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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

quinta-feira, 18 de julho de 2024

Por que a indústria brasileira encolheu tanto? - Edmar Bacha (Valor)

 Por que a indústria brasileira encolheu tanto?

De Edmar Bacha

Valor, 27/07/2024

 

Desindustrialização precoce e doença holandesa não explicam o fenômeno: é necessário buscar uma explicação alternativa

 

Entre 1995 e 2022, a participação da indústria de transformação na economia brasileira desabou. Em preços constantes, em 1995 ela respondia por 14,5% do PIB, mas em 2022 somente por 9,3%, uma queda maior do que cinco pontos de percentagem (pp). O que explica esse enorme encolhimento?

A literatura econômica brasileira oferece basicamente duas explicações. No jargão dos economistas, elas têm os apelidos de desindustrialização precoce e doença holandesa.

Desindustrialização precoce origina-se na observação de economistas que a parcela da indústria no PIB tem a forma de um U-invertido à medida que a economia se desenvolve. Em países pobres, essa parcela é pequena, devido à preponderância de atividades agrícolas. Em países de renda média, ela cresce à medida que ocorre a industrialização. Em países de renda alta, a parcela da indústria volta a se reduzir pois, com a urbanização, os serviços de modo geral ganham peso.

O que se observa desde o último quartel do século XX, e não somente no Brasil, é que muitos países tendem a se desindustrializar precocemente, ou seja, mais cedo do que antes. As explicações variam, mas em geral têm a ver com a importância que a terceirização adquiriu, mais o desenvolvimento de serviços de alta tecnologia, e a globalização que tendeu a concentrar as atividades manufatureiras na China.

Como avaliar a importância da hipótese da desindustrialização precoce como explicação para a desindustrialização brasileira entre 1995 e 2022? Uma possibilidade é comparar sua evolução com a que ocorreu nos países da OECD. Esses países têm uma renda per capita em média três vezes maior do que a do Brasil. Portanto, são países ricos que deveriam estar se desindustrializando, digamos assim, naturalmente — de acordo com a hipótese do U invertido entretida pelos economistas. Se o Brasil os acompanha, é porque estaria tendo uma desindustrialização precoce.

A surpresa, entretanto, é que a desindustrialização dos países da OECD foi muito pequena. Em 1995, em preços constantes, a parcela da indústria no PIB da OECD era 14,3%. Em 2022 ela caiu apenas para 13,8%. Portanto, uma desindustrialização de 0,5 pp, dez vezes menor do que os cinco pp observados no caso brasileiro.

Estatisticamente, calculamos que para cada 1 pp de desindustrialização na OECD ocorre uma desindustrialização de 1,6 pp no Brasil. Como a OECD se desindustrializou em 0,5 pp, ela consegue explicar apenas 0,8 pp da desindustrialização brasileira entre 1995 e 2022.

De acordo com este teste, a tese da desindustrialização precoce não parece explicar grande coisa da desindustrialização brasileira.

O que dizer sobre a doença holandesa? A expressão foi popularizada pela “The Economist” em 1977, para retratar o encolhimento da indústria da Holanda como consequência da descoberta de ricos depósitos de gás natural naquele país. Transplantada para o contexto brasileiro, a ideia é que um aumento das receitas provenientes de recursos naturais gera um auge exportador que fortalece o real face ao dólar. Esse fortalecimento reduz os preços em reais dos produtos manufaturados importados e dificulta a exportação dos produtos manufaturados locais. Em consequência, a indústria de transformação se encolhe.

Esse fenômeno foi sem dúvida importante entre 2005 e 2011, quando houve um enorme aumento dos preços dos produtos agrícolas e minerais exportados pelo Brasil, acrescido do efeito da descoberta do pré-sal que, antes mesmo de se materializar em novas exportações, provocou um grande influxo de capitais externos para o país. Em artigo de 2013, calculei que essa bonança externa, por seu efeito sobre a valorização do real face ao dólar, poderia explicar inteiramente a desindustrialização brasileira entre 2005 e 2011. Ou seja, nesses anos, a doença holandesa foi um fator importante para a desindustrialização. Mas é isso também válido para o período inteiro, entre 1995 e 2022? A resposta é negativa.

Para chegar a essa conclusão, utilizamos como indicador da doença holandesa a evolução das relações de troca do país — os preços das exportações em relação aos preços das importações —, já que o grosso das exportações brasileiras são bens primários, enquanto o grosso das importações são bens manufaturados.

