Hoje, último dia inteiro em New York, aproveitamos para fazer mais dois museus nunca antes visitados:
Museum of the City of New York; Frick Collection
O Museu da Cidade de Nova York destina-se, obviamente, a contar a história da cidade e a exibir coleções temporárias e especiais sobre aspectos específicos da vida na cidade. Tem uma grande variedade de exposições temporárias, de moda, de pinturas, de objetos os mais diversos (jogos e brinquedos de crianças, por exemplo), mas o que mais reteve minha atenção foi a exposição especial sobre os 400 anos da fundação da cidade, feita em cooperação com diversos museus e coleções pertencentes aos Países Baixos, especificamente Amsterdam.
De fato, em 2009 comemoram-se 400 anos desde que o navegador inglês Henry Hudson, a serviço de uma companhia comercial holandesa, em busca de uma passagem setentrional para a Ásia (na competição com os portugueses e espanhóis, que se tinham reservado o monopólio das rotas e conhecimento geográfico sobre as rotas meridionais, ao sul da África e da América do Sul), chegou à foz do rio que depois levou o seu nome, dividindo o continente da ilha de Manhattan (que também só veio a ter esse nome tempos depois).
Em 1609, portanto, a serviço da Vereenigde Ost-Indische Compagnie -- a VOC, Companhia Unida das Indias Orientais, ou seja, da própria India, da China e das ilhas da Ásia oriental -- o navegador Henry Hudson, que já possuia experiência de outras viagens a serviço de comerciantes ingleses e holandeses, embarcou no Halve Maen (Meia Lua), um barco não maior do que setenta pés, e veio explorando a costa atlântica da América do Norte, até encontrar um lugar excepcionalmente frequentado por castores e outros animais que poderiam fornecer peles (um dos principais objetos do comércio nessa época).
Essa companhia foi a primeira multinacional estabelecida como tal (aliás, em 1602), com ações negociadas na bolsa de Amsterdam e um conselho empresarial muito ativo, dividido em câmaras, para admnistrar os seus muitos negócios em vários continentes,
Seus estatutos foram devidamente aprovados pelo governo, e em sua atividade monopolista conferida pelo governo das repúblicas unidas, essa companhia chegou a ter, no seu momento de maior poder, 30 mil empregados, enviando mais de 35 navios por ano aos mais diferentes portos do mundo, com um volume de negócios equivalente a 10 milhões de guilders (caberia fazer a conversão para valores correntes atuais).
Seus poderes era praticamente equivalentes ao de um Estado legitimamente constituído, pois que ela podia construir fortes, recrutar soldados e manter forças militares permanentes, e mesmo contrair tratados com poderes estrangeiros (desde um Estado até um bando de índios, como ocorreu na compra da ilha de Manhattan).
Henry Hudson não era exatamente um empregado da VOC, mas um contratado, e foi ele quem esteve na origem de New Amsterdam (ela, sim, administrada por por empregados da VOC).
Mais tarde, nos anos 1620, tendo em vista problemas com um monopólio tão extenso, foi constituída a WIC - a Geoctroyeerde West-Indisch Compagnie, a companhia registrada das Indias Ocidentais -- sob cuja administracao New Amsterdam passou a ser comissionada como um dos mais lucrativos entrepostos comerciais dos holandeses, a partir de 1621.
Não apenas a WIC passou a ter o monopólio do comércio atlântico, mas ela também constituiu um poderoso exército na luta contra espanhóis e portugueses, vindo daí a invasão do Nordeste brasileiro, a partir de 1624.
Foi a WIC quem comprou de uma tribo de indigenas, em 1626, o território no qual se instalou New Amsterdam, nada muito além do que seria hoje Wall Street, até no máximo o Chelsea. Aparentemente custou 60 guilders, segundo uma carta comunicada ao conselho da WIC, quando o comércio de peles rendia, anualmente, cerca de 45 mil guiders aos holandeses.
Esses monopólios nunca dão certo, pois comerciantes independentes se lançam também nos negócios e contestam judicialmente o poder exclusivo da companhia, o que também ocorreu com a multinacional em questão. Para defender seus direitos, a companhia contratou um "historiador" para apresentar o seu caso: Johannes de Laet faz, em 1844, a história da WIC, já relatando a invasão do Brasil pela companhia, como exemplo do "sucesso" da companhia na defesa dos interesses holandeses, contra os espanhóis e portugueses.
Esse sucesso não durou muito, pois que já em 1654, os holandeses tiveram de sair do Brasil.
Um documento existente nos arquivos municipais de NY (85-40, remetendo ao volume I do "Original Dutch Records", 1654-1656), relata o pedido feito à WIC para que os judeus luso-holandeses fugidos do Brasil pudessem estabelecer-se em New Amsterdam, os primeiros judeus a receberam tal autorização. Depois de muita relutância do governador da WIC, Peter Stuyvesant, eles foram autorizados a ali se instalarem (devem ter pago alguma coisa por fora, talvez, como provavelmente já vinham fazendo o mesmo nas suas relações comerciais com os portugueses do Brasil, colocados sob domínio holandês, durante praticamente duas décadas).
Essa parte da exposição, centrada sobre a figura do Hudson, foi a que mais me interessou, obviamente, pelas suas muitas conexões com o Brasil (alguns quadros de Eckout, com índios brasileiros, livros falando do Brasil) e com o comércio internacional. Mapas, globos (vários originais), objetos encontrados, fac-similes e reproduções, numa riqueza admirável para exposições desse gênero.
Havia vários holandeses visitando a exposição, visivelmente orgulhosos da semente que deixaram para os ingleses (que passaram a dominar a localidade desde a segunda guerra anglo-holandesa, em 1664). Aliás, foi o próprio Peter Stuyvesant quem teve de ceder o poder político aos novos mandantes ingleses, cuja força militar excedia várias vezes o poder de fogo de sua pequena milícia.
Uma outra exposição audio-visual, cheia de escolares e suas professoras, mostrava o desenvolvimento da cidade, das origens até o 11 de setembro de 2001.
The Frick Collection
Fui visitá-la, sob recomendação de um amigo, Georges Landau, e foi também um dos pontos altos desta minha estada em NY. Uma velha mansão aristocrática (ou burguesa, para não retomarmos a tradição européia), totalmente renovada, mas conservando o padrão original, e abrigando uma das mais fabulosas coleções de arte particulares já vistas em NY, provavelmente rivalizando com a coleção Morgan (que conheci anos atrás).
Impossível descrevê-la em sua riqueza. Os interessados podem fazer um tour virtual neste link: http://www.frick.org/virtual/index.htm
Acredito que gastei mais em parking para o carro do que nos tickets de entrada nos museus, descontando algum lanche e livros (inevitáveis) comprados em cada lojinha de museu.
Terminei o dia na loja da Apple, da 5a. Avenida, mas o excesso de gente, de equipamentos e de tudo deixa a gente desarmado. Acabei verificando minha correspondência, configurei um iPhone para a minha conta do Mac, mas finalmente não comprei esse pequeno objeto de desejo, posto que seu uso no Brasil corresponderia a um outro direito monopólico das poucas companhias autorizadas a operar o equipamento e o serviço, provavelmente a preços tão abusivos quanto os cobrados pelas antigas companhias mercantis holandesas do século 17.
Todo monopólio é um abuso...
Adieu New York (literalmente: o Novotel da Broadway está lotado de franceses...).
28.04.2009
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas. Ver também minha página: www.pralmeida.net (em construção).
terça-feira, 28 de abril de 2009
1086) Por ocasiao do trabalho nr. 2000
Um balanço da produção e seu sentido...
reflexões livres por ocasião do trabalho nr. 2000
Paulo Roberto de Almeida
A título de introdução
Números redondos convidam a um balanço e, por vezes, a comemorações. Acabo de participar de um colóquio, na Universidade do Wisconsin em Madison, sobre os cem anos do ‘commencement speech’ escrito pelo Joaquim Nabuco, em 1909, e meu trabalho – sob o titulo de “The share of the United States and Brazil in the modern civilization: A centennial homage to Joaquim Nabuco’s commencement speech of 1909” (Urbana, 23 abril 2009, 15 p.; paper presented at the Symposium: Nabuco and Madison: A Centennial Celebration - Madison, WI: University of Wisconsin, April 24-25, 2009) – recebeu justamente o número 1999. Este texto, escrito em sua imediata seqüência, receberá, portanto, o número 2000, o que não deixa de provocar algum excitação, se este último termo se aplica, efetivamente.
Talvez, na medida em que são dois mil trabalhos que podem receber essa designação – isto é, textos acabados e completos, destinados ou não a publicação, mas em todo caso podendo corresponder a esse nome, posto que possuindo coerência intrínseca, tendo começo, meio e fim – ao longo de mais ou menos 40 anos de produção intelectual registrada. De fato, meu arquivo de originais, no momento de sua organização – em torno de 1986, aproximadamente –, registrava um primeiro trabalho escrito em maio de 1968, com cópia em carbono preservada: se tratava de um ensaio escrito sob pseudônimo para um concurso de trabalhos escolares: “001. ‘Quais os Fatores que Determinam uma Escolha Profissional Consciente?’ (São Paulo, Maio 1968, 9 pp. Trabalho escrito para concurso promovido pelo jornal Folha de São Paulo).” Mais tarde, graças a encontros com colegas do Ginásio Estadual Vocacional Osvaldo Aranha (Brooklin Paulista, na cidade de São Paulo, entre 1962 e 1964), vim a descobrir dois outros trabalhos escritos em 1964, que por enquanto não foram numerados, no aguardo de mais alguma pesquisa geológica ou arqueológica em fundos documentais onde sei existirem antigos trabalhos meus (jornal do Grêmio Estudantil do curso clássico, justamente, ou mais exemplares do jornal ginasial).
