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sábado, 13 de julho de 2024

Rubens Ricupero: as memórias lidas extensivamente e com muito intensidade, por Daniel Afonso da Silva (Jornal da USP)

Rubens Ricupero:
 Memórias 
São Paulo: Editora da UNESP, 2024
Por Daniel Afonso da Silva 
Jornal da USP, 12/07/2024

https://jornal.usp.br/articulistas/daniel-afonso-da-silva/as-voltas-com-os-mundos-de-rubens-ricupero/

Às voltas com os mundos de Rubens Ricupero

Por Daniel Afonso da Silva, pesquisador do Núcleo de Pesquisas em Relações Internacionais da USP

O polegar e o indicador esquerdos em riste simulando um ângulo de quase noventa graus acompanhados dos demais dedos flexionados amparam um rosto pequeno, bem recortado, de lábios finos, cenho marcado, nariz parelho e olhos puídos de vida. Um rosto conhecido e, por muitos, admirado. Um rosto agradável e delicado. Mas feito esfinge. Que espanta pela imponência e intimida pelo mistério. Um rosto que, agora, aparece, assim, como estampa. Numa capa de livro. Permeado por um fundo distante de luz bem gris. Tendo logo abaixo a identificação: Rubens Ricupero. E mais abaixo ainda a verdadeira intenção: memórias.

Quem, por alguma razão, ignorar o rosto, a identificação e a insofismável relevância da intenção, vai tomar o grosso volume encerrado em mais de setecentas páginas e iniciar decifrar, namorar, perfilar.

Vindo-o ao dorso, vai perceber a quarta capa. Uma capa dividida em mensagens. Uma na ressunta e outra nas costas de uma silhueta.

Mirando a ressunta, o leitor então ignaro vai descobrir se tratar de alguém que foi Ministro da Fazenda, protagonista do Plano Real, alto funcionário do estado brasileiro, diplomata, embaixador, responsável em muitas áreas e partes do mundo, alto funcionário de burocracias internacionais, descendente de imigrantes, oriundo do bairro permanentemente pobre do Brás e crescido na atmosfera operária da cidade de São Paulo dos anos de 1930.

Apreciando com calma a silhueta, o leitor vai perceber um homem de boa idade, cabelos restantes ruçados, meio-calvo, mas puro, traje fino e austero, mão esquerda escondida à frente do corpo, mão direita à mostra e tranquila e pé esquerdo fixado no chão dando o impulso e o movimento naturais à perna e ao pé direitos no caminhar. Diante de si, alameda. Plantas e árvores.

E, sobre elas, quem sabe, bichos e pássaros a conversar.

Símbolos. Muitos símbolos. Símbolos que convidam qualquer leitor a adentrar o jardim secreto da vida completa do diplomata, embaixador, Ministro de Estado e Subsecretário-Geral das Nações Unidas Rubens Ricupero, doravante, Ricupero.

Caso, por alguma razão, ainda se hesite em adentrar, restará abrir as outras capas para firmar convicção.

Na segunda – também tida por “orelha”, que alonga a primeira com o rosto do autor –, o leitor vai se deparar com um excerto assinado pela afamada jornalista Maria Clara R. M. do Prado que aduz que “Itamar chamava [Ricupero] de ‘Apóstolo do Real’, por passar bom tempo a peregrinar pelo país, buscando adesões à causa da estabilidade”.

Na outra, a terceira capa – “orelha” que antecede a capa dorsal com a silhueta do homem –, ele vai apreender que a vida de Ricupero remonta ao Estado Novo de Getúlio Vargas, espraia-se anônima pelos anos da Segunda Guerra Mundial e imediatamente depois, torna-se pública a partir de 1958-1961 quando ingressa no Instituto Rio Branco, depois segue ao Itamaraty e, desde então, passa à condição de progressivamente notória, notável e digna de reconhecimento e nota como testemunho vivo dos mais marcantes e relevantes momentos do Brasil e do mundo da presidência Jânio Quadros à terceira presidência Lula da Silva, da revolução cubana aos constrangimentos planetários da pandemia de Covid-19, da crise dos mísseis à crise da iminência de um segundo mandato presidencial de Donald J. Trump nos Estados Unidos, da crise brasileira da renúncia de agosto de 1961 à crise brasileira dos desgostos de 2018-2022, da esperança da Nova República ao seu vacilar anos depois.

Feito assim, explorando todas as capas, o leitor vai sucumbir arrebatado pelo desejo de querer, agora, saber mais e mais e muito mais. Pois vendo assim, ele já percebeu ser impossível ignorar a presença daquele rosto, a relevância de sua identificação e a importância de sua intenção: memórias.

Não tem jeito.

Ele, agora, sabe que vai ter que entrar de verdade no livro.

Mas são mais de setecentas páginas. 712 para ser exato. E talvez se hesite em começar.

Se isso ocorrer, o seu recurso inicial vai ser folhear. Folhear até superar a indecisão e a preguiça. Folhear para, de fato, começar.

Assim, então, agora, avante: folhear.

Seguindo assim, depois da capa, da contracapa e das folhas de rosto após a capa, o indeciso leitor vai encontrar uma singela dedicação/dedicatória, onde se lê “À minha mãe, Assumpta Jovine. Seu amor à vida e curiosidade pelos outros, o prazer com que contava e escrevia as histórias preservadas em sua prodigiosa memória, estão na origem deste livro que, comovidamente, dedico à sua lembrança” (p. 5).

Lendo e relendo apenas essa dedicação/dedicatória ele, o leitor, vai parar, pensar, ler de novo, meditar e concluir: sim, vale a pena avançar.

E avançando ele vai notar que a obra tem fotos. Muitas fotos. E, como qualquer ser humano revestido de anonimato e segredo, com ou sem o seu anel de Giges, ele vai dar uma de voyeur. E vai querer ver todas as fotos por primeiro.

Avante, então, às fotos.

A primeira aparece depois da dedicação/dedicatória e do sumário e antes do primeiro texto e apresenta homens joviais. Homens elegantes. Homens em terno, casaca e gravata. Homens diante de um bonde da São Paulo Tramway, Light and Power Company – antiga Light, empresa de geração e distribuição de energia elétrica e transporte público no Brasil de antanho. Numa ambiência tipo vitoriana. Quase em moldura. Claramente belle époque. Seguramente fin de siècle. Com uma descrição, abaixo, para a precisão: “Pietro Jovine, avô materno de Rubens Ricupero” (p. 10).

Seguindo o folheio e a perquirição por mais sensação nas fotos – quem sabe, em leitura dinâmica, com o polegar e o indicador direitos movendo as páginas bem rápido e os seus congêneres da mão esquerda as contendo –, as passagens com textos e notas vão fincado todas pra trás. Procura-se, agora, maiores impressões. Impressões visuais. Fotos. A vida congelada num flash. E as fotos – umas com outras sem flash – vão surgindo. São todas antigas. Umas, muito antigas. Históricas. Coisas de família. Relíquias. Verdadeiras preciosidades em si. Viagem no tempo.


Reencontros com sentidos. Tempo e sentidos que, claramente, não existem mais. E, segue-se, assim, folheando, saboreando, pensando e, sim, um pouco xeretando até que se chega à foto da página 47, onde tem-se um choque.

Para-se. Respira-se. Olha de novo.

Contempla.

Segue-se no choque.

Paralisante, paralisado, prende-se o ar.

Inspira-se e expira-se, fortemente, novamente.

Revê-se a foto. Novo choque.

Volta-se a olhar.

Vê-se uma mulher esguia. Em pose de estúdio. Sentada à moda antiga. Com delicadeza e elegância sem par. Pernas finas, entrecruzadas e bem colocadas. Colares discretos – um curto, outro mais longo. Todos os dois envolvendo o pescoço, e um avançando até o peito. Como convenção. Algo tipo um livro apoiado sobre colo. Mãos de dedos finos adentrados pelo livro. Um par de olhos bem lançados que adornam o rosto. Um olhar penetrante. Incandescente, mas sem expressão. Por conta disso, difícil de decifrar. Chocante por isso. Marcante por razão similar. Mas também chocante e marcante por parecer familiar. Próximo. Humano, demasiado humano.

Novamente, para-se. Respira-se fundo mais uma vez. Olha de novo.

Sai-se dos olhos. Sai-se da foto. Mira-se ao redor. Até ocorrer, pela primeira vez, de se ler a legenda. E se lê e vê: “Assumpta Jovine, em foto de estúdio. São Paulo, 1931. Fotógrafo não identificado. Acervo do autor” (p. 47).

Para-se tudo. Pensa-se. Contempla-se o vazio e confidencia-se em silêncio uma vacilação contida numa locução: será?

Fecha-se o livro e vai-se conferir. Confere-se. Meu Deus, é, são!

Chega-se à compreensão.

Os olhos de Assumpta Jovine seguem vivos nos olhos de Rubens Ricupero.

E, com isso, pensa-se, medita-se, suspeita-se e conclui-se que esse livro não é bem nem só um livro. Mas, antes, uma encarnação. A encarnação dos legados de toda uma família alimentada pela chama viva desse olhar. O olhar – que tanto comove – de Assumpta Jovine vivo – agora, sabe-se – no olhar de Rubens Ricupero.

Pronto. O livro vai ser lido. Já se sabe. Precisa ser lido. Também se quer. Virou decisão.

Mas segue-se o folheio. Querendo mais fotos. E elas vêm.

À página 50 se encontra a próxima. Onde se vê um menino. Um menino bem menino. Sorriso fácil, alegre e matreiro. Feito menino. Olhar interessado. Trajando marinheiro. Vestindo jaquetão. Farto em adereços e preenchido em botão. Não precisa nem ler a legenda para se saber da identificação. Mesmo assim, lê-se e vê-se “Rubens Ricupero com 7 anos e meio, São Paulo, 1944” (p. 50).

Para-se novamente. Precisa-se, por instantes, mais uma vez, meditar. Fecha-se o livro. Vira-o ao dorso. Revê-se a silhueta das costas do homem já crescido, já vivido e bem formado.

Retorna-se à foto do menino. Destaca-se na legenda: “São Paulo, 1944” (p. 50). Volta-se a meditar e a conjecturar. Oitenta anos exatos separam um do outro. O menino da silhueta.

Pensamentos ao vento. O que a vida fez desse menino?

Volta-se ao folheio.

Página atrás de página. Foto depois de foto. Responde-se um pouco a indagação. Vê-se logo e rápido a transformação. O movimento. A história viva quase ao alcance das mãos. O menino de 1944 virando moço, homem.

Lê-se, nesse entremeio, às rápidas e quase sem querer, “Guimarães Rosa, examinador de cultura”/“Amizades inesquecíveis: Maria Werneck, João Cabral, Clarice Lispector, padre Júlio Vitte”/“A perseguição do Golpe de 1964”/“Tuni e Wladmir Murtinho: a vida como obra de arte”/“O dia em que jantei com Frank Sinatra”.

Segue-se o escrutínio das fotos.

Vê-se Ricupero, quase adulto, nas Arcadas da Faculdade de Direito em São Paulo e, depois, já adulto, no majestoso palácio do Itamaraty no Rio de Janeiro. Fotos e mais fotos e a sua fisionomia vai mudando. O tempo vai passando. Até se chegar às fotos da página 187. Outro quase choque. Só quase.

Nessa página 187 têm-se fotos. Vê-se as quatro. Vê-se de novo. Procura-se a palavra. E encontra-se. Graça. Quanta graça. É Marisa. Feita em sorriso. Outra palavra. Candura. Quanta candura.

É o seu casamento, diz a descrição.


Casamento de Marisa e Rubens Ricupero, cerimônia civil e religiosa. São Paulo, dias 1 e 2 de setembro de 1961” (p. 187).

Segue-se a viagem em fotos. Mais fotos e mais fotos. Até se chegar a um momento, “Instantâneos de alegria”, feito só de fotos. Onde se vê Marisa e Ricupero “posando, flanando, rindo e até dançando”. Sensacional. E surge aqui uma pergunta: não seria o caso de Marisa e Ricupero fazerem também um livro só de fotos? Não restam dúvidas que eles muitas outras fotos têm. E não restam dúvidas de que todos vão gostar. Pergunta. Singela pergunta.

Avante.

Agora, ler.

Fecha-se o livro. Volta-se à capa. Mira-se Ricupero. Sabe-se ser ele na foto da capa. Mas, vendo direito, agora, parece, que mudou. Quem sabe, moveu-se. Talvez sim. Talvez não. Impressão.

Coisas da imaginação. Quem sabe, uma elucubração para retardar o início da leitura.

Avante sobre o texto.

Vai-se ao Sumário. Lê-se “11 A memória dos pobres”, “31 Brás, Bexiga e Barra Funda”, “51…”.

Para-se.

Para-se de novo, vê-se melhor e nota-se que os capítulos não são capítulos, mas, antes, entradas, chamadas, tomadas. Feito um roteiro. Tipo um filme. Não existe, assim, entre eles, a costumeira sequência marcialmente hierarquizada da numeração. À esquerda – e não à direita – vão os números de página. E, logo a seguir, as chamadas/títulos/entradas.

Alguém vai dizer não ser novidade. E, dizendo assim, vai ter razão. Mas, nesse tipo de livro – livro sério e de alguém sério –, trata-se de trato de estilo. Novação. Quase subversão. E, só por isso, merece, aqui, marcação. E, quem sabe, uma pergunta em forma de sugestão.

Quem, entre os grandes – Carlos (Cacá) Diegues, talvez, na falta do Glauber Rocha, do Eduardo Coutinho e do Nelson Pereira dos Santos – poderia, por favor, enviar esse livro, Memórias, de Ricupero, ao querido e notável Silvio Tendler com um bilhete, escrito à mão, com o dizer: “Querido e notável Silvio Tendler, aqui tens em mãos o livro Memórias, de autoria de Rubens Ricupero. Um livro – como todos sabem – de um brasileiro notável. Que retraça, agora, a sua longa e rica vida. Uma vida de cinema. Você vai ver. Que precisa virar logo filme. E ninguém melhor que Você, Silvio Tendler, para fazer. Medite. Por favor. Medite. E, por favor, aceite. Faça. Consulte-me se quiser. Tem muita gente para apoiar. Com o apreço de sempre, Alguém entre os grandes.” ?

Feita a sugestão.

Adeus ao Sumário.

Chegou a hora. Dá-se a largada. Toma-se o livro. E vai.

O leitor que, no começo, tudo ignorava, agora, não ignora mais. Tanto que, como se viu, agora, até dá sugestão. Está entusiasmado. Vai ler o livro. E rápido. Quer, logo, saber mais. Joga-se.

De capa a capa, assim, avalia e percebe, então, possível ler tudo – as 712 páginas, mais as quatro capas – em dois ou três dias. Pode-se fazer assim. O texto flui. Tem qualidade.

Profundidade. Fazendo a curiosidade aumentar. Tem muitas histórias, lembranças, memórias. O que aguça o desejo de avançar. Pode-se, sim, ler tudo bem rápido assim.

E, fazendo-se assim, vai-se se descobrir que Ricupero nasceu no 1º de março de 1937. Descende dos avós italianos Pietro e Cristina Jovine com Pasquale Ricupero e Mariangela Gesini, que, em 1895, migraram para o Brasil, a bordo do vapor Rio Grande e do vapor Maranhão, chegaram em São Paulo, instalaram-se no bairro do Brás, deram à luz a Assumpta Jovine, em 1907, e a João Ricupero, em 1908, que, adiante, encontraram-se e se casaram e trouxeram à luz, além de Ricupero, em 1937, Romeu, em 1942 e Renê, em 1945. Mesmo lendo-se tudo rápido assim, vai-se sentir e notar a dureza da infância de Ricupero. Ler-se-á como ênfase quase palpável que “Éramos todos muito pobres, uns mais que outros” (p. 39). Fixar-se-á, inicialmente, tudo e todos à rua Claudino Pinto. Tudo e todos no bairro do Brás. Mas vai também se apreender a aplicação dos pais de Ricupero em oferecer a melhor educação possível aos filhos. Seguindo-se, vai-se, assim, saber que, por isso, no terceiro ano do primário, Ricupero foi transferido da escola pública para estudar com os irmãos maristas, no Colégio Nossa Senhora do Carmo, em 1947 e, em 1951, migraria para o Mackenzie. Notar-se-á, também, que, a partir de 1954, aos seus 17 anos, ele seria acometido pelo mal-estar das definições, escolhas e dilemas iniciais da vida.

Perceber-se-á que esse mal-estar o conduziu a profunda depressão, variadas decisões e numerosas idas e vindas. Até, por fim, decidir-se pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco.