Medida pelas relações de troca, a doença holandesa aparece com força entre 2005 e 2011, mas, fora desse intervalo, as relações de troca flutuam: para baixo entre 1995 e 1999,

constantes entre 1999 e 2005, para baixo de novo entre 2011 e 2016 e com tendência de alta a partir de então. Calculamos que, entre 1995 e 2022, as relações de troca aumentaram em cerca de 30%. Quanto essa melhoria poderia explicar da desindustrialização no período?

Estatisticamente, estimamos que para cada 10% de aumento das relações de troca ocorre uma desindustrialização de 0,27 pp. Ou seja, os 30% de melhoria das relações de troca entre 1995 e 2022 explicariam não mais do que 0,8 pp da desindustrialização no período. Assim, a doença holandesa também não dá conta de parcela relevante da desindustrialização brasileira.

Precisamos, portanto, buscar uma explicação alternativa para o encolhimento da indústria brasileira.

Observe-se inicialmente que podemos escrever a parcela da indústria no PIB em preços constantes como o produto de duas variáveis: produtividade relativa da indústria (valor adicionado por trabalhador na indústria como proporção do PIB por trabalhador) e parcela do emprego industrial no emprego total. Trata-se de mera identidade. Mas traz em si a possibilidade de uma explicação alternativa para a desindustrialização.

É que a parcela do emprego industrial no emprego total pouco varia entre 1995 e 2022. Assim, estatisticamente, a evolução da parcela da indústria no PIB está intimamente associada à da produtividade relativa da indústria.

Então, a próxima pergunta é: o que ocorreu com a produtividade relativa da indústria? A resposta, a esta altura não surpreendente, é que ela desabou! Em 1995, a produtividade da indústria era 84% maior do que a da média da economia. Em 2023, após sucessivas quedas, esse excedente se reduziu para apenas 12%. Ao invés de ser o motor da economia como outrora, a produtividade da indústria foi a que menos cresceu entre os 12 setores das contas nacionais; na verdade nem crescer ela cresceu, pois a produtividade da indústria foi mais baixa em 2022 do que em 1995!

Então, esqueçam-se de desindustrialização prematura, doença holandesa ou que mais seja, o problema a ser desvendado não é porque a parcela da indústria do PIB caiu, mas sim porque a produtividade relativa da indústria desabou. O problema é esse, mais complexo.

Ainda não temos uma resposta completa para essa evolução: as análises disponíveis na literatura somente dão pistas sobre o que ocorreu, que não convergem para uma conclusão definitiva.

Mas é pertinente observar que a imagem espelhada da enorme queda da produtividade relativa da indústria entre 1995 e 2022 foi um extraordinário aumento da produtividade relativa da agricultura. Em 1995, a produtividade relativa da agricultura era apenas 22% da produtividade média da economia; desde então, não parou de crescer: em 2023, já era igual a 94% da média.

O que a indústria perdeu em produtividade relativa, a agricultura ganhou (pois, tomada em conjunto, a produtividade relativa dos demais setores da economia ficou praticamente a mesma). Como a indústria convergiu de cima para a média, a agricultura convergiu de baixo para a média, e a média pouco saiu do lugar, uma hipótese é que, num quadro de relativa estagnação produtiva, o país teria apenas presenciado um processo de catch-up da agricultura em relação à produtividade da indústria. A agricultura se modernizou e a indústria ficou parada. Mas, então, por que a agricultura conseguiu se modernizar, mas a indústria não? Boa pergunta.

Pode ser que parte da resposta esteja no mercado em que uma e outra miraram. A agricultura mirou o mercado internacional e hoje concorre com sucesso com as potências agrícolas mundiais. Para um país que exporta pouco como o Brasil, o mercado mundial é meio sem limites, portanto, oferece amplo escopo para a adoção de tecnologias de última geração e o desenvolvimento de tecnologias nativas. Oferece não só o escopo, mas também impõe a necessidade, pois se trata de competir mundialmente com os gigantes do setor.

Já a indústria continua a mirar o próprio umbigo, ou seja, limita-se a vender com preços surreais seus produtos quase que exclusivamente para o mercado interno, e só consegue exportar alguma coisa com valor adicionado significativo para a Argentina. E sempre com muita proteção contra a entrada de produtos estrangeiros — basta ver a gritaria que a importação das “blusinhas” chinesas provocou entre os empresários.

Limitada ao mercado interno, pequeno para os padrões mundiais, a indústria não alcança a escala necessária para a adoção de tecnologias de última geração, nem sofre pressão para o desenvolvimento de novas tecnologias. O pouco que ela produz, ela vende — porque o mercado é protegido.

Essa parece ser uma explicação plausível de por que a produtividade da indústria brasileira permanece estagnada, enquanto a da agricultura continua a crescer.

