Transmito programação de curso de direito internacional em Belo Horizonte, de 2 a 20 de Julho de 2007, de que vou participar:
Curso de Inverno
O Centro de Direito Internacional (CEDIN) realizou na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil; nos anos de 2005 e 2006 o Curso de Inverno em Direito Internacional. O evento é uma referência em Direito Internacional e conta com a participação de renomados professores oriundos das principais Universidades da Europa e América. O Curso em suas duas edições contou com um público de mais de 700 pessoas, entre estudantes, profissionais, professores e pesquisadores das áreas de Direito Internacional e Relações Internacionais. Por ocasião da abertura do II Curso de Inverno, foi lançado o I Anuário Brasileiro de Direito Internacional – I Brazilian YearBook of International Law, redigido em línguas inglesa e francesa esta publicação é distribuída para as bibliotecas das principais universidades nacionais e internacionais.
Curso de Inverno 2007: 2 a 20 de Julho de 2007
III Curso de Inverno em Direito Internacional
Curso em homenagem ao Professor Arthur José de Almeida Diniz
Professor Titular de Direito Internacional da UFMG
Instruções para inscrição - clique aqui
Local: Auditório da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG (Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil)
Informações sobre hospedagem
Data: 02 a 20 de Julho de 2007
Inscrições: 15 de Abril a 29 de Junho - VAGAS LIMITADAS
Valor: Estudante - R$ 290,00
Profissional - R$ 390,00
Entidades Parceiras - R$ 250,00
(FUMEC, Milton Campos, Novos Horizontes, PUC-MG, UFMG, UNA)
Mais informações: CEDIN - Rua Fernandes Tourinho Nº 470 - salas 1001/1002 Savassi, Belo Horizonte, MG
info@cedin.com.br - tele-fax 55 (31) 3223-3058
Durante todo o curso haverá tradução simultânea para o português
Será exigida frequência mínima de 75% para obtenção do Certificado
O Certificado será de 67 horas de atividades extra-curriculares
O curso está aberto para os estudantes e profissionais de todas as áreas
A Prefeitura de Belo Horizonte vem apoiando esse evento por meio da Belotur. Para conhecer mais sobre Belo Horizonte, confira o site.
Programação
I semana - 02 a 06/07
ABERTURA
02/07
09:30 h
Discurso de abertura
Vicente Marotta Rangel
Juiz do Tribunal Internacional do Direito do Mar - Hamburgo
Professor Emérito da Faculdade de Direito da USP
02/07
10:30 h
O Direito Internacional e sua aplicação pela Justiça no Brasil
Francisco Rezek
Ex-Juiz da Corte Internacional de Justiça - Haia
Ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal
Ex-Ministro das Relações Exteriores do Brasil
Manhã
03 a 05/07
10:30 - 12:00 h
Desarmamento, controle de armamentos e não-proliferação de armas nucleares
Sérgio Duarte
Presidente da VII Conferência de Exame do Tratado de Não- Proliferação de Armas Nucleares, 2005 - Nova York
Ex-Representante do Brasil junto aos Organismos Internacionais sediados em Viena e ex-Presidente da junta de governadores da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) - Viena
Ex-Embaixador do Brasil na Nicarágua, Canadá, China e Áustria
06/07
10:30 - 12:00 h
A ordem política e econômica internacional no início do século XXI: questões da agenda internacional e suas implicações para o Brasil
Paulo Roberto de Almeida
Assessor Especial no Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República
Professor em diplomacia do Instituto Rio Branco (MRE) e em Direito no Uniceub
Diplomata de carreira
Tarde
02 e 03/07
14:00 - 15:30 h
A equidade e a boa-fé na observância dos compromissos ambientais internacionais
Raúl Estrada-Oyuela
Presidente do Comitê de Negociação do Protocolo de Kyoto
Presindete da Convenção Quadro das Nações Unidas para Mudança do Clima (UNFCCC)
Vice-Presindente do Comitê Intergovernamental de Negociação para a Convençao-Quadro sobre Mudança do Clima (INC/FCCC)
Ex-Embaixador da Argentina em Washington D.C., Viena, Brasília e Santiago
04 a 06/07
14:00 - 15:30 h
Justiça Internacional Penal: evolução e perspectivas
Sarah Pellet
Consultora Jurídica do Tribunal Penal Internacional (TPI) - Haia
Professora no Instituto de Estudos Políticos de Lille - França
02 e de 04 a 06/07
16:00 - 17:30
A ordem política e econômica internacional no início do século XXI: questões da agenda internacional e suas implicações para o Brasil
Paulo Roberto de Almeida
Assessor Especial no Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República
Professor em diplomacia do Instituto Rio Branco (MRE) e em Direito no Uniceub
Diplomata de carreira.
II semana - 09 a 13/07
Manhã
09 a 13/07
10:30 - 12:00 h
Da utilização do Jus Cogens na prática internacional
Joe Verhoeven
Professor de Direito Internacional Público da Universidade de Paris II - França
Secretário Geral do Instituto de Direito Internacional
Diretor do Anuário Francês de Direito Internacional
Professor de Direito Internacional Público da Universidade Católica de Louvain
Tarde
09 a 13/07
14:00 - 15:30 h
Civilizações islamo-cristãs e a crise no Oriente Médio
Richard W. Bulliet
Professor da Universidade de Columbia - Estados Unidos da América
Membro da Associação de Estudos do Oriente Médio
Membro do Instituto Americano de Estudos Iranianos
09/07
16:00 - 17:30 h
As negociações multilaterais do comércio
Welber Barral
Professor de Direito Internacional Econômico da UFSC
Coordenador do Instituto de Relações Internacionais
10/07
16:00 - 17:30
Os desafios da política externa brasileira
Jerônimo Moscardo
Presidente da Fundação Alexandre de Gusmão do Ministério das Relações Exteriores (MRE)
Ex-Ministro da Cultura
Ex-Embaixador do Brasil na Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e na Bélgica
11 a 13/07
16:00 - 17:30 h
Proteção Internacional de Refugiados: regime atual, perspectivas e desafios
José Henrique Fischel de Andrade
Consultor Jurídico do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) - Genebra
III semana - 16 a 20/07
Manhã
16 a 20/07
10:30 - 12:00 h
Os aspectos econômicos da gestão de água no Direito Internacional
Laurence Boisson de Chazournes
Professora e Diretora do Departamento de Direito Internacional e Organizações Internacionais da Faculdade de Direito da Universidade de Genebra - Suíça
Ex-Conselheira Jurídica do Banco Mundial
Tarde
16 a 20/7
14:00 - 15:30
Os direitos humanos e sua proteção na perspectiva européia
Ireneu Cabral Barreto
Juiz da Corte Européia de Direitos Humanos
Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal
Ex-Membro da Comissão Européia de Direitos Humanos
16:00 - 17:30 h
16/07
O terrorismo internacional como ameaça ao Direito Internacional
Jacob Dolinger
Professor de Direito Internacional Privado da UERJ
Conferencista da Academia de Direito Internacional da Haia
17/07
Direito Internacional Privado: a regulamentação e a prática dos contratos internacionais
Nádia de Araújo
Professora de Direito Internacional Privado da PUC-RJ
Procuradora de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Á rbitra-suplente do Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul
18/07
Prova e informação acerca do Direito Estrangeiro aplicável por determinação do Direito Internacional Privado
André Rennó L. G. Andrade
Professor de Direito Internacional Privado da Faculdade de Direito Milton Campos
19/07
Direito Internacional Privado: função atual e desafios contemporâneos
Maristela Basso
Professora de Direito Internacional da Faculdade de Direito da USP
20/07
A Convenção das Nações Unidas sobre Contratos de Venda Internacional de Mercadoria: vantagens e desvantagens para o comércio internacional brasileiro
Eduardo Grebler
Presidente do Ramo Brasileiro da International Law Association (ILA)
Professor de Direito Internacional Privado na Faculdade de Direito da PUC-Minas
ENCERRAMENTO
20/07
17:30 - 19:00 h
O Direito Internacional em transição: avanços ou retrocessos
Leonardo Nemer Caldeira Brant
Ex-Consultor Jurídico da Corte Internacional de Justiça - Haia
Professor de Direito Internacional da UFMG e da PUC - Minas
Diretor da Faculdade de Direito do Centro Universitário UNA
Presidente do Centro de Direito Internacional (CEDIN)
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas. Ver também minha página: www.pralmeida.net (em construção).
domingo, 17 de junho de 2007
sábado, 16 de junho de 2007
735) Um diálogo sobre a globalização
O texto que segue abaixo comenta um artigo do economista Gilberto Dupas, “Ainda há tempo para ousar” (OESP, 16 Jun 07), que pode ser lido neste link.
O autor, Gilberto Dupas, respondeu-me em 17 de junho, e seu texto foi por mim transcrito no post 737, acima.
Globalização Perversa e Políticas Econômicas Nacionais: um contraponto
Paulo Roberto de Almeida
(pralmeida@mac.com; www.pralmeida.org)
Um diálogo à distância com Gilberto Dupas, a propósito de seu artigo “” (O Estado de São Paulo, sábado, 16 de junho de 2007, pág. A-2).
1) “O Brasil perdeu uma oportunidade de inserção benévola na perversa lógica da economia global a partir de sua abertura econômica.”
PRA: Processos de inserção não deveriam receber qualificativos ou adjetivos, uma vez que os processos de integração à economia mundial não são pré-determinados, para que deles possamos decidir, ex-ante, que deles aceitaremos apenas aspectos favoráveis, rejeitando os menos risonhos, mormente quando se trata da globalização, que não é comandada por nenhuma força identificável em particular. Países decidem estabelecer medidas de política econômica que são mais ou menos abertas a influxos externos por decisões conscientes de suas autoridades e estima-se que, a menos que sejam particularmente estúpidas ou perversas, tenham elas feito um cálculo de custo-benefício da abertura econômica e concluído que o exercício era importante para o país.
Da mesma forma, não há nenhuma lógica “perversa” – ou “benéfica”, que seja – na economia global, pela simples razão que essa economia global, supondo-se que funcione da mesma forma que sistemas complexos, não obedece a critérios de utilidade racional, unitários ou comandados a partir de um centro. Ninguém está no comando da globalização, ponto. Isso precisaria ficar muito claro aos favoráveis e aos opositores da globalização, que pedem seja uma globalização não-assimétrica, seja um outro mundo possível. Tudo isso é absolutamente inócuo.
Por outro lado, agora no plano puramente pessoal, o Gilberto Dupas tem uma tendência conhecida a ver aspectos desfavoráveis na globalização. Acredito que um chinês, retirado de sua aldeia miserável do interior para um salário razoável em Xangai, poderia ter uma opinião claramente distinta da economia mundial e de suas oportunidades “positivas”.
