sábado, 30 de maio de 2009

1125) O soft power brasileiro: incipiente, mas prometedor

Tendo, recentemente, efetuado palestra em curso de RI, recebi, ao final da palestra uma pergunta escrita que obviamente não pude responder. Faço-o agora, transcrevendo abaixo a pergunta e a minha resposta, embutidas em mensagem despachado a meu questionador.

Não foi possivel responder à sua pergunta durante minha palestra e assim formulo aqui alguns comentarios à questão colocada por voce, que foi a seguinte:
"Na sua (minha) opiniao, qual o papel do soft power brasileiro nas negociacoes diplomaticas?"

Eu diria que ele é importante, menos, talvez, nas negociações diplomáticas estrito senso, e mais no ambiente contextual que envolvem essas negociações, ou mais propriamente as relacoes bilaterais.
Soft power é um conjunto de atributos que tem a ver mais com a influência, o exemplo, a inducao por vias indiretas, do que a projecao direta de poder, por pressoes economicas, militares ou politicas, que seriam atributos do hard power e se apresentam nas relacoes muito desequilibradas, geralmente entre uma grande potencia e paises menores ou satelizaveis.
Soft Power tem a ver com a exportacao de capitais, de tecnologia, de bens tangiveis e intangiveis que vao conformado uma crescente influencia de um parceiro sobre outros, ou varios outros. Trata-se de uma outra maneira de dominacao, ou poder, segundo a definicao classica de Max Weber, que dizia que este era a capacidade de determinar a acao de outros pelo exercicio de sua vontade unilateral.
No caso do soft power o que está em jogo é mais a doce persuasao, ou a rendicao a argumentos indiretos de autoridade, do que a determinacao unilateral pela via da imposicao da vontade. Falamos de soft power, por exemplo, quando as pessoas consomem produtos americanos (hamburgueres, Coca-Cola, filmes, musica), usam ou desejam usar tecnologia produzida naquele pais (iPod, iPhone etc) e se beneficiam amplamente da cultura cientifica e tecnologica produzida nesse pais em beneficio proprio, sem necessariamente contrair obrigacoes ou fazer contratos expressando uma relacao de reciprocidade direta. Geralmente isso é adquirido ao longo de uma expansao global dos bens, servicos e ideias produzidos num centro dinamico, que por isso mesmo se torna dominante e adquire condicoes de "extrair renda" dos demais paises, sem recorrer às formas classicas da dominacao colonial antiga, ou a manifestacoes do velho imperialismo, baseado na forca bruta.
Os EUA possuem inegavel poder de inducao, atraves do soft power, bem superior, obviamente ao do Brasil, que possui modesta capacidade de soft power, alias comensuravel com a modesta expressao de seus produtos materiais ou culturais exportados pela economia nacional. Podemos falar de soft power quando as novelas brasileiras fazem sucesso no exterior (em Portugal, nos paises vizinhos, ou até em continentes distantes), divulgando nosso modo de vida, nossas paisagens, induzindo portanto os estrangeiros a visitarem o Brasil ou a comprarem produtos brasileiros.
Outra maneira é o acolhimento de estudantes estrangeiros em nossas universidades, por meio de bolsas, ou toda a cooperacao tecnica prestada pelo Brasil a paises lusofonos da Africa ou outros paises em desenvolvimento. Tudo isso, mais a exportacao de capitais brasileiros (a Petrobras está instalada em varios paises, assim como diversas outras empresas brasileiras), cria um ambiente favoravel ao Brasil no plano das relacoes internacionais. Nao podemos esquecer nossa "exportacao" de futebolistas, de modelos e da propria musica brasileira, que tem excelente acolhimento no exterior, embora nao com a disseminacao da musica pop anglo-saxa, por falta de merchandising ou maraketing, ou de canais proprios de distribuicao. Tampouco ostentamos muitas marcas internacionais, praticamente nenhuma, o que diminui bastante nossa capacidade de exercer soft power.
Em sintese, ele tem a ver mais com a penetracao natural de produtos e servicos brasileiros no exterior por forca de sua economia, cultura, boa imagem (por vezes nao muito boa, por causa dos problemas de direitos humanos e devastacao ambiental), do que propriamente com negociacoes, terreno no qual os diplomatas tendem a medir diretamente vantagens e desvantagens de um acordo determinado mais na expressao literal de um tratado do que com base em elementos externos a ele.