Decepcionar-se, quase instantaneamente, com ela. Ser convencido a prestar o concurso de acesso ao Instituto Rio Branco. Ter êxito em 1958 – ingressando em primeira colocação sob o escrutínio de Guimarães Rosa, examinador de cultura e celebrado autor de Grande Sertão: Veredas. Mudar-se para o Rio de Janeiro em 1959. Cursar o Instituto. Integrar o Itamaraty.

Voluntariar-se a servir em Brasília. Seguir para lá em 1961. Desbravar a nova capital. Conviver com os maiorais da política nacional. Apender com eles. Apreender suas virtudes e observar seus vícios. Amargar – pessoalmente – o impacto duradouro da renúncia do presidente Jânio Quadros. Interagir com os lendários Afonso Arinos e San Tiago Dantas. Aprender os meandros do ofício diplomático com João Augusto de Araújo Castro, Mario Gibson Barboza, Ramiro Saraiva Guerreiro e tantos outros. Iniciar as suas funções exteriores na embaixada brasileira em Viena em 1963. Ser movido para Buenos Aires de 1966 a 1969. Adiante para Quito de 1969 a 1971. Voltando a Brasília de 1971 a 1974. Partir para Washington de 1974 a 1977. Retornar, novamente, a Brasília de 1977 a 1987, para, agora, ser chefe da prestigiosa Divisão da América Meridional II do Itamaraty até 1984. Virar assessor diplomático do candidato Tancredo de Almeida Neves. Inaugurar – na embarcação dos vencedores – a Nova República em 1985. Organizar e participar do momentum presidencial de Tancredo de Almeida Neves – quando e onde o Brasil mostrou-se novo, vivaz e frequentável ao mundo em janeiro-fevereiro de 1985. Ser assessor especial da presidência José Sarney. Seguir para Genebra, em 1987, como embaixador.

Ser movido para os Estados Unidos, como embaixador do Brasil em Washington, em 1991. Retornar ao Brasil, em 1993, para inaugurar o Ministério do Meio Ambiente e da Amazônia Legal.


Virar Ministro da Fazenda, guardião e “apóstolo” do Plano Real em 1994. Voltar a ser embaixador do Brasil no exterior, agora, em Roma, em 1995. Receber um convite pessoal do elegante, determinado e inesquecível secretário-geral das Nações Unidas, Boutros Boutros-Ghali, para dirigir a UNCTAD – Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento.

Aceitar. Aposentar-se do Itamaraty, em dezembro de 1995, aos 58 anos. Tornar-se alto funcionário das Nações Unidas, secretário-geral da UNCTAD. Ficar por lá – baseado em Genebra e girando, girando mundo – por quase dez anos. Atuar mundialmente com o saudoso determinado secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan. Aposentar-se, pela segunda vez, agora da ONU, em 2004. Regressar ao Brasil, agora pra ficar, em 2004-2005. Tentar, em vão, reencontrar a São Paulo de sua infância, da rua Claudino Pinto, à Barão de Itapetininga, à várzea do Glicério, da antiga praça da República ao marcante bairro do Brás. Renascer profissionalmente como Diretor da prestigiosa Faculdade de Economia e Relações Internacionais da FAAP.

Reencarnar na Paulicéia como morador do discreto bairro de Higienópolis. Rever amigos. Voltar a congraçar-se com eles – Fábio Konder Comparato à dianteira. Renovar situações.

Vivenciar o retrocesso lento, gradual, seguro e catastrófico da realidade política, econômicas e social brasileira do Mensalão ao Petrolão. Testemunhar a inequívoca frustração, desde a estreia, da presidência Dilma Rousseff. Observar as tormentas de junho de 2013. Anotar a agonia do impeachment de 2016. Participar da ofensiva contra o mal maior em 2018. E auxiliar na recomposição do mal menor a partir de 2022.

Ufa.

Chega-se, assim, rápido, ao fim.

Resume-se assim.

Mas nesse assim, claramente, não vai tudo. Sabe-se que não. E sabe-se mais. Sabe-se que lendo tudo rápido assim corre-se o risco de se confundir, passar mal ou até se entorpecer.

Resta-se, então, por tudo isso, ter-se mais calma. Fechar o livro. Respirar fundo. Voltar ao começo. Sem pressa. Apenas com o desejo genuíno de se deleitar. Agora, já se está inteiramente familiarizado. Sabe-se muito. Sabe-se bem. Sabe-se tudo do que se trata.

O leitor, outrora, ignaro, agora, não existe mais. Ele é outra pessoa. Outro leitor. E, quem sabe, até mais orgulhoso de ser, como Ricupero, brasileiro.

Por ser bem assim, uma vez mais, avante. Respira-se fundo. Volta-se à capa. Mira-se, novamente, a estampa. Fita-se, mais uma vez, a sua feição. Sabe-se ser Ricupero. Sobre quem, agora, confidencia-se em silêncio: Quantas vidas. Vidas importantes. Vidas paralelas.

Volta-se ao livro. Quer-se recomeçar. Está-se na capa. Move-se, novamente, o olhar sobre ela. Para-se. Sente-se arrepios. Algo mudou. Não, não. Não era impressão. Algo mudou.

Ricupero, na foto estática da capa, sim, se moveu e moveu-se. No mínimo, sorriu. Seus olhos dizem. Feito Borges. “Si, soy yo, soy Borges”. Seus lábios sugerem. Como Neruda. Sim, foi verdade. “Confesso que vivi”. E foi verdade que o que viveu por que, ao fim das contas, tem verdade Calderón, “la vida es sueño, y los sueños, sueños son.”

Avante.

Agora, ler. Ler de novo. Rever.

Volta-se ao começo. À dedicatória, à dedicação.

“À minha mãe, Assumpta Jovine”.

E vai-se em frente. Mais uma vez. De capa a capa. 712 páginas, mais as quatro capas. Mas, agora, com um bom guia. Uma certeza e uma convicção. A certeza e a convicção de que Ricupero, muito além de diplomata, embaixador, alto funcionário, Ministro de Estado, parece ser, acima de tudo, a sua família, os seus amigos e a sua devoção.

Com isso em mente assim, retorna-se ao texto.

E, desse modo, avançando, apreende-se e, agora, fixa-se que, nascido em 1º de março de 1937, Ricupero foi batizado in extremis, na Igreja Bom Jesus do Brás, no 19 de março, dia de São José, sob a condução de sua nonna e madrinha, Mariangela. Temia-se pela sua morte prematura. Ricupero não morreu. Viveu – vive. [Nota-se, gosta-se, louva-se e se vê. Vida longa, Ricupero]. E, tão logo consciente, tomou São José e a fé cristã por sacerdócio e vocação reconhecendo, logo mais, que “Meu ideal de vida é encarnar o Cristo em minha família e atividades profissionais; é viver o Evangelho em todas as situações; é construir o Reino de Deus e servir sua Igreja” (p. 229). Graças, quem sabe, à presença da mãe, das avós e tias. Mas também os irmãos maristas, no Colégio do Carmo, e, depois, aos confrades do Mackenzie, e, por que não, aos amigos do Dom Vital.

Avançando, o leitor agora integralmente compenetrado, vai aprendendo que essa fé permitiu a Ricupero, desde cedo, desenvolver seus traços de caráter, seu senso de compromisso, disciplina, perseverança, persistência, responsabilidade. Tudo isso muito jovem, menino. Ainda em 1940. E, como consequência, ainda menino, esse menino aferrou-se à leitura, ao mundo dos livros, à cultura.

Seu tio Ignácio Giovine – intelectual e comunista, protagonista do movimento conhecido por Intentona de 1935 – teve muita participação em tudo nisso. “Foi a primeira pessoa que encarnou a meus olhos o ideal da busca da cultura por meio do estudo como autodidata, da autossuperação a fim de atingir do aprimoramento moral” (p. 57). Dona Guilhermina – que ensinou Ricupero a ler –, o professor Dante Moreira Leite no curso científico e o professor Nilo Scalzo, de português e literatura, adiante, também.
Monteiro Lobato, claro, não dá pra esquecer.

Benjamin Franklin também não.

Ricupero leu bem novo a Autobiografia de Benjamin Franklin. Que bateu fundo, marcou e ficou. Como também bateu, marcou e ficou o ano de 1947. As férias no Rio. Na casa dos tios. No Grajaú. Quanta lembrança.

Segue-se lendo e se apreende o seu retorno a São Paulo. Seu adentrar nos anos de 1950. Suas crises de transição de menino a adulto. Suas escolhas. Suas decisões. Escolhas e decisões em momentos de indeterminações que “ninguém sabe se vai ser feliz, se encontrará amor, se será capaz de escolher o trabalho que lhe dará sustento e alegria” (p. 83). Sua passagem do colegial ao ensino superior. O pré-vestibular. O seu abandono do cursinho da Politécnica. A sua convicção de que não seria engenheiro. O seu desengano no teste vocacional da doutora Aniela Ginsberg. O seu ingressar – desiludir-se e abandonar – nos cursos de Letras, Ciências Contábeis e Ciências Econômicas da USP. O seu seguir, sem nenhum entusiasmo, o curso de Direito do Largo de São Francisco também na USP. Até – por Deus – o seu começar a encontrar rumo.

Primeiro com os colegas – depois amigos da vida inteira – Celso Lafer e Fábio Konder Comparato. Depois com Raduan Nassar e José Celso Martinez Corrêa. Adiante, frequentando a Congregação Mariana, liderada pelo padre Luigi Gargione – abrasileirado Luis. Conseguinte, na visitação às favelas nascentes em São Paulo daquele então meados de 1950. Concomitante, na adesão não à politizada Juventude Universitária Católica (JUC), mas, juntamente com seu já amigo Fábio Konder Comparato, à Conferência Vicentina São Basílio Magno, dos estudantes das Arcadas, voltada ao trabalho com famílias pobres. Nesse entremeio, na visão da bela visão: Marisa, amor-ágape, amor da vida inteira. Adiante, no topar Arrhenius Fábio Machado de Freitas, que o convenceu a prestar o concurso de acesso ao Instituto Rio Branco.

Continua-se lendo. O livro, agora, virou, literalmente, uma aventura e os seus movimentos cativam e entusiasmam mais e mais.

O ano era 1958. O seu regresso ao Rio. O seu êxito no concurso. A aprovação em primeira colocação. Guimarães Rosa, examinador de Cultura. De resto, vão impressões.

Avançando, avançando.

O ano era 1959. Ricupero no Rio. Estudando no Instituto Rio Branco. Mas, no geral, sozinho e só. Frequentava seus tios. Cujos nomes, sabe-se agora: Ida e Trajano. Os mesmos de 1947.

Mas, agora, morando na Ilha do Governador. Ricupero vai lá. Gosta de ir. Até passar, também, a frequentar o Centro Dom Vital – um quase congênere carioca da ambiência da Congregação Mariana e da Conferência Vicentina de São Paulo –, um recanto de adoração e fé. E, claro, afinidades eletivas. Onde as almas se encontram. E onde Ricupero encontra – ou é encontrado – Antonio Carlos Villaça e Rui Octavio Domingues.


Continua-se lendo – relendo – e depreende-se que, anos depois, o primeiro, Antonio Carlos Villaça, antigo frade dominicano, já conhecido e afamado em 1959, rememoraria o momento do encontro com Ricupero dizendo que “[n]uma tarde, em 1959, estava eu no Centro Dom Vital […], quando apareceu um rapaz muito claro, cara de anjo, e me disse que desejava frequentar o Dom Vital. Chamava-se Rubens Ricupero. Parecia uma figura de Giotto ou de Fra Angelico. Tão puro. Tão inteligente” (apud p. 139).

Seguindo a leitura, logo vem o depoimento do outro, Rui Octavio Domingues, que iria reportar que “entre as amizades mais preciosas que fiz, na época em que frequentava o Centro Dom Vital, estava um rapaz paulista, o Rubens Ricupero, que me impressionava não só pela inteligência, pela conversação repleta de informações de uma grande variedade. […] uma grande e bela e comovente pureza de alma, e me edificava a mim, que era mais velho, ver o seu exemplo de católico de comunhão diária” (apud p. 143).

Seguindo o relato, nota-se que tudo parecia seguir muito bem. Ricupero parecia refeito no Rio de Janeiro. Instituto Rio Branco. Familiares. Novos amigos. Muita devoção. Fé. Deus. Mas faltava algo. Um elo, talvez, perdido. Sua outra parte. Quem sabe, a sua alma gêmea. Que a amiga Mirthes, desde São Paulo, daria jeito de reparar, reatando o contato de Ricupero com Marisa. Aquela menina, moça de meias soquete, da Congregação Mariana, do padre Luigi Gargione e das incursões pelas favelas de São Paulo. Aquela que Ricupero sempre carregou, em espírito e memória, consigo e jamais esqueceu.

Tudo parece ter sido rápido e ter sido bom.

Mirthes, anjo em anunciação.

Lê-se que o reencontro físico de Ricupero e Marisa se deu em São Paulo. No 26 de março de 1959. Uma Quinta-Feira Santa. No Mosteiro de São Bento. Depois da missa. Marisa e Ricupero. Conversações, declarações, confissões, decisões. Virando, agora, testamento: “Foi minha primeira e única namorada e fui também o primeiro e único para ela” (p. 133).

Emoção. Comoção. Mas não se para. Segue-se lendo.

E lê-se que Ricupero, 1959-1961, seguia no Rio. Completaria seu curso no Instituto Rio Branco. Seguiria seu êxito. Seria o orador da sua turma. Veria, de perto, a exaustão da presidência Juscelino Kubitschek. Notaria a ascensão de Jânio Quadros. Perceberia que ser diplomata não eram bem rosas. Notaria que gente, diplomata, jovem, tipo João Augusto de Araújo Castro, Paulo Nogueira Batista, Ovídio Melo e Ítalo Zappa, buscava meios de “conspirar”. Fazer diferente. Inovar. Fazer o melhor. Pois, ao que tudo indicava, o Brasil vibrava e dançava – vivendo em Bossa Nova – e o Itamaraty parecia querer vibrar nem saber dançar.

Segue-se a leitura. Lê-se em choque: “Ganhava-se uma miséria naquele tempo” (p. 162). Lê-se a seguir: a saída foi ir para Brasília. Ir desbravar. Pagava-se melhor. E Ricupero precisava.

Queria se casar.

Decisão tomada. Malas fechadas. Ricupero chegou em Brasília no 10 de março de 1961. Nove dias depois de seu aniversário de 24 anos e mês e meio depois da posse de Jânio Quadros, o presidente pantaneiro que gostava de inovar no uso do português. Chegou e foi compor, com quatro ou cinco diplomatas, a subchefia de Gabinete do Ministro de Estado. Desde o Rio de Janeiro, Ricupero já vinha lotado na prestigiosa Divisão Política (DPO) do Itamaraty. Agora, em Brasília, as suas responsabilidades iriam aumentar.

O chanceler, 1961, lembram-se todos, era Afonso Arinos. Antigo senador. Que, sobre os assuntos do Itamaraty, despachava desde o Rio.

Os eminentes diplomatas eram muitos. Todos ancorados nas tradições do Rio da Prata ou nas novas instituições multilaterais da ONU. Passado e futuro. Permanência e ruptura.

Continuação e construção. Colunas da diplomacia brasileira desde o Barão. Que era, assim, notavelmente praticada pelos hors concours, João Augusto de Araújo Castro, Mario Gibson Barboza, Vasco Leitão da Cunha, Roberto Campos, Edmundo Barbosa da Silva, Miguel Ozório de Almeida e tantos outros.

Segue-se a leitura. Agora densa. Anota-se. 1961. Tudo ia bem. O mês era agosto. Ricupero, em Brasília, apreciava o serviço. Era assessor para relações do Itamaraty com o Congresso. Possuía um gabinete. Dava expediente no edifício anexo da Câmara dos Deputados. Tinha marcado o casamento, em São Paulo, com ela, só ela, Marisa. Seria para setembro. Seguia feliz. Marisa também. O presidente Jânio Quadros abusava. Recebia e condecorava Che Guevara. Era agosto. Mês de angústia. Lembrava-se Vargas. Getúlio Vargas. O dia era 19. Ricupero viu o Che, falou com ele e, quem sabe, até gostou dele. O Che. Mas no Rio, Carlos Lacerda, governador da Guanabara, não. Não mesmo. E, como protesto, entregou as chaves da cidade para um líder simbólico da oposição ao regime de Havana e ao Che. A tensão era grande. Vivia-se a Guerra Fria. O Muro em Berlim já se erguia. A revolução cubana era um fato. Os norte-americanos já tinham se comprometido na Coreia. Os europeus se recuperavam. Viviam os seus anos gloriosos. Na França, o general de Gaulle retornara. Voltara em 1958. Refundara a república. A Quinta República. Mas perdera a colônia. Argélia, nunca mais. Os africanos em polvorosa. Na África do Sul, o apartheid. No Senegal, toda a graça de Léopold Sédar Senghor. Noutras partes, as imagens penetrantes de Aimé Césaire. No Brasil, era Jânio Quadros. Presidente “vassourinha”. Histriônico. O homem dos bilhetinhos. Ricupero via tudo. “Testemunha ocular da História”.

