que deveria ser publicado em formato de livro digital, para podermos acessar facilmente as quase 500 colunas produzidas.


Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 25 de fevereiro de 2024

China, de volta ao seu passado imperial sob o imperador Xi - Carl Minzner (Council on Foreign Affairs)

 Eu já chamava o Xi de imperador desde a sua recondução à liderança total pela segunda vez. No terceiro mandato é evidente que ele é mais imperador do que secretário geral do PCC. PRA

Beijing’s Ideological Pivot Back To the Past

As China turns the page from its reform era, the Chinese Communist Party's official discourse increasingly references the country's imperial past. 
Blog Post by Carl Minzner
Council on Foreign Relations, February 23, 2024 3:42 pm (EST)

https://www.cfr.org/blog/beijings-ideological-pivot-back-past

China’s official discourse is pivoting back to its imperial past. 

Since his rise to power in 2012, Xi Jinping has steadily infused his official speeches and pronouncements with an increasing number of classical Chinese idioms and historical references. Chinese state television now hosts a regular program (平“语”近人——习近平喜欢的典故) in which scholars analyze idioms and references invoked by Xi, helping to interpret classical concepts for the public and tie them to both central Party slogans and China’s current social realities. Naturally, these trends are entirely consistent with the overall direction of Party ideology, including the Party’s 2021 resolution on history, which emphasizes the need to fuse Marxism with China’s “traditional culture.”

Such uses of imperial history are not limited to current officials. After China’s former central bank governor Yi Gang stepped down from his post, his first interview in January 2023 was an extended discursive analysis of Song dynastic paper currency reforms of the late 10th century. For at least one Chinese commentator, such comments read as a careful, coded warning against government overspending and the risk of currency devaluation and inflation.

Interpreting the political rhetoric emanating from Beijing is far from a new problem—particularly as it has regularly shifted over time. During the 1950s and 60s, foreign analysts had to parse abstract Marxist formulations in the People’s Daily for signals as to which cadres had fallen into disrepute, or whether tensions with the Soviet Union were on the rise. With the birth of the reform era in the late 1970s, invocations of Western or Japanese models became de rigueur for officials seeking to promote economic or legal reform.

But the era in which it was politically acceptable to—at least publicly—frame policy proposals in China by direct comparison with desirable foreign models is drawing to a close. And a new one is dawning - one in which the increasingly preferred, and politically correct, framework will be to search China’s own past (including its own imperial and classical heritage) for the proper model or reference point. As current ideological and political trends deepen, it is quite likely that both official Chinese Party pronouncements and what careful, studied criticism of those policies can still exist in Beijing’s ever-stultifying atmosphere will be increasingly cloaked in yet deeper and deeper references to China’s own past. 

For foreign analysts and scholars of China, this will be particularly challenging. It is already hard enough figuring out what is taking place within the black box of Chinese politics, particularly as other sources of information (such as databases of academic articles and court decisions) steadily dry up. Numbers of American college students specializing in Chinese language or studies are declining; those actually studying in China now number only in the hundreds, compared with over 10,000 in the late 2010s. 

Are we really ready for an era in which our ability to appreciate complex debates over Chinese financial policies may hinge on our ability to understand how Song dynastic practices are being invoked in financial circles in Beijing? Or understand whether a given classical Chinese expression that begins to gain traction in military journals is a call for action, or restraint? 


sábado, 24 de fevereiro de 2024

Revista de Estudos Eurasiáticos, vol. 1, n. 1 - lançamento de um.novo periódico acadêmico (UFSM)

Saudamos esse lançamento, inédito no panorama acadêmico: 

Divulgamos o lançamento do periódico Revista de Estudos Eurasiáticos (REsEu).

A REsEu é a primeira revista brasileira com enfoque em Europa Centro-Oriental, Países Bálticos, Sul Europeu, Ásia Central e Cáucaso e é publicada pelo Grupo de Estudos da Eurásia, ativo desde 2011.
 