Se voce escrever soft power nos instrumentos de busca tradicionais, terá uma vasta literatura a respeito, mas provavelmente quase nada relativo ao Brasil; isso tem a ver com a nossa baixa producao teorica e analitica no campo das relacoes internacionais, o que confirma, alias, que o nosso soft power é ainda muito incipiente.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

1124) Associacao Brasileira de Relacoes Internacionais escolhe nova diretoria

Atenção eventuais candidatos, interessados na ABRI, internacionalistas:

Associação Brasileira de Relações Internacionais – ABRI
Registro de chapas para eleições

Prezadas e prezados membros da ABRI:

Lembramos a todos o disposto no "Regimento Interno que Disciplina o Processo de Eleição dos Conselhos Diretor e Fiscal da ABRI", aprovado na 1ª Assembléia Geral Ordinária da Associação Brasileira de Relações Internacionais – ABRI, realizada durante o seu I Encontro Nacional, conforme o disposto no Art. 11, parágrafo 3º do seu Estatuto:
"III - Os candidatos aos cargos do Conselho Diretor e do Conselho Fiscal deverão ser sócios plenos doutores quites com suas obrigações associativas, conforme disposto nos artigos 9º e 11º do Estatuto.
"IV - Os candidatos se agruparão em chapas organizadas de acordo com o disposto nos artigos 12º e 13º do Estatuto.
"V - As chapas deverão ser inscritas junto à Secretaria da Associação com antecedência mínima de um mês da data de realização da Assembléia Geral Ordinária do Encontro Nacional em que terá lugar."
Uma vez que a próxima Assembléia Geral Ordinária da ABRI ocorrerá durante o Encontro ABRI-ISA, de 22 a 24 de julho de 2009, os interessados devem enviar suas chapas para a Secretaria da Associação, por Sedex/AR, até o dia 22 de junho de 2009, no seguinte endereço:

Prof. Eugenio Diniz
Secretário-Executivo da Associação Brasileira de Relações Internacionais – ABRI
Departamento de Relações Internacionais - PUC Minas
Av. Dom José Gaspar, 500
Bairro Coração Eucarístico
30535-920 Belo Horizonte MG

Na correspondência deverão constar os nomes que, caso eleitos, ocuparão os cargos abaixo relacionados, e carta de escolta, assinada por um dos componentes da chapa. Os cargos são, conforme os artigos 12 e 13 do Estatuto:
Conselho Diretor:
I. Presidente;
II. Secretário Executivo
III. Secretário Adjunto;
IV. Tesoureiro;
V. 4 (quatro) Diretores.
Conselho Fiscal: 2 membros.
Para mais informações, por favor, consultem o Estatuto da ABRI, e o Regimento Eleitoral, disponíveis em http://www.pucminas.br/abri/index_padrao.php?pagina=3412

Pedimos a gentileza de comunicarem por e-mail (secretaria.abri@gmail.com) o envio da chapa, incluindo os nomes e os cargos.

Atenciosamente,

Monica Herz
Presidente
Eugenio Diniz
Secretário-Executivo
Associação Brasileira de Relações Internacionais – ABRI

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Associação Brasileira em Relações Internacionais (ABRI)

1123) Chile: uma experiencia economica bem sucedida

Chile cosecha los frutos de haber ahorrado durante el auge de las materias primas
The Wall Street Journal, 27/5/2009

Santiago, 27 de mayo.-Durante el reciente boom en los precios de las materias primas Andrés Velasco, el ministro chileno de Hacienda, fue un aguafiestas. Chile, el mayor productor de cobre del mundo, estaba cosechando la bonanza proveniente de la cuadruplicación del precio del metal, pero Velasco insistió en destinar una buena porción de esos ingresos a un fondo de estabilización.

Cuando los ahorros superaron los US$20.000 millones —más del 15% del Producto Interno Bruto— creció la presión para que el ministro de 48 años rompiera la alcancía. En septiembre, un grupo de manifestantes irrumpió en una presentación de Velasco, portando una pancarta con su figura y gritando "la plata del cobre es para la gente humilde".

Velasco, preocupado de que un alud de ingresos provocara burbujas de crédito y consumo, se mantuvo firme a pesar de que la popularidad del gobierno de la presidenta Michelle Bachelet se desvanecía. La historia latinoamericana, advirtió, está "plagada de episodios de auges mal manejados que terminaron con el desperdicio de los recursos".