Mesmo sem trabalhar pro Repórter Esso. Vivia ali bem perto. Brasília. Boatos cresciam. Conspiração também. Coisas de Brasília. Coisas do Rio. Coisas do poder. Carlos Lacerda, desde o Rio, dizia que Jânio Quadros iria asfixiar o Legislativo dando um golpe na Constituição. Aquela. Depois do Estado Novo. Em vigência desde 1946. Deputados acreditaram. Senadores também. A tensão crescia. E Ricupero observava. Anotava também. Até que chegou o dia. 25 de agosto.

O ano ainda era 1961. Ricupero almoçava em casa de Armando Braga Ruy Barbosa. Diplomata mais antigo, mais vivido e de muito valor. Beirava às 13 horas. Toca o telefone. Era para Ricupero. Do outro lado, Arrhenius. Aquele Arrhenius, goiano, amigo, confrade, irmão desde as Arcadas e desde São Paulo. Mas, agora, diplomata desde o Rio. A conversação foi bem franca. [Ricupero] “Você está sentado? Não? Então senta porque a notícia é de derrubar qualquer um! O presidente renunciou, ministros militares formaram uma junta de governo, há rumores de grupos que se armam para resistir.” (p. 178).

Adeus, refeição. Correr ao Congresso. Ricupero vai. Vai correndo. Era a sua função. Jornalistas à espera. Curiosos também. Ricupero adentra. Presencia Almino. Almino Affonso. Colega e conhecido também desde as Arcadas do Largo São Francisco. Agora Deputado Federal pelo estado do Amazonas. Almino Affonso toma a palavra. Experimentado, brada ser golpe. Golpe sobre Jânio Quadros. Golpe sobre a nação. Ainda de muito não se sabia. Ricupero sempre lá. No Congresso. Atento. Vê o Ministro da Justiça chegar. Vê-o, às rápidas, passar. Vê-o feito um raio. Destinação: gabinete do presidente do Congresso. Destinatário: senador Auro de Moura Andrade. As conversas refluíam. Ricupero tudo delas retraía. Soube que o Ministro trazia cartas de Jânio Quadros. Seguramente as cartas com a sua resignação. Eram duas. Uma curta. Com – quem sabe – “vou partir”. Outra longa. Com a declinação.

Eram 15 horas. Horário de Brasília. Ricupero lá. Sem arredar pé. Moura Andrade convoca os congressistas. Chama-os para sessão extraordinária. Marca-a para 16h30. Afonso Arinos – chanceler, mas também senador – toma parte. Estava no Rio, no Itamaraty que permanecia lá, à beira mar. Mas quer/precisa influir em Brasília. Escreve uma mensagem. Quer fazê-la chegar aos seus pares. Os congressistas. Envia por telex. Alguém do Itamaraty em Brasília recebe. Manda multiplicar, envelopar e endereçar aos respectivos líderes do Congresso. Enquanto isso, Ricupero, no Congresso, aguarda. Mas já sabe que caberá a ele receber os envelopes, os respectivos destinatários – leia-se: congressistas – e entregar.

Servo bom e fiel, Ricupero vai, faz. Mas é bloqueado. Interditado. Impedido. Detido. O Repórter Esso, onipresente, noticia. Diz ao Brasil inteiro. Informa ser prisão. Diz ser Ricupero, diplomata, em Brasília, na prisão. Marisa, em São Paulo, escuta. Entende e desentende. Prefere não entender. Mas precisa. E, por isso, vive, de sua parte, a tensão, a apreensão, a aflição.

Que fazer?

Ricupero, em Brasília, vai “relaxado”. Findou-se a “detenção”. Mas o Repórter Esso não avisou. Seguia-se, então, a contrição. Era muita a confusão. Marisa em São Paulo. Ricupero em Brasília. Afonso Arinos no Rio. João Goulart, o vice-presidente, do outro lado do mundo, na China Popular. Eis a estreia de Ricupero.

Sim: aventura. Quase coisas da imaginação. Um desavisado veria nisso tudo reinações de narizinho. Coisas de Lobato. Não parecem verdade. Ou quem sabe, coisa de Hergé. Tintim.

Aventuras de Tintim. Mas, não. Era tudo verdade. Ricupero, Marisa e o Brasil.

Segue-se lendo.

Ricupero em Brasília. Marisa em São Paulo. Casamento marcado. Convites distribuídos. Convidados confirmados. O padre Luigi – por charme, Luis; aquele da Congregação Mariana, que viu o amor de Marisa e Ricupero, no primeiro encontro e olhar, nascer – mais que confirmado, convocado. A Igreja Nossa Senhora da Paz, na várzea do Glicério, quem sabe, já pronta. Vasta em ornamentos. Aguardando os bonitos noivos chegar. Toda preparada para logo os sacramentar.

A data ia marcada: 1 e 2 de setembro. Antevéspera, agosto, dias finais. Ricupero em Brasília. Marisa em São Paulo. Muita apreensão. Forte pressão. No Rio, cogitava-se, guerra civil. Noutras partes também. Tramava-se até mais. Cercar-se Brasília. O retorno das fardas. República dos militares. Demissão de funcionários. Quem sabe, até de Ricupero. Muita dúvida. Indecisão. Ricupero em Brasília. Marisa em São Paulo.

Casar-se agora ou não?

Ricupero hesitou.

Marisa resolveu: “agora ou nunca!” (p. 185).

Fim da hesitação: “agora”.

Para-se a leitura.

O nobre leitor, agora, muito interessa, precisa respirar.

Fecha-se o livro. Meditação. Medita-se.

Surge uma dúvida. Nada singela.

Continuar, assim, lendo ou retornar ao começo e tudo recomeçar para ampliar em sabor, aroma e sensação essa penetrante degustação?

Vai-se ler. Ou melhor, reler. Reler tudo. Mas agora ou depois?

Dissipa-se a dúvida. Agora. Avante.

E, ao avançar, o querido leitor vai encontrar, à página 188, uma foto que já se tinha visto. Uma foto, portanto, marcante e familiar. Mas que, agora, parece se renovar para marcar ainda mais.

Vê-se nela, na foto, o inconfundível San Tiago Dantas. Marca-se bem: página 188.

Lê-se na legenda que era dezembro de 1961. Lê-se também que foi feita em Buenos Aires.

Espanta a estampa do novo chanceler.


Malgrado mineiro – gentílico de gente costumeiramente sábia em esconder emoções –, ele, San Tiago Dantas, parece envelhecido, abatido, cansado. Logo atrás dele, Ricupero. Apreensivo. Observador. Admirando em silêncio o homem de quem diria: “Jamais encontrei, antes ou depois, alguém que se comparasse a San Tiago na formulação imediata, irretocável na espontaneidade, como se tivesse sido retrabalhada até à perfeição e, não, como contemplávamos deslumbrados, fruto de reação daquele instante” (p. 193). Observando, Ricupero, ainda em silêncio, nesse homem, San Tiago Dantas, uma “inteligência de terrível lucidez” (p. 195). E apreendendo dele cenários tenebrosos para o Brasil, compreendidos em percepções como “A Constituição sofreu abalo provavelmente irreparável, a não ser que todos disponham a jogar sinceramente o jogo parlamentarista” (apud p. 194).

Os meses seguiriam. Vai-se lendo. O ano era 1962. Ricupero e Marisa, casados, viviam juntos em Brasília. San Tiago Dantas – mais que chefe de Ricupero, agora, amigo dos dois, Marisa e Ricupero – causava impressão. “Derrotado por suas qualidades, não pelos defeitos” (p. 198), forjou aflição. Todos sentiram. Ricupero também. Era forte a desolação. Que, como saída e opção, levou Ricupero a aceitar o convite de Mario Gibson Barboza para servir em Viena. Mesmo que lá, na Áustria, ele viesse a se sentir muito longe daqui. O fato era que, aqui, Brasília não dava mais.

Pausa de leitura.

Continuação.

Agora em epopeias internacionais. Viena, Buenos Aires e Quito. Ricupero documenta e diz. Fica claro: foram experiências excepcionais. E, pelo visto, foram mesmo.
Lendo o texto e vendo as fotos, o leitor agora quase enfeitiçado vai notando a fisionomia de Marisa e de Ricupero conjuntamente mudar. Agradáveis, como sempre. Mas, agora, eles dois têm feições mais graves. Serão os filhos, as conjunturas, as perseguições, os novos amigos, as novas paisagens, as infinitas leituras, os concertos, as saudades do Rio, de São Paulo, do Brás, dos Jardins, da rua Oscar Freire de Marisa? Tudo junto?

Veja-se 1961. Veja-se 1963. Depois 1967, 1969, 1971.

Ricupero e Marisa são outros. Não mais meninos. Mudaram-se os tempos.

Para-se aqui. Lê-se uma vez, duas, três tudo que vai dito nas páginas 205 a 302.

Trata-se do relato sobre os amigos. Maria Werneck do Carmo, João Cabral de Melo Neto, Clarice Lispector, Maury Gurgel Valente, Tuni e Wladmir Murtinho. Amigos. Poucas vezes o leitor vai encontrar – em escritos nacionais ou estrangeiros – tão clara demonstração de verdade, admiração e devoção a amizades como se vê nessas páginas. Páginas 205 a 302. Páginas de Memórias. Páginas de vida. Páginas vivas das memórias de vida de Marisa e Ricupero.

Emoção. Respiração. Agora, sim: volta-se ao livro. Que depois dessas páginas – as indizíveis, emotivas e intraduzíveis páginas 205 a 302 –, volta-se à política, ao Itamaraty, ao diplomata.
No exterior – Viena, Buenos Aires e Quito –, restou a Ricupero cuidar da cultura. Adeus, política. Adeus à Divisão Política do Itamaraty, onde, em 1961, para Ricupero, em Brasília, tudo começou. Adeus à influência. Adeus à onipresença. Agora, doravante, o setor de cultura. Não que esse setor, o da cultura, desimportasse. Mas, sob o prisma do novo regime, após 1964, seguir nele era quase punição. Punição àqueles que estiveram muito perto do sol tempos atrás. Punição ao ostracismo. Para ter-se em mente Ícaro. E, quem sabe, jamais desejar sonhar seus sonhos. Sonhos de Ícaro.

Tudo para se comprovar que, no Brasil, nunca se deve brincar nem subestimar os militares.

Conclusão brutal. Mas parece correta. E, pior, parece ser, no real, assim. Vai saber.

Segue-se a leitura e apreende-se que Ricupero voltou ao Brasil em 1971 e foi, novamente, designado para o setor de cultura. Mas, agora, o caldeirão com feitiço entornou. A sacola de maldades furou. E a cultura lhe sorriu. E sorriu da melhor forma: apresentando-lhe a África e o Brasil, o Brasil e a África, fluxo e refluxo, brasileiros e africanos.

Lê-se bem: o ano era 1971.

Antes teve maio de 1968. Mais atrás teve 1950-1960.

Nisso tudo, a problemática africana se acentuou. E os militares, no Brasil, perceberam. E quiseram interagir. Vivia-se o período Médici. Presidência de Emílio Garrastazu Médici. O chanceler era Mario Gibson Barboza. Decidiu-se, na presidência e no Itamaraty, pela aproximação. Brasil da África. África e Brasil. Notadamente pela cultura. Cultura da qual cuidava Ricupero. Preparou-se, então, a viagem. A viagem do chanceler. Encarregou-se Ricupero da preparação e condução. Visitou-se – visitaram, Ricupero, a delegação e o Ministro – Senegal, Costa do Marfim, Gana, Nigéria, Camarões, Congo (Zaire), Togo, Daomé e Gabão.

Foi – pra ele, Ricupero – inesquecível.

Foi o início de seu vício pela África. Do seu apreço pela compreensão da problemática dos africanos na África e dos negros no Brasil. Da sua interação profunda com Alberto da Costa e Silva. Outro amigo que o Itamaraty lhe deu. Outro espécime que enche de vida as suas memórias.

Depois de 1971, vieram 1972 e 1973. E, para Ricupero, mais cultura, mais África e mais Brasil. Agora na Bahia. Onde ele, Ricupero, seria plenamente feliz. Como inegavelmente feliz ele aparece na foto da página 338. Em nenhuma outra foto do livro o seu sorriso vai tão espontâneo, tão loquaz, tão cheio de Brasil. Um sorriso, seguramente, produzido pela sua interação com gente da qualidade cultural, moral e espiritual de Anthony Enahoro, Clarival do Prado Valladares, Vivaldo da Costa Lima, Ieda Pessoa, Pierre Verger. Pela sua tentativa primeva de se criar o Museu Afro-Brasileiro em Salvador. Pelos seus contatos com Emanoel Araújo, quem faria esse Museu, tempos depois – pela África, pela Bahia e pelo Brasil –, em São Paulo. Pela sua aproximação a Aloísio Magalhães e a tantos outros.

Reveja-se a linda foto à página 338. E avante. Segue-se a leitura.

Chega-se ao ano de 1974. Novos tempos. Presidência Geisel. Ernesto Geisel. Início da “lenta, gradual e segura”. Ricupero vai movido, pela primeira vez, para os Estados Unidos, para Washington, para a embaixada brasileira naquela capital. A mesma embaixada onde um dia estiveram Joaquim Nabuco, Oliveira Lima, Domício da Gama. Agora, Ricupero. Que vai, para lá, cumprir as ordens do embaixador João Augusto de Araújo Castro.

Ricupero chega em Washington, com Marisa, no mês de maio daquele ano. Vai, como sina, novamente, responder pela cultura. Sempre com pouco ou pouquíssimo relevo. Mas sempre agindo e fazendo coisas. Lendo tudo e sobre tudo. Rememorando Benjamim Franklin e os Founding Fathers. Fazendo o que dá, o que pedem e o que pode. Até que dia 7 de dezembro de 1975 veio triste e forte para mudar tudo.

Fazia frio naquele dia em Washington. O outono anunciava o inverno. Passava-se do meio-dia. Recomeçava-se, após o almoço, o trabalho. Ricupero numa sala e o embaixador Araújo Castro em outra. Escuta-se um barulho. Parecia surdo. Ricupero percebe. Ensimesma-se. Pressente o mal. Mas não tem tempo de reação. Recebe de súbito a voz da secretária em chamado. Pedindo ajuda e querendo alguém para acudir. Ricupero atende. Corre lá ver. Sobe rápido as escadas. Vai ter com a secretária. Mas não era ela. Era Araújo Castro. Morrendo. Fulminado por um infarto. Agonizando ao lado da mesa. Seu coração não aguentou. Deu a sua hora. Fim da partida. Adeus, embaixador. Adeus, Araújo Castro. De quem Ricupero diria com apreço, reconhecimento e valor que “ninguém no Itamaraty jamais chegou perto […] na capacidade poderosa de formular política exterior original” (p. 347).

Essa partida de Araújo Castro, segue-se lendo e apreendendo do texto, desfalcou o serviço exterior brasileiro no pior momento. O momento da complexa transição da presidência Richard Nixon para a presidência Gerald Ford. Um desfalque que motivou a transferência de Ricupero do setor de cultura para o setor de política. Um, portanto, retorno. Até quem fim.

Outros tempos. Outro ar. Outra vida.

Que, segue-se lendo, não duraram tanto assim. Pois na primeira metade de 1977, Ricupero foi, novamente, movido ao Brasil. Agora, seguindo na área da política, para chefiar a prestigiosa Divisão da América Meridional II, participar da consagração do Tratado de Cooperação Amazônica (TCA) e conviver com o notável embaixador João Hermes Pereira de Araújo – em seu entender, “modelo de linguagem e estilo”, “paciência”, “benignidade” e “realismo de longo prazo” adicionados a “retidão, cultura, equilíbrio, graça e beleza” (pp. 365-369 passim).
Ainda era a presidência Geisel. Mas não tardaria a anistia nem a aceleração da abertura. Golbery tramava. Ricupero, no Brasil, voltava, assim, ao centro de gravidade das decisões num momento de ponto ótimo. O ponto ótimo da redemocratização.