 

Edmar Bacha é economista. As relações estatísticas citadas são desenvolvidas em E. Bacha, V. Terziani, C. Considera e E. Guimarães, “Why did Brazil deindustrialize so much? An empirical investigation”. Texto para Discussão n. 83, IEPE/Casa das Garças, julho 2024(*)

(*) https://cdpp.org.br/wp-content/uploads/2024/07/20240712WHY-DID-BRAZIL-DEINDUSTRALIZE-SO-MUCH.pdf

 

 

A reforma tributária de Lula - Felipe Salto (UOL)

 A reforma tributária de Lula

Felipe Salto, no UOL, em 15/07/2024 

Luiz Inácio Lula da Silva não entendeu em sua plenitude a reforma tributária que está bancando. Suas consequências estão concentradas no longínquo 2033. A parte que começa logo deve funcionar, a da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), mas, no que se refere ao IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), construiu-se um monstrengo.

O avanço do Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 68/2024 é o capítulo mais recente da novela da reforma tributária do consumo. O PLP dá início ao processo de regulamentação do novo sistema tributário instalado pela Emenda Constitucional (EC) no.132/2023 para engordar o recheio de exceções desse amargo rocambole.

O texto final da Câmara também é um atentado contra a matemática elementar, porque, a título de compensação para as exceções e especificidades criadas, fabrica uma trava para a alíquota geral do imposto. Não há como evitar a comparação dessa patuscada com a ideia de fixar a taxa de juros real em 12%, conforme texto original da Constituição de 1988 (só modificado pela EC nº 40, 15 anos depois). 

 É uma ideia simples para um problema complexo e totalmente equivocada.

Mais ou menos assim: "se a alíquota é alta, vamos limitá-la". Gênios. Papel aceita tudo, não é mesmo? Ocorre que, se as exceções se avolumam, não há como garantir a mesma arrecadação para todos — estados, municípios e União — sem uma alíquota geral mais alta. Ou, de repente, descobriu-se como resolver um sistema de equação com 50 incógnitas e 3 equações?

Quem sabe tenham descoberto espécie de maná divino ou moto perpétuo, em que o dinheiro cai do céu por meio de, digamos, um "split payment" bem-acabado, diretamente para os Tesouros Estaduais e Municipais.

A propósito, o tal modelo do “split payment” (sistema para arrecadar e, depois, devolver crédito tributário de modo automático) é vendido como a tábua de salvação para as complexidades do novo regime. Que capacidade de plantar jabuticaba sem açúcar! No lugar de nos contentarmos com a original, tão saborosa, optamos pelas sandices.

O efetivo pagamento, quando da realização da operação de compra e venda de um produto, insumo ou serviço, teria o condão de disparar milhares de comandos automáticos, vejam vocês. O objetivo: garantir o cálculo preciso do crédito tributário e devolver dinheiro aos contribuintes intermediários.

Ocorre que lugar algum do mundo possui sistema similar com tal proporção e dimensão. As chances de um piripaque, uma bateção de pinos, logo de saída, é tremendamente alta. Mas é uma questão de fé, caros leitores e leitoras: acreditem, o "split payment" vai garantir a boa arrecadação, o combate à fraude, a devolução de créditos, a redução da carga tributária, o crescimento econômico turbinado e o que mais vocês quiserem.

É só pedir. Entra fácil no texto das regulamentações, feito a isenção geral e irrestrita para a carne, torradeira de dinheiro público sem beneficiar os mais pobres. O dinheiro vai para o bolso do setor, que está sorrindo de orelha a orelha após a vitória na Câmara dos Deputados.

O famigerado algoritmo do Comitê Gestor, uma entidade para todos governar, não é conhecido. Aliás, o Comitê Gestor, estrutura mais poderosa do que qualquer governo de estado ou mesmo a Receita Federal, ficou para depois. Discutiram a ferro e a fogo as exceções, as minúcias dos itens de horticultura, nas exceções, e dos planos de saúde para gato e cachorro, mas o elefante... Ah, este passeia no meio da sala de estar e ninguém toma conhecimento.

O algoritmo do Comitê Gestor é como a roupa nova do imperador: não existe. Vendem para a sociedade que o tecido é feito de fio especial, em tecelagem magnífica, sob os olhares e cuidados dos mais geniais tecelões. Só que não é dado a todos o dom de enxergar a beleza e perfeição das vestes do rei. Na verdade, não tem fio, não tem tecelão, não tem coisa alguma.

O rei está nu.

Quem quer provar o oposto deve apresentar, com clareza, a estrutura, a governança, o funcionamento, as regras, o regulamento, o escopo de atuação etc. do Comitê Gestor. É que não têm ideia de como colocar isso de pé sem acabar com a Federação.

