Minha atenção foi chamada para um estudo do IPEA por uma nota no portal (e também blog-newsletter) do economista José Roberto Affonso, neste link.
O título "latrinos" é dele, e não corresponde ao título real do estudo:
Impactos dos Gastos Públicos Latrinos (Silva e Cândido)
Transcrevo primeiro o resumo que ele faz, depois vou ao texto original:
Texto para Discussão do IPEA n.1434, de Alexandre Manoel A. da Silva e José Oswaldo Cândido Jr. ,mensura os impactos macroeconômicos dos gastos públicos nas principais economias da América Latina onde se observa, de maneira geral, que no longo prazo os investimentos públicos tendem a afetar positivamente o produto e consumo das famílias. No curto prazo, os multiplicadores do consumo do governo com relação ao produto, consumo e investimento privado são positivos e significativos. (PDF em português; Data: 30/11/2009)
Vou agora ao trabalho original, que pode ser encontrado neste link.
Transcrevo agora a sinopse e as conclusões (se algum leigo não entender, eu posso colocar em linguagem simples, que redundaria apenas nisto: gastos públicos podem ser um expediente útil, em determinadas circunstâncias e por um tempo limitados, nas no longo prazo são negativos para o crescimento. Os autores, trabalhando no Ipea, para chefes comprometidos com os gastos públicos, tentam conciliar as duas posições).
TEXTO PARA DISCUSSÃO No 1434
IMPACTOS MACROECONÔMICOS DOS GASTOS PÚBLICOS NA AMÉRICA LATINA *
Alexandre Manoel Angelo da Silva ** José Oswaldo Cândido Júnior ***
Rio de Janeiro, novembro de 2009
* As opiniões expressas neste artigo não refletem, necessariamente, o pensamento dos órgãos onde os autores trabalham.
Destaque-se nosso agradecimento ao economista Carlos Mussi por disponibilizar os Anuários Estatísticos da Comissão Econômica
para a América Latina e o Caribe (Cepal), fundamentais nesta pesquisa.
** Técnico de Planejamento e Pesquisa da Diretoria de Estudos e Políticas Regionais, Urbanas e Ambientais – DIRUR/Ipea.
*** Técnico de Planejamento e Pesquisa da DIRUR/Ipea cedido ao Senado Federal.
SINOPSE
Este artigo mensura os impactos macroeconômicos dos gastos públicos (consumo e investimento das administrações públicas) nas principais economias da América Latina por meio do modelo cointegrado dos vetores autorregressivos. No longo prazo, de maneira geral, os investimentos públicos tendem a afetar positivamente o produto e o onsumo das famílias, embora tenha apresentado uma relação de substitutibilidade com o investimento privado. No curto prazo, na maioria dos casos, os multiplicadores do consumo do governo com relação ao produto, consumo e investimento privados são positivos e significativos, embora de pequena magnitude. Já os multiplicadores do investimento público para a maioria dos países são estatisticamente não significativos.
5 CONCLUSÕES
Este artigo avalia os impactos macroeconômicos dos principais componentes dos gastos públicos (consumo e investimento) sobre o PIB, consumo das famílias e investimento privado, em uma amostra de seis países da América Latina: Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México e Venezuela, no período 1970-2002. Esses países são as principais economias da região, representando cerca de 90% do PIB regional.
Para a obtenção dos resultados, utilizou-se a estrutura dos vetores autorregressivos cointegrados. A fim de expor os principais resultados de maneira didática, dividem-se as conclusões em dois contextos: relações de longo prazo e relações no curto prazo.
Relações de longo prazo: em geral, o investimento público afeta positivamente o produto e o consumo das famílias, embora tenha mantido uma relação de substituição com os investimentos privados. O consumo governamental afeta negativamente o produto e o consumo das famílias para a maioria dos países. No que diz respeito ao impacto do consumo do governo sobre o investimento privado, o resultado é de complementaridade para Colômbia, México e Venezuela e de substitutibilidade para Argentina, Brasil e Venezuela.