Se formos dividir o número total cronologicamente, daria mais ou menos 50 trabalhos por ano, mas é óbvio que o número se acelerou nos últimos anos, with a little help das tecnologias de processamento da informação e de comunicação. Antigamente, sem querer ser redundante, dava o maior trabalho fazer trabalhos. Era preciso preparar uma versão manuscrita mais ou menos organizada e depois começar a datilografia cuidadosamente nas folhas de papel, de preferência com carbono e folhas de seda atrás, pois as tecnologias de cópia eram de difícil acesso ou muito caras. Era preciso ficar cuidando das margens, das separações de palavras, das notas de rodapé, e sobretudo datilografar com cuidado, para evitar erros, rasuras, correções e outras imperfeições estilísticas, que poderiam comprometer a boa apresentação do “trabalho” (sim o termo se justifica, estrito e lato senso). Mesmo quando fiz a minha tese de doutoramento – dois pesados volumes com mais de 500 páginas no total – o trabalho permanecia quase o mesmo, ainda que contando com uma poderosa IBM elétrica, de esfera (inclusive uma exclusiva para itálicos, exigindo a troca a cada vez) e com copiadora própria, ambos um pesado investimento próprio, ainda mais que pagos num dos países mais caros do mundo, na Suíça. Conclusão: até hoje não disponho do teor da tese integramente em meu computador, assim como diversos outros trabalhos escritos antes de 1987 (data da compra de meu primeiro Macintosh).
Não pretendo aqui – ou neste momento, pelo menos – oferecer um balanço puramente contábil de minha produção, ainda que eu possa indicar, rapidamente, os números envolvidos (numa abordagem geográfico-quantitativa, ao final). Basta com dizer que os trabalhos só recebem número, data e local, quando são considerados terminados, arquivados sob esse número em pastas anuais, com listas cronológicas geralmente divididas por ano e local principal de residência naquele ano. Uma outra lista, necessariamente menor, apenas lista os trabalhos publicados, mas deixei de preservá-los em arquivos independentes em pastas próprias, pois representaria uma duplicação de arquivos (embora provavelmente útil, posto que alguns trabalhos publicados diferem ligeiramente, por diversas razões, dos originais registrados). Cópias físicas de originais e publicados foram feitas até o ano de 1998, ocorrendo aí, portanto, uma lacuna de mais de dez anos sem suporte físico completo (o que caberia providenciar em algum momento). Mas estas são preocupações secundárias neste momento de registro do trabalho número 2000.
Talvez seja mais útil tecer algumas considerações sobre o sentido da produção e minhas reflexões a esse respeito, inclusive porque, no momento da redação do trabalho número 1000 eu estava muito ocupado com trabalhos atrasados ou urgentes e deixei passar a oportunidade do devido registro comemorativo, o que cabe agora remediar. Não o faço por vaidade, ou egocentrismo (embora tais sentimentos possam ser justificados ou legítimos, em seu mérito próprio), mas apenas para responder a meu espírito de historiador improvisado. Acho que todo e qualquer esforço intelectual merece ser retraçado em suas origens e circunstâncias, já que esses trabalhos sempre responderam a alguma necessidade interna ou foram motivados pelo ambiente em que me encontrava vivendo e produzindo durante a sua elaboração.
Da necessidade da escrita (e seu registro)
Desde quando comecei a ler, na “tardia” idade de sete anos, sempre fiz notas de livros e elaborei trabalhos em torno dessas leituras. Já não tenho certeza se foi no ‘quinto’ ano do primário ou no primeiro do ginasial que impressionei a professora com meu conhecimento de história ‘clássica’, que nessa época queria dizer Grécia e Roma antigas. Devo isto graças à leitura de Monteiro Lobato: não apenas História do Mundo para as Crianças, mas também O Minotauro e Os Doze Trabalhos de Hércules (bem, tive de deixar a Emília de lado, nesses relatos sérios, mas ela merecia ter feito parte do trabalho...).
Na partida para a Europa, tive de deixar muitos registros para trás, mas passei a acumular cadernos de leituras, alguns dos quais já foram resumidos em um post antigo em um dos meus blogs (ver: 17) Meus cadernos de leitura (1971-1983); link). Muitas leituras foram feitas a partir de uma pequena bibliografia de mais ou menos 500 livros, que eu tinha feito para ler sistematicamente (não devo ter chegado nem a 10% da lista, mas em compensação li muitos outros livros, provavelmente mais interessantes): os interessados em saber quais são, podem referir-se a outro post (34. Uma 'pequena' bibliografia para leitura e notas; link). De todas essas leituras, emergiram trabalhos acadêmicos ou artigos independentes, vários dos quais publicados, mas de forma não sistemática e muitas vezes sem o devido registro ou preservação de originais.
Minhas listas de trabalhos originais e de publicados podem ser conferidas no seguintes links respectivos de meu site pessoal (http://www.pralmeida.org/03Originais/00originais.html e http://www.pralmeida.org/02Publicacoes/00Publicacoes.html), uma construção muito posterior à organização desses arquivos e feita não por narcisismo e sim para atender a demandas de alunos por informações em torno de questões relativas à integração regional e ao Mercosul, portanto, com objetivos didáticos muito definidos.
E por que essa compulsão, quase uma obsessão pela escrita e eventual publicação de trabalhos? Confesso que não sei fornecer uma resposta única, exclusiva ou especificamente válida a esta pergunta: alguns podem achar que é por exibicionismo pessoal, o que provavelmente não explicaria a enorme diferença entre o número de originais e o dos trabalhos efetivamente publicados, o que indica que escrevo por necessidade interior, quase uma segunda natureza, ou inclinação natural. Comecei de maneira informal, mas como as notas e manuscritos se multiplicavam, com muitas cópias carbono feitas – muitas delas sem registro preciso quanto a local e data –, logo senti a necessidade colocar ordem na bagunça. Daí surgiram as listas seriadas e depois a organização dos originais em pastas de classificados, uma providência praticamente dispensada na era do computador e dos arquivos eletrônicos (nem sempre adequadamente preservados em back-ups regulares, o que é sempre um risco, como todos sabem).
Enfim, creio que não preciso justificar o ato da escrita, inerente a todos os que lêem intensamente – OK, nem todos – ou pelo menos no caso daqueles que também possuem uma preocupação didática, ainda que indireta, como é o meu caso (ou seja, não o faço por ser professor, pois apenas exerço a atividade por vontade própria, não por necessidade ou como ocupação principal, sempre em detrimento do lazer ou descanso pessoal). Poderia apenas parafrasear Descartes: “Leio, logo escrevo” (por favor, alguém versado em latim, me transcreva esta frase, para ficar bonita...).
O que o Brasil fez por mim (e o que eu, pretensamente, estou fazendo por ele)
Não sou dado a patriotismos, nem a chauvinismos ultrapassados e um pouco ridículos. A nacionalidade é um acidente geográfico, partindo do ponto de vista da unidade fundamental da espécie humana. Sou brasileiro, como poderia ter nascido esquimó ou hotentote, e ninguém seria responsável por esse acaso demográfico, nem mesmo meus pais, posto que ninguém ‘fabrica’ uma personalidade humana com base em especificações pré-determinadas. Somos em grande parte (mas provavelmente não a mais decisiva) o resultado da herança genética, em outra parte o resultado do meio e das influências que experimentamos em diversas etapas formativas, mas também (uma parte que espero substancial) o produto de nossa formação ativa, por meio dos estudos empreendidos e dos esforços que nós mesmos fazemos para moldar um estilo de vida e um padrão de pensamento com base em escolhas e preferências que foram adotadas ao longo de toda uma vida, especialmente em seu primeiro terço.
Tendo nascido no Brasil, de pais descendentes de imigrantes europeus analfabetos, ainda assim beneficiei-me da herança cultural européia, visivelmente dotada de maior densidade do que a média brasileira tradicional, ou seja, um substrato desprovido de maior sofisticação técnica ou instrumental em relação aos requisitos modernos de uma sociedade caracterizada por uma produtividade satisfatória. O que o Brasil meu deu, uma vez iniciado o processo de escolarização (entre meados dos anos 1950 e meados da década seguinte), foi uma escola pública de qualidade razoável para os padrões conhecidos ulteriormente (e certamente no período recente). Esse ensino, a cargo de professoras ‘normalistas’, foi complementado por uma freqüência regular e intensa a uma biblioteca pública infantil – depois batizada de Anne Frank, no Itaim-Bibi, bairro da zona sul de São Paulo – onde devo ter lido praticamente todos os livros interessantes, dos quais guardei enormes e boas lembranças: lia quase todas as tardes – quando não me desviavam para alguma pelada de esquina – e ainda levava um ou dois para ler em casa, noite adentro (a ausência de televisão ajudou-me enormemente, e não por escolha própria, pois no final da tarde íamos assistir National Kid ou o Patrulheiro Rodoviário na casa de um vizinho).