Hoy, Velasco parece un profeta. Desde el inicio de la crisis económica global, los precios del cobre han caído 50%, parte del pronunciado declive de otras materias primas. Las economías emergentes que no cuidaron el bolsillo en los años de vacas gordas ahora sufren las consecuencias. Argentina, donde abunda la soya, enfrenta una posible cesación de pagos mientras que Rusia, rica en petróleo, ha tenido que salir al rescate de bancos y empresas que se sobreendeudaron.

(ler o restante da matéria neste link)

terça-feira, 26 de maio de 2009

1122) Uma nota sobre o Uzbequistao, cujo presidente vem ao Brasil

O presidente do Uzbequistão, país com o qual o Brasil mantem relações diplomáticas normais, vem ao Brasil, nesta quarta-feira, 27 de maio de 2009.
Abaixo uma nota que poderia ser apenas curiosa, mas que pode ser também estarrecedora, sobre a situação nesse país.

Ahmadinejad, não. Mas Karimov pode?
Blog de Pedro Doria
May 26th, 2009

Um amigo, que por motivos profissionais é obrigado a acompanhar de perto a diplomacia brasileira, anda intrigado com o que sugere ser uma incoerência pátria.

Na quinta-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva receberá seu par uzbeque Islam Karimov, que vem em visita oficial ao Brasil. O Planalto vem ampliando as relações comerciais e institucionais com o Uzbequistão.

Sim: saíram uma meia dúzia de linhas sobre a visita na imprensa.

Quando o presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad organizou sua visita ao Brasil, houve uma enxurrada de protestos questionando os direitos humanos em seu país. Eram protestos coerentes.

Islam Karimov, segundo o ex-embaixador britânico Craig Murray, fervia em água até a morte seus inimigos políticos. Literalmente. O governo uzbeque talvez seja o mais fechado do mundo. Conseguir um visto de entrada no país, para um jornalista, é praticamente impossível. Outro amigo, Burt Herman, que até há um ano era o diretor da sucursal nas Coréias da AP, foi um dos raros repórteres a entrar no Uzbequistão. Em 2005, Karimov ordenou que o exército abrisse fogo contra manifestantes, incluindo mulheres e crianças. Lá estava a passeata, então todos os corpos no chão. Herman tentou levantar quantos morreram. Ele acredita que foram mais de mil, mas não tem como provar.

Nenhum dos direitos fundamentais de uma democracia existem no Uzbequistão. Tortura e prisões sem mandado judicial são a norma. Segundo a Human Rights Watch, a prática habitual na lida com prisioneiros inclui choques elétricos, abuso sexual e asfixia. Não há liberdades de culto, de imprensa, de livre associação ou de assembléia. Estados Unidos, União Européia e ONU já pediram que investigações a respeito da conduta do governo uzbeque fossem conduzidas. Karimov sempre negou qualquer tipo de acesso.

No entanto: nem um pio. Ahmadinejad não pode, o que pode é Karimov.

1121) Pausa para um pouco de musica: Stacey Kent - What a Wonderful World

Simplesmente uma das melhores gravações desta famosa música que eu conheço, por uma artista primorosa e uma intérprete de voz melodiosa, em inglês ou em francês:

Stacey Kent: What a Wonderful World

1120) AInda a questao das cotas raciais e sociais: uma liminar na Justica

O debate em torno da questao, na verdade, comeca viciado e deformado, tanto da parte do deputado que se pronuciou contra o regime de cotas estaduais, como da parte do juiz que pretendia estabelecer a igualdade formal atraves da lei.
Acreito que ainda teremos muita confusao e equivocos em torno desta questao.
A seguir
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Paulo Roberto de Almeida

20:09 | Brasil
TJ-RJ suspende cotas em universidades públicas
25 de Maio de 2009
Por Fabiana Cimieri e Talita Figueiredo

Rio de Janeiro - O Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro concedeu hoje à tarde uma liminar que suspende os efeitos da lei estadual que estabeleceu cotas em universidades públicas estaduais. A ação contra as cotas para negros e estudantes de escolas públicas foi proposta pelo deputado estadual Flávio Bolsonaro (PP), que entrou na Justiça com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN). O deputado, que também é advogado, defendeu a ação no plenário do Órgão Especial.