Concluindo: não creio que o Brasil tenha perdido nenhuma oportunidade ao se abrir, uma vez que ele apenas seguiu uma tendência geral à qual ele antes era contrário. Não deveria haver nenhuma dúvida a respeito dos efeitos globalmente positivos da globalização: os países que nela se inseriram, sem adjetivos, mas com mais intensidade, retiraram benefícios, como provam os casos da China e da índia, justamente. Qualquer que seja o julgamento que se possa fazer sobre a qualidade de suas políticas econômicas nacionais, o fato é que nenhum benefício delas adviria se eles não tivessem conduzido processos de abertura a capitais e comércio estrangeiros.
2) “Ainda que necessária, ela foi açodada e sem a retaguarda de um projeto estratégico que minimizasse riscos e capturasse vantagens da fragmentação das cadeias produtivas globais. China, Índia, Coréia do Sul e Chile são as provas de que isso era possível.”
PRA: “Açodada” não é bem o termo para um país que faz um reforma tarifária modesta, que depois de concluída viu tarifas serem reescalonadas para o alto, em todas as demais oportunidades, e que ainda mantém uma média e picos tarifários superiores aos da maior parte dos países emergentes (com algumas exceções pontuais que mereceriam qualificação).
“Projeto estratégico” é geralmente uma ilusão conceitual, pois ele raramente existe em circunstâncias normais, sendo mais um conceito ex-post para “explicar” o que deu certo. Se não deu certo, vai para a lata do lixo da história e ninguém mais fala do conjunto de políticas exercidas naquela momento ex-ante. Todos os países possuem políticas e práticas, algumas mais exitosas do que outras, em função de variáveis que devem ser explicadas caso a caso, e não como o resultado de algum desenvolvimento teleológico que já estava pré-determinado em sua origem.
A única coisa que podemos afirmar dos “projetos estratégicos” dos países citados é que eles estavam dispostos a aproveitar as oportunidades oferecidas pela economia global, justamente, mobilizando seus fatores produtivos e seus potenciais competitivos em função dos mesmos mecanismos ricardianos e das vantagens dinâmicas percebidas que poderiam ser exploradas de forma positiva no contexto altamente competitivo da economia global. Fora essa qualificação absolutamente genérica, e portanto inútil para todos os efeitos, não há rigorosamente nada que se pareça em cada experiência nacional, em termos de “projeto estratégico”.
3) “Países muito diferentes entre si, a partir de um diagnóstico sensato de suas potencialidades e dos espaços de inserção - e utilizando políticas econômicas menos ortodoxas -, conseguiram crescer, de 1990 a 2005, a médias anuais elevadas: China, a 10%; Índia, Coréia do Sul e Chile, próximo de 6%; enquanto o Brasil amargou pouco mais de 2%.”
PRA: Esse crescimento não foi “dado” pela globalização e sim obtido por cada um deles a partir da demanda externa de seus produtos e da demanda interna criada por uma nova dinâmica econômica que atuou em sinergia com os novos fatores produtivos, potencializados em grande medida pela inserção na economia mundial (que necessariamente representa mercados, capitais, know-how, melhorias tecnológicas, etc). Países temerosos ou cautelosos em se lançar nessa ciranda geralmente acabam ficando para trás.
Mas os principais fatores de crescimento são sempre internos, uma vez que a interface externa nem sempre representa a maior parte do PIB. Por isso devem ser levados em conta no processo de crescimento os demais fatores de ordem econômica interna, que podem explicar a taxa de crescimento: variáveis fiscais, monetárias, mercado de capitais, a existência ou não de crowding-out pelo Estado, a infra-estrutura (material e institucional) e a logística favoráveis, a estrutura tributária, o ambiente de negócios, e muitos outros fatores mais.
Comparando-se os registros históricos de inflação, equilíbrio fiscal, investimentos produtivos e ambiente de negócios de todos esses países, acredito que teríamos muito mais razões para diferenciá-los em termos de taxas de crescimento do que qualquer “projeto estratégico” que dificilmente poderia ser comparado sem enorme subjetivismo de nossa parte. Indicadores e séries estatísticas são fatores objetivos à disposição de qualquer um, e posso apostar, preventivamente, que nossos indicadores macro e microeconômicos eram e são globalmente negativos para fins de crescimento econômico: poupança, investimentos, tributos, créditos, infra-estrutura, governo, etc. Não creio que seja necessário montar tabelas comparativas para evidenciar essas realidades, conhecidas da maior parte das pessoas que trabalham com dados estatísticos.
E o que dizer de “políticas econômicas menos ortodoxas”? Trata-se de uma afirmação inacreditável para quem conhece as antigas políticas seguidas pela China socialista, pela Índia nacionalista e “planejadora” e pelo Chile de Allende, “cepaliana”. Toda a evolução das políticas econômicas desses países foi sempre no sentido de adesão aos princípios gerais que coincidem com os chamados good fundamentals, qualquer que seja o resíduo “nacionalista” e “heterodoxo” de suas políticas setoriais. Esses países só deslancharam porque, justamente, eles se afastaram daquelas políticas seguidas anteriormente. Ainda que se possa recusar, para efeitos puramente de “nacionalismo” econômico, a classificação de “consenso de Washington” para suas políticas econômicas, um exame mesmo perfunctório de seu sentido geral revela, não um afastamento, mas sim uma concordância básica com aquele conjunto de regras.
4) “A China utilizou múltiplas estratégias, a maioria ao arrepio do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da Organização Mundial do Comércio (OMC), atraiu enorme fluxo de investimentos diretos internacionais e se tornou grande geradora de tecnologia.”
PRA: Afirmação arriscada, uma vez que a China, antes de ingressar no FMI e na OMC, podia sim ostentar políticas contrárias a essas instituições e suas regras estatutárias. Se algo houve, depois, foi justamente no sentido da convergência dessas políticas com as regras multilaterais, e portanto a afirmação peca por inconsistência lógica. De resto, não há nada que indique o que sejam essas “múltiplas estratégias”, a não a ser atração contínua de capitais estrangeiros e a busca incessante de mercados externos. O que a China fez, isso sim, foi multiplicar estratégias e políticas ao arrepio completo de suas antiquadas regras restritivas e de suas leis nacionais completamente defasadas para uma inserção na globalização. Posso afirmar isso por experiência própria, pois integrei o primeiro GT do GATT para examinar o ingresso da China, em 1987, e a tarefa era, justamente, a de colocar a legislação chinesa de comércio exterior em compasso com a das demais partes contratantes ao GATT (não se falava então de OMC). Pode-se dizer que, ainda que maneira “gauche”, a China vem cumprindo razoavelmente bem o que se espera dela nas instituições multilaterais.
5) “A Índia cuidou das grandes empresas locais, zelou por seu mercado interno e virou o maior produtor de software do mundo.”
PRA: Qualquer pessoa que conheça a Índia sabe dizer que o que não foi privilegiado foi exatamente o seu mercado interno nesse processo de “inserção benévola” com a economia global. O que explica o sucesso da Índia nessa área é justamente a existência de muitos indianos nos EUA e na Europa que souberam aproveitar as oportunidades existentes nesses mercados para oferecer serviços baratos que atendem justamente o mercado externo, a partir de suas bases indianas, necessariamente mais baratas do que os mesmos serviços oferecidos nos mercados consumidores. Assim como Lênin dizia que o comunismo soviético era o socialismo mais eletricidade, o êxito indiano na globalização poderia ser explicado como sendo know-how ocidental mais engenheiros indianos (e matemáticos, físicos, tecnólogos de todo tipo).
Por fim, acredito que não foi exatamente a “Índia” – aqui algo equivalente ao Estado – que obteve esse sucesso, mas as empresas indianas, que puderam expandir-se graças, justamente, à liberação das antigas amarras do Estado indiano. Se isso são políticas “heterodoxas” é duvidoso e incerto, pois o sentido geral é o do alinhamento com as políticas econômicas favoráveis à inserção globalizada.
6) “A Coréia do Sul lidou com a pesada crise asiática do final do século, reformulou seus grandes grupos nacionais, lidera setores de tecnologia de ponta e agora investe pesadamente na China.”
PRA: A Coréia já era desenvolvida antes de seu desastre financeiro de 1997-98, e seus grupos já estavam preparando-se para enfrentar a concorrência global muito antes disso. Os desastres incorridos foram uma das muitas bolhas financeiras que sempre ocorrem em processos de crescimento rápido e de expansão indevida da oferta de dinheiro e das bolsas de futuros, por excesso de otimismo dos jogadores. Desvios financeiros dos chaebols coreanos não têm muita conexão com a capacitação tecnológica exibida por seus engenheiros, que já estavam produzindo patentes em “excesso” muito antes disso.
7) “E até o Chile, apontado como o solitário exemplo de neoliberalismo bem-sucedido na América Latina, teve a prudência de não privatizar o cobre, sua grande fonte de exportações, manteve uma meta de inflação razoavelmente flexível e permanentes controles do capital especulativo.”
PRA: O sucesso do Chile não tem absolutamente nada a ver com a nacionalização do cobre: ele teria ocorrido – e talvez até pudesse ter sido maior – mesmo na liberalização e na privatização desse importante setor provedor de divisas para a economia chilena, divisas que continuariam entrando num regime privado. A nacionalização apenas serviu para dar dinheiro extra aos militares que se equiparam de forma talvez excessiva para os padrões necessários (ou talvez requeridos no caso do Chile, em face da Bolívia e do Peru ainda reinvindicantes). A Vale do Rio Doce é absolutamente privada há mais de uma década e aumentou enormemente as exportações BRASILEIRAS e trouxe divisas ao Brasil como nunca antes. Aliás, num regime privado, ela se tornou internacional e pode adquirir empresas em outros países, o que a Codelco chilena ainda não fez e não se sabe se o fará: a internacionalização é algo absolutamente necessário par qualquer empresa hoje, e empresas estatais em geral são pouco propensas a se internacionalizarem , o que realmente é uma pena.
Conclui-se disso que a nacionalização do cobre chileno é prejudicial, não “estratégico”, para fins de globalização “benévola”. Aliás, se o Chile está extraindo grandes “lucros” com a exportação de cobre, isso se deve basicamente aos altos preços vigentes nos mercados externos, o que não tem absolutamente nada a ver com políticas econômicas ortodoxas ou heterodoxas, nacionalistas ou globalizantes, e sim a lei da oferta e da procura. Poderia ser exatamente o contrário, isto é, commodities com baixa cotação, o que daria menos “lucros” ao governo e ao exército chileno. Isso não diminuiria em nada o sucesso do Chile – ou melhor, das empresas chilenas – em outras vertentes do comércio exterior e do crescimento econômico como um todo.