O periódico buscará contribuir para a divulgação de pesquisas variadas ligadas a esta macrorregião. A periodicidade será semestral e serão aceitos artigos, resenhas e análises de conjuntura em português, espanhol e inglês.
 
Convidamos vocês a lerem o primeiro número, já disponível em https://www.geseu.org/reseu e a submeterem seus trabalhos.

 

 

Edição Atual

v. 1 n. 1 (2024)

Edição completa

Publicada: 29/01/2024

 

Editorial
Flávio Augusto Lira Nascimento

 

As teorias de Dugin, Mackinder e Spykman: três conceitos de Eurásia e suas implicações para a Rússia
Valdir da Silva Bezerra, Fernanda Martins Feijó Pinheiro

 

"O tempo desses partidos passou"? O partido Plataforma de Oposição - Pela Vida (OPZZh) e a política pró-russa na Ucrânia em meio à Guerra Russo-Ucraniana
Gustavo Oliveira Teles de Menezes

 

Geopolítica da fome: o Holodomor como instrumento de contenção do nacionalismo ucraniano
Cristiane Barboza Lopes da Silva, Guilherme dos Santos Schmeling, Karolayni Baldoni Costa

 

O retorno do Lei e Justiça ao poder: uma análise da política externa polonesa para a União Europeia e a Rússia durante o primeiro governo de Andrzej Duda (2015-2020)
Bruna da Silva Mandu

 

Expediente
Apresentação da revista
Normas para submissão
Edição atual
Edições anteriores

Submissão

 

Russia's economy can't afford to win or lose the war in Ukraine, one economist says - Jennifer Sor (Business Insider)

A dependência viciosa da economia russa da guerra na Ucrânia: ela não pode vencer, nem perder, no sentido em que ela não pode largar a guerra, pois toda a sua economia está agora dominada pela guerra. (PRA) 

Russia's economy can't afford to win or lose the war in Ukraine, one economist says

Jennifer Sor

Business Insider, Feb 23, 2024

https://www.businessinsider.com/russia-economy-ukraine-war-moscow-military-spending-inflation-worker-shortage-2024-2

  • That's because Russia can't afford the cost of rebuilding and securing Ukraine.
  • The cost of repairing its own nation is already "massive," Renaud Foucart says.

  • - Russia's economy can't afford to win or lose the war in Ukraine, one economist says.
  • - That's because Russia can't afford the cost of rebuilding and securing Ukraine.
  • - The cost of repairing its own nation is already "massive," Renaud Foucart says.

Russia's economy is completely dominated by its war in Ukraine, so much that Moscow cannot afford either to win or lose the war, according to one European economist.

Renaud Foucart, a senior economics lecturer at Lancaster University, pointed to the dire economic situation facing Russia as the war in Ukraine wraps up its second year. 

Russia's GDP grew 5.5% year-over-year over the third quarter of 2023, according to data from the Russian government. But most of that growth is being fueled by the nation's monster military spending, Foucart said, with plans for the Kremlin to spend a record 36.6 trillion rubles, or $386 billion on defense this year.

"Military pay, ammunition, tanks, planes, and compensation for dead and wounded soldiers, all contribute to the GDP figures. Put simply, the war against Ukraine is now the main driver of Russia's economic growth" Foucart said in an op-ed for The Conversation this week.

Other areas of Russia's economy are hurting as the war drags on. Moscow is slammed with a severe labor shortage, thanks to young professionals fleeing the country or being pulled into the conflict. The nation is now short around 5 million workers, according to one estimate, which is causing wages to soar.

Inflation is high at 7.4% — nearly double the 4% target of its central bank. Meanwhile, direct investment in the country has collapsed, falling around $8.7 billion in the first three quarters of 2023, per data from Russia's central bank.