Na verdade, não sei dizer se foi o Brasil quem me deu a chance de ingressar numa faculdade pública de boa qualidade – o curso de Ciências Sociais da USP, a partir de 1969 – ou se foi o meu próprio esforço de leituras intensas, aliás alternadas com o trabalho desde muito jovem. Daí o meu hábito de ler em toda e qualquer circunstância, anteriormente em ônibus ou trem, ou andando, depois diretamente em bibliotecas e livrarias, ou até dirigindo (o que não recomendo a ninguém...). Acho que foi apenas isto que o Brasil de fato me deu, além, involuntariamente, de uma consciência aguda sobre problemas sociais, miséria, pobreza, desigualdades, políticas econômicas (e suas conseqüências sempre surpreendentes...) e as muitas soluções propostas para resolver esses problemas. A adesão à sociologia – a arte de resolver rapidamente os problemas do Brasil, segundo Mário de Andrade – e ao socialismo veio naturalmente, sem qualquer ânimo ‘religioso’, porém, posto que sempre li materiais de todas as escolas filosóficas e tendências políticas.
Dito isto, pode-se dizer que o que o Brasil não me deu foi um bom ambiente de debate intelectual sobre essas questões, já que a qualidade intelectual da ‘pesquisa’ – se é que ela existe, de fato – é precária, para dizer o mínimo, com muita bobagem passando por argumentação de qualidade. E o que eu estou tentando ‘devolver’ ao Brasil, se ouso dizer? Como valorizo tremendamente os estudos, e acredito que a sociedade brasileira, como um todo, foi capaz de oferecer-me, numa determinada época, uma educação de qualidade relativamente satisfatória, julgo-me no dever de ‘devolver’ à sociedade parte do que recebi, contribuindo para que outros jovens, em situação talvez similar à minha na mesma faixa etária possam dispor de condições adequadas para também disputar uma posição condizente com suas aspirações. Como fazer isso? Bem, talvez exercendo também atividades docentes, embora consciente de que não estou atingindo os mais necessitados: mas já terá sido uma contribuição boa se eu conseguir atuar em direção dos ‘multiplicadores’ de conhecimento, ou seja, pela formação dos formadores, posto que muitos dos meus alunos poderão se dirigir para o sistema de ensino de primeiro ou de segundo grau.
Onde pretendo chegar com tantos trabalhos?
Boa pergunta, mas não sei responder, sinceramente. Certamente não estou em nenhum concurso quantitativo, nem sei se existe algum Guinness para volume de originais, o que aliás importa pouco. O mais relevante é aprender com as leituras, sintetizar o que se aprende nos livros – e não observação direta da realidade – e transmitir o conhecimento adquirido em linguagem adaptada aos novos receptores, provavelmente jovens que não tiveram acesso ao volume de livros e de informações (em diversas línguas) de que disponho em virtude de circunstâncias excepcionais.
Provavelmente preciso fazer um balanço qualitativo da minha produção e passar a trabalhar menos – ou em menor velocidade de escrita – e melhor, com trabalhos mais focados sobre aspectos específicos das carências didáticas já identificadas. Talvez, organizando um plano para trabalhos seriais que depois possam ser unificados em obras de divulgação mais ampla – necessariamente sob a forma de livros – em lugar dos muitos trabalhos dispersos e erráticos que respondem a demandas de terceiros para veículos eletrônicos nem sempre estáveis ou bem administrados. O excesso pode prejudicar a reflexão de maior densidade analítica, com pesquisa bem fundamentada e dados empíricos controláveis, para evitar polêmicas inúteis em torno de argumentos principistas.
De fato, está na hora de fazer um plano de trabalho e segui-lo de forma sistemática, de maneira a deixar uma obra caracterizada pela permanência, e não apenas uma coleção infindável de escritos dispersos, divulgados em suportes precários como podem ser os muitos sites e blogs de nossa era dominada pela facilidade da informação e da comunicação. Tenho alguns livros no pipeline – aliás, as minhas pastas de ‘working files’, ou seja, trabalhos em preparação, são provavelmente mais numerosas e mais dispersivas ainda do que os trabalhos concluídos e numerados – e caberia organizar, doravante, um roteiro-calendário para um esforço dirigido melhor organizado.
Uma palavra final, comemorativa (finalmente)
Bem, este é o trabalho número 2000. Como não comemorei o número 1000, não sei bem o que fazer com este, a não ser tê-lo como registro pessoal de um balanço parcial de minhas atividades de escrevinhador compulsivo. Não consigo sequer comprar um bolo com velinhas para festejar o evento, estando atualmente num hotel de Nova York. Vou apenas dizer a mim mesmo: parabéns, legitimamente, mas seja menos prolífico e mais focado, a partir de agora.
Ok, nem vou tentar fazer a contabilidade da produtividade escrevinhadora neste momento, apenas registrar um resumo das listas de originais, como abaixo. Vou precisar reorganizar o meu site – sou um desastre em matéria de web-design, aliás, não tenho a menor idéia de como se desenha um site – em função de grandes áreas de pesquisa ou de interesse, de maneira a poder fazer esse planejamento mais focado em resultados qualitativos, do que em volume aritmético de trabalhos.
Não tenho idéia do efeito que meus trabalhos – e livros e artigos publicados – possam estar tendo sobre o público visado: tipicamente os jovens universitários brasileiros, a não ser raramente, por meio de contatos ocasionais através do formulário do site (e de alguns pedidos de ajuda por e-mail). Suspeito que algo de bom possa resultar desse volume apreciável de trabalhos divulgados voluntariamente, ainda que muitos deles devem despertar reações negativas em vários dos supostos destinatários, tendo em vista o ambiente universitário típico no Brasil, atualmente. Não me importo muito com as críticas, aliás muitos dos trabalhos são suficientemente provocadores para provocar críticas, justamente. O que seria mais relevante seria um ambiente adequado para um bom debate intelectual no Brasil, o que infelizmente ocorre muito raramente hoje em dia.
Esperando que esse ambiente possa surgir e se desenvolver, continuarei a colaborar da forma que sempre fiz: lendo, sintetizando, escrevendo e divulgando meus trabalhos e os de terceiros (em meus escritos ou nos blogs dedicados a tais finalidades). Uma ultima palavra quanto aos curiosos quanto a minhas atuais posições políticas ou filosóficas: não me considero absolutamente nada, ou seja, não me filio a nenhuma escola determinada de pensamento ou a qualquer tendência ou movimento político. Considero-me absolutamente livre, e por isso mesmo recuso filiações ou adesões a qualquer entidade ou organização que possua regras ou ‘filosofias’ determinadas.
Meus únicos princípios poderiam ser resumidos em duas expressões: racionalismo moderado – posto que sentimentos sempre fazem parte das ações e intenções humanas – e ceticismo sadio, ou seja, desconfiança de tudo o que não vem suportado em evidências alcançados por meio de dados empíricos, da experiência prática, da lógica formal. Uma coisa não pode ser simplesmente aceitável por conveniência ou por relativismo cultural: neste ponto, é preciso ter coragem de defender suas convicções, a despeito de frustrações eventuais, derivadas do meio ambiente em que se vive ou trabalha. As pessoas são em geral acomodadas, o que não creio que seja o meu caso, pois estou sempre aceitando novos desafios.
Por fim, quanto ao método de trabalho, creio que ele pode ser resumido numa única expressão: honestidade intelectual, e isso não requer nenhum tipo de explicação complementar. Voilà: creio que o meu trabalho 2000 está agora completo e posso me despedir de meus poucos leitores...
Paulo Roberto de Almeida
New York, 2000, 28.04.2009
==========
Anexo:
Paulo Roberto de Almeida
Uma informação quantitativa da produção acumulada
(a partir das 23 listas de trabalhos seriados)
(listas de originais e publicados disponíveis no site pessoal: www.pralmeida.org)
1) São Paulo, 1968; Bruxelas, 1976: do nº 001 ao nº 041
2) São Paulo, 1977; Brasília, 1978-79; Berna, 1980-82; Belgrado, 1982-84; Bruxelas, 1984: do nº 042 ao nº 093
3) Brasília, 1985-1987: do nº 095 ao nº 149
4) Genebra, 1987-1990: do nº 150 ao nº 184
5) Montevidéu, 1990-1992: do nº 185 ao nº 223
6) Brasília: 1992-1993: do nº 224 ao nº 383
7) Paris, 1993-1995: do nº 384 ao nº 503
8) Brasília, 1996: do nº 504 ao nº 545
9) Brasília, 1997: do nº 546 ao nº 600
10) Brasília, 1998: do nº 601 ao nº 650
11) Brasília, 1999: do nº 651 ao nº 708
12) Washington, 1999: do nº 709 ao nº 718
13) Washington, 2000: do n. 719 ao n. 764
14) Washington, 2001: do n. 765 ao n. 843
15) Washington, 2002: do n. 844 ao n. 993
16) Washington, 2003: do n. 994 ao n. 1136
17) Brasília, 2003: do n. 1137 ao n. 1168
18) Brasília, 2004: do n. 1169 ao n. 1368
19) Brasília, 2005: do n. 1369 ao n. 1518
20) Brasília, 2006: do nº 1519 ao nº 1706
21) Brasília, 2007: do nº 1707 ao nº 1847
22) Brasília, 2008: do nº 1848 ao nº 1969
23) Brasília, 2009: do nº 1970 ao nº 2---
reflexões livres por ocasião do trabalho nr. 2000
Paulo Roberto de Almeida
A título de introdução
Números redondos convidam a um balanço e, por vezes, a comemorações. Acabo de participar de um colóquio, na Universidade do Wisconsin em Madison, sobre os cem anos do ‘commencement speech’ escrito pelo Joaquim Nabuco, em 1909, e meu trabalho – sob o titulo de “The share of the United States and Brazil in the modern civilization: A centennial homage to Joaquim Nabuco’s commencement speech of 1909” (Urbana, 23 abril 2009, 15 p.; paper presented at the Symposium: Nabuco and Madison: A Centennial Celebration - Madison, WI: University of Wisconsin, April 24-25, 2009) – recebeu justamente o número 1999. Este texto, escrito em sua imediata seqüência, receberá, portanto, o número 2000, o que não deixa de provocar algum excitação, se este último termo se aplica, efetivamente.