Seguindo-se a leitura, vai-se notando que Ricupero fez e participou de muitas iniciativas nesse seu retorno ao Brasil. Tudo que – para quem, como o nosso nobre leitor, conhece o seu depois – parecia conduzir para 1985, a Nova República e ao momentum Tancredo de Almeida Neves. por isso, continua-se lendo e aguardando ele dizer muito sobre isso. Sobre 1985, a Nova República e o momentum presidencial de Tancredo de Almeida Neves. Quando se chega lá, recebe-se água fria. Lê-se um lacônico: “Não vou repetir o que saiu em livro de 450 páginas com o texto do diário, fotos e documentação” (p. 386).

Nesse instante, o leitor, agora, convertido em fã de Ricupero, não vai hesitar. Vai parar a leitura, fechar Memórias e começar a pesquisar do que se trata esse outro livro que Ricupero vem de mencionar. E sem muito procurar, vai logo achar. Diário de Bordo: a viagem presidencial de Tancredo Neves (São Paulo: Imprensa Oficial, 2010). E vai logo, também, perceber ser outro livro formidável. Feito, também, com intenção memórias. Mas com formato diário. Quase Verbatim. Tudo bem. Guarda esse livro para ler depois. Logo em seguida. Agora, Memórias.Volta exatamente onde parou. E segue. Segue a leitura e a apreciação. Mas sente, agora, algo curioso. As histórias que Ricupero começa a contar parecem todas frescas, visitadas, saber sabido.

Como se alguém já lhe tivesse contado.

A proximidade de Ricupero com o presidente Sarney. A cumplicidade de Sarney com o jornalista Castelinho. A pacificação total da relação do Brasil com a Argentina. A Constituinte de 1986-1988. A acomodação dos militares. O “conter” Brizola, da parte dos militares.

Mas, não.

Surpreende-se, em seguida, com uma informação que não parece detalhe. Diz respeito à ida de Ricupero para Genebra em 1987. A sua primeira experiência como embaixador de uma Delegação do Brasil junto aos organismos da ONU. Onde se lê (…) “para Marisa e para mim, era a primeira vez que iríamos servir no exterior não como subordinados, e sim como os principais responsáveis pelo posto, cada um na sua esfera” (p. 400).

Nota-se: nada trivial. Por isso, atenção. E avante na leitura até se realizar que foi de Genebra que Ricupero viu Ulysses Guimarães sacramentar a Constituição, o povo ir às urnas para as presidenciais depois 1960, o momento Collor versus Lula com a vitória do primeiro, a formação do novo governo, a movimentação no Itamaraty, a indicação do novo chanceler, o Ministro do Supremo Tribunal Federal, José Francisco Rezek, e, ao final, o convite irrecusável.

Suspense.

Segue-se o texto para ver o que conta Ricupero. E ele conta que, confirmado no cargo, o novo chanceler ligou para ele, Ricupero, em Genebra. Queria que ele, Ricupero, voltasse ao Brasil. E voltasse como secretário-geral do Itamaraty. Ao que Ricupero prontamente aceitou. Mas teve que voltar atrás. E por uma razão nada trivial. O fato-verdade que rememora que, desde o 1-2 de setembro de 1961, ele, Ricupero, não era mais um. Mas dois. E a parte dois, Marisa, era terminantemente contra a subordinação de seu marido, Ricupero, aos desígnios do afamado playboy, Fernando Affonso Collor de Mello, tornado presidente. Ricupero teve que recusar. Seguir Marisa e ficar em Genebra. Em seu lugar, para o nobre posto do Itamaraty, foi Marcos Azambuja.

Ricupero seguiu, sim, em Genebra. Mas não por muito tempo. Poucos meses depois, foi movido para Washington. Agora, como embaixador.

Daí em diante, o leitor, sempre rente ao texto, nota que detalhes, eventos e responsabilidades se avolumam e a história de Ricupero parece em tudo se acelerar.


Teve a Rio-92. A troca de Rezek por Celso Lafer. O martírio de Collor. A ascensão de Itamar. E uma nova história que começa a começar.

O ano era 1992. O mês era outubro. O dia, o segundo.

2 de outubro de 1992.

Chovia frio em Washington. Ricupero e Marisa recebiam Ruth Escobar e Shirley MacLaine na embaixada. Alguma descontração encantava o lugar. Ruth era amiga de Ricupero desde a juventude. Desde 1957. Desde os tempos em que não sabiam nem queriam saber o que viriam a ser. Shirley MacLaine, todos sabiam. Além de linda, era uma musa. Estrela de cinema.

Literalmente. Premiada em todas as partes. Monumento sagrado da sétima arte. Agora ali. Acompanhada de sua amiga Ruth. Diante de Marisa e de Ricupero.

Risadas, diversão, trivialidades.

O dia prometia. Iriam todos – Ricupero e Marisa inclusos – contemplar o show de Frank Sinatra ao anoitecer. Tudo ia bem.

Diversão, trivialidades, risadas.

Mas, pelas tantas, o telefone toca. Era para o embaixador. Era para o Ricupero. Ricupero atende. A ligação vinha do Brasil. Talvez de São Paulo ou do Rio. Quem sabe, Brasília. Era o chanceler do outro lado. Era Fernando Henrique Cardoso querendo falar. Antigo senador que virou chanceler da presidência Itamar. Trazia um recado de Itamar. Um recado quase pessoal, direcionado ao embaixador Ricupero, transformado numa mensagem curta e grossa: Itamar quer Ricupero no Ministério da Fazenda.

Ricupero ouviu sem falar. E, em seguida, reagiu sem pestanejar nem hesitar. Recusou prontamente. Indicou ser engano. E apresentou as suas razões. Restando ao chanceler escutar e partir. Marcílio Moreira Marques seguia no cargo. Sucedia a Zélia Cardoso de Mello. Mas, agora, ia deixar. Mas não era o caso de largar. Itamar queria Ricupero. E fez Fernando Henrique de mensageiro para sutilmente avisar. Ricupero disse não. Itamar foi informado. E, por claro, não gostou nem aceitou. Retornou, ele próprio, presidente da República, a ligação para Washington. Queria falar diretamente com Ricupero. Em sua contrição interior deveria se martirizar com a indagação o onde é que já se viu?!

O telefone tocou em Washington. Ricupero atendeu. Era Itamar. História similar. Ricupero ouviu. Novamente, desconversou. Apresentou novas razões. Disse estar longe do Brasil. Ser estranho à área – economia e finanças. Estar distante de seus operadores. Desconhecer empresários. E assim por diante.

Itamar, mineiro, por temperamento, silenciou. Ricupero também.

Despedida, seguramente, bem seca.

Tenha um bom dia, presidente. Tenha um bom dia, embaixador.

Mas uma aflição no ar. Longe, muito longe de assunto encerrado. Passados uns instantes, mais uma vez, o telefone em Washington tocou. Ricupero atendeu. Do outro lado, quem poderia ser? Sim, claro: José Sarney. O homem que sucedeu a Tancredo de Almeida Neves e por quem Ricupero sempre demonstrou afeição. Mas, agora, aflição. Assunto similar. O desejo de Itamar. Ricupero não teve como. Recrudesceu. Declinou novamente e disse adeus. Sabe-se lá se o antigo presidente entendeu. Pouco importa. Ricupero disse não; e o seu não era não. Mas o seu telefone voltou a tocar e tocar. Maiorais da vida nacional brasileira queriam lhe falar. Convencer. Quem sabe, até intimidar. O poderoso governador do seu estado natal, São Paulo, Luiz Antônio Fleury pediu a Ricupero que aceitasse o novo posto em seu favor. O extraordinariamente nobre senador gaúcho Pedro Simon moveu esforços pelo mesmo. Mas, não. Ricupero reiterava o seu não.

Era um dia especial. Fenomenal. Era o 2 de outubro de 1992 e todos em Washington queriam ver Sinatra. Ricupero também. Que coisa era aquela de ficarem querendo que ele assumisse o Ministério que tanto mal causara ao seu mentor e amigo San Tiago Dantas quando, em Brasília, tudo em sua vida começou? Que coisa era aquela? Que coisa era aquela de quererem jogá-lo na piscina sem água, na fogueira sem fogo, no abismo sem fundo, na floresta sem bússola, num Ministério – o da Fazenda – que até Deus – brasileiro ou não – hesitaria em aceitar?

Caiu a tarde. Todos ver Sinatra à rua 13, no Warner Theatre. Esqueça-se, por ora, mesmo sendo embaixador, o Brasil.

Diria um bom mineiro: tenha-se a santa paciência.

Belo show, findo o show, o jantar.

Sinatra – amigo próximo de MacLaine – convidou Ruth e Marisa, que adicionaram Ricupero. O projeto era jantar chinês. Foram todos. Sinatra guiando. Chegam ao restaurante. Ricupero deveria estar cantarolando mentalmente algum sucesso do ídolo, tamborilando algum ritmo com os dedos das mãos ou fazendo o chão de percussão com as pontas dos pés quando a invenção de Graham Bell volta, mais uma vez, a tocar. Não teve jeito. Cortou-se o clima. Teve que atender. Era, novamente, do Brasil. Mas não era o chanceler nem o presidente. Era o jornalista Elio Gaspari, que ligara para dizer que o economista Gustavo Krause acabara de aceitar ser Ministro da Fazenda. E – quem sabe – também para recomendar a Ricupero que dormisse tranquilo e aliviado pois não tinha sido daquela vez. Ricupero, por certo, ouviu aquilo e suspirou. Mas, claro, agora, ele não ia dormir. A noite estava só começando. Sinatra – sim, Frank Sinatra – o aguardava lá dentro para jantar.

Trivialidades, diversão, risadas.


O leitor, que achava conhecer bem a história política recente, surpreendeu-se. Parou um pouco a leitura apenas para tomar um fôlego para seguir melhor, e seguiu. E, seguindo, notou que Ricupero continuou firme como embaixador do Brasil em Washington. Mas também percebeu que por tanto tempo.

Ele vai lendo e anotando que tudo mudaria em meados de 1993, depois daquela horrível chacina de Yanomami ao Norte do Brasil. Essa chacina – ocorrida menos de um ano após o congraçamento mundial da Cúpula da Terra no Rio de Janeiro – comoveu o mundo inteiro e o presidente Itamar precisou agir. E agiu. Mandou mover às pressas Ricupero de Washington para o Brasil para Ricupero transformar a antiga Secretaria do Meio Ambiente em Ministério do Meio Ambiente e da Amazônia Legal. Era um gesto forte do governo Itamar. Ricupero veio.

Voltou para Brasília e fundou o Ministério. E, por talento, gostou. E até virou ambientalista.

Adeus, Washington, MacLaine, Sinatra, mas, em compensação, toda a fauna e flora explorada e inexplorado do Brasil para conviver.

Tudo ia bem, lê-se. Até que no 1º de março de 1994, data de seu aniversário de 57 anos, o assessor especial da presidência Itamar, Mauro Durante, deixou escapar a (in)confidência: Itamar não esquecera nem se dera por vencido: seguia querendo Ricupero no Ministério da Fazenda: Ricupero estava no Ministério do Meio Ambiente apenas aquecendo: o jogo estava rolando e, a qualquer momento, Ricupero seria convocado a entrar em campo: ele estava no Brasil como regra-três.

Ricupero entendeu. Mas fez que não. Vida que siga, vida a fluir.

Até porque, tudo no Ministério da Fazenda, agora, parecia ir muito bem. Fernando Henrique Cardoso – movido do Itamaraty para a Fazenda, sucedendo Gustavo Krause, Paulo Haddad e Eliseu Resende – conseguia estruturar o Plano Real que, agora, era real. Parecia dar certo. Tinha ambiente. Competência. Timing. A equipe – como a dos outros planos – era formidável. Coesa e determinada. Em seu geral, com o que de melhor existia no Departamento de Economia PUC do Rio e em outros departamentos de Economia. Gente formada no exterior. Com doutorado no MIT, em Harvard. Quando não em Yale, como no caso do experimentado Edmar Bacha. Gente que tinha tudo para fazer dar certo. Pra quê Ricupero, Ricupero pra quê?, poderia se perguntar o próprio Ricupero. O negócio de Ricupero, agora, 1993-1994, era água, plantas e bichos, Meio Ambiente e Amazônia Legal.

Seguiu-se assim. Mês de março de 1994 adentro. Até que ficou patente que Fernando Henrique Cardoso sairia do Ministério da Fazenda para se candidatar a presidente. Ricupero soube disso no Rio. Era fins de março e a jornalista Miriam Leitão viera avisar. E, Ricupero seguia dando de ombros. A vida seguia. Até que chegou o “grande” dia.

Estava-se em Brasília. Vivia-se o 30 de março de 1994. Ricupero dava expediente normal em seu Ministério quando o telefone toca. Era o presidente Itamar. Queria vê-lo. Ricupero – sem saber ou sabendo – foi. Encontrou-se com Itamar no Palácio do Planalto. Os detalhes, gestos e símbolos do encontro foram muitos. Mas, em síntese, conversaram. Quem sabe, até, mutuamente, apiedaram-se. Afinal, eram cavalheiros. Até que pelas tantas, veio o xeque que virou xeque-mate e Itamar foi na jugular de Ricupero de modo certeiro dizendo: “já examinamos todas as alternativas e o senhor é a única opção” (apud p. 476).

Pronto. Acabou. Sem saída. Fim da partida. Ricupero virava, ali, Ministro da Fazenda do Brasil.

E, como Ministro, foi muito bem. Todos sabem. Até quem não viu. Ficou cinco meses. Criou a moeda. Assinou-a. Divulgou-a. Pacificou-a no imaginário nacional. Deu-lhe vida. E se foi. Para dizer depois “Embora importante, a participação na saga do Real não define ou esgota minha trajetória, representa cinco meses de uma vida de 87 anos” (p. 542).

O leitor segue lendo. E vai compreendendo que, depois do Plano Real, Ricupero renasce em outros campos e em outras vidas. Roma, ONU, Genebra, UNCTAD. Gira mundo, volta pra casa, vem pra São Paulo, Higienópolis, FAAP, Mensalão, Petrolão, Bolsonaro, Lula III.

Nossa: agora, sim. Termina-se, de modo seguro, o livro. Fecha-se os olhos. Confidencia-se em silêncio: meu Deus: quanta vida, quanta história, quanta informação.

E, agora, o mais que distinto leitor fecha e guarda o livro. Mas as histórias contidas nesse livro pululam em sua memória e preenchem a sua imaginação. Quase perseguição. Elas vão e voltam. Quando, muito aflito, o leitor volta ao livro para contemplar apenas a sua capa. E ele vai e vê. Vê Ricupero. Que, agora, na capa, incrivelmente, não para de sorrir. Quien ríe, entiende. Que fazer?

Medita-se. Conclui. Sim: falta algo a ser percebido. Não se sabe o quê. Mas falta.

Lê-se, de novo, na capa do livro: Rubens Ricupero, Memórias. Parece charada. E é. Tenta-se decifrar. E, exausto de tanto tentar decifrar, diz pra si mesmo: bom, vamos ver se é isso.

Claro: já se disse. O livro não é bem um livro. E, por isso, não é bem para ser lido, explicado nem entendido. Esse livro, Memórias, de Ricupero, é vida. E, como a vida, vale mais em ser apreciado, notado, sentido que decodificado, explicado ou entendido.

Nesse prisma, agora se entende que quando se vê Memórias, sabe-se bem que não são bem memórias. São ao máximo – como diria Carlos Heitor Cony – Quase Memórias. Quase e literalmente quase porque, vendo e olhando ao redor, os mundos de Ricupero formam oceanos verdadeiramente impossíveis de abraçar. Oceanos de muita água. Água demais – diria Camões – para caber em tão pequenos vasos feito livros, feito artigos, feito Memórias.

De toda sorte, pragmaticamente, tem-se aqui um livro. Um livro de memórias assinado por Ricupero. Livro ou quase livro, memórias ou quase memórias. Pouco importa. O que, agora, mais importa, depois de lido e relido, talvez seja uma investigação mais segura sobre o enquadramento fidedigno do seu significado. E, diante disso, sai de cena o leitor desavisado para ter espaço um singelo observador. Que olha, percebe, entende e vê que, quem segue distante ou desinteressado dos assuntos que circundam esse novo livro de Ricupero não possui elementos para perceber que ele, Memórias,representa, sinceramente, um verdadeiro acontecimento na vida cultural, intelectual e política brasileira. Isso mesmo: um acontecimento.