A reforma tributária aprovada pelo Congresso é um tiro no escuro, uma aventura perigosa. Já podíamos ter aprendido que, em democracias consolidadas, as reformas devem ser incrementais. Não se dá cavalo de pau em temas centrais como o tributário.

Estamos jogando tudo fora para reerguer a oitava maravilha do mundo ou um verdadeiro monstrengo tributário, como venho alertando há tempos?

No lugar de aprimorar o regime de créditos e débitos do ICMS e promover mudanças operacionais e legais para garantir a adequada devolução dos créditos acumulados (esses, por sua vez, gerados por hipóteses da legislação, como a não oneração das exportações), avançamos para um mundo obscuro de sistemas malucos que só existem na imaginação fértil dos donos e apoiadores desta reforma.

A CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), sou capaz de vaticinar, não é o problema. Vai funcionar, porque a Receita Federal tem expertise, entende do riscado e não vai deixar a peteca cair. É antiga, afinal de contas, a ideia de unificar as legislações do PIS/PASEP e da COFINS.

O problema está, principalmente, no IBS (Imposto sobre Bens e Serviços). Como se cria um imposto subnacional, gerenciado por quem não tem voto e comandado por 54 iluminados sem estrutura, sem servidores, sem gente com capacidade para fiscalizar e garantir a saúde financeira do Erário?

A Professora Misabel Derzi falou muito bem, no XII Fórum de Lisboa, há algumas semanas, ao demonstrar que o Comitê Gestor é inconstitucional, porque fere o pacto federativo. Mas isso é mero detalhe para quem segue viajando na maionese do “split payment”, enquanto se aprovam exceções, isenções e puxadinhos para os amigos do rei.

É preciso ter claro: o IBS e a CBS, juntos, deveriam compor um IVA (Imposto sobre Valor Adicionado) com alíquota de 26,5%, segundo a Secretaria Especial da Reforma Tributária. Cabe perguntar: se o cálculo era de 26,5%, antes, como pode, agora, continuar sendo o mesmo? Que matemática é essa, caros colegas?

E, se não tem risco de subir, por que a trava? Aliás, o mecanismo da trava (limite máximo para a alíquota do IBS mais CBS) é assim: se se perceber que a alíquota superará os 26,5%, então as isenções e benesses aprovadas nos últimos dias no PLP nº 68/2024 seriam revistas, por meio de uma nova proposta de lei complementar. É uma brincadeira? Não. É a reforma tributária que, para seus idealizadores, é a última bolacha do pacotinho.  A alíquota vai ser muito mais alta, na casa dos 33%, para dar conta de toda essa estrambótica e disparatada reforma tributária.

Apertem os cintos, contribuintes, vocês vão pagar essa conta. E lá vai o monstrengo. Ele é bom de descer ladeira.”


quarta-feira, 17 de julho de 2024

Geopolitical thinking ahead of its time: Varnhagen’s Organic Memorial in mid-19th century Brazil (Draft project) - Paulo Roberto de Almeida

Geopolitical thinking ahead of its time: Varnhagen’s Organic Memorial in mid-19th century Brazil

 

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Projeto de ensaio a ser preparado para obra sobre o pensamento geopolítico brasileiro.

 

Draft project essay:

Conventional etymology locates the emergence of geopolitics at the end of the 19th century, notably under the pen of the Swedish political scientist Rudolf Kjellén, who coined the term. In Brazil, the study of geopolitics arose well later, starting with some military and civilian thinkers around the 1930s, but which gained more acceptance only in the 1950s, with the work of an Army intellectual, Golbery do Couto e Silva, author of Geopolítica do Brasil (1955).

Less known, in its early virtual trajectory, at that time, was the existence of the almost ignored work of a predecessor, a brilliant scholar, the “father of Brazilian historiography”, Adolfo Varnhagen, author of a “Memorial Orgânico” (1849), sent anonymously to the General Assembly (the lower House of the Parliament), as a contribution to the reorganization of the Brazilian Empire, at the beginning of the Second Kingdom under Pedro II, a very young monarch. 

The present essay departs, in its first section, from the examination of Varnhagen’s proposals for a complete overhaul of Brazil’s economic, political, educational and ethnic institutions, as well of its infrastructure, defense and foreign policy, with the objective of making a more powerful Empire, perhaps similar to some European models of that time, in order to assess, in a second session, the relevance of Varnhagen’s ideas in modern times, that is, contemporary Brazil.