Talvez, na medida em que são dois mil trabalhos que podem receber essa designação – isto é, textos acabados e completos, destinados ou não a publicação, mas em todo caso podendo corresponder a esse nome, posto que possuindo coerência intrínseca, tendo começo, meio e fim – ao longo de mais ou menos 40 anos de produção intelectual registrada. De fato, meu arquivo de originais, no momento de sua organização – em torno de 1986, aproximadamente –, registrava um primeiro trabalho escrito em maio de 1968, com cópia em carbono preservada: se tratava de um ensaio escrito sob pseudônimo para um concurso de trabalhos escolares: “001. ‘Quais os Fatores que Determinam uma Escolha Profissional Consciente?’ (São Paulo, Maio 1968, 9 pp. Trabalho escrito para concurso promovido pelo jornal Folha de São Paulo).” Mais tarde, graças a encontros com colegas do Ginásio Estadual Vocacional Osvaldo Aranha (Brooklin Paulista, na cidade de São Paulo, entre 1962 e 1964), vim a descobrir dois outros trabalhos escritos em 1964, que por enquanto não foram numerados, no aguardo de mais alguma pesquisa geológica ou arqueológica em fundos documentais onde sei existirem antigos trabalhos meus (jornal do Grêmio Estudantil do curso clássico, justamente, ou mais exemplares do jornal ginasial).
Se formos dividir o número total cronologicamente, daria mais ou menos 50 trabalhos por ano, mas é óbvio que o número se acelerou nos últimos anos, with a little help das tecnologias de processamento da informação e de comunicação. Antigamente, sem querer ser redundante, dava o maior trabalho fazer trabalhos. Era preciso preparar uma versão manuscrita mais ou menos organizada e depois começar a datilografia cuidadosamente nas folhas de papel, de preferência com carbono e folhas de seda atrás, pois as tecnologias de cópia eram de difícil acesso ou muito caras. Era preciso ficar cuidando das margens, das separações de palavras, das notas de rodapé, e sobretudo datilografar com cuidado, para evitar erros, rasuras, correções e outras imperfeições estilísticas, que poderiam comprometer a boa apresentação do “trabalho” (sim o termo se justifica, estrito e lato senso). Mesmo quando fiz a minha tese de doutoramento – dois pesados volumes com mais de 500 páginas no total – o trabalho permanecia quase o mesmo, ainda que contando com uma poderosa IBM elétrica, de esfera (inclusive uma exclusiva para itálicos, exigindo a troca a cada vez) e com copiadora própria, ambos um pesado investimento próprio, ainda mais que pagos num dos países mais caros do mundo, na Suíça. Conclusão: até hoje não disponho do teor da tese integramente em meu computador, assim como diversos outros trabalhos escritos antes de 1987 (data da compra de meu primeiro Macintosh).
Não pretendo aqui – ou neste momento, pelo menos – oferecer um balanço puramente contábil de minha produção, ainda que eu possa indicar, rapidamente, os números envolvidos (numa abordagem geográfico-quantitativa, ao final). Basta com dizer que os trabalhos só recebem número, data e local, quando são considerados terminados, arquivados sob esse número em pastas anuais, com listas cronológicas geralmente divididas por ano e local principal de residência naquele ano. Uma outra lista, necessariamente menor, apenas lista os trabalhos publicados, mas deixei de preservá-los em arquivos independentes em pastas próprias, pois representaria uma duplicação de arquivos (embora provavelmente útil, posto que alguns trabalhos publicados diferem ligeiramente, por diversas razões, dos originais registrados). Cópias físicas de originais e publicados foram feitas até o ano de 1998, ocorrendo aí, portanto, uma lacuna de mais de dez anos sem suporte físico completo (o que caberia providenciar em algum momento). Mas estas são preocupações secundárias neste momento de registro do trabalho número 2000.
Talvez seja mais útil tecer algumas considerações sobre o sentido da produção e minhas reflexões a esse respeito, inclusive porque, no momento da redação do trabalho número 1000 eu estava muito ocupado com trabalhos atrasados ou urgentes e deixei passar a oportunidade do devido registro comemorativo, o que cabe agora remediar. Não o faço por vaidade, ou egocentrismo (embora tais sentimentos possam ser justificados ou legítimos, em seu mérito próprio), mas apenas para responder a meu espírito de historiador improvisado. Acho que todo e qualquer esforço intelectual merece ser retraçado em suas origens e circunstâncias, já que esses trabalhos sempre responderam a alguma necessidade interna ou foram motivados pelo ambiente em que me encontrava vivendo e produzindo durante a sua elaboração.
Da necessidade da escrita (e seu registro)
Desde quando comecei a ler, na “tardia” idade de sete anos, sempre fiz notas de livros e elaborei trabalhos em torno dessas leituras. Já não tenho certeza se foi no ‘quinto’ ano do primário ou no primeiro do ginasial que impressionei a professora com meu conhecimento de história ‘clássica’, que nessa época queria dizer Grécia e Roma antigas. Devo isto graças à leitura de Monteiro Lobato: não apenas História do Mundo para as Crianças, mas também O Minotauro e Os Doze Trabalhos de Hércules (bem, tive de deixar a Emília de lado, nesses relatos sérios, mas ela merecia ter feito parte do trabalho...).
Na partida para a Europa, tive de deixar muitos registros para trás, mas passei a acumular cadernos de leituras, alguns dos quais já foram resumidos em um post antigo em um dos meus blogs (ver: 17) Meus cadernos de leitura (1971-1983); link). Muitas leituras foram feitas a partir de uma pequena bibliografia de mais ou menos 500 livros, que eu tinha feito para ler sistematicamente (não devo ter chegado nem a 10% da lista, mas em compensação li muitos outros livros, provavelmente mais interessantes): os interessados em saber quais são, podem referir-se a outro post (34. Uma 'pequena' bibliografia para leitura e notas; link). De todas essas leituras, emergiram trabalhos acadêmicos ou artigos independentes, vários dos quais publicados, mas de forma não sistemática e muitas vezes sem o devido registro ou preservação de originais.
Minhas listas de trabalhos originais e de publicados podem ser conferidas no seguintes links respectivos de meu site pessoal (http://www.pralmeida.org/03Originais/00originais.html e http://www.pralmeida.org/02Publicacoes/00Publicacoes.html), uma construção muito posterior à organização desses arquivos e feita não por narcisismo e sim para atender a demandas de alunos por informações em torno de questões relativas à integração regional e ao Mercosul, portanto, com objetivos didáticos muito definidos.
E por que essa compulsão, quase uma obsessão pela escrita e eventual publicação de trabalhos? Confesso que não sei fornecer uma resposta única, exclusiva ou especificamente válida a esta pergunta: alguns podem achar que é por exibicionismo pessoal, o que provavelmente não explicaria a enorme diferença entre o número de originais e o dos trabalhos efetivamente publicados, o que indica que escrevo por necessidade interior, quase uma segunda natureza, ou inclinação natural. Comecei de maneira informal, mas como as notas e manuscritos se multiplicavam, com muitas cópias carbono feitas – muitas delas sem registro preciso quanto a local e data –, logo senti a necessidade colocar ordem na bagunça. Daí surgiram as listas seriadas e depois a organização dos originais em pastas de classificados, uma providência praticamente dispensada na era do computador e dos arquivos eletrônicos (nem sempre adequadamente preservados em back-ups regulares, o que é sempre um risco, como todos sabem).
Enfim, creio que não preciso justificar o ato da escrita, inerente a todos os que lêem intensamente – OK, nem todos – ou pelo menos no caso daqueles que também possuem uma preocupação didática, ainda que indireta, como é o meu caso (ou seja, não o faço por ser professor, pois apenas exerço a atividade por vontade própria, não por necessidade ou como ocupação principal, sempre em detrimento do lazer ou descanso pessoal). Poderia apenas parafrasear Descartes: “Leio, logo escrevo” (por favor, alguém versado em latim, me transcreva esta frase, para ficar bonita...).