Quanto ao alegado controle sobre capitais especulativos, há uma incompreensão muito grande em torno disso. O Brasil dos anos 70 mantinha, como o Chile até 1997, mecanismo de esterilização de capitais especulativos, pois atraia muitos capitais em vista das suas altas taxas de crescimento (como o Chile nos anos 90). Aplicava retenções de 25% sobre o capital aplicado em prazos menores do que 12 meses, o que é exatamente a famosa quarentena chilena. Ou seja, não há absolutamente nada de extraordinário no que o Chile fez.
Deve-se também alertar para o fato de que, na crise de 1997, o Chile suspendeu, justamente, o mecanismo de retenção, o que os alegados defensores do modelo chileno (e brasileiro) não conhecem ou se escusam de lembrar. O Brasil tem um mecanismo (IOF) que poderia ser estendido ao ingresso de capitais, caso fosse necessário utilizá-lo.
Por fim, o que distingue o sucesso chileno na globalização é o seu crescimento contínuo durante duas décadas, estimulado por exportações crescentes, com base na lei das “vantagens comparativas”. As “importações” de capital ajudaram a modernizar o seu setor de serviços, sua logística exportadora e assim colaboraram na tarefa. Controles sobre capitais estrangeiros são feitos por razões de política monetária, não para se proteger da “globalização perversa”.
8) “Todos eles praticaram taxas de juros estritamente compatíveis com o mercado internacional.”
PRA: As taxas de juros internas são sempre um equilíbrio entre a remuneração interna (descontado o risco país) e a remuneração externa dos capitais, de maneira a manter neutra a balança de capitais. Se o Brasil manteve altas taxas não foi por um decisão perversa de suas autoridades monetárias, e sim para evitar fuga de capitais que sempre ocorre quando se tenta infringir aquele equilíbrio. De fato, aqueles países possuem taxas de juros mais reduzidas do que o Brasil, mas pergunta-se quantos planos econômicos mirabolantes, quantos confiscos e calotes esses países aplicaram ao longo das últimas décadas? Comparem-se as estruturas tributárias e o já referido crowding-out...
9) “Já o Brasil teve nesses 15 anos crescimento medíocre, perdeu sua condição de grande captador externo de investimentos produtivos (FDI) após as privatizações e, mantendo sempre uma taxa de juros elevadíssima, incentivou as operações especulativas do exterior e o rentismo, em detrimento da aplicação na produção.”
PRA: Quanto ao crescimento medíocre, não há discordância. Os capitais estrangeiros afluem quando eles têm condições de obter um retorno razoável, o que é justamente obstado pelo crescimento medíocre. Eles também visam as condições de negócios e as do Brasil são horríveis. Nenhum país pratica rentismo por que quer, ou então suas elites são absolutamente irresponsáveis. O que se chama de rentismo são os juros elevados, que se explicam justamente pela péssima qualidade da política fiscal.
10) “Nossas reservas internacionais são inéditas, o que é ótimo para investidores e especuladores internacionais que vêem nisso garantia contra calotes. É o que constrói o tal “risco país” e o tão desejado investment grade.”
PRA: Concordo em que as reservas não precisariam ser tão (inutilmente) grandes. Elas poderiam ser mais sabiamente substituídas por fluxos bem mais elevados de Xs e Ms, que trariam assim os dólares de que necessitamos para cobrir as obrigações externas. Estamos com reservas equivalentes a mais de um ano de importações, quando três ou quatro meses bastariam...
11) “Estamos amortecidos por uma inflação muito baixa, gerada por importações baratas e demanda contida por juros altos. (...) A melhor política é favorecer a elevação do dólar com mecanismos que ainda estão à mão: controlar o fluxo de capital especulativo (como estão fazendo Chile e Colômbia) e baixar com muito mais coragem a taxa de juros.”
PRA: Pela primeira vez em um século, talvez, nossa inflação se aproxima da média mundial. Isso não deve ser nenhum mérito, mas algo “normal”. O sucesso exportador explica a valorização cambial e qualquer medida que vise aumentar esse sucesso – desvalorizando a moeda, por exemplo – vai também pressionar a moeda para cima novamente. Não é difícil controlar “fluxos especulativos”, basta imposto e algumas simples regras. Na verdade, eles só são especulativos porque as oportunidades de lucro internamente são maiores do que nos mercados maduros, o que pode ser bom. Por outro lado, se o crowding-out não fosse tão intenso, os capitais “especulativos” seriam predominantemente nacionais.
Por fim, o que mantém a taxa de juros alta é o desequilíbrio das contas públicas, não o desejo do Copom ou a perversidade do Banco Central. O Chile “produz” superávits nominais há muito anos: algum comentário sobre isto?
Minha conclusão: O Brasil ainda tem muito a fazer para aproximar sua política econômica do qu se chama “good fundamentals”. Quando o fizer, podemos ter certeza de que vai deslanchar em termos de crescimento econômico. O que tem retido o Brasil são justamente políticas feitas para garantir o máximo de receitas para o Estado ao mesmo tempo em que diminuem as possibilidades de investimento privado.
Acredito também que podemos ousar: vamos ousar reduzir o tamanho do Estado. Apenas a título de comparação: a carga fiscal no Chile é de 18% do PIB, na China de 17%. No Brasil, como todos sabem, ela supera 35%. Algum comentário a respeito disto?
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 16 de junho de 2007
O autor, Gilberto Dupas, respondeu-me em 17 de junho, e seu texto foi por mim transcrito no post 737, acima.
Globalização Perversa e Políticas Econômicas Nacionais: um contraponto
Paulo Roberto de Almeida
(pralmeida@mac.com; www.pralmeida.org)
Um diálogo à distância com Gilberto Dupas, a propósito de seu artigo “” (O Estado de São Paulo, sábado, 16 de junho de 2007, pág. A-2).
1) “O Brasil perdeu uma oportunidade de inserção benévola na perversa lógica da economia global a partir de sua abertura econômica.”
PRA: Processos de inserção não deveriam receber qualificativos ou adjetivos, uma vez que os processos de integração à economia mundial não são pré-determinados, para que deles possamos decidir, ex-ante, que deles aceitaremos apenas aspectos favoráveis, rejeitando os menos risonhos, mormente quando se trata da globalização, que não é comandada por nenhuma força identificável em particular. Países decidem estabelecer medidas de política econômica que são mais ou menos abertas a influxos externos por decisões conscientes de suas autoridades e estima-se que, a menos que sejam particularmente estúpidas ou perversas, tenham elas feito um cálculo de custo-benefício da abertura econômica e concluído que o exercício era importante para o país.
Da mesma forma, não há nenhuma lógica “perversa” – ou “benéfica”, que seja – na economia global, pela simples razão que essa economia global, supondo-se que funcione da mesma forma que sistemas complexos, não obedece a critérios de utilidade racional, unitários ou comandados a partir de um centro. Ninguém está no comando da globalização, ponto. Isso precisaria ficar muito claro aos favoráveis e aos opositores da globalização, que pedem seja uma globalização não-assimétrica, seja um outro mundo possível. Tudo isso é absolutamente inócuo.
Por outro lado, agora no plano puramente pessoal, o Gilberto Dupas tem uma tendência conhecida a ver aspectos desfavoráveis na globalização. Acredito que um chinês, retirado de sua aldeia miserável do interior para um salário razoável em Xangai, poderia ter uma opinião claramente distinta da economia mundial e de suas oportunidades “positivas”.
Concluindo: não creio que o Brasil tenha perdido nenhuma oportunidade ao se abrir, uma vez que ele apenas seguiu uma tendência geral à qual ele antes era contrário. Não deveria haver nenhuma dúvida a respeito dos efeitos globalmente positivos da globalização: os países que nela se inseriram, sem adjetivos, mas com mais intensidade, retiraram benefícios, como provam os casos da China e da índia, justamente. Qualquer que seja o julgamento que se possa fazer sobre a qualidade de suas políticas econômicas nacionais, o fato é que nenhum benefício delas adviria se eles não tivessem conduzido processos de abertura a capitais e comércio estrangeiros.
2) “Ainda que necessária, ela foi açodada e sem a retaguarda de um projeto estratégico que minimizasse riscos e capturasse vantagens da fragmentação das cadeias produtivas globais. China, Índia, Coréia do Sul e Chile são as provas de que isso era possível.”
PRA: “Açodada” não é bem o termo para um país que faz um reforma tarifária modesta, que depois de concluída viu tarifas serem reescalonadas para o alto, em todas as demais oportunidades, e que ainda mantém uma média e picos tarifários superiores aos da maior parte dos países emergentes (com algumas exceções pontuais que mereceriam qualificação).
“Projeto estratégico” é geralmente uma ilusão conceitual, pois ele raramente existe em circunstâncias normais, sendo mais um conceito ex-post para “explicar” o que deu certo. Se não deu certo, vai para a lata do lixo da história e ninguém mais fala do conjunto de políticas exercidas naquela momento ex-ante. Todos os países possuem políticas e práticas, algumas mais exitosas do que outras, em função de variáveis que devem ser explicadas caso a caso, e não como o resultado de algum desenvolvimento teleológico que já estava pré-determinado em sua origem.
A única coisa que podemos afirmar dos “projetos estratégicos” dos países citados é que eles estavam dispostos a aproveitar as oportunidades oferecidas pela economia global, justamente, mobilizando seus fatores produtivos e seus potenciais competitivos em função dos mesmos mecanismos ricardianos e das vantagens dinâmicas percebidas que poderiam ser exploradas de forma positiva no contexto altamente competitivo da economia global. Fora essa qualificação absolutamente genérica, e portanto inútil para todos os efeitos, não há rigorosamente nada que se pareça em cada experiência nacional, em termos de “projeto estratégico”.
3) “Países muito diferentes entre si, a partir de um diagnóstico sensato de suas potencialidades e dos espaços de inserção - e utilizando políticas econômicas menos ortodoxas -, conseguiram crescer, de 1990 a 2005, a médias anuais elevadas: China, a 10%; Índia, Coréia do Sul e Chile, próximo de 6%; enquanto o Brasil amargou pouco mais de 2%.”
PRA: Esse crescimento não foi “dado” pela globalização e sim obtido por cada um deles a partir da demanda externa de seus produtos e da demanda interna criada por uma nova dinâmica econômica que atuou em sinergia com os novos fatores produtivos, potencializados em grande medida pela inserção na economia mundial (que necessariamente representa mercados, capitais, know-how, melhorias tecnológicas, etc). Países temerosos ou cautelosos em se lançar nessa ciranda geralmente acabam ficando para trás.
Mas os principais fatores de crescimento são sempre internos, uma vez que a interface externa nem sempre representa a maior parte do PIB. Por isso devem ser levados em conta no processo de crescimento os demais fatores de ordem econômica interna, que podem explicar a taxa de crescimento: variáveis fiscais, monetárias, mercado de capitais, a existência ou não de crowding-out pelo Estado, a infra-estrutura (material e institucional) e a logística favoráveis, a estrutura tributária, o ambiente de negócios, e muitos outros fatores mais.