Despite this subjective correlation, the projection, in modern times, of the reforms submitted by the then young Historian — already named secretary of the first national academic institution, the Brazilian Historic and Geographical Institute (1848)— offers a useful opportunity to reflect how the work of the 20th century few Brazilian geopoliticians could have been “instructed” by a century previous proposals, made in the style, if not the form, of a Geopolitical thinking avant la lettre.

Summary and abstract to follow

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4704, 17 julho 2024, 1 p.


Autocracy, Inc. by Anne Applebaum review, the devil you know - John Simpson (The Guardian)

 Book of the Day:

Autocracy, Inc. by Anne Applebaum review – the devil you know

A masterful guide to the new age of authoritarianism

https://www.theguardian.com/books/article/2024/jul/17/autocracy-inc-by-anne-applebaum-review-the-devil-you-know?CMP=twt_books_b-gdnbooks#img-1


Until around 2015, I tended to be moderately positive about the world. There were far more democracies than when I started at the BBC in 1966, I would tell myself, and markedly fewer dictatorships. Africa and Latin America, once host to so many military dictatorships, were now mostly run by elected leaders. The terrible threat of nuclear war had receded. A billion people were being lifted out of poverty. Yes, what Vladimir Putin had done in Crimea in 2014 was worrying, and Xi Jinping was starting to make disturbing speeches about Muslims and Uyghurs; but given that I’d seen Soviet communism melt away across eastern Europe and in Russia itself, I still felt there was reason for optimism.

That pretty much ended in 2016. Brexit damaged the European project, and Donald Trump shook the columns of American leadership. Putin’s invasion of Ukraine, based on the completely false assumption that most Ukrainians would welcome the return of Russian domination, and China’s ruthless suppression of political freedom in Hong Kong have darkened the 2020s much as German, Italian and Japanese intervention darkened the 1930s. And the tide of democracy has turned. Elections have so often become shams. Corruption in government has turned into a major global industry. Well-intentioned but indigent governments welcome Chinese cash because no one else will supply it, and pretend not to notice the strings attached – or even welcome them. Populist movements well up in countries that have traditionally been moderate and calm.

And so the kind of neo-Whig version of history, which taught that trade would bring us all closer together and economics would make war impossible, has collapsed. China, you might have thought, would see peace as essential for its brand of capitalist-Marxism-Leninism to thrive. Yet you only have to read Bill Clinton, speaking in 2000, to realise how very unrealistic that idea has become: “Growing interdependence will have a liberating effect in China … Computers and the internet, fax machines and photocopiers, modems and satellites all increase the exposure to people, ideas and the world beyond China’s borders.” It would be as hard for governments to control the internet, he famously added, as it would be to nail Jell-O to a wall.

But instead of the technology mastering the autocrats, the autocrats have learned to master the technology. In this new age of autocracy, men like Recep Tayyip Erdoğan, Narendra Modi and Viktor Orbán run entire countries according to their own personal political interest, recharged from time to time by carefully manipulated elections; though last month the voters of India unexpectedly refused to give Modi the majority he needed. Meanwhile the US, whose opinion used to matter just about everywhere on Earth, suddenly seems as intimidating as a scarecrow in a beet field.

Anne Applebaum, as anyone familiar with her writing will know, is well-positioned to catalogue this new age of autocracy. Like her, Autocracy, Inc. is clear-sighted and fearless. I remember disagreeing with her genteelly at editorial meetings in the early 1990s, when she was writing about the danger that Russia’s post-communist implosion would one day present for the west, after Boris Yeltsin left office. She talked even then about the need for Nato to build up its defences against the time when Russia would be resurgent; while I, having spent so much time in the economic devastation of Moscow and St Petersburg, thought the best way for the west to protect itself was by being far more generous and welcoming towards Russia. Events have shown which of us was right, and it wasn’t me.

Autocracy, Inc. is deeply disturbing; it couldn’t be anything else. But Applebaum’s research is as always thoroughgoing, which makes it a lively pleasure to read. When she writes about Zimbabwe, for instance, she uncovers a weird and shocking cast of characters to explain the degree to which a potentially wealthy country has been devastated by unthinkably bad government; including the presidential envoy and ambassador-at-large Uebert Angel. Angel, a British-Zimbabwean and evangelical pastor, teaches “the fundamental aspects of becoming a millionaire”; his personal assistant, another Brit called Pastor Rikki, can allegedly get you a face-to-face meeting with President Mnangagwa for a couple of hundred thou. Rikki was shown on camera promising this to an undercover reporter for Al Jazeera, though he states that the resulting documentary was “brutally edited to portray a false narrative”. Skilfully, Applebaum shows how important a financial entrepôt like Dubai is in promoting the interests of governments such as Zimbabwe, and how it facilitates China’s growing financial control over countries which, left alone by the west, are available for sale or hire.