That all puts the Kremlin in a tough position, no matter the outcome of the war in Ukraine. Even if Russia wins, the nation can't afford to rebuild and secure Ukraine, due to the financial costs as well as the impact of remaining isolated from the rest of the global market

Western nations have shunned trade with Russia since it invaded Ukraine in 2022, which economists have said could severely crimp Russia's long-term economic growth.

As long as it remains isolated, Russia's "best hope" is to become "entirely dependent" on China, one of its few remaining strategic allies, Foucart said.

Meanwhile, the costs of rebuilding its own nation are already "massive," he added, pointing to problems like broken infrastructure and social unrest in Russia.

"A protracted stalemate might be the only solution for Russia to avoid total economic collapse," Foucart wrote. "The Russian regime has no incentive to end the war and deal with that kind of economic reality. So it cannot afford to win the war, nor can it afford to lose it. Its economy is now entirely geared towards continuing a long and ever deadlier conflict."

Other economists have warned of trouble coming for Russia amid the toll of its war in Ukraine. Russia's economy will see significantly more degradation ahead, one London-based think tank recently warned, despite talk of Russia's resilience in the face of Western sanctions.


Governo Maduro atinge seus opositores no exterior: sequestro de militar venezuelano no Chile

 Ex-militar opositor de Maduro é sequestrado no Chile

O Globo, 23/02/202opositor de Maduro é sequestrado no Chile


Crime foi alertado à Interpol pelo governo chileno; Ronald Ojeda foi levado por quatro criminosos que se passaram por policiais

Paradeiro desconhecido.

Ojeda fugiu da prisão da Venezuela e foi sequestrado no Chile: autoridades reforçaram fronteira

ANA MARÍ A SANHUEZA

Do El País

SANTIAGO

O governo chileno solicitou um alerta internacional à Organização Internacional de Polícia Criminal (Interpol), além do reforço da guarda nas fronteiras, após o sequestro de um ex-militar venezuelano, opositor do presidente Nicolás Maduro, dentro do território do país, informou o subsecretário do Interior do Chile, Manuel Monsalve, na quarta-feira.

AÇÃO DE MADRUGADA

O caso ocorreu por volta das 3hl5 da madrugada de terça-feira para quarta-feira, quando o ex-militar Ronald Ojeda estava em seu apartamento, no 14 9 andar, na comuna de Independência, Zona Norte de Santiago. Segundo um vídeo das câmeras de segurança do prédio que circula nas redes sociais, Ojeda foi levado por quatro criminosos que se passaram por funcionários da Polícia de Investigações do Chile (PDI).

Após ter identificado Ojeda, o governo chileno não especificou há quanto tempo o ex-militar estava no país e se ele havia chegado a Santiago como refugiado político. Monsalve destacou que a informação, por lei, não pode ser tornada pública.

Assim como outros casos de sequestro, a investigação foi classificada como sigilosa tanto pelo Ministério Público chileno quanto pela Brigada Antissequestro (Bipe) da Polícia Investigativa do país.

"Como muitas hipóteses foram levantadas, o governo também leva em consideração todos os cenários possíveis", disse o subsecretário em nota do Palácio de La Moneda.

Uma das hipóteses difundidas pelo ex-comissário de Segurança venezuelano Iván Simonovis, membro da oposição aogoverno Maduro, éque o sequestro tenha sido parte de uma operação orquestrada pela Direção Geral de Contrainteligência Militar (DGCIM) da Venezuela.

ACUSADO DE CONSPIRAÇÃO

O jornal chileno La Tercera aponta que Ojeda é um dos 33 militares que, em 24 de janeiro, foram expulsos das Forças Armadas Nacionais Bolivarianas (Fanb) sob a acusação de conspirar para matar Maduro.

Horas depois do sequestro, um carro, que pode estar relacionado ao crime, foi encontrado na comuna de Renca com um colete supostamente da Polícia de Investigação (PDI) e um capacete à prova de balas dentro.