Esses resultados sugerem que o impacto do consumo do governo sobre o investimento privado depende do nível relativo desse consumo na comparação com o investimento público. De fato, nos países em que esse nível é relativamente mais baixo ou a sua evolução ao longo do tempo é de estabilidade ou queda, é possível encontrar relações positivas entre o consumo do governo e o investimento privado. A ideia é que gasto público considerado produtivo (improdutivo) possa vir a se tornar improdutivo (produtivo), quando seu montante se torna excessivo (escasso).
Relações de curto prazo: em linhas gerais, os resultados de uma política de estabilização baseada em uma política keynesiana ativa de estabilização se mostram limitados em termos de magnitude e duração ao longo do tempo. De fato, com exceção do caso chileno, os multiplicadores quando significativos são geralmente abaixo de 1 e os efeitos dos choques perduram no máximo por dois períodos (anos), desaparecendo completamente no período (ano) subsequente.
Ademais, os resultados sugerem que para a maioria dos países latino-americanos investigados existe um pequeno espaço para aumento do consumo do governo no estímulo à demanda agregada. Em geral, esse efeito positivo depende do nível e da margem do consumo governamental, ou seja, o espaço fiscal permitido depende da relação nível de consumo governamental vis-à-vis ao de investimento público. Nos países em que essa relação é alta, o espaço fiscal é menor, e vice-versa.
Por fim, cabe destacar, ainda, os prováveis efeitos expectacionais do aumento do investimento público. Este estudo infere que, no longo prazo, existe uma relação positiva entre investimento público e produto, embora o investimento público apresente uma relação de substitutibilidade com o investimento privado. Assim, para que o investimento público não ocupe o espaço do investimento privado, é importante se estimular a parceria público-privada, focalizando em investimentos públicos com elevado grau de complementaridade de investimentos privados.
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas. Ver também minha página: www.pralmeida.net (em construção).
domingo, 24 de janeiro de 2010
1751) A obsessao totalitaria da esquerda brasileira (2)
A propósito de minha postagem anterior, com este mesmo título, recebi a reação de um historiador formado pela Universidade Federal da Bahia, Equiano Santos, administrador (e "dono") de um blog chamado Historiografia em Controvérsia, aliás interessante pela sua primeira e única postagem (realizada em Outubro de 2008) com uma entrevista do historiador não sectário, e inteligente, João Fragoso, na qual ele desconsidera os procedimentos tradicionais da tribo acadêmica brasileira que se ocupa de história. Muito interessante e útil para todos os historiadores, como o próprio Equiano Santos, e que eu recomendo a todos (ver neste link).
Bem, fiz esta pequena introdução, porque pretendo dar uma pequena aula de história e de ciência política contemporánea a um jovem historiador que está falhando terrivelmente à metodologia que ele deveria defender, sustentar, usar e adotar (por uma vez, ja que se pretende historiador).
Ele fez um comentário a esse post anterior, que eu me permito reproduzir aqui, e comentar em total transparência, pois creio que ele, e outros eventuais interessados poderão se interessar pelo que eu tenho a dizer sobre esta
Pequena Controvérsia a Respeito da Liberdade de Expressão e de Opinião.
Retomemos, pois, o tema, e eu abro agora um parágrafo para:
Comunismo, soviets, Lenin ???
Equiano Santos disse (Domingo, Janeiro 24, 2010 10:32:00 AM)
É a Veja e seu show de anacronismos. Melhor dizer de saudosismo, pois nem mesmo a esquerda contemporânea cultiva isto com tanta empolgação (exceção às siglas minúsculas e sem voz).
Se o debate deve ser travado em torno de uma suposta restrição da liberdade de imprensa, que aqueles que escrevem a esse respeito se utilizem da história não para fazerem panfletagem e sim para enriquecer o debate. Mas o que dizer de uma revista que tanto falou de uma hipotética reeleição de Lula e que praticamente nada falou da aprovação do Congresso colombiano da recandidatura de Uribe?
Para um bom panfleto político, que são as matérias desta revista, sempre será dois pesos duas medidas...