This is more in the nature of an extended essay about the way the world is going than a major study, but it is a masterclass in the marriage of dodgy government to international criminality. Applebaum is particularly good on information-laundering outfits, “typosquatters” which have the appearance of real, dependable outfits (Reuters.cfd instead of Reuters.com, Spiegel.pr not Spiegel.de). These pump out savagely pro-Russian material, which people read on social media and pass on: for instance the fake press release last year which announced that Nato was going to use Ukrainian troops in France to deal with pension protesters. Obviously false, but it still led to smashed windows and broken bones. The Jell-O is firmly stuck to the wall.

It’s a disturbing world we live in, but understanding its ways, keeping our own counsel, and knowing who to trust have never been so important. Anne Applebaum, who 30 years ago foresaw the way we were going, is one of those we can trust.


Memórias de Rubens Ricupero: Diplomata humanista - Cristovam Buarque (Correio Braziliense)

 Diplomata humanista

Memórias, de Rubens Ricupero, tem todas as oito qualidades que se deseja em um bom livro sobre a vida do autor: deslumbra, descreve, ensina, informa, aproxima, sensibiliza, declara e inspira.

Cristovam Buarque
Correio Braziliense, 17/07/2024


A primeira qualidade de um livro é deleitar ao leitor. Rubens Ricupero consegue a façanha da primeira à última das 700 páginas de seu livro Memórias, publicado pela Editora da Unesp.

A segunda é contar boa história de vida. Ricupero lembra o nascimento, resultado da ousadia migratória dos quatro avós desde a Itália. Descreve sua infância em bairro pobre na cidade de São Paulo. Conta a saga de um homem que viveu a aventura de seu tempo como estudante, diplomata, estadista, professor, autor e cientista de relações internacionais.

A interligação da biografia com a história é a terceira qualidade do Memórias. Ao ler, vamos colecionando informações sobre o que se passou ao longo dos 87 anos em que sua vida coincidiu com a história do Brasil e do mundo no incrível período de meados do século 20 à terceira década do 21. Uma vida entrelaçada com o período histórico do pós-guerra até o atual mundo global integrado e dividido.

O livro tem a quarta qualidade de nos apresentar grandes personagens, lugares especiais e ideias marcantes. São mais de mil personagens com as quais sua vida se entrelaçou: autores do passado ou contemporâneos, estadistas, políticos, artistas, amigos, colaboradores e colegas, alguns muito conhecidos, outros anônimos, que ele cuida com respeito e carinho. Sobre cada um, Ricupero tem uma história para contar e um reconhecimento a fazer.

Mas, dificilmente, temos memórias interessantes se o autor não conta fatos importantes dos quais participou. O Memórias tem essa quinta qualidade: muito jovem, Ricupero participou da concepção da nossa política externa independente, assistiu por dentro à renúncia de Jânio Quadros, junto a San Tiago Dantas viu o regime parlamentarista em funcionamento, esteve presente em momentos decisivos das relações do Brasil com a Argentina, acompanhou Tancredo Neves no giro internacional depois da eleição para presidente, marcou o mundo como secretário geral da Comissão das Nações Unidas para o Comércio, a Indústria e o Desenvolvimento, foi ministro do Meio Ambiente e da Amazônia quando o mundo e o Brasil começavam a tomar conhecimento desses temas. E, sobretudo, foi o ministro da Fazenda que coordenou a implantação do Plano Real. Sua vida está ligada à vitória contra a inflação endêmica no Brasil, nosso maior equívoco e empecilho ao progresso, depois da escravidão e da desigualdade educacional.

Além dessas cinco qualidades, dificilmente um livro de memórias tem grandeza sem tragédia. Apesar da sua vida feliz, Ricupero descreve o drama na noite em que ele, em momento relaxado no estúdio de televisão, disse a frase que nada tinha do que ele sentia, em nada sintonizada com seu caráter e sua maneira de ser, mas gravada por acaso, vista inesperadamente, divulgada indiscretamente, que o transformou de "santo do real" em um "demônio da política". A descrição dessa tragédia, a candura como a analisa, 30 anos depois, é a sexta qualidade do Memórias.

Bom livro de memórias exige também uma boa história de amor. Isso não falta no Memórias de Ricupero. Ele declara seu amor por Marisa, companheira de todo tempo, conselheira em cada momento, impedindo, como ele descreve, erro que estava prestes a cometer; amor ao Brasil, à Itália, à cidade de São Paulo, à cultura, ao Instituto Rio Branco, a Brasília, da qual ele foi um dos pioneiros; assim como aos avós, pais, filhos e netos.