Comparando-se os registros históricos de inflação, equilíbrio fiscal, investimentos produtivos e ambiente de negócios de todos esses países, acredito que teríamos muito mais razões para diferenciá-los em termos de taxas de crescimento do que qualquer “projeto estratégico” que dificilmente poderia ser comparado sem enorme subjetivismo de nossa parte. Indicadores e séries estatísticas são fatores objetivos à disposição de qualquer um, e posso apostar, preventivamente, que nossos indicadores macro e microeconômicos eram e são globalmente negativos para fins de crescimento econômico: poupança, investimentos, tributos, créditos, infra-estrutura, governo, etc. Não creio que seja necessário montar tabelas comparativas para evidenciar essas realidades, conhecidas da maior parte das pessoas que trabalham com dados estatísticos.
E o que dizer de “políticas econômicas menos ortodoxas”? Trata-se de uma afirmação inacreditável para quem conhece as antigas políticas seguidas pela China socialista, pela Índia nacionalista e “planejadora” e pelo Chile de Allende, “cepaliana”. Toda a evolução das políticas econômicas desses países foi sempre no sentido de adesão aos princípios gerais que coincidem com os chamados good fundamentals, qualquer que seja o resíduo “nacionalista” e “heterodoxo” de suas políticas setoriais. Esses países só deslancharam porque, justamente, eles se afastaram daquelas políticas seguidas anteriormente. Ainda que se possa recusar, para efeitos puramente de “nacionalismo” econômico, a classificação de “consenso de Washington” para suas políticas econômicas, um exame mesmo perfunctório de seu sentido geral revela, não um afastamento, mas sim uma concordância básica com aquele conjunto de regras.
4) “A China utilizou múltiplas estratégias, a maioria ao arrepio do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da Organização Mundial do Comércio (OMC), atraiu enorme fluxo de investimentos diretos internacionais e se tornou grande geradora de tecnologia.”
PRA: Afirmação arriscada, uma vez que a China, antes de ingressar no FMI e na OMC, podia sim ostentar políticas contrárias a essas instituições e suas regras estatutárias. Se algo houve, depois, foi justamente no sentido da convergência dessas políticas com as regras multilaterais, e portanto a afirmação peca por inconsistência lógica. De resto, não há nada que indique o que sejam essas “múltiplas estratégias”, a não a ser atração contínua de capitais estrangeiros e a busca incessante de mercados externos. O que a China fez, isso sim, foi multiplicar estratégias e políticas ao arrepio completo de suas antiquadas regras restritivas e de suas leis nacionais completamente defasadas para uma inserção na globalização. Posso afirmar isso por experiência própria, pois integrei o primeiro GT do GATT para examinar o ingresso da China, em 1987, e a tarefa era, justamente, a de colocar a legislação chinesa de comércio exterior em compasso com a das demais partes contratantes ao GATT (não se falava então de OMC). Pode-se dizer que, ainda que maneira “gauche”, a China vem cumprindo razoavelmente bem o que se espera dela nas instituições multilaterais.
5) “A Índia cuidou das grandes empresas locais, zelou por seu mercado interno e virou o maior produtor de software do mundo.”
PRA: Qualquer pessoa que conheça a Índia sabe dizer que o que não foi privilegiado foi exatamente o seu mercado interno nesse processo de “inserção benévola” com a economia global. O que explica o sucesso da Índia nessa área é justamente a existência de muitos indianos nos EUA e na Europa que souberam aproveitar as oportunidades existentes nesses mercados para oferecer serviços baratos que atendem justamente o mercado externo, a partir de suas bases indianas, necessariamente mais baratas do que os mesmos serviços oferecidos nos mercados consumidores. Assim como Lênin dizia que o comunismo soviético era o socialismo mais eletricidade, o êxito indiano na globalização poderia ser explicado como sendo know-how ocidental mais engenheiros indianos (e matemáticos, físicos, tecnólogos de todo tipo).
Por fim, acredito que não foi exatamente a “Índia” – aqui algo equivalente ao Estado – que obteve esse sucesso, mas as empresas indianas, que puderam expandir-se graças, justamente, à liberação das antigas amarras do Estado indiano. Se isso são políticas “heterodoxas” é duvidoso e incerto, pois o sentido geral é o do alinhamento com as políticas econômicas favoráveis à inserção globalizada.
6) “A Coréia do Sul lidou com a pesada crise asiática do final do século, reformulou seus grandes grupos nacionais, lidera setores de tecnologia de ponta e agora investe pesadamente na China.”
PRA: A Coréia já era desenvolvida antes de seu desastre financeiro de 1997-98, e seus grupos já estavam preparando-se para enfrentar a concorrência global muito antes disso. Os desastres incorridos foram uma das muitas bolhas financeiras que sempre ocorrem em processos de crescimento rápido e de expansão indevida da oferta de dinheiro e das bolsas de futuros, por excesso de otimismo dos jogadores. Desvios financeiros dos chaebols coreanos não têm muita conexão com a capacitação tecnológica exibida por seus engenheiros, que já estavam produzindo patentes em “excesso” muito antes disso.
7) “E até o Chile, apontado como o solitário exemplo de neoliberalismo bem-sucedido na América Latina, teve a prudência de não privatizar o cobre, sua grande fonte de exportações, manteve uma meta de inflação razoavelmente flexível e permanentes controles do capital especulativo.”
PRA: O sucesso do Chile não tem absolutamente nada a ver com a nacionalização do cobre: ele teria ocorrido – e talvez até pudesse ter sido maior – mesmo na liberalização e na privatização desse importante setor provedor de divisas para a economia chilena, divisas que continuariam entrando num regime privado. A nacionalização apenas serviu para dar dinheiro extra aos militares que se equiparam de forma talvez excessiva para os padrões necessários (ou talvez requeridos no caso do Chile, em face da Bolívia e do Peru ainda reinvindicantes). A Vale do Rio Doce é absolutamente privada há mais de uma década e aumentou enormemente as exportações BRASILEIRAS e trouxe divisas ao Brasil como nunca antes. Aliás, num regime privado, ela se tornou internacional e pode adquirir empresas em outros países, o que a Codelco chilena ainda não fez e não se sabe se o fará: a internacionalização é algo absolutamente necessário par qualquer empresa hoje, e empresas estatais em geral são pouco propensas a se internacionalizarem , o que realmente é uma pena.
Conclui-se disso que a nacionalização do cobre chileno é prejudicial, não “estratégico”, para fins de globalização “benévola”. Aliás, se o Chile está extraindo grandes “lucros” com a exportação de cobre, isso se deve basicamente aos altos preços vigentes nos mercados externos, o que não tem absolutamente nada a ver com políticas econômicas ortodoxas ou heterodoxas, nacionalistas ou globalizantes, e sim a lei da oferta e da procura. Poderia ser exatamente o contrário, isto é, commodities com baixa cotação, o que daria menos “lucros” ao governo e ao exército chileno. Isso não diminuiria em nada o sucesso do Chile – ou melhor, das empresas chilenas – em outras vertentes do comércio exterior e do crescimento econômico como um todo.
Quanto ao alegado controle sobre capitais especulativos, há uma incompreensão muito grande em torno disso. O Brasil dos anos 70 mantinha, como o Chile até 1997, mecanismo de esterilização de capitais especulativos, pois atraia muitos capitais em vista das suas altas taxas de crescimento (como o Chile nos anos 90). Aplicava retenções de 25% sobre o capital aplicado em prazos menores do que 12 meses, o que é exatamente a famosa quarentena chilena. Ou seja, não há absolutamente nada de extraordinário no que o Chile fez.
Deve-se também alertar para o fato de que, na crise de 1997, o Chile suspendeu, justamente, o mecanismo de retenção, o que os alegados defensores do modelo chileno (e brasileiro) não conhecem ou se escusam de lembrar. O Brasil tem um mecanismo (IOF) que poderia ser estendido ao ingresso de capitais, caso fosse necessário utilizá-lo.
Por fim, o que distingue o sucesso chileno na globalização é o seu crescimento contínuo durante duas décadas, estimulado por exportações crescentes, com base na lei das “vantagens comparativas”. As “importações” de capital ajudaram a modernizar o seu setor de serviços, sua logística exportadora e assim colaboraram na tarefa. Controles sobre capitais estrangeiros são feitos por razões de política monetária, não para se proteger da “globalização perversa”.
8) “Todos eles praticaram taxas de juros estritamente compatíveis com o mercado internacional.”
PRA: As taxas de juros internas são sempre um equilíbrio entre a remuneração interna (descontado o risco país) e a remuneração externa dos capitais, de maneira a manter neutra a balança de capitais. Se o Brasil manteve altas taxas não foi por um decisão perversa de suas autoridades monetárias, e sim para evitar fuga de capitais que sempre ocorre quando se tenta infringir aquele equilíbrio. De fato, aqueles países possuem taxas de juros mais reduzidas do que o Brasil, mas pergunta-se quantos planos econômicos mirabolantes, quantos confiscos e calotes esses países aplicaram ao longo das últimas décadas? Comparem-se as estruturas tributárias e o já referido crowding-out...
9) “Já o Brasil teve nesses 15 anos crescimento medíocre, perdeu sua condição de grande captador externo de investimentos produtivos (FDI) após as privatizações e, mantendo sempre uma taxa de juros elevadíssima, incentivou as operações especulativas do exterior e o rentismo, em detrimento da aplicação na produção.”
PRA: Quanto ao crescimento medíocre, não há discordância. Os capitais estrangeiros afluem quando eles têm condições de obter um retorno razoável, o que é justamente obstado pelo crescimento medíocre. Eles também visam as condições de negócios e as do Brasil são horríveis. Nenhum país pratica rentismo por que quer, ou então suas elites são absolutamente irresponsáveis. O que se chama de rentismo são os juros elevados, que se explicam justamente pela péssima qualidade da política fiscal.
10) “Nossas reservas internacionais são inéditas, o que é ótimo para investidores e especuladores internacionais que vêem nisso garantia contra calotes. É o que constrói o tal “risco país” e o tão desejado investment grade.”
PRA: Concordo em que as reservas não precisariam ser tão (inutilmente) grandes. Elas poderiam ser mais sabiamente substituídas por fluxos bem mais elevados de Xs e Ms, que trariam assim os dólares de que necessitamos para cobrir as obrigações externas. Estamos com reservas equivalentes a mais de um ano de importações, quando três ou quatro meses bastariam...
11) “Estamos amortecidos por uma inflação muito baixa, gerada por importações baratas e demanda contida por juros altos. (...) A melhor política é favorecer a elevação do dólar com mecanismos que ainda estão à mão: controlar o fluxo de capital especulativo (como estão fazendo Chile e Colômbia) e baixar com muito mais coragem a taxa de juros.”