O que o Brasil fez por mim (e o que eu, pretensamente, estou fazendo por ele)
Não sou dado a patriotismos, nem a chauvinismos ultrapassados e um pouco ridículos. A nacionalidade é um acidente geográfico, partindo do ponto de vista da unidade fundamental da espécie humana. Sou brasileiro, como poderia ter nascido esquimó ou hotentote, e ninguém seria responsável por esse acaso demográfico, nem mesmo meus pais, posto que ninguém ‘fabrica’ uma personalidade humana com base em especificações pré-determinadas. Somos em grande parte (mas provavelmente não a mais decisiva) o resultado da herança genética, em outra parte o resultado do meio e das influências que experimentamos em diversas etapas formativas, mas também (uma parte que espero substancial) o produto de nossa formação ativa, por meio dos estudos empreendidos e dos esforços que nós mesmos fazemos para moldar um estilo de vida e um padrão de pensamento com base em escolhas e preferências que foram adotadas ao longo de toda uma vida, especialmente em seu primeiro terço.
Tendo nascido no Brasil, de pais descendentes de imigrantes europeus analfabetos, ainda assim beneficiei-me da herança cultural européia, visivelmente dotada de maior densidade do que a média brasileira tradicional, ou seja, um substrato desprovido de maior sofisticação técnica ou instrumental em relação aos requisitos modernos de uma sociedade caracterizada por uma produtividade satisfatória. O que o Brasil meu deu, uma vez iniciado o processo de escolarização (entre meados dos anos 1950 e meados da década seguinte), foi uma escola pública de qualidade razoável para os padrões conhecidos ulteriormente (e certamente no período recente). Esse ensino, a cargo de professoras ‘normalistas’, foi complementado por uma freqüência regular e intensa a uma biblioteca pública infantil – depois batizada de Anne Frank, no Itaim-Bibi, bairro da zona sul de São Paulo – onde devo ter lido praticamente todos os livros interessantes, dos quais guardei enormes e boas lembranças: lia quase todas as tardes – quando não me desviavam para alguma pelada de esquina – e ainda levava um ou dois para ler em casa, noite adentro (a ausência de televisão ajudou-me enormemente, e não por escolha própria, pois no final da tarde íamos assistir National Kid ou o Patrulheiro Rodoviário na casa de um vizinho).
Na verdade, não sei dizer se foi o Brasil quem me deu a chance de ingressar numa faculdade pública de boa qualidade – o curso de Ciências Sociais da USP, a partir de 1969 – ou se foi o meu próprio esforço de leituras intensas, aliás alternadas com o trabalho desde muito jovem. Daí o meu hábito de ler em toda e qualquer circunstância, anteriormente em ônibus ou trem, ou andando, depois diretamente em bibliotecas e livrarias, ou até dirigindo (o que não recomendo a ninguém...). Acho que foi apenas isto que o Brasil de fato me deu, além, involuntariamente, de uma consciência aguda sobre problemas sociais, miséria, pobreza, desigualdades, políticas econômicas (e suas conseqüências sempre surpreendentes...) e as muitas soluções propostas para resolver esses problemas. A adesão à sociologia – a arte de resolver rapidamente os problemas do Brasil, segundo Mário de Andrade – e ao socialismo veio naturalmente, sem qualquer ânimo ‘religioso’, porém, posto que sempre li materiais de todas as escolas filosóficas e tendências políticas.
Dito isto, pode-se dizer que o que o Brasil não me deu foi um bom ambiente de debate intelectual sobre essas questões, já que a qualidade intelectual da ‘pesquisa’ – se é que ela existe, de fato – é precária, para dizer o mínimo, com muita bobagem passando por argumentação de qualidade. E o que eu estou tentando ‘devolver’ ao Brasil, se ouso dizer? Como valorizo tremendamente os estudos, e acredito que a sociedade brasileira, como um todo, foi capaz de oferecer-me, numa determinada época, uma educação de qualidade relativamente satisfatória, julgo-me no dever de ‘devolver’ à sociedade parte do que recebi, contribuindo para que outros jovens, em situação talvez similar à minha na mesma faixa etária possam dispor de condições adequadas para também disputar uma posição condizente com suas aspirações. Como fazer isso? Bem, talvez exercendo também atividades docentes, embora consciente de que não estou atingindo os mais necessitados: mas já terá sido uma contribuição boa se eu conseguir atuar em direção dos ‘multiplicadores’ de conhecimento, ou seja, pela formação dos formadores, posto que muitos dos meus alunos poderão se dirigir para o sistema de ensino de primeiro ou de segundo grau.
Onde pretendo chegar com tantos trabalhos?
Boa pergunta, mas não sei responder, sinceramente. Certamente não estou em nenhum concurso quantitativo, nem sei se existe algum Guinness para volume de originais, o que aliás importa pouco. O mais relevante é aprender com as leituras, sintetizar o que se aprende nos livros – e não observação direta da realidade – e transmitir o conhecimento adquirido em linguagem adaptada aos novos receptores, provavelmente jovens que não tiveram acesso ao volume de livros e de informações (em diversas línguas) de que disponho em virtude de circunstâncias excepcionais.
Provavelmente preciso fazer um balanço qualitativo da minha produção e passar a trabalhar menos – ou em menor velocidade de escrita – e melhor, com trabalhos mais focados sobre aspectos específicos das carências didáticas já identificadas. Talvez, organizando um plano para trabalhos seriais que depois possam ser unificados em obras de divulgação mais ampla – necessariamente sob a forma de livros – em lugar dos muitos trabalhos dispersos e erráticos que respondem a demandas de terceiros para veículos eletrônicos nem sempre estáveis ou bem administrados. O excesso pode prejudicar a reflexão de maior densidade analítica, com pesquisa bem fundamentada e dados empíricos controláveis, para evitar polêmicas inúteis em torno de argumentos principistas.
De fato, está na hora de fazer um plano de trabalho e segui-lo de forma sistemática, de maneira a deixar uma obra caracterizada pela permanência, e não apenas uma coleção infindável de escritos dispersos, divulgados em suportes precários como podem ser os muitos sites e blogs de nossa era dominada pela facilidade da informação e da comunicação. Tenho alguns livros no pipeline – aliás, as minhas pastas de ‘working files’, ou seja, trabalhos em preparação, são provavelmente mais numerosas e mais dispersivas ainda do que os trabalhos concluídos e numerados – e caberia organizar, doravante, um roteiro-calendário para um esforço dirigido melhor organizado.
Uma palavra final, comemorativa (finalmente)
Bem, este é o trabalho número 2000. Como não comemorei o número 1000, não sei bem o que fazer com este, a não ser tê-lo como registro pessoal de um balanço parcial de minhas atividades de escrevinhador compulsivo. Não consigo sequer comprar um bolo com velinhas para festejar o evento, estando atualmente num hotel de Nova York. Vou apenas dizer a mim mesmo: parabéns, legitimamente, mas seja menos prolífico e mais focado, a partir de agora.
Ok, nem vou tentar fazer a contabilidade da produtividade escrevinhadora neste momento, apenas registrar um resumo das listas de originais, como abaixo. Vou precisar reorganizar o meu site – sou um desastre em matéria de web-design, aliás, não tenho a menor idéia de como se desenha um site – em função de grandes áreas de pesquisa ou de interesse, de maneira a poder fazer esse planejamento mais focado em resultados qualitativos, do que em volume aritmético de trabalhos.
Não tenho idéia do efeito que meus trabalhos – e livros e artigos publicados – possam estar tendo sobre o público visado: tipicamente os jovens universitários brasileiros, a não ser raramente, por meio de contatos ocasionais através do formulário do site (e de alguns pedidos de ajuda por e-mail). Suspeito que algo de bom possa resultar desse volume apreciável de trabalhos divulgados voluntariamente, ainda que muitos deles devem despertar reações negativas em vários dos supostos destinatários, tendo em vista o ambiente universitário típico no Brasil, atualmente. Não me importo muito com as críticas, aliás muitos dos trabalhos são suficientemente provocadores para provocar críticas, justamente. O que seria mais relevante seria um ambiente adequado para um bom debate intelectual no Brasil, o que infelizmente ocorre muito raramente hoje em dia.
Esperando que esse ambiente possa surgir e se desenvolver, continuarei a colaborar da forma que sempre fiz: lendo, sintetizando, escrevendo e divulgando meus trabalhos e os de terceiros (em meus escritos ou nos blogs dedicados a tais finalidades). Uma ultima palavra quanto aos curiosos quanto a minhas atuais posições políticas ou filosóficas: não me considero absolutamente nada, ou seja, não me filio a nenhuma escola determinada de pensamento ou a qualquer tendência ou movimento político. Considero-me absolutamente livre, e por isso mesmo recuso filiações ou adesões a qualquer entidade ou organização que possua regras ou ‘filosofias’ determinadas.
Meus únicos princípios poderiam ser resumidos em duas expressões: racionalismo moderado – posto que sentimentos sempre fazem parte das ações e intenções humanas – e ceticismo sadio, ou seja, desconfiança de tudo o que não vem suportado em evidências alcançados por meio de dados empíricos, da experiência prática, da lógica formal. Uma coisa não pode ser simplesmente aceitável por conveniência ou por relativismo cultural: neste ponto, é preciso ter coragem de defender suas convicções, a despeito de frustrações eventuais, derivadas do meio ambiente em que se vive ou trabalha. As pessoas são em geral acomodadas, o que não creio que seja o meu caso, pois estou sempre aceitando novos desafios.