Memórias de Ricupero tem a sétima qualidade de revelar sentimentos íntimos que ele transmite ao reconhecer períodos de depressão, expressar sua  espiritualidade cristã e seu sofrimento com a pobreza e com a desigualdade social.

A oitava qualidade, rara em outras memórias, é concluir a descrição da vida apontando para o futuro, na esperança de um mundo melhor. Ele deixa entrever a necessidade de uma nova diplomacia. Ricupero é um dos primeiros diplomatas no mundo que percebe o fato de que, atualmente, "cada país é um pedaço do mundo", diferentemente do tempo em que o "mundo era a soma de países". Ele faz parte daqueles ainda raríssimos diplomatas, como André Aranha Corrêa do Lago, secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente, no Itamaraty, que defendem o seu país sem esquecer que ele é parte do mundo ao qual estamos ligados. O Memórias lembra o nacional apontando para o futuro planetário. Não é por acaso que repete (páginas 598 e 612) o poema de Khalil Gibran: "A Terra é minha pátria, a humanidade é minha família".

O Memórias de Ricupero tem todas as oito qualidades que se deseja em um bom livro sobre a vida do autor: deslumbra, descreve, ensina, informa, aproxima, sensibiliza, declara, inspira. E lembra que tudo foi resultado da boa educação que recebeu.


terça-feira, 16 de julho de 2024

80 ANOS DO DIA D BRASILEIRO: Entrada da FEB na frente de batalha da Itália, na Segunda Guerra Mundial - Pedro Scuro Neto (filho de um combatente)

80 Anos do Dia D Brasileiro no front da Segunda Guerra


Em 16 de jul. de 2024, à(s) 16:40, Pedro Scuro escreveu:


Precisou o presidente italiano vir e nos dizer que hoje, 16 de julho, se comemora uma das datas mais gloriosas da história do Brasil, o nosso Dia D, do desembarque da Força Expedicionária Brasileira na Itália, de onde partiria cedo demais (e somente porque os comandantes militares estavam “cansados de guerra”, segundo Humberto Castello Branco) vitoriosa, coberta da glória.

Conhecida por sua tenacidade e bravura, a FEB foi respeitada pelos adversários, o exército mais poderoso do mundo. E pelos aliados, que lamentaram profundamente ela ter sido desmobilizada ainda na Itália pelos militares que sempre a odiaram, chamando-a de “exército de Getúlio”.

Já para o General Harold Alexander, comandante supremo das forças aliadas na Itália, “soldados tão bons como os brasileiros deveriam ir para a Áustria e não para casa”. Não estava fugindo da guerra como Castello et caterva e disse o que pensava ao Embaixador Vasco Leitão da Cunha, que, de imediato, telegrafou ao Itamaraty insistindo que a “FEB devia ficar”. Em resposta ouviu que “isso é somente cavação deles [aliados] para ganhar ouro”. Reagiu argumentando que não reconhecíamos a contribuição dos nossos pracinhas e ignorávamos que a razão de ser da FEB era “mais política que militar”.

O que ele queria dizer com “mais política”? De fato, no Brasil já havia outros 25 mil pracinhas ansiosos para render primeira divisão e dar seguimento ao plano combinado: a transferência da Itália para a Áustria tinha objetivos geopolíticos, como a derrubada do fascismo sobressalente em Portugal e na África, além de acarretar também absorver a Guiana francesa, vital para a segurança da Amazônia. Do modo como me contou em 2011 o saudoso Professor Hermínio Martins, da Universidade de Oxford:

“Franklin Delano Roosevelt gostaria de ver os impérios coloniais europeus destruídos, incluindo o império britânico, como o disse várias vezes. Até queria que Hong Kong, depois da expulsão dos japoneses, fosse devolvida à China, no caso a China nacionalista. Os ingleses ficaram preocupados, intervieram na recuperação da cidade e não admitiram dela abrir mão custasse o que custasse (se fosse devolvida à China, seria ocupada pelos comunistas, e a história dos últimos 60 anos teria sido bem diferente). Quanto aos franceses, o mesmo, portanto a questão da Guiana – FDR, aliás, chegou a pensar na divisão da França em vários estados.Quanto ao império português, sem dúvida que os americanos pensaram que não se aguentaria de um modo ou outro. Os relatórios dos cônsules americanos em Angola e Moçambique faziam pensar que eram colônias decadentes, moralmente (o sexo interracial os obcecava), e em todos os demais sentidos, e que o seu fim seria uma questão que o tempo logo iria resolver.