PRA: Pela primeira vez em um século, talvez, nossa inflação se aproxima da média mundial. Isso não deve ser nenhum mérito, mas algo “normal”. O sucesso exportador explica a valorização cambial e qualquer medida que vise aumentar esse sucesso – desvalorizando a moeda, por exemplo – vai também pressionar a moeda para cima novamente. Não é difícil controlar “fluxos especulativos”, basta imposto e algumas simples regras. Na verdade, eles só são especulativos porque as oportunidades de lucro internamente são maiores do que nos mercados maduros, o que pode ser bom. Por outro lado, se o crowding-out não fosse tão intenso, os capitais “especulativos” seriam predominantemente nacionais.
Por fim, o que mantém a taxa de juros alta é o desequilíbrio das contas públicas, não o desejo do Copom ou a perversidade do Banco Central. O Chile “produz” superávits nominais há muito anos: algum comentário sobre isto?
Minha conclusão: O Brasil ainda tem muito a fazer para aproximar sua política econômica do qu se chama “good fundamentals”. Quando o fizer, podemos ter certeza de que vai deslanchar em termos de crescimento econômico. O que tem retido o Brasil são justamente políticas feitas para garantir o máximo de receitas para o Estado ao mesmo tempo em que diminuem as possibilidades de investimento privado.
Acredito também que podemos ousar: vamos ousar reduzir o tamanho do Estado. Apenas a título de comparação: a carga fiscal no Chile é de 18% do PIB, na China de 17%. No Brasil, como todos sabem, ela supera 35%. Algum comentário a respeito disto?
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 16 de junho de 2007
quinta-feira, 14 de junho de 2007
734) Ainda sobre a política externa do Brasil, voz oficial
Entrevista da 2ª- Samuel Pinheiro Guimarães
Secretário-geral do Itamaraty diz não haver ideologia no trabalho do ministério e nega antiamericanismo no governo Lula, mas manda recados sutis aos EUA Para embaixador, política externa é só "pragmática"
ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA
FSP, 26 de fevereiro de 2007
DEPOIS DE atravessar os quatro anos do primeiro governo Lula falando muito para dentro do Itamaraty e pouco para fora, o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães deu uma rara entrevista em que nega antiamericanismo no governo e classifica a política externa de "pragmática e não ideológica". Não deixou, porém, de mandar recados sutis aos EUA. "Um mundo melhor", segundo ele, "será aquele em que as promessas de desarmamento se realizem, os preceitos do Direito Internacional sejam obedecidos pelas grandes potências, as diferenças econômicas entre os Estados se reduzam e o meio ambiente seja preservado". Por exigência dele, as perguntas foram feitas por escrito e respondidas por e-mail. Segue a íntegra da entrevista.
FOLHA - O ex-embaixador em Washington Roberto Abdenur declarou que há "um substrato ideológico vagamente anticapitalista, antiglobalização, antiamericano, totalmente superado" na política externa brasileira. O sr. concorda?
SAMUEL PINHEIRO GUIMARÃES - A política externa do presidente Lula, conduzida pelo ministro Celso Amorim, é pragmática e não ideológica; é a favor do trabalho sem ser contra o capital; compreende que a globalização apresenta oportunidades mas também riscos para os países subdesenvolvidos; é a favor do Brasil e não contra qualquer país. Como o próprio presidente e o ministro não se cansam de repetir, a política externa desperta o interesse e desfruta do respeito de todos os países, ricos e pobres; do Ocidente e do Oriente; da América do Sul e do Norte, o que se reflete no grande número de presidentes, primeiros- ministros, chanceleres, autoridades e empresários que vêm ao Brasil e desejam nossa cooperação política, econômica e social.
FOLHA - Os críticos da política externa afirmam que o Brasil tem uma participação há anos estacionada em 1,4% da economia norte-americana, perdendo milhões de dólares em negócios por conta de um suposto antiamericanismo. Como é possível menosprezar o principal mercado do mundo?
PINHEIRO GUIMARÃES - O aumento da presença da China no mercado americano fez com que, no período de 1999 a 2006, nas importações americanas, a participação do Canadá caísse de 19% para 16,9%; a do Japão, de 12,8% para 7,9%; a da Alemanha, de 5,3% para 4,9%; a da França, de 2,5% para 2,0%. Ao contrário, a participação do Brasil cresceu de 1,1% para 1,4%, refletindo o aumento de nossas exportações de US$ 10 bilhões para US$ 24 bilhões. São as empresas brasileiras que
exportam: elas não menosprezaram o mercado americano, nosso principal comprador, e tiveram todo o apoio do governo brasileiro em seu esforço.
FOLHA - O sr. é uma espécie de símbolo do suposto antiamericanismo, inclusive por ser ferrenho adversário da Alca. Convém ao governo brasileiro mantê-lo no segundo cargo na hierarquia do Itamaraty? O objetivo é justamente marcar posição?
PINHEIRO GUIMARÃES - O cargo de secretário-geral das Relações Exteriores é de livre nomeação do presidente Lula, por indicação do ministro Celso Amorim. Cabe ao presidente e ao ministro, naturalmente, decidir sobre o que convém.
FOLHA - A Alca acabou, e o chanceler Amorim dizia que o importante era a OMC. Mas as negociações na OMC também empacaram. Onde o Brasil está errando?
PINHEIRO GUIMARÃES - As negociações na OMC estão em pleno andamento e há grandes expectativas. O Brasil tem tido papel central nessas negociações na liderança do G20 [grupo de 20 países em desenvolvimento liderado por Brasil e Índia] e em entendimentos com os interlocutores dos Estados Unidos e da União Européia. As perspectivas de uma conclusão positiva para o Brasil são maiores do que em qualquer outro momento.
FOLHA - A adesão da Venezuela ao Mercosul tem sido duramente criticada, pois seria uma forma de transformar o bloco em uma ponta-de- lança contra Washington, ou pelo menos num palanque para o presidente Hugo Chávez atacar Bush. O bônus da adesão compensa o ônus?
PINHEIRO GUIMARÃES - O comércio entre o Brasil e a Venezuela passou de US$ 880 milhões em 2003 para US$ 4,1 bilhões em 2006. Empresas brasileiras fazem grandes investimentos e constroem hidrelétricas, linhas de metrô, pontes, represas e sistemas de irrigação na Venezuela. Todos os membros do Mercosul estão de acordo quanto à adesão da Venezuela. O Mercosul é uma união aduaneira e não um bloco político de oposição a qualquer outro país e muito menos aos EUA, que, aliás, percebem isto perfeitamente.
FOLHA - Pelo menos na retórica, Chávez está ganhando aliados na região, como os presidentes Evo Morales, da Bolívia, e Rafael Corrêa, do Equador. É um novo pólo de poder?
PINHEIRO GUIMARÃES - Cada país da América do Sul tem o direito de cooperar com os demais países sem que isto signifique a formação de pólos de poder. Qualquer pretensão hegemônica de qualquer país encontra grande resistência dos demais, e a forma natural de influência é o exemplo, o que supõe relações de parceria, como as que o Brasil tem desenvolvido com cada país da América do Sul, com excelentes resultados.
FOLHA - De outro lado, o governo Bush praticamente escolheu o Irã como novo alvo, digamos, das preocupações norte-americanas. Esse será um tema do encontro Lula-Bush em 9 de março? O que o Brasil tem a ver com isso?
PINHEIRO GUIMARÃES - A agenda do encontro dos presidentes ainda não está definida. O Brasil, que tem a sexta maior reserva de urânio do mundo, domina a tecnologia de enriquecimento de urânio e tem uma demanda interna importante por energia, defende o direito de todos os países de desenvolver a tecnologia nuclear para fins pacíficos, desde que respeitados fielmente os compromissos internacionais. Nossa posição na AIEA se pauta por este princípio e pela preferência pelo diálogo como forma de solucionar impasses.
FOLHA - Há duas versões no governo e no Itamaraty: uma de que o sr. é decisivo para a formulação da política externa; outra de que, na verdade, é o grande executivo que está "botando a casa em ordem". Qual a verdadeira?
PINHEIRO GUIMARÃES - O presidente formula e dirige a política externa com o auxílio do ministro. Ao secretário-geral cabem as tarefas definidas pelo decreto 5979/2006, que são assessorar o ministro na execução da política e na orientação da secretaria de Estado e das missões no exterior.
FOLHA - Por que o sr. participou dos primeiros palanques do presidente Lula na campanha do segundo mandato, mas de repente sumiu?
PINHEIRO GUIMARÃES - Todo cidadão brasileiro tem o direito, e até o dever, de participar da vida política de seu país.
FOLHA - E por que o sr. decidiu impor livros de sua própria preferência para os diplomatas que estejam sendo promovidos ou assumindo missões no exterior? Qual o viés desses livros? E porque o ministro determinou o fim da prática?
PINHEIRO GUIMARÃES - Gilberto Freire disse: "O livro do sr. Álvaro Lins sobre o Barão do Rio Branco é um destes livros que desde as primeiras páginas nos dão o gosto raro de contato com uma obra monumental". Celso Furtado, sobre Bielschowsky, disse: "Considero "Pensamento Econômico Brasileiro" o mais importante trabalho já realizado para caracterizar e apreciar o considerável esforço produzido entre nós a fim de resgatar o Brasil das armadilhas do pensamento ortodoxo". Roberto Campos, ex-embaixador em Washington, sobre Bielschowsky, disse: "Erudito, objetivo e correto. "Pensamento Econômico Brasileiro" é referência indispensável, por sua análise balanceada e percuciente das controvérsias ideológicas da época".
Rubens Ricupero, ex-embaixador em Washington, sobre o livro de Moniz Bandeira disse: "É uma obra original, uma autêntica história conjunta das relações diplomáticas do Brasil e da Argentina durante 133 anos.
Tem razão, assim, o historiador americano Frank Mc Cann, ao apresentá- la como "leitura indispensável". Não conheço, nem creio que exista, outro trabalho desse fôlego, cerca de 680 páginas, que cubra de modo tão completo e analítico o período contemporâneo". Sobre "Chutando a Escada", de Ha-Joon Chang, professor de Cambridge, na Inglaterra, Charles Kindleberger, um dos maiores economistas americanos, disse:
"uma crítica estimulante dos sermões dos economistas da corrente dominante dirigidos aos países em desenvolvimento." O aperfeiçoamento dos diplomatas é uma necessidade constante. A leitura de três ou quatro livros não poderia jamais modificar o modo de pensar de qualquer diplomata, mas pode trazer informações importantes. O ministro Celso Amorim considerou que a celeuma provocada não justificava a energia despendida.
FOLHA - O que se deve esperar de um bom diplomata? E de um diplomata brasileiro no mundo atual?