Para ele, a lei é demagógica, discriminatória e não atinge seus objetivos. "O preconceito existe, não tem como negar, mas a lei provoca um acirramento da discriminação na sociedade. Até quando o critério cor da pele vai continuar prevalecendo? A ditadura do politicamente correto impede que o Legislativo discuta a questão", disse ele, durante sua defesa. A lei estadual tem o objetivo de garantir vagas a negros, indígenas, alunos da rede pública de ensino, pessoas portadoras de deficiência, filhos de policiais civis e militares, bombeiros militares e inspetores de segurança e administração penitenciária, mortos ou incapacitados em razão do serviço.

O relator do processo, desembargador Sérgio Cavalieri Filho, votou contra a liminar por achar que a política "de ação afirmativa tem por finalidade a igualdade formal e material". O Órgão Especial, no entanto, decidiu por maioria dos votos conceder a liminar, suspendendo os efeitos da lei. A decisão definitiva sobre o assunto ainda será analisada pelo Órgão Especial. A Uerj, a primeira instituição a adotar o regime de cotas, informou por meio de sua assessoria de imprensa que deverá se pronunciar amanhã sobre o tema.

1119) De volta ao problema do Apartheid racial: mais um artigo

Eu sou, aparentemente, da fração majoritária e privilegiada da população brasileira. Branco, diplomata, enfim um membro da elite branca, como diriam os promotores atuais do Apartheid, disfarçados de justiceiros da discriminação racial que acreditam existir no Brasil, portanto requerendo políticas de ação afirmativa sob a forma de cotas raciais.
Acontece que sou neto de avós europeus, imigrantes pobres, analfabetos, que vieram para o Brasil substituir os escravos nas plantações de café. Esse é um fato, não uma declaração de auto-comiseração.
A história tem certamente muitas injustiças, mas não se corrigem injustiças passadas criando novas injustiças.
Minha avó analfabeta tinha um imenso orgulho de meus estudos, o que certamente foi um fator importante, de ordem familiar, para estimular minha passagem das chamadas classes subalternas para uma posição que alguns (equivocadamente) classificam como de elite. Admito apenas a elite do saber, do conhecimento, do esforço individual na busca do auto-aperfeiçoamento, o que obtive unicamente com base em meu empenho individual nos estudos e no trabalho.
Minha avó analfabeta certamente não concordaria em que eu alcançasse qualquer situação por uma política de favor. Ela morreu analfabeta, mas trabalhou até morrer, sempre com muito orgulho de meus estudos.
Infelizmente, outros brasileiros, brancos e negros pobres, não tiveram uma situação social, uma condição familia, um background cultural, que os incitassem aos estudos, nem as escolas ajudaram nesse sentido. Trata-se de uma falha coletiva que temos de corrigir, pois eu, felizmente, pude dispor de uma escola e ensino de qualidade, e de uma biblioteca pública onde passei a maior parte da minha infância e pré-adoslecência. Credito unicamente a esses fatores minha ascensão para a elite. Acredito que outros poderiam conseguir, também, com base em esforços individuais.
Enfim, isto, apenas para introduzir o artigo abaixo que me parece apropriado para os tempos que correm.
Paulo Roberto de Almeida (26.05.2009)


Estatuto da Diferença Racial
ALI KAMEL
O Globo, Quarta-feira, 20 de Maio de 2009

A Câmara está para votar uma lei cujos efeitos são os opostos do que anuncia seu nome: “Estatuto da Igualdade Racial”. O que seus autores estabelecem no projeto é um “Estatuto da Diferença Racial”, pois dividem, autocraticamente, os brasileiros em duas “raças” estanques: negros e brancos.

O estatuto, na sua essência, é muito similar às leis segregacionistas em vigor nos Estados Unidos antes da vitória da luta pelos direitos civis e às leis sul-africanas ao tempo do Apartheid.

Não importa que o objetivo explícito aqui seja “promover” a “raça” negra; importa que, para fazê-lo, o estatuto olha os brasileiros, vê dois grupos estanques, impõe-lhes a afiliação a uma de duas “raças”, separa-os, conta-os e concede privilégios a um e não ao outro. Não há igualdade nisso, apenas discriminação.

Os Estados Unidos sempre estiveram sob o comando da Constituição, e esta sempre declarou que todos os homens são iguais. Como explicar, então, que, por tantos anos, tenham estado em vigor leis segregacionistas? Porque, lá, construíram-se leis como as que querem construir aqui: cidadãos iguais, sim, mas separados, cada um do seu lado “para o seu próprio bem”. A mistura era vista com horror, como algo que enfraqueceria tanto os negros quanto os brancos, daí a segregação.