O mundo seria outro, se a FEB tivesse continuado. Nada disso, porém, tirava o sono do alto comando e dos caciques políticos da época, mais preocupados em deixar que “depois da luta e da vitória cada um tomasse o caminho que quisesse”.Confirmou-se, portanto, o que havia previsto, anos antes, o general Góes Monteiro, ao alertar que os oficiais superiores (e seus congregados) acabariam comprometendo o “futuro da nação em proveito de interesses particularistas, regionais e pessoais”.

Interesses do tipo dos vários generais, suas famílias e membros de gabinete que semanas atrás lotaram jatos da FAB com destino à Itália e adjacências, com a desculpa de participar das comemorações do Dia da Vitória. Feito para o qual o Exército pouco ou quase nada contribuiu e até hoje não conhece nem reconhece.

Não apenas os militares, mas praticamente todos que ignoramos que a FEB foi o resultado da luta dos brasileiros por sua liberdade e sua dignidade, luta que principia em Canudos, nas ruas de São Paulo em 1917, no Rio em 1919 e 1922, de novo São Paulo em 1924 e 1932, ainda outra vez com os comunistas em 1935, culminando no desembarque num dia de hoje, depois de quase 1000 brasileiros mortos por submarinos alemães e italianos, dando ensejo a enormes manifestações populares pela entrada do País na guerra ao lado dos aliados.

O povo brasileiro exigiu e o povo brasileiro partiu para a frente de combate. Não admira a Canção do Expedicionário iniciar perguntando“você sabe de onde eu venho?” E respondendo “venho do morro, do engenho, da selva, do cafezal”. Nossos expedicionários vinham precisamente daí, pois a FEB na sua imensa maioria era composta de voluntários, civis e não de militares, que só foram do quartel até a praia (“patos n’água”, como os febianos os chamavam).

Voluntários saídos do nosso povo mais carente, “gente muito humilde, mas muito patriótica”, observava meu pai, que ao lado desses pracinhas lutou e continuou lutando depois da guerra, abandonados que foram por aqueles que sempre os odiaram, mas também pelos que sempre os ignoraram, como nós que alegamos que os pracinhas “se meteram numa guerra que nada tinha a ver conosco”.

Não era o que dizia meu pai, quando contava detalhes do dia que a FEB capturou duas divisões inteiras, uma alemã e outra italiana, quase intactas, frustrando os planos do inimigo de conseguir uma rendição negociada. 

Ele só se aborrecia quando lembrava os “pedidos de baixa” dos militares com medo de ir para a frente de combate, alguns chegando a se mutilar, decepando, por exemplo, dedos dos pés. Pior ainda foi o Exército ter reintegrado boa parte desses desertores, alguns dos quais depois promovidos a postos de comando e que depois participaram em vários golpes de estado.

O velho Tenente Segisfredo Scuro lembrava de tudo, inclusive dos nomes completos de alguns “aleijadinhos”, como ele chamava os desertores. Contei ao Professor Frank McCann, talvez o maior especialista de história do nosso exército, que disse que eu podia acreditar no depoimento de meu pai, até porque os militares brasileiros têm o mau hábito de se auto-anistiarem, algo notório e repetido durante toda a República, período em que o poder armado (polícias e militares) usou e abusou da força contra os cidadãos brasileiros.

Disse mais o professor: não há como demonstrar que meu pai tivesse mentido ou exagerado, pois os relatórios dos anos de participação brasileira na guerra, 1944 e 1945, que deveriam estar nos arquivos do Exército, simplesmente sumiram! O curioso é que desde o século 19 a documentação está intacta; só faltam os tais relatórios, que mesmo remexendo os arquivos reservados do Estado-Maior, um oficial amigo de McCann não pôde encontrar.

Obrigado ao Presidente Sergio Mattarella por ter lembrado de algo que não sabemos e até temos raiva de quem sabe. Fica, à guisa de lembrança, uma foto tirada no USS General Mann, navio norte-americano, dias antes do desembarque, com meu pai no comando de seu pelotão formado pelo que existe de melhor na nossa sociedade, nossa gente que veio do morro, do engenho, da selva e do cafezal.

Canção do Expedicionário: https://www.youtube.com/watch?v=nY2PYIlcclI

Pedro Scuro Neto, 16 de julho de 2024

Pedro Scuro (academia.edu) 

<Imagem do WhatsApp de 2024-07-16 à(s) 16.15.36_208a0cd2.jpg>

(Foto de Pedro Scuro Neto: o segundo, da esquerda para a direita é seu pai, no navio que o levou à Itália com a FEB)