Com cautela, Monsalve disse ainda que "nesses casos, o que importa é a proteção da integridade física da possível vítima e de sua família. Portanto, o sigilo da investigação ordenada pelo Ministério Público deve ser respeitado."

O subsecretário acrescentou que o governo pediu aos Carabineros, a polícia militar chilena, e à Polícia de Investigação (PDI), que reforçassem o controle das fronteiras na quarta-feira de manhã.

O partido de oposição venezuelano Vontade Popular emitiu uma nota sobre o caso para "alertar a comunidade internacional" em que menciona a hipótese de que o sequestro tenha sido orquestrado pelo governo Maduro. "Se a notícia for confirmada, estaremos falando do uso do território soberano de outros Estados para práticas de espionagem e agressão contra refugiados venezuelanos que escaparam de um regime repressivo".

'PRESO POLÍTICO'

Segundo a imprensa venezuelana, Ojeda foi preso por traição em 2017 enquanto aguardava sua promoção a capitão do Exército. Na época, ele era primeiro-tenente. Sete meses depois, o então militar fugiu com outros oficiais.

Ficou escondido e reapareceu no Chile, onde, em 2021, foi multado porviolar as regras sanitárias em meio à pandemia da Covid-19. No X (antigo Twitter), Ojeda se apresenta como "ex-preso político" e "oficial das Forças Armadas venezuelanas".

O governo Netanyahu é um GOVERNO GENOCIDA - Pronunciamento do secretário-geral de MSF, Christopher Lockyear, ao Conselho de Segurança da ONU

Pronunciamento do secretário-geral de MSF, Christopher Lockyear, ao Conselho de Segurança da ONU


NY, 22 de fevereiro de 2024

Senhora presidente, excelências, colegas,

No momento em que pronuncio estas palavras, mais de 1,5 milhão de pessoas estão encurraladas em Rafah. Pessoas que foram violentamente forçadas a irem para esta faixa de terra no sul de Gaza estão arcando com as consequências da campanha militar de Israel.

Vivemos sob o medo de uma invasão terrestre.

Nossos temores são baseados na nossa própria experiência. Há apenas 48 horas, quando uma família estava ao redor de uma mesa de cozinha em uma casa que abrigava funcionários de MSF e suas famílias em Khan Younis, um projétil de 120mm disparado por um tanque rompeu as paredes do local e explodiu, iniciando um incêndio, matando duas pessoas e deixando outras seis com queimaduras severas. Cinco dos seis feridos são mulheres e crianças.

Havíamos tomado todas as precauções possíveis para proteger os 64 trabalhadores humanitários e membros de suas famílias de um ataque desse tipo, notificando as partes em conflito sobre a localização e marcando claramente o edifício com uma bandeira de MSF. Apesar das nossas precauções, nosso prédio foi atingido não apenas por um disparo de tanque, mas por tiros intensos. Algumas pessoas ficaram presas no prédio em chamas enquanto os disparos contínuos atrasavam a chegada de ambulâncias ao local. Hoje pela manhã, olho para fotos que mostram a extensão catastrófica dos danos e vejo vídeos de equipes de resgate retirando corpos carbonizados dos escombros.

Isto tudo é extremamente familiar – forças israelenses atacaram nossos comboios, detiveram nossos funcionários e destruíram nossos veículos com tratores, e hospitais foram bombardeados e invadidos. Agora, pela segunda vez, um dos abrigos onde estavam nossos funcionários foi atingido. Ou este padrão de ataques é intencional ou é um indicativo de incompetência negligente.

Nossos colegas em Gaza têm medo de que, conforme eu pronuncio hoje essas palavras, eles sejam punidos amanhã.

Senhora Presidente, todos os dias nós testemunhamos o horror inimaginável.