PINHEIRO GUIMARÃES - De um bom diplomata se espera que defenda e promova os interesses de seu país. De um diplomata brasileiro se espera que defenda e promova os interesses do Brasil, de acordo com os objetivos da política externa definidos no Art. 4º da Constituição Federal, em especial a independência nacional, a não-intervenção e a autodeterminação, e com a orientação do Presidente da República.
FOLHA - Como o Brasil pode interferir para que o mundo seja melhor?
Aliás, o que seria, a seu ver, um "mundo melhor"?
PINHEIRO GUIMARÃES - O Brasil pode contribuir para a preservação da paz, para o desenvolvimento econômico e social, para a construção da democracia na esfera internacional, de tal forma que cada sociedade, observados os preceitos fundamentais de autodeterminação e não- intervenção inscritos na Carta da ONU, possa prosseguir em sua evolução histórica.
Um mundo melhor será aquele em que as promessas de desarmamento se realizem; em que os preceitos do Direito Internacional sejam obedecidos pelas grandes potências; em que as diferenças econômicas entre os Estados se reduzam; em que o meio ambiente seja preservado; em que os direitos humanos, políticos, econômicos e sociais sejam respeitados; em que a pobreza e a miséria sejam abolidas; em que cada indivíduo possa desenvolver todo o seu potencial. Com esses objetivos, o presidente Lula e o ministro Celso Amorim têm defendido a democratização das instâncias internacionais de decisão, como o Conselho de Segurança da ONU e o G-8.
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2602200716.htm
Secretário-geral do Itamaraty diz não haver ideologia no trabalho do ministério e nega antiamericanismo no governo Lula, mas manda recados sutis aos EUA Para embaixador, política externa é só "pragmática"
ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA
FSP, 26 de fevereiro de 2007
DEPOIS DE atravessar os quatro anos do primeiro governo Lula falando muito para dentro do Itamaraty e pouco para fora, o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães deu uma rara entrevista em que nega antiamericanismo no governo e classifica a política externa de "pragmática e não ideológica". Não deixou, porém, de mandar recados sutis aos EUA. "Um mundo melhor", segundo ele, "será aquele em que as promessas de desarmamento se realizem, os preceitos do Direito Internacional sejam obedecidos pelas grandes potências, as diferenças econômicas entre os Estados se reduzam e o meio ambiente seja preservado". Por exigência dele, as perguntas foram feitas por escrito e respondidas por e-mail. Segue a íntegra da entrevista.
FOLHA - O ex-embaixador em Washington Roberto Abdenur declarou que há "um substrato ideológico vagamente anticapitalista, antiglobalização, antiamericano, totalmente superado" na política externa brasileira. O sr. concorda?
SAMUEL PINHEIRO GUIMARÃES - A política externa do presidente Lula, conduzida pelo ministro Celso Amorim, é pragmática e não ideológica; é a favor do trabalho sem ser contra o capital; compreende que a globalização apresenta oportunidades mas também riscos para os países subdesenvolvidos; é a favor do Brasil e não contra qualquer país. Como o próprio presidente e o ministro não se cansam de repetir, a política externa desperta o interesse e desfruta do respeito de todos os países, ricos e pobres; do Ocidente e do Oriente; da América do Sul e do Norte, o que se reflete no grande número de presidentes, primeiros- ministros, chanceleres, autoridades e empresários que vêm ao Brasil e desejam nossa cooperação política, econômica e social.
FOLHA - Os críticos da política externa afirmam que o Brasil tem uma participação há anos estacionada em 1,4% da economia norte-americana, perdendo milhões de dólares em negócios por conta de um suposto antiamericanismo. Como é possível menosprezar o principal mercado do mundo?
PINHEIRO GUIMARÃES - O aumento da presença da China no mercado americano fez com que, no período de 1999 a 2006, nas importações americanas, a participação do Canadá caísse de 19% para 16,9%; a do Japão, de 12,8% para 7,9%; a da Alemanha, de 5,3% para 4,9%; a da França, de 2,5% para 2,0%. Ao contrário, a participação do Brasil cresceu de 1,1% para 1,4%, refletindo o aumento de nossas exportações de US$ 10 bilhões para US$ 24 bilhões. São as empresas brasileiras que
exportam: elas não menosprezaram o mercado americano, nosso principal comprador, e tiveram todo o apoio do governo brasileiro em seu esforço.
FOLHA - O sr. é uma espécie de símbolo do suposto antiamericanismo, inclusive por ser ferrenho adversário da Alca. Convém ao governo brasileiro mantê-lo no segundo cargo na hierarquia do Itamaraty? O objetivo é justamente marcar posição?
PINHEIRO GUIMARÃES - O cargo de secretário-geral das Relações Exteriores é de livre nomeação do presidente Lula, por indicação do ministro Celso Amorim. Cabe ao presidente e ao ministro, naturalmente, decidir sobre o que convém.
FOLHA - A Alca acabou, e o chanceler Amorim dizia que o importante era a OMC. Mas as negociações na OMC também empacaram. Onde o Brasil está errando?
PINHEIRO GUIMARÃES - As negociações na OMC estão em pleno andamento e há grandes expectativas. O Brasil tem tido papel central nessas negociações na liderança do G20 [grupo de 20 países em desenvolvimento liderado por Brasil e Índia] e em entendimentos com os interlocutores dos Estados Unidos e da União Européia. As perspectivas de uma conclusão positiva para o Brasil são maiores do que em qualquer outro momento.
FOLHA - A adesão da Venezuela ao Mercosul tem sido duramente criticada, pois seria uma forma de transformar o bloco em uma ponta-de- lança contra Washington, ou pelo menos num palanque para o presidente Hugo Chávez atacar Bush. O bônus da adesão compensa o ônus?
PINHEIRO GUIMARÃES - O comércio entre o Brasil e a Venezuela passou de US$ 880 milhões em 2003 para US$ 4,1 bilhões em 2006. Empresas brasileiras fazem grandes investimentos e constroem hidrelétricas, linhas de metrô, pontes, represas e sistemas de irrigação na Venezuela. Todos os membros do Mercosul estão de acordo quanto à adesão da Venezuela. O Mercosul é uma união aduaneira e não um bloco político de oposição a qualquer outro país e muito menos aos EUA, que, aliás, percebem isto perfeitamente.
FOLHA - Pelo menos na retórica, Chávez está ganhando aliados na região, como os presidentes Evo Morales, da Bolívia, e Rafael Corrêa, do Equador. É um novo pólo de poder?
PINHEIRO GUIMARÃES - Cada país da América do Sul tem o direito de cooperar com os demais países sem que isto signifique a formação de pólos de poder. Qualquer pretensão hegemônica de qualquer país encontra grande resistência dos demais, e a forma natural de influência é o exemplo, o que supõe relações de parceria, como as que o Brasil tem desenvolvido com cada país da América do Sul, com excelentes resultados.
FOLHA - De outro lado, o governo Bush praticamente escolheu o Irã como novo alvo, digamos, das preocupações norte-americanas. Esse será um tema do encontro Lula-Bush em 9 de março? O que o Brasil tem a ver com isso?
PINHEIRO GUIMARÃES - A agenda do encontro dos presidentes ainda não está definida. O Brasil, que tem a sexta maior reserva de urânio do mundo, domina a tecnologia de enriquecimento de urânio e tem uma demanda interna importante por energia, defende o direito de todos os países de desenvolver a tecnologia nuclear para fins pacíficos, desde que respeitados fielmente os compromissos internacionais. Nossa posição na AIEA se pauta por este princípio e pela preferência pelo diálogo como forma de solucionar impasses.
FOLHA - Há duas versões no governo e no Itamaraty: uma de que o sr. é decisivo para a formulação da política externa; outra de que, na verdade, é o grande executivo que está "botando a casa em ordem". Qual a verdadeira?
PINHEIRO GUIMARÃES - O presidente formula e dirige a política externa com o auxílio do ministro. Ao secretário-geral cabem as tarefas definidas pelo decreto 5979/2006, que são assessorar o ministro na execução da política e na orientação da secretaria de Estado e das missões no exterior.
FOLHA - Por que o sr. participou dos primeiros palanques do presidente Lula na campanha do segundo mandato, mas de repente sumiu?
PINHEIRO GUIMARÃES - Todo cidadão brasileiro tem o direito, e até o dever, de participar da vida política de seu país.
FOLHA - E por que o sr. decidiu impor livros de sua própria preferência para os diplomatas que estejam sendo promovidos ou assumindo missões no exterior? Qual o viés desses livros? E porque o ministro determinou o fim da prática?
PINHEIRO GUIMARÃES - Gilberto Freire disse: "O livro do sr. Álvaro Lins sobre o Barão do Rio Branco é um destes livros que desde as primeiras páginas nos dão o gosto raro de contato com uma obra monumental". Celso Furtado, sobre Bielschowsky, disse: "Considero "Pensamento Econômico Brasileiro" o mais importante trabalho já realizado para caracterizar e apreciar o considerável esforço produzido entre nós a fim de resgatar o Brasil das armadilhas do pensamento ortodoxo". Roberto Campos, ex-embaixador em Washington, sobre Bielschowsky, disse: "Erudito, objetivo e correto. "Pensamento Econômico Brasileiro" é referência indispensável, por sua análise balanceada e percuciente das controvérsias ideológicas da época".
Rubens Ricupero, ex-embaixador em Washington, sobre o livro de Moniz Bandeira disse: "É uma obra original, uma autêntica história conjunta das relações diplomáticas do Brasil e da Argentina durante 133 anos.
Tem razão, assim, o historiador americano Frank Mc Cann, ao apresentá- la como "leitura indispensável". Não conheço, nem creio que exista, outro trabalho desse fôlego, cerca de 680 páginas, que cubra de modo tão completo e analítico o período contemporâneo". Sobre "Chutando a Escada", de Ha-Joon Chang, professor de Cambridge, na Inglaterra, Charles Kindleberger, um dos maiores economistas americanos, disse:
"uma crítica estimulante dos sermões dos economistas da corrente dominante dirigidos aos países em desenvolvimento." O aperfeiçoamento dos diplomatas é uma necessidade constante. A leitura de três ou quatro livros não poderia jamais modificar o modo de pensar de qualquer diplomata, mas pode trazer informações importantes. O ministro Celso Amorim considerou que a celeuma provocada não justificava a energia despendida.
FOLHA - O que se deve esperar de um bom diplomata? E de um diplomata brasileiro no mundo atual?
PINHEIRO GUIMARÃES - De um bom diplomata se espera que defenda e promova os interesses de seu país. De um diplomata brasileiro se espera que defenda e promova os interesses do Brasil, de acordo com os objetivos da política externa definidos no Art. 4º da Constituição Federal, em especial a independência nacional, a não-intervenção e a autodeterminação, e com a orientação do Presidente da República.