Sem exagero nem concessão, o conjunto de relatos que compõe Memórias de Ricupero vem sendo demandados e aguardados tem vinte, trinta, quarenta, cinquenta ou sessenta anos. Desde que Ricupero deixou a UNCTAD em 2004. Desde que saiu do Ministério da Fazenda em 1994. Desde que participou do parto bem-sucedido da Nova República em 1984-1985. Desde que foi servir em Washington em 1974. Desde que foi colocado no vigésimo primeiro lugar na lista dos 39 diplomatas “subversivos” perseguidos pelo Itamaraty em 1964.

Sim. Isso mesmo. Muita espera.

Uma espera que foi – é verdade – remediada de muitas formas, com muitos livros, muitos textos e muitas intervenções. Veja-se, por exemplo, o formidável A diplomacia na construção do Brasil: 1750-2016 (Rio de Janeiro: Versal, 2017) que, acima de tudo, também foi uma maneira de abrandar essa espera. Lembre-se que Ricupero foi colunista contínuo de um dos jornais mais importantes do país, a Folha de S. Paulo, por mais de vinte anos. [Aliás, causa perplexidade que esses artigos ainda não tenham sido reunidos em livros]. Observe-se que ele escreveu bem mais de uma centena de artigos, prefácios e introduções para livros – a começar pela belíssima introdução à versão italiana de Brás, Bexiga e Barra Funda, feito Notizie di San Paolo, de Antônio de Alcântara Machado. [Aliás, novamente, causa estranhamento que esses materiais ainda não tenham sido reunidos em livros e que ninguém no Itamaraty ou fora tenha se dedicado a contextualizá-los, problematizá-los e comentá-lo como fonte de fortuna crítica]. Ademais, ele deve ter milhares de minutos em aparições em rádio, televisão e, agora, Internet, YouTube e afins. [Também causa espanto que esses registros ainda não estejam catalogados]. E, com tudo isso, ele abrandou a força da demanda verdadeiramente insistente por seu imponente relato. Que, agora, aparece nesse volume Memórias.

E, por tudo isso, Memórias, por isso só, é um livro marcante.

Mas tem mais.

Ele tem, ao menos, um nítido significado. Um significado que namora o “significado” que Antonio Candido ofereceu ao Raízes do Brasil de Sérgio Buarque de Holanda. Um significado que os diplomatas, historiadores, cientistas sociais e homens práticos no Brasil, mais dia, menos dia, vão ter que se debruçar.

Por agora, modestamente, saindo do assunto para depois voltar, O significado de Raízes do Brasil, todos sabem e vão lembrar, cravou tempos e marcou gerações. Nesse ensaio, o autor do extraordinário Os Parceiros do Rio Bonito, superou-se mais uma vez.

Relend0-o à luz de 2024, nota-se bem viva a sua concepção principal que aduzia que há obras que marcam e poucos percebem. Raízes do Brasil de Sérgio Buarque de Holanda foi assim. Casa-Grande & Senzala de Gilberto Freyre e Formação do Brasil Contemporâneo de Caio Prado Júnior também. Alguém no futuro, não tão distante de 2024, vai, claramente, dizer o mesmo de Memórias de Ricupero.

Por agora, o que se pode singelamente tentar fazer é simplesmente começar a enquadrar Memórias de Ricupero para alguém no futuro verdadeiramente o significar. E ao significar, seguir o eterno mestre Antonio Candido, e finalmente confeccionar uma avaliação marcante sob o título “O significado de Memórias de Rubens Ricupero”.

Por agora, porquanto, apenas começar a enquadrar.

E, para esse começar a enquadrar, vale lembrar que o fazer memórias – essencialmente políticas e notadamente diplomáticas – se traduz, antes de tudo, num estilo retórico. Um estilo que, no Ocidente, remonta ao mundo antigo. Quintiliano, Aristóteles, Cícero, Plutarco, Platão. Um estilo que foi, também no Ocidente, formidavelmente modificado e atualizado pelos tratadistas Quinhentistas e Seiscentistas. Que todos sabem e, por isso, não vai ao caso de muito, por aqui, se detalhar. Mas compete, isto sim, lembrar e acentuar o peso retórico de Maquiavel nessa renovação. E não simplesmente do Maquiavel que escreveu O Príncipe.

Mas depois de seu O Príncipe, em tempos modernos e de governos absolutos, essa prática memorialística renovada se multiplicou. Notavelmente entre os diplomatas. Essencialmente entre os homens práticos e a gente de ação. Reveja-se, como exemplo e demonstração, a erupção de memórias sob os tempos de Richelieu, Mazarin, Westfalen.

No século a seguir, o das revoluções – Industrial, Americana e Francesa –, essa prática aumentou ainda mais. Parte pela ampliação das relações transatlânticas e planetárias. Parte pelo aumento da complexidade dessas relações. Parte pela complexidade crescente das sociedades. Parte pela emergência de novas e abrangentes noções de esfera pública, espaço público, debate público. Parte pela afirmação das ideias de nação, nacional e interesse nacional. Parte pelo retorno do imperativo da res publica. Parte pela reabilitação da democracia. Parte pela força dos nacionalismos. Parte pelo apogeu do cidadão. “Citizens” diria o sempre sutil Simon Schama. E, isso tudo, num crescendo retilíneo desde as revoluções até 1914-1918.

Sem ser exaustivo nem ter a pretensão de tudo abarcar, demonstrar ou dizer, mas, antes, apenas evidenciar, veja-se, por exemplo, a multiplicação de memórias nos tempos de Kaunitz (1711-1794), esse cidadão que ficou meio século ao serviço do Império Habsburgo e, malgrado o regime, fomentou memórias, suas e de outros, para tudo se saber e para todos assuntarem. Veja-se como William Pitt (1708-1778) fez o mesmo ao seu tempo e ao seu modo. Lembre-se do esquecido chanceler francês Vergennes (1719-1787), homem de erudição e ação, que foi o mestre de memórias, na França e na Europa, dos tempos de Napoleão. Veja-se depois. Tem mais. Talleyrand (1754-1838), Metternich (1773-1859). Projete-se no tempo. Mentalize o depois. Reveja-se nos tempos de Bismarck (1815-1898), Disraeli (1804-1881). Tempos formidáveis. De história em aceleração. Mundos em ebulição. Memórias e mais memórias em confecção. Até se chegar em 1914. Quando todos se descobriram sonâmbulos. Quem sabe, talvez, pela própria proliferação de memórias. Ou, então, o mais provável, por, como el ingenioso hidalgo Don Quixote de la Mancha, terem, talvez, adentrado nessas memórias com tamanho gosto até perder a razão.

Seja como for, marcou demais a imagem – feliz, mas sinistra –, sonâmbulos, “sleepwalkers”, de Christopher Clark para sintetizar as origens da Grande Guerra. Sonâmbulos. Mas pouco se lembra ou fala que, depois do 11 de novembro de 1918, a intenção do professor Woodrow Wilson, tornado presidente dos Estados Unidos, era a promoção universal de uma open diplomacy para contrastar a dirty diplomacy, que, em seu entender, tinha alimentado o sonambulismo que conduziu a 1914.

open diplomacy wilsoniana, assim, propunha uma “diplomacia do conhecimento” e uma “diplomacia do esclarecimento” a partir do debate público, livre, transparente e em alto nível entre os países. Era uma ideia francamente liberal. Mas que foi – mesmo assim ou justamente por ser assim – posta em prática a partir de 1919 com o início da organização de documentos diplomáticos, arquivos políticos, confecção de portrais dos grandes homens políticos e diplomáticos e o fomento para a produção e divulgação de suas memórias.

Desde aí, o fazer memórias ganhou novos rumos e plenos significados. Passou a ser uma questão quase moral a produção de memórias. Um fator de honra. Caso se queira, um imperativo democrático.

E assim se fez. E não precisa de muito para se notar. Basta que se vasculhe com calma o movimento editorial do estilo memórias nos anos de 1920 e 1930. Foi impressionante. Fortemente na Europa. Mas também nos Estados Unidos. E, seguramente, também, no Brasil.

Mas veio 1940. A queda da França. A “étrange défaite”.

Pode não parecer. Mas, vendo-se com olhos interessados, quando Marc Bloch apresentou o seu magnífico e penetrante ensaio sobre as razões da queda da França em 1940 ele estava dizendo e pensando nisso e somente nisso. Debate público de alto nível, transparência nas discussões, amplitude de informações e memórias.

E, justamente pela ausência disso, e não ao acaso, ele diz que “Nos chefs n’ont pas su penser cette guerre. En d’autres termes, le triomphe des Allemands fut, essentiellement, une victoire intelectuelle et c’est peut-être ce qu’il y a là de plus grave” [Os nossos líderes não souberam pensar esta guerra. Em outros termos, o triunfo dos alemães foi, essencialmente, uma vitória intelectual e é talvez nisso resida o mais grave].

Dito sem remorsos, malgrado a ampliação qualificada do debate público após 1919, o sonambulismo intelectual ainda imperou e todos sucumbiram, mais uma vez, no terror. E, no caso da Europa e da França, esse terror deixou marcas ainda mais profundas e duradouras.

Justamente por isso e pensando nisso e só nisso, que o general De Gaulle, na França, e Winston Churchill, no Reino Unido, empenharam-se em confeccionar as suas obras-mestras sobre as guerras totais.

Ficando-se apenas no esforço do general francês, todos sabem ou podem imaginar o quão imenso foi o impacto cultural, político e moral da verdadeira catarse espiritual, emocional e racional plasmada nos três tomos de Mémoires de Guerre. Basta que se rememore a frase-mestra “Toute ma vie, je me suis fait une certaine idée de la France.” Quem, após Mémoires de Guerre de De Gaulle, consegue esquecer dessa “certa ideia”?

Nesse sentido, e voltado ao principal, naquele após-guerra, as memórias de Churchill e de De Gaulle, ao fim das contas, soergueram a barra do estilo e modificaram o patamar da confecção de memórias. Tanto que políticos, diplomatas, intelectuais, homens públicos e gente do comum também se enveredaram na produção de suas próprias memórias sobre a guerra, mas sempre conscientes da impossibilidade de concorrer ou superar as obras-primas e obras-mestras de Churchill e De Gaulle.

Tempos depois, quem ousou concorrer e superar foi Henry Kissinger com a sua trilogia – White House Years, Years of Upheaval e Years of Renewal – sobre seus tempos diplomáticos.
Sucesso de público e de crítica, essas memórias desse verdadeiro mago do serviço exterior norte-americano marcaram e ainda marcam pela abrangência, pela contundência e pelas contradições.

Os seus críticos mais acerbos sempre disseram se tratar de uma aglomeração de ideias desconexas concretizadas em livro pelo beneplácito de ghost writers de agências publicitárias. Stanley Hoffman, esse notável austríaco, formado na França, profundo conhecedor de Mémoires de Guerre de De Gaulle e responsável pela cadeira de História Europeia em Harvard, em contraponto, sempre acentuou o caráter penetrantemente transcendental das memórias de Kissinger – com Diplomacy incluída. Niall Ferguson, discípulo de Hoffman e biógrafo de Kissinger, diria, sobre Kissinger, simplesmente, “um homem complexo”.

E parece ser essencialmente essa dimensão de sujeito complexo que entrelaça o état de lieux do fazer memórias depois de Wilson, Churchill, De Gaulle e Kissinger. O mundo foi ficando cada vez mais complexo. E as boas memórias necessariamente também.

No caso brasileiro, o acontecimento mais eloquente que entrelaça essa discussão multissecular e antecede Memórias de Ricupero foi A lanterna na Popa – Memórias de Roberto Campos. Mas, antes de voltar a isso, o caso brasileiro merece preliminares.

Independentemente do que se diga ou se possa pensar, não vai nada verde a prática de memórias políticas e diplomáticas no Brasil. Para não se retornar muito nem muitíssimo no tempo, quem se aplicar a examinar do momentum que recobre a emergência do estado nacional brasileiro de 1750 a 1850 vai encontrar exemplares simplesmente acabados do que talvez melhor se produziu nesse estilo memórias no mundo inteiro. E o saudoso José Murilo de Carvalho, sobre isso, muito – ou tudo – já demonstrou. Adiante, da Guerra do Paraguai até 1930, seguramente, ninguém passou indiferente a Minha formação de Joaquim Nabuco. Nem mesmo o caríssimo Barão. Entenda-se: Barão do Rio Branco.

Vai verdade, mesmo assim, que das grandes figuras diplomáticas brasileiras das primeiras repúblicas, da Constituição de 1891 à de 1967, poucos deixaram memórias completas, organizadas e “definitivas”. Em seu lugar, deixaram, em sua maioria, fartos escritos. Quase sempre, sim, muito importantes. Mas quase sempre também, reconheça-se, demasiado desconexos.

Veja-se que com o próprio Barão do Rio Branco foi assim. E com Oswaldo Aranha, Cyro de Freitas-Valle, José Carlos Macedo Soares, Edmundo Penna Barbosa da Silva, San Tiago Dantas e Araújo Castro – verdadeiros luminares do serviço exterior brasileiro – também.

Uma forte – para não dizer, fortíssima – inflexão ocorreria no afluxo da redemocratização. Depois da anistia, nos anos de 1980, protagonizada pelo longo e importante depoimento do ministro Ramiro Saraiva Guerreiro, ao CPDOC da FGV, no Rio de Janeiro, em 1985. Um depoimento transformado em publicação em 1992 com a curiosa nomeação – no caso, título – de Lembranças de um empregado do Itamaraty.

No mesmo ano, 1992, ano do impeachment do presidente Collor, o Ministro Mario Gibson Barboza fez publicar, pela editora Record, Na diplomacia, o traço todo da vida.

E, desde então, começou a crescer a oferta de memórias desse tipo e qualidade assim como a sua demanda.

Para ficar apenas em alguns exemplos desse momento, veja-se, por exemplo, O mundo em que vivi de Manoel Pio Correa Júnior, Diplomacia em alto-mar: depoimento de Vasco Leitão da Cunha e Diplomacia, Política e Finanças de Marcílio Marques Moreira.

Existem outras. Aliás, muitas outras.


Quem desejar um panorama mais criterioso desse fenômeno não pode deixar de ver o importante artigo Memória e Diplomacia: o verso e o reverso do também embaixador e diplomata Paulo Roberto de Almeida.

De toda forma e de forma geral, o que se pode francamente apreender dessas memórias que sucedem imediatamente o depoimento de Saraiva Guerreiro é que elas padecem da síndrome contida na imagem Lembranças de um empregado do Itamaraty.

Ou seja, malgrado importantes, necessárias e interessantes, elas seguem, em geral, na forma e no conteúdo, demasiado comportadas, meio carrancudas e, quem sabe, no quesito estilo, até um pouco à cotê de la plaque. Até que A lanterna na Popa – Memórias de Roberto Campos mudou tudo ao subverter a forma de convenção.

Lançado em 1994, o calhamaço de 1.460 páginas do embaixador Roberto Campos provocou um inequívoco impacto cultural, intelectual e político no Brasil. O frisson foi geral. Mesmo quem na época não leu, conheceu. Passaram-se meses e anos onde o assunto era apenas esse. O das memórias de Bob Fields.

Tratou-se de um texto, sobretudo, erudito. Erudito – se é que vale a ênfase – ao extremo. Sabia-se e sentia-se que ele continha muito da paixão de Mémoires de Guerre de De Gaulle.

Notava-se que também existia, em suas tiradas e conclusões, algo do prosaico dos relatos de Kissinger. Mas também se via – isso, sim, muito forte – muito da pulsação de Mémoires – 50 ans de réflexion politique de Raymond Aron. Talvez não seja o caso de muito acentuar, mas apenas lembrar que o duplamente realista e liberal Raymond Aron – ao lado de Reinhold Niebuhr, Edward H. Carr, Hans J. Morgenthau e Martin Whigt – foi, seguramente, o mais erudito pensador das relações internacionais do século 20. Também não vem ao caso detalhar, mas relembrar que, após Mémoires de Guerre do general, o seu Mémoires – 50 ans de réflexion politique foi, seguramente, o livro mais esperado e consumido pela intelligentsia planetária.

E, por fim, mas não menos relevante, vale muito ressaltar que ele foi um dos poucos intelectuais de seu tempo que Kissinger reconhecia como mestre e confidente. Por tudo isso, naturalmente, gente da presença de espírito e da força intelectual do Roberto Campos não passou por nenhum indiferente por nenhum desses detalhes. Que, ao fim das contas, não são detalhes, mas fundamentos. E todos esses, então, complexos fundamentos – mais que detalhes – participam vivamente de suas memórias contidas em A lanterna na Popa – Memórias.