Nós, assim como tantos outros, ficamos horrorizados pelo massacre praticado pelo Hamas em Israel em 7 de outubro, e ficamos horrorizados pela reação de Israel. Sentimos a angústia das famílias cujos entes queridos foram feitos reféns em 7 de outubro. Sentimos a angústia das famílias daqueles detidos arbitrariamente de Gaza e da Cisjordânia.

Como humanitários, ficamos perplexos com a violência contra civis.

Estas mortes, destruição e deslocamentos forçados são o resultado de escolhas políticas e militares que desrespeitam flagrantemente as vidas de civis.

Estas escolhas poderiam ter sido feitas, e ainda podem ser feitas, de maneira muito diferente.

Por 138 dias, testemunhamos o sofrimento inimaginável da população de Gaza.

Por 138 dias, temos feito tudo que é possível para efetuar uma resposta humanitária relevante.
Por 138 dias, temos assistido à destruição sistemática de um sistema de saúde que apoiamos há décadas. Temos assistido aos nossos colegas e pacientes serem mortos e mutilados.

Esta situação é o ponto culminante de uma guerra travada por Israel contra toda a população da Faixa de Gaza— uma guerra de punição coletiva, uma guerra sem regras, uma guerra a qualquer preço.

As leis e os princípios dos quais dependemos coletivamente para permitir a assistência humanitária estão agora corroídos ao ponto de perderem seu significado.

Senhora Presidente, a resposta humanitária em Gaza é uma ilusão —uma ilusão conveniente que perpetua a narrativa de que esta guerra está sendo travada em linha com leis internacionais.

Apelos por mais assistência humanitária ecoaram nesta sala.

Ainda assim, em Gaza temos cada vez menos a cada dia—menos espaço, menos medicamentos, menos comida, menos água, menos segurança.

Já não falamos mais de intensificar a ação humanitária; falamos de sobreviver mesmo sem o mínimo necessário.

Hoje, em Gaza, os esforços para prover assistência são irregulares, episódicos e totalmente inadequados.

Como podemos oferecer ajuda que salva vidas em um ambiente onde a diferença entre combatentes e civis não é levada em conta?

Como podemos manter qualquer tipo de resposta quando trabalhadores médicos são alvejados, atacados e demonizados por atender aos feridos?

Senhora Presidente, ataques a serviços de saúde são ataques à humanidade

Não restou nada que possa ser chamado de um sistema de saúde em Gaza. Os militares de Israel desmantelaram hospitais, um após o outro. O que restou é tão pouco diante de tamanha carnificina que é simplesmente absurdo.

A desculpa dada é a de que as instalações médicas foram usadas para fins militares, embora não tenhamos visto qualquer prova verificada de maneira independente de que isso tenha ocorrido.

Em circunstâncias excepcionais nas quais um hospital perde seu status de local protegido, qualquer ataque deve atender aos pricípios de proporcionalidade e cautela.

Ao invés da aderência à lei internacional, vemos a inutilização sistemática de hospitais. Isto tem deixado inviáveis as operações de todo o sistema médico.

Desde 7 de outubro, fomos forçados a evacuar nove instalações de saúde distintas.

Há uma semana, o hospital Nasser foi invadido. O pessoal médico foi forçado a sair apesar de ter recebido garantias reiteradas de que poderia ficar para continuar atendendo aos pacientes.

Estes ataques indiscriminados, assim como os tipos de armas e munições utilizadas em áreas densamente povoadas, mataram dezenas de milhares de pessoas e mutilaram outros milhares.

Nossos pacientes têm ferimentos catastróficos, amputações, membros esmagados e queimaduras graves. Eles precisam de atendimento especializado. Precisam de reabilitação longa e intensiva.

Médicos não podem tratar estes ferimentos em um campo de batalha ou nas cinzas de hospitais destruídos.

Não há leitos, medicamentos e suprimentos suficientes.

Cirurgiões não tiveram escolha a não ser realizar amputações sem anestesia em crianças.