FOLHA - Como o Brasil pode interferir para que o mundo seja melhor?
Aliás, o que seria, a seu ver, um "mundo melhor"?
PINHEIRO GUIMARÃES - O Brasil pode contribuir para a preservação da paz, para o desenvolvimento econômico e social, para a construção da democracia na esfera internacional, de tal forma que cada sociedade, observados os preceitos fundamentais de autodeterminação e não- intervenção inscritos na Carta da ONU, possa prosseguir em sua evolução histórica.
Um mundo melhor será aquele em que as promessas de desarmamento se realizem; em que os preceitos do Direito Internacional sejam obedecidos pelas grandes potências; em que as diferenças econômicas entre os Estados se reduzam; em que o meio ambiente seja preservado; em que os direitos humanos, políticos, econômicos e sociais sejam respeitados; em que a pobreza e a miséria sejam abolidas; em que cada indivíduo possa desenvolver todo o seu potencial. Com esses objetivos, o presidente Lula e o ministro Celso Amorim têm defendido a democratização das instâncias internacionais de decisão, como o Conselho de Segurança da ONU e o G-8.
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2602200716.htm
733) Sobre a política externa do Brasil
Um artigo antigo, mas postando apenas para registro:
Ideologia de menos, compadrio de mais
Rosângela Bittar
Valor Economico, 21 Fevereiro 2007
Dúvidas não há mais quanto ao caráter ideológico das grandes linhas da política externa brasileira, claramente uma opção do próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, teorizada e executada por um conjunto de ministros e assessores. Desde o início do primeiro mandato ficou claro, principalmente para o PT, a quem se deu satisfação explícita sobre isto, que Lula deixaria o governo pender à esquerda na política externa, até para compensar as escolhas em áreas fundamentais para os resultados que pretendia, como a da política econômica, por exemplo.
Mas não estava dito, nem subentendido, que seria uma opção camuflada, a ser justificada com argumentação estapafúrdia, um faz de conta que, a cada vez identificado, teria como conseqüência a reação virulenta dos que se sentissem "acusados". O governo daria agora um passo firme nesta mal parada questão, que assim vem desde o primeiro dia, se explicasse as ações e iniciativas que confundem a população, por mais bem informada e esclarecida que seja. A conseqüência de jamais fazer isto, talvez por soberba das personalidades envolvidas, é a confusão permanente entre ideologia e compaixão, entre ideologia e lesão ao patrimônio nacional, entre ideologia e medo.
O presidente da Petrobras, Sergio Gabrielli, e os ministros Silas Rondeau e sobretudo Celso Amorim, poderiam, sem o mais leve arranhão à sua autoridade, dar explicações claras, que o governo está há muito devendo ao país, sobre os critérios e objetivos da política externa e comercial do Brasil com seus vizinhos, principalmente neste momento com a Bolívia, caso em que estas confusões se aplicam à perfeição.
Não seria nada demais que esquecessem por um momento a luta interna com a oposição, os sofismas, as tergiversações, os artifícios, as respostas às cobranças com acusações e outras cobranças, para informar, esclarecer os fatos, de forma que todos possam entender as razões e afastar a impressão de que todos os gestos do presidente Lula em direção à Bolívia parecem lesivos ao Brasil.
Quem sabe se estas autoridades, sem buscar abrigo na ironia e na desqualificação dos críticos, possam dar elementos para compreensão dos comportamentos dos presidentes da Bolívia e da Venezuela. Eles desdenham o Brasil, o Mercosul, exigem condições de privilégio para integrar o bloco, num ato de vontade unilateral, para fazê-lo à sua imagem e empurrarem-se goela abaixo dos demais. Agem com rigor e rispidez no seu diálogo com o presidente brasileiro e recebem de volta mesuras e adulação.
Até hoje, não se tem notícia de algo em que tenham levado desvantagem. Não dão bola aos negociadores oficiais, quando querem vão arrancar suas vantagens pessoalmente, agem com desprezo, enquanto o presidente dos desprezados clama por generosidade e compaixão para com eles. As autoridades, é o que parece, usam o guarda-chuva da "ideologia" para fugir de explicações e nada enfrentar. Se pelo menos a ideologia justificasse algumas atitudes...
A soberba confunde os gestos da diplomacia
No caso mais recente do embate com a Bolívia (são tantos que alguns, mais humilhantes, já estão quase esquecidos), em que o presidente Evo Morales disputou pessoalmente (agenda definida na marra contra a vontade do governo brasileiro) e venceu todas as batalhas em torno dos preços do gás, levando o que quis e como quis, é de se perguntar qual a ideologia presente.
A de proteger um presidente vizinho e amigo dos ataques da oposição que sofre internamente? A de dividir o domínio sobre ele com o presidente venezuelano Hugo Chávez, que o tem mais perto em camaradagem e cumplicidade? A ideologia que manda ajudar os pobres de outro país? "O Brasil é extremamente dependente do gás da Bolívia", alega-se. Então o nome do que se está fazendo com Morales é concessão à chantagem e não negociação de preço justo.
"O Brasil precisa ser generoso", como disse Lula, ao concordar com a elevação do preço do gás fornecido ao Brasil pela Bolívia. Generosidade (não consta da cartilha do Barão do Rio Branco) maior ainda porque a Petrobras concedeu ainda a retomada do projeto de construção de um pólo gás-químico na fronteira entre os dois países, a construção de uma usina hidrelétrica binacional no Rio Madeira e a instalação de uma usina de biodesel na Bolívia, além de doações de vacinas e outras miudezas.
"Tínhamos de achar uma fórmula. A Bolívia é o país que tem a maior fronteira com o Brasil e não seria interessante que houvesse problema interno no país", disse o ministro Silas Rondeau, numa declaração surpreendente, pois revela, como se fosse algo trivial, a entrada forte do Brasil na política interna boliviana.
"A Petrobras não tem uso para isso, mas pode vir a ter", disse o presidente da empresa, Sérgio Gabrielli, a respeito da parte mais rica do gás que foi decomposto para justificar o reajuste de preços. Uma declaração absurda, não uma explicação.
Longe de compor uma ideologia, o conjunto de manifestações revela mesmo é compadrio do governo brasileiro com alguns governos amigos da vizinhança sul-americana.
Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras
Ideologia de menos, compadrio de mais
Rosângela Bittar
Valor Economico, 21 Fevereiro 2007
Dúvidas não há mais quanto ao caráter ideológico das grandes linhas da política externa brasileira, claramente uma opção do próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, teorizada e executada por um conjunto de ministros e assessores. Desde o início do primeiro mandato ficou claro, principalmente para o PT, a quem se deu satisfação explícita sobre isto, que Lula deixaria o governo pender à esquerda na política externa, até para compensar as escolhas em áreas fundamentais para os resultados que pretendia, como a da política econômica, por exemplo.
Mas não estava dito, nem subentendido, que seria uma opção camuflada, a ser justificada com argumentação estapafúrdia, um faz de conta que, a cada vez identificado, teria como conseqüência a reação virulenta dos que se sentissem "acusados". O governo daria agora um passo firme nesta mal parada questão, que assim vem desde o primeiro dia, se explicasse as ações e iniciativas que confundem a população, por mais bem informada e esclarecida que seja. A conseqüência de jamais fazer isto, talvez por soberba das personalidades envolvidas, é a confusão permanente entre ideologia e compaixão, entre ideologia e lesão ao patrimônio nacional, entre ideologia e medo.
O presidente da Petrobras, Sergio Gabrielli, e os ministros Silas Rondeau e sobretudo Celso Amorim, poderiam, sem o mais leve arranhão à sua autoridade, dar explicações claras, que o governo está há muito devendo ao país, sobre os critérios e objetivos da política externa e comercial do Brasil com seus vizinhos, principalmente neste momento com a Bolívia, caso em que estas confusões se aplicam à perfeição.
Não seria nada demais que esquecessem por um momento a luta interna com a oposição, os sofismas, as tergiversações, os artifícios, as respostas às cobranças com acusações e outras cobranças, para informar, esclarecer os fatos, de forma que todos possam entender as razões e afastar a impressão de que todos os gestos do presidente Lula em direção à Bolívia parecem lesivos ao Brasil.
Quem sabe se estas autoridades, sem buscar abrigo na ironia e na desqualificação dos críticos, possam dar elementos para compreensão dos comportamentos dos presidentes da Bolívia e da Venezuela. Eles desdenham o Brasil, o Mercosul, exigem condições de privilégio para integrar o bloco, num ato de vontade unilateral, para fazê-lo à sua imagem e empurrarem-se goela abaixo dos demais. Agem com rigor e rispidez no seu diálogo com o presidente brasileiro e recebem de volta mesuras e adulação.
Até hoje, não se tem notícia de algo em que tenham levado desvantagem. Não dão bola aos negociadores oficiais, quando querem vão arrancar suas vantagens pessoalmente, agem com desprezo, enquanto o presidente dos desprezados clama por generosidade e compaixão para com eles. As autoridades, é o que parece, usam o guarda-chuva da "ideologia" para fugir de explicações e nada enfrentar. Se pelo menos a ideologia justificasse algumas atitudes...
A soberba confunde os gestos da diplomacia
No caso mais recente do embate com a Bolívia (são tantos que alguns, mais humilhantes, já estão quase esquecidos), em que o presidente Evo Morales disputou pessoalmente (agenda definida na marra contra a vontade do governo brasileiro) e venceu todas as batalhas em torno dos preços do gás, levando o que quis e como quis, é de se perguntar qual a ideologia presente.
A de proteger um presidente vizinho e amigo dos ataques da oposição que sofre internamente? A de dividir o domínio sobre ele com o presidente venezuelano Hugo Chávez, que o tem mais perto em camaradagem e cumplicidade? A ideologia que manda ajudar os pobres de outro país? "O Brasil é extremamente dependente do gás da Bolívia", alega-se. Então o nome do que se está fazendo com Morales é concessão à chantagem e não negociação de preço justo.
"O Brasil precisa ser generoso", como disse Lula, ao concordar com a elevação do preço do gás fornecido ao Brasil pela Bolívia. Generosidade (não consta da cartilha do Barão do Rio Branco) maior ainda porque a Petrobras concedeu ainda a retomada do projeto de construção de um pólo gás-químico na fronteira entre os dois países, a construção de uma usina hidrelétrica binacional no Rio Madeira e a instalação de uma usina de biodesel na Bolívia, além de doações de vacinas e outras miudezas.
"Tínhamos de achar uma fórmula. A Bolívia é o país que tem a maior fronteira com o Brasil e não seria interessante que houvesse problema interno no país", disse o ministro Silas Rondeau, numa declaração surpreendente, pois revela, como se fosse algo trivial, a entrada forte do Brasil na política interna boliviana.