Por tudo isso, A lanterna na Popa – Memórias de Roberto Campos pode ser, assim, entendida de vários campos e maneiras. Menos como uma simples sequência de lembranças de um empregado do Itamaraty.

Depois desse momentum Roberto Campos, que ainda hoje aguarda estudos mais alentados, a chegada do século 21, a presidência Lula da Silva e a expansão do sistema universitário brasileiro edificaram uma novidade sem precedentes na matéria que foi a multiplicação exponencial do gosto e do estudo de relações internacionais fora do Itamaraty e, consequentemente, do interesse geral por memórias diplomáticas no Brasil.

Sem muito detalhar, vale sinceramente notar que os ataques de 11 de setembro de 2001 inauguraram o novo século e, mesclados à evolução do acesso à informação, tornaram ubíqua a preocupação com questões internacionais em todas as partes. Consequentemente, virou mais amplo – e, quem sabe, democrático – o desejo de se saber mais sobre o que se passa além das fronteiras.

Isso posto, cumpre lembrar que no primeiro biênio da presidência Lula da Silva, a política externa brasileira – como nos momentos inaugurais da Nova República – era o único consenso.

De um lado, porque o economista Jim O’Neill havia criado o acrônimo BRIC para os investidores a Goldman Sachs onde o Brasil figurava logo em primeiro como destino desejável de recursos públicos e privados internacionais. De outro lado, porque a sinergia perfeita e magnética entre o presidente Lula da Silva, o assessor especial da presidência Marco Aurélio Garcia, o chanceler Celso Amorim e o secretário-geral do Itamaraty Samuel Pinheiro Guimarães deram frutos importantes, relevantes e concretos para a ação exterior do país. E, adicione-se a tudo isso, a conjunção de bons e harmoniosos momentos na política, na economia e na política econômica brasileira – mesmo sob as sombras do Mensalão – que produziu um arco-íris quase perfeito naquele início de século no Brasil.

Primeiro pela manutenção do espírito conciliatório da Constituição de 1988. Segundo pelo reconhecimento dos legados do Plano Real e da presidência de Fernando Henrique Cardoso. Terceiro pela expertise no auscultar geopolítico. E, sobre isso, vale lembrar que o contexto era complexo. Os norte-americanos se afundavam no Oriente Médio. Os chineses adentravam a OMC, modificavam a integralidade comercial internacional e miravam as commodities brasileiras, africanas e latino-americanas. Enquanto o Brasil, por sua vez, começou a mirar na China, mas também avançou firma para a África, a América Latina, a Europa; todos os lugares.

No torvelinho de tudo isso, foi que foi se ampliando o interesse público por profissionais dedicados e especializados em áreas internacionais. E, nisso, chegou o momento das universidades.

No interior da longa e vertiginosa expansão da malha de universidades públicas e privadas no Brasil iniciada na gestão do Ministro Paulo Renato, ocorreu uma verdadeira ebulição de cursos sobre relações internacionais no país inteiro. Vendo-se tudo isso com calma, pode-se notar que, no lapso de cinco ou dez anos depois do 11 de setembro de 2001, a oferta de formação de qualidade e alto nível nessa área deixou rapidamente de ser, assim, monopólio de Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo. Desse modo e desde então, praticamente nenhuma das dezenas de universidades federais espalhadas pelo território nacional, por exemplo, deixou de fazer constar em seu portifólio a oferta de bacharelado, mestrado e/ou doutorado em Relações Internacionais ou de áreas conexas a temas internacionais.


A conexão fina disso tudo ampliou a audiência para assuntos diplomáticos e fomentou, consequentemente, o gosto por memórias diplomáticas. E nesse entremeio deu-se o momentum Celso Amorim.

Sob vários aspectos, a trajetória diplomática de Celso Luiz Nunes Amorim figura sem par entre os empregados do Itamaraty. Vale simplesmente lembrar que ele só não fora mais longevo na função de chanceler que o próprio Barão do Rio Branco. E, mais que isso, sendo chanceler sob a presidência Itamar e chanceler sob a presidência de Lula da Silva, é possível afirmar que, em termos de prestígio e popularidade, o concorrente do nobre embaixador Celso Amorim seja, novamente, apenas o caríssimo Barão do Rio Branco.

Como se sabe, por ora, Celso Amorim ainda não parou o Carnaval como fez o Barão. Mas, contraexemplo, foi eleito, pela prestigiada Foreign Policy, o sexto mais importante pensador global do ano de 2010.

E tudo isso o impeliu, por claro, a se livrar ao público. E, nesse esforço pensado e demandado, apareceram os seus formidáveis Conversas com jovens diplomatasBreves narrativas diplomáticas e Teerã, Ramalá e Doha – Memórias da política externa ativa e altiva – respectivamente em 2011, 2013 e 2014.

Seria longa ou longuíssima uma peroração bem cuidada sobre cada um desses livros de Celso Amorim. Cada um deles possui um estilo e uma intenção que suscitam reflexões bem profundas. Teerã, Ramalá e Doha, por exemplo, de longe o texto mais agudo, sofisticado e penetrante, mereceria cotejamentos com praticamente todas as referências diretas e indiretas mencionadas. Pois, em termos formais e práticos, os seus principais argumentos, levados às últimas consequências, anteciparam todo o mal-estar planetário que o após-pandemia, o após-fevereiro de 2022 e o após-outubro de 2023 lançou. Trata-se, portanto, de um livro premonitório e essencial que não cabe num comentário. Um livro que, ao fim das contas, reporta o que ninguém quis ouvir nem ver, a saber: que as placas tectônicas do planeta se moveram bruscamente após a crise financeira de 2008 tornando o mundo geopoliticamente irreconhecível, perigoso e indomável.

Enfim, não dá, por aqui, para se deter demais na importância decisiva, intelectual e moral desses empreendimentos de Celso Amorim. Mas, mesmo assim, nesse contexto geral de enquadramentos, vale notar um aspecto, por muitas razões, curioso: os relatos de Celso Amorim nesses livros, consciente ou inconsciente, parecem se desviar do estilo e da verve transcendentes de A lanterna na Popa – Memórias de Roberto Campos para se aninhar no comportamento, na disciplina e na discrição de Lembranças de um empregado do Itamaratydo ministro Ramiro Saraiva Guerreiro. Basta voltar a ler pra ver. É impressionante. E impressiona ainda mais o fato de Celso Amorim, consciente ou inconscientemente, por intermédio dessas suas memórias diplomáticas, voltar a realçar o sentido do fazer memórias desse tipo no Brasil.

Esse era o quadro.

E agora aparece Memórias de Ricupero.

Sem muito avançar, vale inicialmente notar que Memórias de Ricupero, para fins de enquadramento, parece mesclar essas, por assim dizer, tradições. Encontra-se, assim, em Memórias de Ricupero muito do comedimento, da disciplina e do charme de Lembranças de um empregado do Itamaraty e muito da joie de vivrede Roberto Campos. Mas vê-se também muito, muito mesmo, do intenso e desabrido comprometimento ético, intelectual e moral com a democracia brasileira que se nota nas memórias de Celso Amorim. E, também, como transpassa todas as memórias de Celso Amorim, em Memórias de Ricupero existe o senso estético do combate, a força analítica de uma certa ideia do lugar exato do Brasil no mundo e a convicção inesgotável de que o Brasil tem tudo para chegar lá.

Visto, então, assim, Memórias de Ricupero reside na crista da onda. Participa, no plano do estilo, do que existe de mais coevo e completo.

Mas, acredite-se, Memórias de Ricupero vai além. E, seguramente, inaugura uma nova fase desse fazer memórias diplomáticas no Brasil.

Mas sobre isso – essa nova fase –, prometo regressar, em breve, aqui mesmo, no Jornal da USP, para tentar cuidar.

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(As opiniões expressas pelos articulistas do Jornal da USP são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem opiniões do veículo nem posições institucionais da Universidade de São Paulo. Acesse aqui nossos parâmetros editoriais para artigos de opinião.)


75 anos da OTAN: reunião de cúpula em Washington - The Atlantic Council


 

Atlantic Council at the NATO Summit in Washington

This week, NATO leaders convened in Washington as the Alliance marked its 75th anniversary. The Washington Summit took place as the Alliance faces an array of challenges throughout the world, including Russia’s ongoing unprovoked invasion of Ukraine. During this historic year for NATO, the Atlantic Council was at the forefront of shaping the summit’s agenda and demonstrating the Alliance’s enduring value.

Please see Atlantic Council at the NATO Summit in Washington to explore our events and other content from this week. On the sidelines of the summit, NATO, the US government, and organizations including the Atlantic Council hosted the NATO Public Forum. We also hosted an event with foreign ministers from the Nordic-Baltic region, as well as a convening with NATO’s head of policy planning and the US National Security Council’s senior director for Europe.

 

 

Our Experts Read Between the Lines of NATO’s Washington Summit Communiqué

This week, NATO leaders released the Washington Summit Declaration, a consensus document outlining where the Alliance stands on key issues. The document lays out a “bridge” to membership and long-term financial commitment for Ukraine but does not offer a specific timeline for formally inviting Kyiv to join the Alliance. What are our experts’ key takeaways from this document?

In Our Experts Read Between the Lines of NATO’s Washington Summit Communiqué, Scowcroft Center experts offer their perspectives on the Washington Summit Declaration. Ambassador Daniel Fried writes that the “decisions the allies took at the Washington Summit and the language on Ukraine in the declaration passed the test of seriousness in time of war.” Ann Marie Dailey argues that the document’s “bureaucratic, stilted language on a ‘bridge’ to NATO for Ukraine belies ongoing disagreement within the Alliance on Ukrainian membership, but the language on Russia underscores a united NATO assessment that Russia is a long-term, strategic threat.” Luka Ignac notes it is “significant that NATO has highlighted the deepening strategic partnership between Russia and the People’s Republic of China.”

 
 
 
 
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Memo to NATO Heads of State and Government: Why and How NATO Countries Should Engage in the Indo-Pacific

NATO allies have increasingly recognized the challenge posed by China. How can the Alliance more effectively engage in the Indo-Pacific?

In Memo to NATO Heads of State and Government, Matthew Kroenig and Jeffrey Cimmino propose a series of actions to bolster cooperation in the Indo-Pacific among transatlantic allies and partners, including: making clear diplomatic statements to deter China from disrupting peace and stability in the Taiwan Strait, developing new frameworks to stitch together transatlantic and Asian allies, and having NATO allies serving as an arsenal of democracy in the region by supporting the United States in the event of a conflict.

 
 
 
 
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The US and Europe Would Be Safer with Ukraine in NATO. Our War Games Showed Why. 

Russia’s war in Ukraine and Ukraine’s future relationship to the Alliance were front and center at NATO's Washington Summit. Would the free world be safer with Ukraine in the Alliance?

In The US and Europe Would Be Safer with Ukraine in NATO. Our War Games Showed Why, Matthew Kroenig and Kristjan Prikk discuss insights from a series of major tabletop exercises that brought together dozens of leading experts to examine future Russia-Ukraine conflict scenarios and their implications for Western security. The exercises produced one unequivocal result: Europe is more stable and secure with Ukraine in NATO.

 

 


 

How NATO Can Prove its Enduring Relevance at the Washington Summit

In a dangerous world, NATO’s role has never been more important. How can the Alliance adapt to today’s security challenges at a greater scale and speed? How can the Alliance overcome its “too little, too late” approach?

In How NATO Can Prove its Enduring Relevance at the Washington Summit, Giedrimas Jeglinskas proposes three sets of deliverables for the Washington Summit: providing Ukraine with a credible path to membership, committing to augmenting Ukraine’s warfighting capabilities to tip the balance on the battlefield, and increasing military spending.

 
 
 
 

sexta-feira, 12 de julho de 2024

Politica externa errática da Argentina, diminui o apoio à causa das Malvinas - Augusto Taglioni (Politica online)

Mondino culpa al embajador en la ONU por la pérdida de apoyo en la causa Malvinas
La Canciller le reprocha al embajador Lagorio haber fracasado en la última cumbre del C24. El diplomático mando un cable secreto alertando la situación.

Por Augusto Taglioni

Politica online, 11/07/2024 

https://www.lapoliticaonline.com/politica/furia-de-mondino-con-el-embajador-en-la-onu-por-la-perdida-de-apoyo-en-la-causa-malvinas/?s=09

La causa Malvinas se ha vuelto un problema para la gestión de Diana Mondino. El evidente abandono de la intensidad del reclamo por parte del gobierno y algunas las decisiones y alineamientos de política exterior amenaza con hacer perder apoyos históricos. 

Como reveló LPO en exclusivo, la última cumbre del Comité Especial de Descolonización de las Naciones Unidas (C-24) estuvo a punto de someter a votación el tema pero a última hora se logró alcanzar un documento consensuado. 

Sin embargo, hay países que hicieron saber su postura, pidieron la palabra y marcaron distancias. Las razones serían tres: el cambio de la política exterior argentina, la postura anti Agenda 2030 que enoja a los países caribeños que sufren el cambio climático y el alineamiento con Israel, especialmente el traslado de la embajada a Jerusalén, que aleja a los países árabes. 

Bronca en Cancillería porque Mondino no incluyó el tema Malvinas en el documento del Mercosur 

En este marco, Mondino dice que Lagorio fracasó en lograr los apoyos en el C24 y asegura que no cumplió con lo que había prometido durante la campaña para hacerse nombrar Embajador en Nueva York. 

Por su parte, el embajador responde que la culpa es la cancillería porque que no "le dan figuritas para cambiar en Naciones Unidas" y la pelea de Milei contra todos hace imposible su trabajo multilateral. 

"Se pelea con los árabes y varios países de Medio Oriente nos sacan el apoyo, se pelea con los países vecinos y éstos excluyen la cuestión Malvinas de la declaración del Mercosur, se pelean en la OEA por el cambio climáticos y -como reacción- los caribeños juegan para Reino Unido. Así es imposible, hacer mi trabajo bien. Tu DT hace los goles para los contrarios", afirman a LPO fuentes cercanas al embajador. 

En este marco, Lagorio escribió en un cable secreto dirigido a Mondino en donde sostiene que "varios países disminuyeron su nivel de apoyo debido a decisiones de política exterior argentina en otros asuntos que los afectan directamente".  

Se pelea con los árabes y varios países de Medio Oriente nos sacan el apoyo, se pelea con los países vecinos y éstos excluyen la cuestión Malvinas de la declaración del Mercosur, se pelean en la OEA por el cambio climáticos y -como reacción- los caribeños juegan para Reino Unido. Así es imposible, hacer mi trabajo bien. Tu DT hace los goles para los contrarios

En paralelo al pase de facturas entre Buenos Aires y su representante en la ONU, viene acompañado de una gestión eficiente de Reino Unido que mandó a los legisladores Kelpers a hablar en el C24 como peticionarios y representantes de Malvinas. Lagorio culpa por esto a Mondino por hablar en la campaña a favor de los isleños al plantear que "hay que escucharlos". 

Entre los países árabes que cambiaron su posición está Siria (país que históricamente apoya el reclamo argentino)  que se negó a apoyar an Argentina en Malvinas porque el gobierno de Milei ataca a Palestina "peor que los propios invasores israelíes". 

Una fuente diplomática que trabaja en el tema detalló a LPO que "en África, Sierra Leona rompió el histórico consenso en la Unión Africana y defendió el derecho a la libre determinación de los isleños. Antigua y Barbuda rompió el consenso de la Caricom al pedir por la autodeterminación de los isleños. Por primera vez desde su creación, la Celac no apoyó como grupo regional a la Argentina. Lo mismo sucedió con el Mercosur".

Entre los países árabes que cambiaron su posición está Siria, que se negó a apoyar an Argentina en Malvinas porque el gobierno de Milei ataca a Palestina "peor que los propios invasores israelíes

Esta fuente continúa: "Timor Oriental amenazó con agregar en la declaración la palabra "deseos" de los kelpers y expresó que ninguna solución podía ser alcanzada contra la voluntad de los isleños. Fiji sostuvo que en las "Falkland Islands" el "pueblo" ya había decidido su destino pero que lamentablemente la Argentina ignora sus deseos". 

Bronca en Cancillería por el silencio de Mondino ante el hallazgo de petróleo en la Antártida 

"Todos estos hechos muestran que a la política exterior para Malvinas hace agua por todos lados", completa. 

Según pudo saber LPO, Mondino quiere que Lagorio sea el chivo expiatorio del fracaso de estas negociaciones y le recuerda a los suyos que Lagorio era sciolista. 