No Apartheid da África do Sul, o discurso era o mesmo. O mestiço era considerado um pária, algo que já começam a repetir no Brasil, segundo denúncia de Demétrio Magnoli aqui mesmo nesta página. Esse estatuto, em que pesem as intenções em direção oposta, tem exatamente a mesma essência. O resultado será sempre o pior possível.

Vou dar apenas dois, de muitos exemplos. O projeto determina que todas as informações do SUS sejam desagregadas por “raça, cor, etnia e gênero” (vejam a obsessão, “raça, cor e etnia”), para que as doenças da população negra sejam mais bem entendidas e combatidas. Ocorre que a ciência já provou que não existem doenças vinculadas à cor da pele da pessoa: não existe doença de branco, de negro, de moreno.

Existem doenças que, geneticamente, estão mais presentes em grupamentos humanos, especialmente entre aqueles que não se misturam. É só pensar na África: ali, a imensa maioria é negra, mas a incidência de certas doenças varia de região para região. Algumas tribos, que não se casam com gente de fora, perpetuam certa doença que não ocorre em outras tribos, igualmente negras. Da mesma forma e pelos mesmos motivos, num país onde a segregação foi muito severa, talvez seja possível encontrar incidência maior de uma doença entre negros. Mas, em países abençoadamente miscigenados, como o nosso, isso simplesmente não existe.

Como todos sabem, o SUS é procurado mais que preponderantemente por pessoas pobres, brancas ou negras ou morenas, ou amarelas. Qualquer estatística produzida pelo SUS, hoje, mostrará quais as doenças que afetam mais os pobres, e essa incidência será relacionada corretamente à pobreza. Se o estatuto for aprovado, haverá uma distorção enorme: como os negros são a maioria entre os pobres, as doenças que acometem mais os pobres em geral, pelas péssimas condições em que vivem, serão vistas como doenças dos negros, de qualquer renda. A crença dos que defendem o estatuto é que, com esse dado na mão, os negros poderão se beneficiar de políticas de prevenção.

Não tardarão a aparecer, contudo, racistas em algumas empresas evitando, disfarçadamente, a contratação de negros porque, supostamente, eles são mais vulneráveis a tais e tais doenças. Será o efeito oposto do que prevê o estatuto.

Outro exemplo: o projeto também impõe que toda criança declare a sua cor e a sua “raça” em todos os instrumentos de coleta do Censo Escolar (válido para escolas públicas e privadas). A ciência já mais do que provou que todos os seres humanos, independentemente da cor da pele, têm o mesmo potencial de aprendizado, ou, dito de uma maneira mais clara, são igualmente inteligentes.

Com essa medida, o que os proponentes do estatuto desejam é, ao final de um período, mostrar o desempenho de alunos negros e brancos.

Como, novamente, os negros são a maioria entre os pobres e como os pobres estudam nas piores escolas, é provável que os negros apresentem um desempenho pior, o que será exibido, não como resultado da penúria por que passam os pobres em geral (negros ou brancos), mas do racismo.

A crença dos proponentes é que os dados tornarão possível uma ajuda maior aos negros, mas o efeito prático é que os negros, de todas as faixas de renda, ganharão mais um rótulo, a ser explorado pelos racistas abjetos que existem em toda parte.

Estão criando um monstro.

Aos deputados que vão votar o projeto, especialmente àqueles que ainda não se decidiram, eu lembro: a ciência já provou que raças não existem, nós seres humanos somos incrivelmente iguais, apesar da diferença de nossos tons de pele; reforçar a noção de “raça” só aumenta o racismo; todas as políticas devem ser voltadas à promoção dos pobres em geral, negros, brancos, pardos, amarelos, qualquer um; nossa maior contribuição ao mundo, até aqui, foi a exaltação da nossa miscigenação, algo realmente inédito na história dos povos.

Mudar isso é mudar a essência de nossa nação. Para pior, muito pior.

No século XXI, nossa visão de mundo tem de ser pós-racial: lutar com todas as forças contra o racismo, não para enaltecer as “raças”, que não existem. Mas para que todos possam ser vistos apenas pelo que são: homens e mulheres. Alguém não deve ser ajudado porque é dessa ou daquela cor ou “raça”, mas simplesmente porque precisa.

Não há igualdade racial no estatuto proposto; apenas discriminação.

ALI KAMEL é jornalista. E-mail

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Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...