Por fim, quanto ao método de trabalho, creio que ele pode ser resumido numa única expressão: honestidade intelectual, e isso não requer nenhum tipo de explicação complementar. Voilà: creio que o meu trabalho 2000 está agora completo e posso me despedir de meus poucos leitores...
Paulo Roberto de Almeida
New York, 2000, 28.04.2009
==========
Anexo:
Paulo Roberto de Almeida
Uma informação quantitativa da produção acumulada
(a partir das 23 listas de trabalhos seriados)
(listas de originais e publicados disponíveis no site pessoal: www.pralmeida.org)
1) São Paulo, 1968; Bruxelas, 1976: do nº 001 ao nº 041
2) São Paulo, 1977; Brasília, 1978-79; Berna, 1980-82; Belgrado, 1982-84; Bruxelas, 1984: do nº 042 ao nº 093
3) Brasília, 1985-1987: do nº 095 ao nº 149
4) Genebra, 1987-1990: do nº 150 ao nº 184
5) Montevidéu, 1990-1992: do nº 185 ao nº 223
6) Brasília: 1992-1993: do nº 224 ao nº 383
7) Paris, 1993-1995: do nº 384 ao nº 503
8) Brasília, 1996: do nº 504 ao nº 545
9) Brasília, 1997: do nº 546 ao nº 600
10) Brasília, 1998: do nº 601 ao nº 650
11) Brasília, 1999: do nº 651 ao nº 708
12) Washington, 1999: do nº 709 ao nº 718
13) Washington, 2000: do n. 719 ao n. 764
14) Washington, 2001: do n. 765 ao n. 843
15) Washington, 2002: do n. 844 ao n. 993
16) Washington, 2003: do n. 994 ao n. 1136
17) Brasília, 2003: do n. 1137 ao n. 1168
18) Brasília, 2004: do n. 1169 ao n. 1368
19) Brasília, 2005: do n. 1369 ao n. 1518
20) Brasília, 2006: do nº 1519 ao nº 1706
21) Brasília, 2007: do nº 1707 ao nº 1847
22) Brasília, 2008: do nº 1848 ao nº 1969
23) Brasília, 2009: do nº 1970 ao nº 2---
1085) Noticias economicas do imperio: uma lenta recuperacao
As estatísticas econômicas que estou lendo na imprensa americana (uma média ponderada de dezenas de estimativas feitas por instituições públicas, privadas, professores universitários e agências de avaliação de risco) permitem um otimismo cauteloso sobre os desenvolvimentos da crise atual.
Segundo esses dados, a evolução será a seguinte para alguns indicadores:
Dado Q1-2009 Q2-2009 (...) Q2-2010
PIB -5,0% -2,0% 2,6%
Juros Fed 0% 0% 0,38%
Inflação -0,4% -1,1% 1,7%
T-bonds 10y 2,71% 2,9% 3,41%
Desemprego 8,5% 9,0% 9,5%
Petroleo $43 $50 $63
O dado mais espetacular é a percepção do ambiente de negócios, que guia os investimentos dos empresários: o indicador (cuja natureza deve ser uma pesquisa qualitativa, diretamente com grandes empresas da Forbes) sai de -24,4$ de queda, neste primeiro trimestre de 2009, para 3,3% no segundo trimestre de 2010.
Ou seja, os catastrofistas podem ser desmentidos antes que publiquem seus primeiros livros sobre o declínio do capitalismo...
Post scriptum em 28.04.2009: Os catastrofistas ainda ganham por um a zero. Os resultados publicados nesta data revelam uma queda do PIB americano ainda mais severa do que a prevista acima: PIB dos EUA tem retração de 6,1% no 1º trimestre.
Parece que a situação ainda vai exigir um pouco de paciência até melhorar...
Segundo esses dados, a evolução será a seguinte para alguns indicadores:
Dado Q1-2009 Q2-2009 (...) Q2-2010
PIB -5,0% -2,0% 2,6%
Juros Fed 0% 0% 0,38%
Inflação -0,4% -1,1% 1,7%
T-bonds 10y 2,71% 2,9% 3,41%
Desemprego 8,5% 9,0% 9,5%
Petroleo $43 $50 $63
O dado mais espetacular é a percepção do ambiente de negócios, que guia os investimentos dos empresários: o indicador (cuja natureza deve ser uma pesquisa qualitativa, diretamente com grandes empresas da Forbes) sai de -24,4$ de queda, neste primeiro trimestre de 2009, para 3,3% no segundo trimestre de 2010.
Ou seja, os catastrofistas podem ser desmentidos antes que publiquem seus primeiros livros sobre o declínio do capitalismo...
Post scriptum em 28.04.2009: Os catastrofistas ainda ganham por um a zero. Os resultados publicados nesta data revelam uma queda do PIB americano ainda mais severa do que a prevista acima: PIB dos EUA tem retração de 6,1% no 1º trimestre.
Parece que a situação ainda vai exigir um pouco de paciência até melhorar...
1084) Turismo academico (21): Museus de Nova York, os novos sao os melhores
Nova York tem tanta coisa para se fazer, que é virtualmente impossível se contemplar todas as possibilidades. Assim, decidi deixar de lado os museus mais conhecidos (Moma, Guggenheim, Natural History e Planetarium) e fazer um tour das novidades.
Novos museus em New York
Começamos a segunda-feira (um dia, aliás, no qual a maior parte dos museus estão fechados) por uma visita à coleção Rubin de arte himalaia, situado no Chelsea, rua 17. Incrivel como esse tipo de iniciativa prospera nos EUA: um casal de judeus, sem nenhuma vinculação especial com a Ásia ou sua cultura, começa, muitos anos atrás, a colecionar peças de arte himalaia, por puro gosto pessoal. A coleção cresce, começa a ocupar toda a casa, e daí surge a idéia de fazer um museu, com a ajuda dos amigos (que nunca falham) e de outras instituições.
Ai, basta encontrar uma palacete em NY (o que não é muito dificil), derrubar tudo por dentro, deixando a fachada, com a ajuda de algum arquiteto judeu que não cobra nada por isso, e zut, voilà, surge um novo museu, espetacular, inteiramente dedicado à arte himalaia (sobretudo Nepal e Tibete, mas tambem India e Paquistão, o que é inevitável), com peças inacreditáveis, que "aparecem" não se sabe bem como, mas que não são vistas nos museus de arte asiática tradicional (em todo caso, vi peças que nunca tinha visto iguais no Guimet de Paris, ou na Sackler e Freer de Washington).
Recomendo, absolutamente, inclusive porque além das coleções permanentes, sempre estão apresentando exibições especiais e temporárias, com peças coletadas em outros museus ou, o que é mais importante, em coleções particulares (e que portanto nunca serão mais vistas, a não ser em casos de doações, o que aliás ocorre muito frequentemente nos EUA).
Jewish Museum (Quinta Avenida, não muito longe do Museu of Design e da Guggenheim)
Outro museu espetacular, imperdível, construído (sempre totalmente renovado por dentro) dentro do antigo palacete dos Warburg (uma dessas familias de banqueiros riquíssimos da belle époque), e que abriga não apenas peças de coleções, mas toda uma exibição didática, com todos os recursos de mídia, sobre alguns milhares de anos da história do povo judeu. Imperdível, também, sobretudo porque eles reconstroem a experiência do povo judeu através das eras em diferentes continentes e nas três grandes divisões do povo judeu depois da diáspora: os que ficarem na terra de Israel, os de tradição sefardita (que foram para a Espanha, e depois se espalharam pelo mundo ocidental e oriental, depois do Edito de Expulsão, de 1492), e os askenazi (concentrados na Europa do norte, da Alemanha à Rússia, os que mais sofreram perseguições).
Convido os interessados a visitarem o museu pelo seu site online, pois não saberia descrever com fidelidade tudo o que vi durante algumas horas.
Sim, apenas uma lembrança (que já tinha me surpreendido anos atrás, quando soube desse atraso espanhol de quatro séculos): apenas em 1966 foi introduzida uma emenda ao Fuero de los Españoles, que deu liberdade religiosa aos judeus e revogou o édito de expulsão de 1492. Demorados esses espanhóis...
As lojinhas de museus também são excelentes e não apenas para lembrancinhas, para livros de qualidade também. Além dos catálogos próprios e das exposições especiais, fiquei lendo o prefácio e a introdução de um livro de um historiador americano-luxemburguês, Arno J. Meyer, que conheci anos atrás em Paris, autor de um excelente livro de revisionismo histórico sobre a Europa da belle époque, The Persistence of Old Regime (já traduzido e publicado no Brasil). Seu livro mais recente é uma história progressista do Estado de Israel: From Plougshares to Swords: From Zionism to Israel (London; Verso, 2008).
Não comprei porque já não tenho mais onde colocar um hardcover, não porque custa 34 dólares (embora pretenda comprá-lo por 6 ou 8 dólares dentre em breve, na abebooks.com) e escrever ao autor, que é emérito de Princeton.
Bem, acho que seria preciso um ano de NY, apenas para fazer as novidades, não o que já existe catalogado nos guias turísticos. Vou precisar de um sabático inteiro...