Sin embargo, el embajador ya no oculta su bronca y le dice a las personas de confianza: "Si yo fuera el canciller, estas cosas no pasarían. La diplomacia es un arte que debe estar en manos de los diplomáticos. En el mundo multilateral las improvisaciones se pagan caro".


O primeiro golpe do Brasil: D. Pedro I contra a Constituinte de 1823 - livro de Ricardo Lessa (IAB)

O primeiro golpe do Brasil: 

D. Pedro I  contra a Constituinte de 1823

Livro de Ricardo Lessa (IAB)

Lançamento no IAB



Mercosul sem rumo - Rubens Barbosa (Editorial do portal Interesse Nacional)

Mercosul sem rumo

Reunião presidencial foi marcada pela ausência da Argentina e teve poucos avanços substanciais 

Rubens Barbosa *

Editorial do portal Interesse Nacional

12/07/2024

https://interessenacional.com.br/portal/mercosul-sem-rumo/

No domingo e na segunda-feira desta semana, o Mercosul realizou mais uma reunião presidencial, desta vez no Paraguai. O grupo regional, integrado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, está tão desprestigiado que, no domingo, enquanto realizava seu principal encontro semestral, os dois principais programas internacionais da TV brasileira, o Globo News Internacional e o WW Especial, trataram das eleições na França, no Reino Unido e no Irã (Globo) e nos EUA (CNN), ignorando solenemente o encontro regional.

A expectativa de resultados do encontro era baixa e a repercussão da reunião do Conselho do Mercosul ficou por conta da ausência do presidente argentino, Javier Milei, que preferiu apresentar-se em evento de partidos da direita sul-americana em Balneário Camboriú, em Santa Catarina. Sintomaticamente, somente dois presidentes deixam de comparecer a reuniões do Conselho no Mercosul: Milei e Bolsonaro.

‘Desde 2019, começaram os problemas políticos do Mercosul e as dificuldades para avançar em função dos enfrentamentos crescentes entre o Brasil e a Argentina’

Desde 2019, começaram os problemas políticos do Mercosul e as dificuldades para avançar em função dos enfrentamentos crescentes entre o Brasil e a Argentina. Primeiro, entre Bolsonaro e Fernández e agora, com sinais trocados, entre Lula e Milei.

No tocante à substância, foram poucos os avanços técnicos e internos no processo de fortalecimento do Mercosul. Não se chegou a acordo sobre o fortalecimento da secretaria executiva e sobre os meios para melhor equipar os diferentes grupos dentro da estrutura do Mercosul. 

Alguns avanços mais importantes não puderam ser aprovados em virtude da oposição argentina’

Alguns avanços mais importantes não puderam ser aprovados em virtude da oposição argentina, por uma decisão política contra as propostas nas áreas social e política, coerente com as manifestações de Milei, que prefere manter o Mercosul com foco nos temas econômicos e comerciais. Dessa forma, as propostas de gênero e Agenda 2030, com o plano de sustentabilidade global, apresentada pelo Brasil, e a do Paraguai de criar subgrupo de Comércio e Gênero foram bloqueadas.

O Brasil insistiu na necessidade de incorporar o setor automotivo e o açúcar no contexto negociador do Mercosul. Depois de 33 anos, esses dois importantes setores não foram ainda incluídos no contexto do grupo.

‘A Argentina defendeu que o Mercosul deveria poder negociar acordos de comércio de forma bilateral, contrariando a letra e o espírito do Tratado de Assunção’

A Argentina, fazendo eco à proposta do Uruguai, defendeu que o Mercosul deveria poder negociar acordos de comércio de forma bilateral, contrariando a letra e o espírito do Tratado de Assunção. Não está claro o objetivo argentino com a proposta, que na prática inviabilizaria o Mercosul, levando em conta a importância que o grupo regional tem para a economia argentina. A exemplo do que ocorreu com a ideia do Uruguai, a proposta argentina não deverá prosperar.

De positivo, registrou-se o revigoramento do Fundo de Convergência Estrutural para financiamento de projetos do âmbito do grupo, sobretudo no Paraguai e no Uruguai (FOCEN) com o Brasil fazendo pagamento da sua contribuição, inclusive a atrasada.

Foram mencionados avanços na conclusão de negociações de acordos comerciais de menor importância com Cingapura, a entrada em vigências do acordo com a Palestina e o início das negociações, sob a coordenação do Brasil, com a República Dominicana. O Panamá manifestou interesse em abrir negociações igualmente com o Mercosul. Com a União Europeia, fez-se referência sobre a expectativa de concluir as negociações que se arrastam a mais de 20 anos.

‘Foi anunciada a incorporação plena da Bolívia no Mercosul e o pedido do Panamá para negociar acordo de livre comércio com o grupo’

Foi anunciada a incorporação plena da Bolívia no Mercosul e o pedido do Panamá para negociar acordo de livre comércio com o grupo. A Bolívia terá um prazo de quatro anos para incorporar na sua legislação interna as regras do Mercosul, o que dificilmente ocorrerá, mas a partir de agora deverá participar dos encontros de todos os grupos e conselhos do Mercosul com direito a se manifestar.

Por evidentes diferenças políticas entre os membros do subgrupo regional, não houve acordo para incluir qualquer referência sobre a Venezuela, membro suspenso do Mercosul, às vésperas das eleições presidenciais tendo como pano de fundo a ameaça de ataque à Guiana.

‘As diferenças ideológicas e as dificuldades econômicas na Argentina têm impedido que o grupo regional se fortaleça institucionalmente e se projete como um parceiro sério no cenário comercial global’

Como tem acontecido nos últimos anos nas reuniões presidenciais do Mercosul, as diferenças ideológicas e as dificuldades econômicas na Argentina têm impedido que o grupo regional se fortaleça institucionalmente e se projete como um parceiro sério no cenário comercial global. O bloco esta, na prática, paralisado e sem perspectivas a médio e longo prazo.

Do ponto de vista do Brasil, a ausência de uma clara estratégia comercial é compensada por iniciativas na área social e política, sem maior relevância do ponto de vista dos objetivos econômicos do bloco. 

A entrada da Bolívia como membro permanente do Mercosul vai introduzir um complicador adicional. Se com quatro membros já é difícil formar consenso, com cinco ou seis será praticamente impossível. O silêncio sobre a situação na Venezuela e o risco de uma eleição mais uma vez manipulada no fim do mês mostra a paralisia institucional e as fragilidades do grupo para chegar a consensos no campo político.

* Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.

Ex-chanceler acidental de Bolsonaro se reciclou como animador de cursinhos da ultra-direita

 Patético: o ex-chanceler acidental do ex-presidente falastrão, ao ter sido afastado de qualquer chance de retornar à diplomacia ativa desde sua estrepitosa saída do Itamaraty em marco de 2021 — talvez conte com uma vitória da direita de volta ao poder em 2026, para retomar a carreira — está reduzido a vender cursinhos improvisados de política internacional, na falta de algo melhor para fazer.

Poderia escrever suas memórias: “Como eu destruí o Itamaraty a serviço de amadores em política externa”.se quiser subsídios sobre o desmantelamento da diplomacia brasileira, pode buscar nos cinco livros que eu produzi sobre sua estarrecedora gestão a serviço do bolsolavismo diplomático, desde “Miséria da Diplomacia: a destruitda inteligência no Itamaraty” (2019), até “Apogeu e Demolição da Politica Externa” (2021), passando por três outros livros disponíveis no Kindle-Amazon.

Paulo Roberto de Almeida 

11/07/2024

Anúncio de cursos online de política por Ernesto Araujo:

“Afinal, o que realmente está acontecendo na França? Qual é a estratégia de Macron?

Torne-se um assinante da Academia Folha Política e tenha acesso a todas as aulas semanais ao vivo, além das mais de 100 aulas anteriores: academiafolhapolitica.org/fazerparte

Inscreva-se gratuitamente no canal da Academia Folha Política no Youtube: youtube.com/@academiafolha…”


Ex-chanceler virtual de Bolsonaro, chefe do chanceler acidental, permanece preso - Paolla Serra (O Globo)

 Operadora de telefonia envia a Moraes localização de aliado de Bolsonaro que tenta comprovar que não fugiu para os EUA

Investigado por elaborar uma suposta minuta golpista, Filipe Martins está preso preventivamente desde fevereiro

Por  — Brasília


A operadora de telefonia Tim encaminhou ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), a geolocalização de Filipe Martins, ex-assessor do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), mostrando que ele esteve no Paraná e em Brasília, no final de 2022. Martins tenta provar ao magistrado que não viajou a bordo do avião do governo brasileiro, burlando o sistema migratório dos Estados Unidos, nesse mesmo período.

    O documento foi juntado na tarde desta quarta-feira ao inquérito em que Martins é investigado. O ex-assessor de Assuntos Internacionais foi preso preventivamente pela Polícia Federal, em 8 de fevereiro deste ano, durante a deflagração da Operação Tempus Veritatis, que apurava uma suposta organização criminosa que teria atuado para manter Bolsonaro no poder por meio de uma tentativa de golpe Estado e abolição do Estado Democrático de Direito. 

    A trama, segundo o inquérito, teria envolvido a entrega da minuta e a preparação para realizar um golpe de Estado “com apoio de militares com conhecimentos e táticas de forças especiais em ambiente politicamente sensível".

    De acordo com o relato da delação premiada de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Martins elaborou uma suposta minuta golpista após o resultado das eleições em 2022 que previa a prisão de Moraes e uma intervenção no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). De acordo com informações levantadas pela PF, o ex-assessor esteve no Alvorada nos dias 18 de novembro e 16, 20 e 21 de dezembro de 2022.


    quinta-feira, 11 de julho de 2024

    Parlamento do BRICS+: uma proposta oportunista de Putin - Paulo Roberto de Almeida

    Putin propõe um ‘Parlamento’ para o Brics+

      

    Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

    Nota sobre uma proposta de Putin e seu aspecto manipulativo. 

     

    Hoje no Mundo Militar, 11/07/2024: 

    “Vladimir Putin disse hoje que pretende criar um "parlamento para o BRICS". O objetivo é acelerar o processo de transformação do BRICS em um bloco antiocidental de países, liderado pela Rússia e pela China, para enfrentar o bloco liderado pelos EUA e Europa, com o Brasil inserido no bloco russo-chinês.”

    Link: https://x.com/hoje_no/status/1811410042165338238?s=08

     

    Comentário de Paulo Roberto de Almeida:

    A realidade é que o BRIC original NUNCA correspondeu a uma coordenação política pensada estrategicamente pelas quatro diplomacias originais como perseguindo objetivos legítimos, convergentes, propositivos, visando desenvolvimento econômico e social, dento do espírito e da letra da Carta das Nações Unidas, de quatro grandes economias não ocidentais. Entre 2006 e 2009, funcionou em nível ministerial, entre os quatro membros iniciais (Brasil, Rússia, China e Índia), a partir de 2009 em nível de cúpula. A África foi introduzida em 2011 pelas mãos da China, para atender a seus objetivos africanos. 

    Ele tinha sido concebido, na origem, por um economista de banco de investimentos, com base num mero estudo de caráter não diplomático, mas como plataforma para investimentos, visando metas puramente financeiras. 

    Sua ideia foi usada pelos chanceleres de quatro governos que possuíam suas próprias metas nacionais, mas é evidente que as duas grandes autocracias, já exibindo desacordos com uma suposta “hegemonia ocidental”, buscaram transformá-lo num grupo diplomático, de maneira oportunista, para atender a objetivos nacionais, segundo seus próprios critérios geopolíticos, diplomáticos, talvez militares. 

    Não existe um ÚNICO acordo econômico-comercial entre os cinco membros da era BRICS, mas criaram, em 2014, um banco de fomento a investimentos em infraestrutura (o que os demais bancos multilaterais podem fazer, ou fundos institucionais ou o mercado de capitais, talvez com critérios de eligibilidade próprios às grandes empresas chinesas, pois o banco tem sede em Xangai), e um fundo de socorro emergencial que não foi ainda testado. 

    Sua ampliação em 2023 para cinco novos membros (o BRICS+, agora com países alinhados a uma visão mais propriamente russo-chinesa do mundo) adota uma outra visão diplomático-estratégica, que talvez não seja mais aquela que prevalecia nos anos 2000.

    A proposta atual de Putin de se instituir um Parlamento do Mercosul representa um passo a mais no sentido de formalizar o grupo de dez (ou mais países) como um instrumento a mais na panóplia de ativos suscetíveis de serem mobilizados para declarações convergentes com os objetivos diplomáticos das duas grandes autocracias. 

    Cabe agora verificar se países dotados de objetivos próprios no cenário internacional, e ciosos de sua autonomia própria no domínio das políticas externas nacionais (como Brasil e Índia), vão alinhar-se aos interesses de um império expansionista, que conduz atualmente uma guerra de agressão, e a outro país decisivo no terreno comercial e tecnológico, que pode dar início a uma nova guerra de agressão.” 

    Paulo Roberto de Almeida, diplomata e professor.

     

    Paulo Roberto de Almeida

    Brasília, 4701, 11 julho 2024, 2 p.


    A irrelevância do Mercosul - Editorial (O Estado de S. Paulo)

     A irrelevância do Mercosul

    O Estado de S. Paulo | Internacional
    Editorial, 11 de julho de 2024

    Em uma reunião de cúpula do Mercosul, cuja principal notícia é a ausência de um dos chefes de Estado, o argentino Javier Milei, retrata perfeitamente a insignificância do bloco sul-americano.

    O acirramento de divergências ideológicas que colocam interesses políticos dos líderes de alguns dos sócios do Mercosul acima dos objetivos do bloco econômico deu a tônica de um encontro com declarações vazias e um documento final anódino. Diante de desafios maiores, perdeu todo o bloco.

    Não é de hoje que o Mercosul falha em sua missão de colocar os países-membros Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e agora Bolívia - em destaque no mercado global, o que, sem dúvida, atravanca o desenvolvimento regional. Criado há mais de 30 anos, o bloco deveria estimular o livre-comércio e defender a democracia. Mas, nos últimos tempos, chefes de Estado duelam por pautas estranhas aos objetivos de longo prazo do Mercosul para agitar suas militâncias internas.

    Prova mais recente disso é que Milei preferiu viajar a Balneário Camboriú (SC) para participar de um convescote da extrema direita ao lado do ex-presidente Jair Bolsonaro, que quando era presidente também faltou à cúpula do Mercosul por pura picuinha. Estivesse à altura do cargo que ocupa, o argentino teria apresentado as suas propostas aos seus pares. Coube à sua chanceler, Diana Mondino, pedir reformas para que o bloco deixe de ser 'pequeno, medroso, protecionista e estagnado' e se torne mais 'voraz'. Está certíssima.

    Milei perdeu, ainda, a chance de se alinhar ao presidente uruguaio, Luis Alberto Lacalle Pou, na defesa de negociações bilaterais entre integrantes do Mercosul com outros blocos ou países. Antes isolado na empreitada, o Uruguai pede a revisão das regras do bloco para que venha a firmar acordos comerciais com a China. O posicionamento de Brasil e Argentina sempre tem peso, haja vista que se trata dos dois maiores países do bloco.

    Resistente a qualquer proposta de Milei, o presidente Lula da Silva afirmou, por sua vez, que os países devem resolver suas diferenças 'dentro do bloco, e não fora dele'. O que o petista rejeita mesmo é um 'choque de adrenalina' no Mercosul, como o defendido por Mondino, com revisão do orçamento, das tomadas de decisão e da dinâmica interna. O petista tachou a ideia de 'pseudorreforma' que 'afasta o Mercosul de suas bases sociais'.

    Em que pesem os nós do Mercosul, o petista, mais uma vez, apequenou o debate com manifestações calculadas apenas para atiçar a polarização com o desafeto argentino. Em discursos, Lula da Silva criticou o 'ultraliberalismo' e o 'nacionalismo arcaico', como se sua saga pelo desenvolvimentismo não representasse a perseverança no atraso.