Nossos cirurgiões estão ficando até sem gaze para impedir que seus pacientes sangrem. Eles usam uma vez, espremem o sangue, lavam, esterilizam e reutilizam para o próximo paciente.

A crise humanitária em Gaza deixou grávidas sem cuidados médicos por meses. Mulheres em trabalho de parto não podem aceder a salas de parto. Estão dando à luz em barracas de plástico ou edifícios públicos.

Equipes médicas agregaram um novo acrônimo ao seu vocabulário: WCNSF — sigla em inglês para criança ferida sem familiar sobrevivente.

As crianças que sobreviverem a esta guerra não vão carregar apenas os ferimentos visíveis das lesões traumáticas, mas também os invisíveis—aqueles causados pelos reiterados deslocamentos, medo constante e por testemunhar membros da família serem literalmente despedaçados diante de seus olhos. Essas feridas psicológicas têm levado crianças tão pequenas como de 5 anos nos dizer que preferiam estar mortas.

Os riscos para o pessoal médico são enormes. Todos os dias, temos feito a escolha de prosseguir com o nosso trabalho diante do perigo cada vez maior.

Estamos apavorados. Nossas equipes estão mais do que exaustas.

Senhora Presidente, isso tem de parar.

Nós, junto com o resto do mundo, temos acompanhado de perto o modo como este Conselho e seus membros têm abordado o conflito em Gaza.

Reunião após reunião, resolução após resolução, este órgão não conseguiu endereçar de maneira efetiva este conflito. Vimos membros deste Conselho deliberarem e agirem com atraso enquanto civis morrem.

Estamos perplexos com a disposição dos Estados Unidos de usar seus poderes como membro permanente do Conselho para obstruir os esforços para a adoção da mais evidente das resoluções: uma pedindo um cessar-fogo imediato e sustentado.

Por três vezes este Conselho teve a oportunidade de votar por um cessar-fogo que é tão desesperadamente necessário, e por três vezes os Estados Unidos usaram seu poder de veto, mais recentemente na última terça-feira.

Uma nova proposta de resolução feita pelos Estados Unidos pede de maneira ostensiva por um cessar-fogo. Apesar disso, ela é no mínimo falaciosa.

Este Conselho deveria rejeitar qualquer resolução que obstrua ainda mais os esforços humanitários no terreno e leve este Conselho a endossar de maneira tácita a violência contínua e as atrocidades em massa em Gaza.

A população de Gaza precisa de um cessar-fogo não quando seja “viável” mas agora. Eles precisam de um cessar-fogo sustentado, não “um período temporário de calma”. Qualquer coisa que fique aquém disso é negligência grosseira.

A proteção de civis em Gaza não pode estar condicionada a resoluções deste Conselho que instrumentalizem o humanitarismo para ocultar objetivos políticos.

A proteção de civis, de infraestrutura civil, de trabalhadores da saúde e de instalações de saúde recai, antes de mais nada, sobre as partes envolvidas no conflito.

Mas é também uma responsabilidade coletiva, uma responsabilidade que recai sobre este Conselho e seus membros individuais, como aderentes à Convenção de Genebra.

As consequências de deixar que o Direito Humanitário Internacional torne-se letra morta repercutirão muito além de Gaza. Isto será um fardo duradouro em nossa consciência coletiva. Não se trata apenas de inação política, tornou-se cumplicidade política.

Há dois dias, uma equipe de MSF e suas famílias foram atacados e pessoas morreram em um lugar onde havia sido dito a elas que estaria protegido.

Hoje, nosso pessoal está de volta ao trabalho, arriscando mais uma vez a vida pelos pacientes.

O que vocês estão dispostos a arriscar?

Nós exigimos as proteções prometidas sob o Direito Humanitário Internacional.

Exigimos um cessar-fogo de ambas as partes.

Exigimos que haja espaço para transformar a ilusão da assistência em assistência realmente significativa.

O que vocês farão para que isso seja possível?

Muito obrigado, Senhora Presidente.