New York, 27 de abril de 2009
Novos museus em New York
Começamos a segunda-feira (um dia, aliás, no qual a maior parte dos museus estão fechados) por uma visita à coleção Rubin de arte himalaia, situado no Chelsea, rua 17. Incrivel como esse tipo de iniciativa prospera nos EUA: um casal de judeus, sem nenhuma vinculação especial com a Ásia ou sua cultura, começa, muitos anos atrás, a colecionar peças de arte himalaia, por puro gosto pessoal. A coleção cresce, começa a ocupar toda a casa, e daí surge a idéia de fazer um museu, com a ajuda dos amigos (que nunca falham) e de outras instituições.
Ai, basta encontrar uma palacete em NY (o que não é muito dificil), derrubar tudo por dentro, deixando a fachada, com a ajuda de algum arquiteto judeu que não cobra nada por isso, e zut, voilà, surge um novo museu, espetacular, inteiramente dedicado à arte himalaia (sobretudo Nepal e Tibete, mas tambem India e Paquistão, o que é inevitável), com peças inacreditáveis, que "aparecem" não se sabe bem como, mas que não são vistas nos museus de arte asiática tradicional (em todo caso, vi peças que nunca tinha visto iguais no Guimet de Paris, ou na Sackler e Freer de Washington).
Recomendo, absolutamente, inclusive porque além das coleções permanentes, sempre estão apresentando exibições especiais e temporárias, com peças coletadas em outros museus ou, o que é mais importante, em coleções particulares (e que portanto nunca serão mais vistas, a não ser em casos de doações, o que aliás ocorre muito frequentemente nos EUA).
Jewish Museum (Quinta Avenida, não muito longe do Museu of Design e da Guggenheim)
Outro museu espetacular, imperdível, construído (sempre totalmente renovado por dentro) dentro do antigo palacete dos Warburg (uma dessas familias de banqueiros riquíssimos da belle époque), e que abriga não apenas peças de coleções, mas toda uma exibição didática, com todos os recursos de mídia, sobre alguns milhares de anos da história do povo judeu. Imperdível, também, sobretudo porque eles reconstroem a experiência do povo judeu através das eras em diferentes continentes e nas três grandes divisões do povo judeu depois da diáspora: os que ficarem na terra de Israel, os de tradição sefardita (que foram para a Espanha, e depois se espalharam pelo mundo ocidental e oriental, depois do Edito de Expulsão, de 1492), e os askenazi (concentrados na Europa do norte, da Alemanha à Rússia, os que mais sofreram perseguições).
Convido os interessados a visitarem o museu pelo seu site online, pois não saberia descrever com fidelidade tudo o que vi durante algumas horas.
Sim, apenas uma lembrança (que já tinha me surpreendido anos atrás, quando soube desse atraso espanhol de quatro séculos): apenas em 1966 foi introduzida uma emenda ao Fuero de los Españoles, que deu liberdade religiosa aos judeus e revogou o édito de expulsão de 1492. Demorados esses espanhóis...
As lojinhas de museus também são excelentes e não apenas para lembrancinhas, para livros de qualidade também. Além dos catálogos próprios e das exposições especiais, fiquei lendo o prefácio e a introdução de um livro de um historiador americano-luxemburguês, Arno J. Meyer, que conheci anos atrás em Paris, autor de um excelente livro de revisionismo histórico sobre a Europa da belle époque, The Persistence of Old Regime (já traduzido e publicado no Brasil). Seu livro mais recente é uma história progressista do Estado de Israel: From Plougshares to Swords: From Zionism to Israel (London; Verso, 2008).
Não comprei porque já não tenho mais onde colocar um hardcover, não porque custa 34 dólares (embora pretenda comprá-lo por 6 ou 8 dólares dentre em breve, na abebooks.com) e escrever ao autor, que é emérito de Princeton.
Bem, acho que seria preciso um ano de NY, apenas para fazer as novidades, não o que já existe catalogado nos guias turísticos. Vou precisar de um sabático inteiro...
New York, 27 de abril de 2009
segunda-feira, 27 de abril de 2009
1083) Fontes para o estudo da historia do Brasil: Guias
Reproduzo abaixo um post antigo postado por mim em outro blog (Vivendo com Livros), mas que pode apresentar interesse continuado para pesquisadores da história do Brasil.
Domingo, Março 04, 2007
10) Arquivos históricos sobre o Brasil no exterior
Existem, obviamente, muitos arquivos relevantes para o estudo da história do Brasil no exterior, a começar pelos arquivos portugueses, que compõem a mais ampla coleção de documentos primários da era colonial.
Todos esses arquivos foram devidamente catalogados e encontram-se disponíveis no Brasil, por meio de publicações especializadas feitas no quadro do Projeto Resgate Barão do Rio Branco, sob a direção técnica da arquivista e historiadora Esther Caldas Bertoletti.
Quando eu me encontrava trabalhando na Embaixada do Brasil em Washington tive a preocupação de tentar reproduzir esse esforço para os muitos arquivos existentes nos EUA, a começar pelos National Archives, mas também compilando informações sobre outros arquivos relevantes.
O "Guia dos Arquivos Americanos sobre o Brasil" foi compilado em 2003 e encontra-se em fase de publicação impressa. Os interessados podem consultá-lo nesta cópia em pdf:
http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/59GuiaArquivosEUA.pdf
Mais tarde, sob o mesmo modelo, sob iniciativa de meu colega Luis Claudio Villafane Gomes Santos, que havia trabalhado comigo e depois foi removido para Montevidéu, foi composto um volume cobrindo os arquivos uruguaios.
Ele pode ser consultado neste link: http://www.brasmont.org.uy/home/home/index.php?t=noticias&id=65&secc=127
Nota em 27.04.2009: Não tenho certeza de que este último link esteja ainda funcionando, pois não controlei. O Guia americano está em meu próprio provedor.
Domingo, Março 04, 2007
10) Arquivos históricos sobre o Brasil no exterior
Existem, obviamente, muitos arquivos relevantes para o estudo da história do Brasil no exterior, a começar pelos arquivos portugueses, que compõem a mais ampla coleção de documentos primários da era colonial.
Todos esses arquivos foram devidamente catalogados e encontram-se disponíveis no Brasil, por meio de publicações especializadas feitas no quadro do Projeto Resgate Barão do Rio Branco, sob a direção técnica da arquivista e historiadora Esther Caldas Bertoletti.
Quando eu me encontrava trabalhando na Embaixada do Brasil em Washington tive a preocupação de tentar reproduzir esse esforço para os muitos arquivos existentes nos EUA, a começar pelos National Archives, mas também compilando informações sobre outros arquivos relevantes.
O "Guia dos Arquivos Americanos sobre o Brasil" foi compilado em 2003 e encontra-se em fase de publicação impressa. Os interessados podem consultá-lo nesta cópia em pdf:
http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/59GuiaArquivosEUA.pdf
Mais tarde, sob o mesmo modelo, sob iniciativa de meu colega Luis Claudio Villafane Gomes Santos, que havia trabalhado comigo e depois foi removido para Montevidéu, foi composto um volume cobrindo os arquivos uruguaios.
Ele pode ser consultado neste link: http://www.brasmont.org.uy/home/home/index.php?t=noticias&id=65&secc=127
Nota em 27.04.2009: Não tenho certeza de que este último link esteja ainda funcionando, pois não controlei. O Guia americano está em meu próprio provedor.
1082) Turismo academico (20): A musica das estradas americanas
Well, not exactly....
Suponho que a maior parte dos carros alugados atualmente nos EUA venham com alguns equipamentos padrão: GPS, pedágio eletrônico e, sobretudo, rádio digital.
Viajando com música...e notícias...
O meu Pontiac (teria preferido um Honda Accord, mas não havia disponível) veio com tudo isso, e foi um conforto. Algum museu no caminho? Bastava colocar o endereço no GPS e lá íamos nós tranquilamente pelas estradas e ruas até chegar no exato local pretendido.
Pedágio? Go ahead... (depois aparece no meu cartão de crédito).
O mais agradável foi poder escolher entre dezenas de estações de rádio, cada uma com cobertura praticamente nacional.
Das estações de informações, todas as mais conhecidas, nas não consegui achar a minha PBS preferida em Washington (talvez porque existissem muitas para escolher, nas mais diferentes bandas, o mínimo quatro, acredito). Mas, CNN, BBC World Service e outras, em inglês, espanhol, francês (inclusive uma quebecoise Quoi de Neuf?).
Em matéria de música, para todos os gostos e inclinações.
Depois de algum zapping, inclusive controlado da própria direção, me fixei em três: Real Jazz, de feição mais clássica, Watercolor (jazz moderno) e uma que finalmente me prendeu mais tempo: Sinatra.
Não apenas o próprio, mas seu filho e filha (Nancy apresentava um programa que dialogava com ouvintes), seus imitadores e todo o tipo de música parecida (inclusive Tom Jobim, Caetano Velloso, ambos em inglês). Foi a melhor estação de todas: música variada, clássicos do Sinatra e programas especiais.
Alternei com alguns CDs de cantoras que aprecio (Diana Krall, Jane Monheit) e uma biografia do presidente Harry Truman, escrita e lida pelo historiador David McCullough, em cinco CDs, que fui ouvindo nos longos trajetos...