    No que realmente importa, como o destravamento do acordo comercial Mercosul-União Europeia, parado há mais de 20 anos, o petista não admitiu o fracasso da suposta liderança que chamou para si. Enquanto isso, por esforços diplomáticos, o bloco vai buscando acordos pouco relevantes com países do Oriente Médio, América Central e Ásia. Entre discursos e comunicados, restaram contradições e muito diversionismo, o que só explicitou a irrelevância do Mercosul.

    terça-feira, 9 de julho de 2024

    Uma política externa para o mundo atual- Rubens Barbosa (Estadão)

     Opinião:

     Uma política externa para o mundo atual

    A visão de que estava havendo a restauração de uma política externa ativa e altiva minimizou ou ignorou as mudanças pelas quais o Brasil, a América do Sul e o mundo estão atravessando

    Por Rubens Barbosa 

    O Estado de S. Paulo, 09/07/2024 | 03h00

    O Brasil voltou. O presidente Lula da Silva, no início de seu governo, repetiu essa afirmação como o recomeço da política externa depois de um período, no governo anterior, em que as atitudes e posições brasileiras isolaram o País e o então Brasil foi visto como um pária no cenário internacional. A visão de que estava havendo a restauração de uma política externa ativa e altiva, como caracterizada nos dois primeiros mandatos, minimizou ou ignorou as mudanças e transformações pelas quais o Brasil, a região sul-americana e o mundo estão atravessando. Sem falar nos desafios e nos riscos para perseguir as novas oportunidades que estão se abrindo ao País.

    No Brasil de 20 anos depois da primeira eleição de Lula, o País está dividido e polarizado, sem lideranças em todos os setores da sociedade, sem partidos políticos com programas definidos, com o Congresso e o Judiciário com poderes e com voz amplificadas e o Banco Central independente. As prioridades políticas, econômicas, sociais e de defesa mudaram.

    No âmbito regional, a América do Sul, com crescente criminalidade, pesada burocracia e grave déficit educacional está mais desintegrada, mais empobrecida e mais marginalizada. As crises na Argentina e na Venezuela têm impacto sobre o Brasil. Tornaram-se flagrantes a ausência de liderança do Brasil e o aumento da presença de potências extrarregionais, como a China.

    No contexto global, além da crescente rivalidade entre a China e os EUA, as guerras na Europa, entre a Rússia e a Ucrânia, e no Oriente Médio, entre Israel e o Hamas, com o risco de escalada, colocam riscos para o Brasil. Potências regionais, como Índia, Turquia, Indonésia e os países do Golfo, defendem seus próprios interesses e escolhem suas parcerias dependendo do que está em jogo. Mesmo em questões de grande visibilidade e envolvimento dos EUA, como o apoio à Ucrânia em sua luta contra a Rússia, a percepção é de que se trata de problema ocidental, sem interesse para o não Ocidente. Na medida em que uma nova ordem começa a se configurar, surge a competição sobre o que vai substituí-la.

    Finalmente, a ordem internacional baseada em regras negociadas em instituições internacionais criadas depois de 1945, como as Nações Unidas, o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (Gatt) e agora a Organização Mundial de Comércio (OMC), o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, perderam força. As regras baseadas nessa ordem internacional continuam a existir, mas as instituições estão paralisadas por ações individuais ou por desacordos entre seus membros. Discute-se uma nova governança global. Em comércio e política industrial, até os EUA estão implementando políticas antiglobalização, condenadas no passado e que penalizaram países, como o Brasil.

    Depois de um ano e meio de governo, apesar da correta definição das principais prioridades na área externa (presença do Brasil no cenário internacional, meio ambiente e mudança de clima e América Latina), poucos avanços concretos – que estariam beneficiando o Brasil – podem ser identificados.

    Nesse cenário, os principais elementos de uma política externa, adequada para o mundo de hoje, deveriam incluir, entre outras, as seguintes linhas de atuação:

      - Voltar a ser uma política de Estado, com visão de médio e longo prazo, sem influências ideológicas ou partidárias.

    - Manter equidistância e independência na defesa do interesse nacional, sem tomar partido ou lado nos conflitos e confrontações que ocorrem hoje no cenário global.

    - A voz do Brasil, como potência média global, deve ser ouvida nos vários tabuleiros e fóruns internacionais, sem alinhamento automáticos, reconhecendo, porém, suas limitações, pela ausência de excedente de poder, para influir em temas cujos resultados dependem de outros interesses.

    - As prioridades definidas pelo atual governo na área externa deveriam ser implementadas com políticas que efetivamente representem interesses do País: na América do Sul, assumir a liderança com propostas concretas (melhorar infraestrutura como estratégia de abertura para a Ásia; criação de cadeias produtivas globais para atração de investimentos, defesa da democracia e as relações com a Argentina e Venezuela); no comércio exterior, visando à redução das vulnerabilidades, com a diversificação de mercados e de produtos e a negociação de novos acordo de livre comércio, a finalização dos acordos com a União Europeia e a área de livre comércio na Europa e a abertura de conversação dos diferentes grupos econômicos e comerciais com a Ásia.

    - O Itamaraty deveria recuperar sua competência de coordenação interna em relação às ações externas em áreas como meio ambiente, mudança de clima, negociações comerciais e temas globais (em especial, democracia, direitos humanos, mudança de clima, defesa e segurança).

    Do ponto de vista do Brasil (não de um partido político), a política externa deve visar a maior e mais consistente presença do Brasil no mundo e a benefícios concretos para o comércio exterior e aos investimentos que ajudem o crescimento da economia, com o fortalecimento da indústria, a diversificação do mercado externo para produtos agrícolas, o aumento da renda interna, a redução das desigualdades regionais e individuais, a segurança e a defesa.

    PRESIDENTE DO IRICE, FOI EMBAIXADOR EM WASHINGTON E LONDRES https://www.estadao.com.br/opiniao/rubens-barbosa/uma-politica-externa-para-o-mundo-atual/ 

    sábado, 6 de julho de 2024

    Um outro tipo de genocídio: o nuclear - Putin e Mdevedev e o bombardeio nuclear da Ucrânia

     Putin e Mdvedev transformaram os russos em criminosos nucleares potenciais, voltados para a eliminação radical da resistência ucraniana contra a sua guerra de agressão. A deformação coletiva é algo inédito na história da humanidade.

    Paulo Roberto de Almeida 

    ⚡️Poll: More and more Russians think a nuclear strike on Ukraine is justified.

    One in three Russians believe a nuclear strike against Ukraine would be justified, according to research from the Levada Center, a Russian independent polling organization. 

    https://kyivindependent.com/more-and-more-russians-think-a-nuclear-strike-on-ukraine-is-justified/

    quinta-feira, 4 de julho de 2024

    The Countries Sending the Most Remittances Abroad - Visual Capitalist

     Ranked: The Countries Sending the Most Remittances Abroad   Want more content like this with daily insights from the world’s top creators? ⁠See it first on the 

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    O mito do poderio militar de Rússia e China - Paul Dibb (World At War)

    CAN CHINA WIN A WAR AGAINST THE US!

    Paul Dibb, The Strategist

    World At War, July 3, 2024

    Everyone thought that Russia would take Kyiv within a few days. Now voices are being raised that China would win a war against the US..........

    China’s military strength is entirely unproven in practical terms and, like its ally Russia, China has serious military weaknesses.

    Western intelligence analysts and policymakers have consistently overrated Russia’s and the Soviet Union’s military strengths. And precisely the same mistakes are now being made about China’s PLA.

    When the adversary is a totalitarian state it is easier to make judgements based on quantitative assessments of counting weapons—tanks, jet fighters, and missiles—and raw manpower, rather than on the qualitative and psychological characteristics that often determine the military’s performance on the battlefield.

    It is easy to concentrate on the material strengths of both China and Russia that can be counted by overhead means of intelligence, while neglecting crucial intangibles such as the quality and experience of their troops.

    One of the most serious intangible defects of China’s and Russia’s military forces is that they lack a critical mass of professionally trained NCOs. The dearth of professional non-commissioned officers means that totalitarian armies are unable to fight effectively because NCOs provide the vital link between officers and soldiers about battlefield decision-making.

    Russia and Chinas military have rigid and fragmented command and control structures because the political leadership does not trust the military leadership, and the military does not trust the rank-and-file. Such systems fail to successfully share information, discourage initiative, and prevent battlefield lessons from informing strategy or being incorporated into future military doctrine.

    China has no practical combat experience worth talking about. Its last serious use of force overseas was in 1979 when it sought to teach Vietnam a lessonand failed miserably.

    I am very doubtful that China will be able to win a war against the US. The US also has allies in the region and if Japan, Australia, South Korea and the Philippines side with the US, China will have a very tough time.

    Source: The Strategist, Paul Dibb, Professor Zoltan Barany of the University of Texas.

    aspistrategist.org

    A volta do Ministério do Vai Dar M... - Paulo Celso Pereira (O Globo)

    A volta do Ministério do Vai Dar M...

    Episódios nebulosos têm provocado ‘déjà- vu’ em quem acompanhou de perto escândalos das últimas gestões petistas

    Paulo Celso Pereira

    O Globo, 03/07/2024 

    A ideia foi imortalizada no primeiro governo Lula, por sua pertinência e autoria: deveria ser criado um Ministério do “Vai dar Merda”. A proposta vinha de Chico Buarque, entusiasta da chegada do PT ao poder, temeroso do desgaste que os tropeços poderiam causar ao projeto de esquerda. Passados 18 meses de seu terceiro mandato, Lula deveria pensar seriamente na sugestão.

    Nos últimos meses, uma série de episódios nebulosos tem provocado déjà-vu em quem acompanhou de perto os escândalos das últimas gestões petistas. Primeiro, foram as acusações contra o ministro Juscelino Filho, indiciado por organização criminosa, lavagem de dinheiro e corrupção passiva. Trata-se de um clássico do patrimonialismo nacional: quando era deputado, ele destinou emendas para construir estradas no Maranhão que beneficiaram propriedades suas e de sua família.

    No celular do empreiteiro responsável pela obra, a Polícia Federal identificou uma troca de mensagens em que Juscelino pede ao empresário que realize depósitos para terceiros, e este responde com os comprovantes dos repasses. Numa conversa paralela, o empreiteiro diz que o valor seria descontado da obra de pavimentação. Apesar dos indícios, Lula optou por não demitir o aliado.

    Para auxiliares, Lula espera que Juscelino tome a iniciativa de deixar o governo

    O caso de Juscelino é apenas o mais avançado. Em meio à tragédia do Rio Grande do Sul, o governo decidiu importar 263 mil toneladas de arroz. O leilão foi vencido por empresas que faziam de tudo, menos trabalhar com o cereal — eram de locação de veículos, produção de queijos e polpas de fruta. As vendas seriam parcialmente intermediadas por companhias de um ex-assessor do secretário de Política Agrícola do governo federal. Foi preciso o escândalo dominar as redes sociais para o Planalto cancelar a compra.

    Não foi a única movimentação nebulosa envolvendo a tragédia gaúcha. No último domingo, o colunista do GLOBO Lauro Jardim revelou que um grão-petista, o ex-presidente da Câmara Marco Maia, tem visitado prefeituras sugerindo a contratação de certas empresas para tocar obras emergenciais. Ele integra a equipe de Paulo Pimenta na Secretaria de Reconstrução do RS. Maia foi alvo de delações na Operação Lava-Jato, e seu processo foi arquivado por falta de provas.

    O grupo dos reabilitados da Lava-Jato que voltaram a flanar em Brasília é grande. Os irmãos Joesley e Wesley Batista, que de investigados se converteram em bombásticos delatores, estão com tudo. Semanas atrás, chamaram a atenção por um lance intrigante. Arremataram, por R$ 4,7 bilhões, 12 usinas térmicas da Eletrobras na região amazônica. Elas estavam à venda havia um ano, mas não despertavam interesse de nenhum grupo. O motivo: a principal cliente delas é a distribuidora Amazonas Energia, que está inadimplente, com dívida acumulada de R$ 9 bilhões. O mercado só compreendeu a decisão dois dias depois, quando o governo editou uma Medida Provisória para socorrer a Amazonas Energia, cobrindo os pagamentos que ela deveria fazer às usinas recém-compradas pelos Batistas. Os custos da operação serão pagos por todos os consumidores.

    Até mesmo a Secretaria de Comunicação da Presidência, que deveria trabalhar para melhorar a imagem do governo, passou a desgastá-la. Na semana passada, o Tribunal de Contas da União identificou indícios de “graves irregularidades” na licitação que contratou quatro empresas de assessoria e gestão de redes sociais. O resultado do pregão, com gastos de até R$ 197,7 milhões, era conhecido antes da abertura dos envelopes.

    Os seguidos escândalos que atingiram os governos Lula e Dilma foram o principal motor do antipetismo que viceja no país. Ainda que Lula evite o tema, passar a impressão de que há preocupação com o combate à corrupção é importante para um pedaço do eleitorado que o apoiou em 2022 e foi determinante para derrotar Bolsonaro. A onda recente de casos heterodoxos mostra que, se nada for feito, o governo terá apostado mais na sorte que na sensatez para não ser atingido por um grave escândalo. Depois, não adianta culpar o juiz.


    Por que as pessoas acredtam em FakeNews? - Steven Pinker (Estadão)

     Por que as pessoas acredtam em FakeNews? 

     Steven Pinker

    https://www.estadao.com.br/saude/por-que-as-pessoas-acreditam-em-fake-news-psicologo-steven-pinker-responde/

    RIO DE JANEIRO* - O psicólogo e linguista canadense Steven Pinker decidiu que queria ensinar e escrever sobre racionalidade humana. A ideia era falar sobre ferramentas como lógica, probabilidade, estatística, teoria da escolha racional, teoria dos jogos, correlação e causalidade. No entanto, as pessoas estavam interessadas em outra coisa. “Elas queriam saber por que o mundo estava enlouquecendo”, conta ele, que é professor da Universidade Harvard, autor do best-seller Enlightenment Now: The Case for Reason, Science, Humanism, and Progress (O novo Iluminismo: Em defesa da razão, da ciência e do humanismo, no título em português) e já foi considerado, mais de uma vez, uma das 100 pessoas mais influentes do mundo pela revista Time.

    “Por que as pessoas acreditam em teorias da conspiração? Notícias falsas? Em tratamentos médicos malucos, como a homeopatia, mas ao mesmo tempo negam as vacinas? Por que as pessoas acreditam em percepção extra-sensorial? Clarividência? Ver o futuro e vidas passadas? É nisso que as pessoas estão realmente interessadas, não tanto em por que somos ruins em probabilidade e estatísticas”, disse ele neste sábado, 29, durante participação no Congresso Brain 2024: Cérebro, Comportamento e Emoções, realizado no Rio de Janeiro entre os dias 26 e 29 de junho.

    Ele segue aconselhando que as pessoas se dediquem às ferramentas básicas, no entanto, lançou-se ao desafio das questões com as quais foi confrontado. “São vários motivos, não apenas um”, fala.

    Entre eles, algumas crenças ou “intuições” humanas, como dualismo (“acreditamos que cada humano tem um corpo e uma mente”), essencialismo (“pensamos que os seres vivos têm algum tipo de substância invisível ou química neles que os torna vivos, que lhes dá forma e poderes”) e teleologia (tudo o que fazemos tem uma razão/propósito), mas, para Pinker, o mais importante é o que ele chama de tribalismo político.

    Poucas pessoas mudam de opinião por causa das notícias falsas. As notícias falsas reforçam os preconceitos políticos delas”, afirma. “As pessoas se dividem em setores, tribos ou coalizões, e as ideias que acreditam não são as ideias que são verdadeiras, mas as ideias que fazem a coalizão delas parecer mais inteligente, mais competente, mais moral e nobre do que as outras tribos.”

    E é por isso que ele lança o seguinte desafio, que pode parecer óbvio, mas, segundo ele, contra intuitivo para a natureza humana: “você deve acreditar apenas em coisas para as quais há evidências, para as quais há uma boa razão para acreditar que são verdadeiras”.

    “Cheguei à conclusão de que essa é a ideia mais radical na história humana”, afirma. “É uma boa lição moral para os jovens: a ideia de que você pode estar errado. Você deve deixar os fatos dizerem o que é certo e errado. Esta é uma ideia muito estranha, exótica, não natural, mas é uma ideia importante, e acho que temos que apoiar a ideia de que somos ignorantes sobre a maioria das coisas.”

    (…)

    Erdogan, o “pacificador”, rejeitado por Putin (Kyiv Independent)

     Erdogan talvez tenha recebido a mais desprezível rejeição de sua breve carreira como candidato a bons oficios. Putin não está interessado em qualquer proposta de paz; ele só quer impor a sua vontade. PRA

    “ ⚡️Erdogan offers to mediate peace talks, Kremlin rules out the idea.

    At the Shanghai Cooperation Organization summit in Kazakhstan, Turkish President Tayyip Erdogan proposed to Russian President Vladimir Putin that Turkey could help mediate an end to the war.

    Putin's spokesperson, Dmitry Peskov, rejected the idea, stating that Erdogan could not serve as an intermediary, without giving specific reasons.”

    From: Kyivindependent _official

    July 3, 2024