"A Petrobras não tem uso para isso, mas pode vir a ter", disse o presidente da empresa, Sérgio Gabrielli, a respeito da parte mais rica do gás que foi decomposto para justificar o reajuste de preços. Uma declaração absurda, não uma explicação.
Longe de compor uma ideologia, o conjunto de manifestações revela mesmo é compadrio do governo brasileiro com alguns governos amigos da vizinhança sul-americana.
Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras
quarta-feira, 13 de junho de 2007
732) Uma digressão sobre a autoridade
O homem e a autoridade
“ – Nunca respeitei a autoridade, e adoro vê-la desafiada. (...) Para ser sincero, devo dizer que adoro estar em paz com a autoridade, assim como qualquer homem. Contudo, isso não é razão para não questioná-la. (...) Tudo deve ser questionado e discutido, visto de todos os ângulos, examinados e levados à luz. Os homens esquecem-se disso. Tendem a ver tudo como é e nunca perguntam como deveria ser.”
Palavras do comerciante judeu português Miguel Lienzo, personagem principal do romance histórico ambientado na Amsterdã de meados do século XVII, O Mercador de Café (The Coffee Trader; tradução de Alexandre Raposo; Rio de Janeiro: Record, 2004, 384 p.; transcrito da página 248), de David Liss, romancista americano (www.davidliss.com).
Confesso que, ao ler a passagem acima transcrita do romance histórico de David Liss, eu me identifiquei profundamente com as idéias, a atitude e o pensamento do “judeu livre” Miguel Lienzo, que ousa enfrentar a autoridade e o poder do Ma’amad, o conselho supervisor dos judeus portugueses na Holanda, na sua busca para recuperar a riqueza perdida com uma especulação mal sucedida em torno do comércio de açúcar. Ao lançar-se, em 1659, numa nova aventura na bolsa de Amsterdã, desta vez com um produto ainda relativamente desconhecido para os mercados da época, o café, Miguel Lienzo enfrenta perigos desconhecidos, mas conduz seu novo negócio com tenacidade, ainda que de modo discreto e mesmo secreto, em aliança com uma holandesa viúva, financiadora eventual de sua nova aposta.
Ele ousa afirmar o poder da sua autoridade, ou melhor, da sua vontade, contra o poder por vezes arbitrário da autoridade política e religiosa – pois que o Ma’amad encarnava, para a pequena comunidade refugiada de judeus portugueses fugidos da Inquisição, ambos poderes – e depara-se com riscos dos quais ele nem suspeitava, emergidos a partir da ambição pessoal, do despeito e provavelmente dos ciumes e da inveja de outros homens. O romance O Mercador de Café é fascinante, em seus próprios termos e circunstâncias, tal como ambientado no primeiro país verdadeiramente moderno da história do capitalismo, a Holanda do século XVII, mas é um fato de que toda história, qualquer que seja a sua época, deve ser sempre lida como história contemporânea. Todos aqueles que escrevem, mesmo sobre épocas passadas, sempre pensam em sua própria época e circunstâncias particulares. Nesse sentido, todo romance pode ser tido como universal, assim como toda e qualquer história fala de nós mesmos e de nossa própria época. Isso é inevitável, e faz parte da nossa “trama” da história.
Creio poder dizer que também tenho um certo prazer em desafiar a autoridade, não como uma atitude inconsequente ou puramente contestadora, como algum tipo de confrontacionismo infantil, mas como uma atitude de questionamento constante, que se prende mais ao objeto do que à própria fonte da autoridade. Sou um questionador por excelência, um contestador daquilo que se poderia chamar “verdades reveladas” – as idées reçues, da tradição literária francesa – e um interrogador dos fundamentos de qualquer realidade oferecida como verdadeira ou única e exclusiva. Acredito mesmo que esta é a atitude a ser observada por todos aqueles que pretendem contribuir para os avanços do pensamento e o progresso das idéias. Em uma expressão, confesso minha adesão intelectual ao ceticismo sadio que todo homem verdadeiramente livre deve exibir em face das realidades que nos cercam, sobretudo aquelas que emergem das relações sociais e das situações de poder.
Vale...
Paulo Roberto de Almeida
(www.pralmeida.org; pralmeida@mac.com)
Brasília, 1757: 13 junho 2007, 2 p.
“ – Nunca respeitei a autoridade, e adoro vê-la desafiada. (...) Para ser sincero, devo dizer que adoro estar em paz com a autoridade, assim como qualquer homem. Contudo, isso não é razão para não questioná-la. (...) Tudo deve ser questionado e discutido, visto de todos os ângulos, examinados e levados à luz. Os homens esquecem-se disso. Tendem a ver tudo como é e nunca perguntam como deveria ser.”
Palavras do comerciante judeu português Miguel Lienzo, personagem principal do romance histórico ambientado na Amsterdã de meados do século XVII, O Mercador de Café (The Coffee Trader; tradução de Alexandre Raposo; Rio de Janeiro: Record, 2004, 384 p.; transcrito da página 248), de David Liss, romancista americano (www.davidliss.com).
Confesso que, ao ler a passagem acima transcrita do romance histórico de David Liss, eu me identifiquei profundamente com as idéias, a atitude e o pensamento do “judeu livre” Miguel Lienzo, que ousa enfrentar a autoridade e o poder do Ma’amad, o conselho supervisor dos judeus portugueses na Holanda, na sua busca para recuperar a riqueza perdida com uma especulação mal sucedida em torno do comércio de açúcar. Ao lançar-se, em 1659, numa nova aventura na bolsa de Amsterdã, desta vez com um produto ainda relativamente desconhecido para os mercados da época, o café, Miguel Lienzo enfrenta perigos desconhecidos, mas conduz seu novo negócio com tenacidade, ainda que de modo discreto e mesmo secreto, em aliança com uma holandesa viúva, financiadora eventual de sua nova aposta.
Ele ousa afirmar o poder da sua autoridade, ou melhor, da sua vontade, contra o poder por vezes arbitrário da autoridade política e religiosa – pois que o Ma’amad encarnava, para a pequena comunidade refugiada de judeus portugueses fugidos da Inquisição, ambos poderes – e depara-se com riscos dos quais ele nem suspeitava, emergidos a partir da ambição pessoal, do despeito e provavelmente dos ciumes e da inveja de outros homens. O romance O Mercador de Café é fascinante, em seus próprios termos e circunstâncias, tal como ambientado no primeiro país verdadeiramente moderno da história do capitalismo, a Holanda do século XVII, mas é um fato de que toda história, qualquer que seja a sua época, deve ser sempre lida como história contemporânea. Todos aqueles que escrevem, mesmo sobre épocas passadas, sempre pensam em sua própria época e circunstâncias particulares. Nesse sentido, todo romance pode ser tido como universal, assim como toda e qualquer história fala de nós mesmos e de nossa própria época. Isso é inevitável, e faz parte da nossa “trama” da história.
Creio poder dizer que também tenho um certo prazer em desafiar a autoridade, não como uma atitude inconsequente ou puramente contestadora, como algum tipo de confrontacionismo infantil, mas como uma atitude de questionamento constante, que se prende mais ao objeto do que à própria fonte da autoridade. Sou um questionador por excelência, um contestador daquilo que se poderia chamar “verdades reveladas” – as idées reçues, da tradição literária francesa – e um interrogador dos fundamentos de qualquer realidade oferecida como verdadeira ou única e exclusiva. Acredito mesmo que esta é a atitude a ser observada por todos aqueles que pretendem contribuir para os avanços do pensamento e o progresso das idéias. Em uma expressão, confesso minha adesão intelectual ao ceticismo sadio que todo homem verdadeiramente livre deve exibir em face das realidades que nos cercam, sobretudo aquelas que emergem das relações sociais e das situações de poder.
Vale...
Paulo Roberto de Almeida
(www.pralmeida.org; pralmeida@mac.com)
Brasília, 1757: 13 junho 2007, 2 p.
terça-feira, 12 de junho de 2007
731) Sonhando com um país melhor...
Ao repassar, nos últimos dias, as matérias principais da imprensa brasileira das últimas duas semanas, com o que deparamos, exatamente?
Notícias de fraudes, falcatruas, desvios de recursos públicos, utilização dos serviços e dos recursos do Estado para fins particulares, roubalheira aberta e deslavada, enfim, um cortejo de atos criminosos que imaginávamos, em outras épocas, frequentar mais as páginas policiais do que o expediente da política nacional.
Não sei, sinceramente, o que expressar em face de tanta desfaçatez organizada, tantos atos espúrios travestidos de "politics as usual", tanta vergonha escondida nos gabinetes dos "representantes do povo", do Executivo e do Legislativo (e, muitos do Judiciário tampouco estão longe disso).
Creio que a sociedade brasileira contempla tantos atos criminosos com um ar de desalento, como se fosse impossível extirpar esse cranco da política nacional, como se fosse dificílimo contar com representantes que fossem, se não muito efetivos, pelo menos honestos.
Impossível evitar um certo sentimento depressivo, em face desse cenário de crimes em série, de cinismo repetido, de hipocrisia continuada.
Talvez a única reação que nos resta seja protestar contra essa situação e escolher um retiro temporário, longe de todas as patifarias que contemplamos nos jornais impressos e na TV.
Até quando?
Notícias de fraudes, falcatruas, desvios de recursos públicos, utilização dos serviços e dos recursos do Estado para fins particulares, roubalheira aberta e deslavada, enfim, um cortejo de atos criminosos que imaginávamos, em outras épocas, frequentar mais as páginas policiais do que o expediente da política nacional.
Não sei, sinceramente, o que expressar em face de tanta desfaçatez organizada, tantos atos espúrios travestidos de "politics as usual", tanta vergonha escondida nos gabinetes dos "representantes do povo", do Executivo e do Legislativo (e, muitos do Judiciário tampouco estão longe disso).
Creio que a sociedade brasileira contempla tantos atos criminosos com um ar de desalento, como se fosse impossível extirpar esse cranco da política nacional, como se fosse dificílimo contar com representantes que fossem, se não muito efetivos, pelo menos honestos.
Impossível evitar um certo sentimento depressivo, em face desse cenário de crimes em série, de cinismo repetido, de hipocrisia continuada.
Talvez a única reação que nos resta seja protestar contra essa situação e escolher um retiro temporário, longe de todas as patifarias que contemplamos nos jornais impressos e na TV.
Até quando?
sexta-feira, 8 de junho de 2007
730) I Congresso da ABRI, Brasilia, 25-27 de julho
Aviso aos navegantes:
O programa completo, em versão preliminar, do I Congresso da Associação Brasileira de Relações Internacionais, figura na pagina da ABRI, neste link.
O programa completo, em versão preliminar, do I Congresso da Associação Brasileira de Relações Internacionais, figura na pagina da ABRI, neste link.
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