Quando teremos rádios digitais, ou melhor, estações digitais com essa diversidade no Brasil? Na verdade, a tecnologia já existe, e algumas estações já emitem digitalmente, mas suponho que o número, diversidade e conteúdo sejam ainda muito pobres, para não dizer miseráveis...
Quando entregar o carro em Miami, vou sentir saudades de meu périplo musical...
Terão sido mais ou menos seis mil milhas de músicas de alta qualidade e programas variados também instrutivos e informativos...
Suponho que a maior parte dos carros alugados atualmente nos EUA venham com alguns equipamentos padrão: GPS, pedágio eletrônico e, sobretudo, rádio digital.
Viajando com música...e notícias...
O meu Pontiac (teria preferido um Honda Accord, mas não havia disponível) veio com tudo isso, e foi um conforto. Algum museu no caminho? Bastava colocar o endereço no GPS e lá íamos nós tranquilamente pelas estradas e ruas até chegar no exato local pretendido.
Pedágio? Go ahead... (depois aparece no meu cartão de crédito).
O mais agradável foi poder escolher entre dezenas de estações de rádio, cada uma com cobertura praticamente nacional.
Das estações de informações, todas as mais conhecidas, nas não consegui achar a minha PBS preferida em Washington (talvez porque existissem muitas para escolher, nas mais diferentes bandas, o mínimo quatro, acredito). Mas, CNN, BBC World Service e outras, em inglês, espanhol, francês (inclusive uma quebecoise Quoi de Neuf?).
Em matéria de música, para todos os gostos e inclinações.
Depois de algum zapping, inclusive controlado da própria direção, me fixei em três: Real Jazz, de feição mais clássica, Watercolor (jazz moderno) e uma que finalmente me prendeu mais tempo: Sinatra.
Não apenas o próprio, mas seu filho e filha (Nancy apresentava um programa que dialogava com ouvintes), seus imitadores e todo o tipo de música parecida (inclusive Tom Jobim, Caetano Velloso, ambos em inglês). Foi a melhor estação de todas: música variada, clássicos do Sinatra e programas especiais.
Alternei com alguns CDs de cantoras que aprecio (Diana Krall, Jane Monheit) e uma biografia do presidente Harry Truman, escrita e lida pelo historiador David McCullough, em cinco CDs, que fui ouvindo nos longos trajetos...
Quando teremos rádios digitais, ou melhor, estações digitais com essa diversidade no Brasil? Na verdade, a tecnologia já existe, e algumas estações já emitem digitalmente, mas suponho que o número, diversidade e conteúdo sejam ainda muito pobres, para não dizer miseráveis...
Quando entregar o carro em Miami, vou sentir saudades de meu périplo musical...
Terão sido mais ou menos seis mil milhas de músicas de alta qualidade e programas variados também instrutivos e informativos...
domingo, 26 de abril de 2009
1081) Turismo academico (19): Simposio sobre Joaquim Nabuco em Madison: um breve relato
Participei, na sexta-feira 23 e no sábado 24 de abril, do simpósio sobre o Joaquim Nabuco referenciado em meu post 1078 (vide abaixo).
Alguns velhos amigos brasilianistas, novos conhecimentos acadêmicos e, sobretudo, a oportunidade de conhecer um pouco mais sobre o personagem em questão (aliás representado, se o caso se aplica, por um neto e dois bisnetos).
Minha apresentação, como referido aqui, encontra-se disponível em meu site, aliás, não a apresentação em si (um arquivo em PowerPoint), mas o texto que lhe serviu de suporte.
1999. The share of the United States and Brazil in the modern civilization: A centennial homage to Joaquim Nabuco’s commencement speech of 1909, Urbana, 23 abril 2009, 15 p. Paper presented at the Symposium: Nabuco and Madison: A Centennial Celebration (Madison, WI: University of Wisconsin, April 24-25, 2009); Organizador: Prof. Severino Albuquerque. Desenvolvido a partir do esquema n. 1957. Preparada apresentação em PowerPoint com base nesse texto. Disponível como arquivo pdf, em versão ainda não revista, no site pessoal (link: http://www.pralmeida.org/05DocsPRA/1999NabucoMadison.pdf).
O diretor da Fundação Joaquim Nabuco, Humberto França, fez uma palestra inicial muito interessante, sobre o pan-americanismo de Joaquim Nabuco, transcrevendo trechos de cartas e de seus diários. Parece que o Joaquim Nabuco chegou com muito má disposição ao seu prestigioso posto de primeiro embaixador do Brasil, em Washington, em 1905. Começou a reclamar dos "preços exorbitantes, da comida deplorável e do clima miserável". Bem, com exceção dos preços, que estão razoáveis, parece que o resto se manteve. Minto: o clima melhorou bastante. Washington, nos tempos de Nabuco ainda era um lugar pouco saudável, com muito barro nas ruas e mosquitos e febres pestilenciais, por causa dos pântanos em volta. Melhoraram isso, e no verão já não sente tanto o calor abafado, graças ao ar condicionado, obviamente.
Muitas outras palestras interessantes, das quais fiz extensas notas, que não transcrevo por causa do volume do material e do meu cansaço de viagem.
Espero que a Luso-Brazilian Review possa transcrever alguns dos textos das palestras, ainda não o meu pois ele é preliminar e requer uma boa revisão, estilística e de conteúdo.
O ano que vem, 2010, foi declarado o ano de Joaquim Nabuco no Brasil, pelos cem anos de sua morte...
Escritores, historiadores, romancistas, curiosos...
Alguns velhos amigos brasilianistas, novos conhecimentos acadêmicos e, sobretudo, a oportunidade de conhecer um pouco mais sobre o personagem em questão (aliás representado, se o caso se aplica, por um neto e dois bisnetos).
Minha apresentação, como referido aqui, encontra-se disponível em meu site, aliás, não a apresentação em si (um arquivo em PowerPoint), mas o texto que lhe serviu de suporte.
1999. The share of the United States and Brazil in the modern civilization: A centennial homage to Joaquim Nabuco’s commencement speech of 1909, Urbana, 23 abril 2009, 15 p. Paper presented at the Symposium: Nabuco and Madison: A Centennial Celebration (Madison, WI: University of Wisconsin, April 24-25, 2009); Organizador: Prof. Severino Albuquerque. Desenvolvido a partir do esquema n. 1957. Preparada apresentação em PowerPoint com base nesse texto. Disponível como arquivo pdf, em versão ainda não revista, no site pessoal (link: http://www.pralmeida.org/05DocsPRA/1999NabucoMadison.pdf).
O diretor da Fundação Joaquim Nabuco, Humberto França, fez uma palestra inicial muito interessante, sobre o pan-americanismo de Joaquim Nabuco, transcrevendo trechos de cartas e de seus diários. Parece que o Joaquim Nabuco chegou com muito má disposição ao seu prestigioso posto de primeiro embaixador do Brasil, em Washington, em 1905. Começou a reclamar dos "preços exorbitantes, da comida deplorável e do clima miserável". Bem, com exceção dos preços, que estão razoáveis, parece que o resto se manteve. Minto: o clima melhorou bastante. Washington, nos tempos de Nabuco ainda era um lugar pouco saudável, com muito barro nas ruas e mosquitos e febres pestilenciais, por causa dos pântanos em volta. Melhoraram isso, e no verão já não sente tanto o calor abafado, graças ao ar condicionado, obviamente.
Muitas outras palestras interessantes, das quais fiz extensas notas, que não transcrevo por causa do volume do material e do meu cansaço de viagem.
Espero que a Luso-Brazilian Review possa transcrever alguns dos textos das palestras, ainda não o meu pois ele é preliminar e requer uma boa revisão, estilística e de conteúdo.
O ano que vem, 2010, foi declarado o ano de Joaquim Nabuco no Brasil, pelos cem anos de sua morte...
Escritores, historiadores, romancistas, curiosos...
Assinar:
Comentários (Atom)
Postagem em destaque
Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida
Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...
-
Uma preparação de longo curso e uma vida nômade Paulo Roberto de Almeida A carreira diplomática tem atraído número crescente de jovens, em ...
-
FAQ do Candidato a Diplomata por Renato Domith Godinho TEMAS: Concurso do Instituto Rio Branco, Itamaraty, Carreira Diplomática, MRE, Diplom...
-
Países de Maior Acesso aos textos PRA em Academia.edu (apenas os superiores a 100 acessos) Compilação Paulo Roberto de Almeida (15/12/2025) ...
-
Mercado Comum da Guerra? O Mercosul deveria ser, em princípio, uma zona de livre comércio e também uma zona de paz, entre seus próprios memb...
-
Reproduzo novamente uma postagem minha de 2020, quando foi publicado o livro de Dennys Xavier sobre Thomas Sowell quarta-feira, 4 de março...
-
Itamaraty 'Memórias', do embaixador Marcos Azambuja, é uma aula de diplomacia Embaixador foi um grande contador de histórias, ...
-
O Chanceler alemão Merz: "Caros amigos, as décadas da Pax Americana chegaram ao fim para nós na Europa, e para nós na Alemanha também...
-
Desde el post de José Antonio Sanahuja Persles (Linkedin) Con Camilo López Burian, de la Universidad de la República, estudiamos el ascens...
-
O Brics vai de vento em popa, ao que parece. Como eu nunca fui de tomar as coisas pelo seu valor de face, nunca deixei de expressar meu pen...