Já li em seu blog muitos textos de excelente qualidade, principalmente aqueles que me forneceram um ponto de vista diferente de minha formação... Definitivamente os da Veja não...
(Fim de transcrição)
Minha resposta ao Equiano:
Meu caro Equiano,
Agradeço você ter se dado ao trabalho de ler o meu blog e de, por intermédio dele, ter se inteirado de uma matéria da Veja, revista que, se eu deduzo por suas palavras, você jamais lê, pois se trata supostamente de uma revista burguesa, da "grande mídia" como dizem seus colegas de pensamento, e portanto não confiável, falsa, defensora dos interesses do grande capital contra aqueles mais defensáveis do povinho miúdo que constitui maioria no Brasil.
Agradeço sobretudo o fato de você julgar que meus blogs contem textos de excelente qualidade, sobretudo os que divergem do que normalmente você tem, em seu meio de origem ou de formação, o que indica exatamente o objetivo didático de meus blogs e site.
Veja, eu sou um pouco (bem) mais velho do que você, tenho portanto certa experiência de vida, muitas leituras acumuladas -- o que Marx chamaria de "acumulação primitiva" de leituras -- e, sobretudo, uma certa abertura de espírito para julgar as coisas pelo que elas são, não pelo seu suporte mediático, no caso uma simples revista de informação (que eu tampouco considero ideal, no meu plano de fontes de informação).
Você, Equiano, como a totalidade do povo brasileiro, nunca conheceu, nunca viveu e, sendo jovem, nunca visitou algum socialismo real, coisas que eu já conheci, por ter visitado, vivido, assistido pessoalmente ao seu modo de (não) funcionamento, e por ter partilhado, até um certo momento de minha vida, alguns dos objetivos ou ideais (se é que esse conceito se aplica).
Como você, ao ser universitário, fui exposto a determinados conceitos e idéias, típicos da academia brasileira, no terreno das humanidades. Impossível ser sociólogo no Brasil (e em vários outros lugares também) sem ser um pouco (bastante, no meu caso) marxista, e daí condenar o capitalismo com todo o seu cortejo de desigualdades e injustiças sociais, desconfiar da burguesia (e seus planos para escravizar os trabalhadores) e passar a conclamar que um outro mundo é possível. Enfim, isso é muito conhecido.
Sinto dizer, porém, Equiano, que você, como historiador, falha terrivelmente em sua profissão, e continuando assim, você NUNCA será um bom historiador, por uma razão muito simples: em lugar de dialogar com as "fontes", você resolve atacar o "meio" de transmissão, e ao fazê-lo você desconsidera totalmente o conteúdo da informação, apenas para desqualificar o veículo que a transmitiu.
Você simplesmente desconsidera, desqualifica, esquece totalmente a única matéria de seu blog prometedor, a entrevista de um historiador que condenou, justamente, o procedimento que você adotou agora.
Como você há de concordar, os principais documentos para se estudar a história diplomática do Brasil são, obviamente, atos de chancelaria, notas, mensagens, declarações e outros papéis produzidos dentro da chancelaria, por definição "suspeitos", postos que elaborados pelos próprios interessados na "sua" versão da história. O bom historiador vai confrontar esses papéis com outros, de alguma outra chancelaria, se se trata de uma relação bilateral, ou dados da economia, da política, de personagens alheios à chancelaria, para ter uma visão global do processo que ele está estudando. Isso faz o bom historiador.
O mau historiador, não estou dizendo que você é um, faz como você fez neste seu comentário: com base no simples meio ou veículo de informação, passa a atacar o fundamento da informação, não com conceitos substantivos e fundamentados de natureza contrária, mas simplesmente adjetivos, desqualificadores, totalmente subjetivos ou impressionistas: "show de anacronismos", "saudosismo", "panfletagem", enfim, você simplesmente se recusa a discutir a matéria da revista para apenas e tão somente atacar a revista.
Sinto muito, Equiano, mas isso não comrresponde, nem aqui nem no socialismo, aos procedimentos de um historiador.
Agora, se você me permite entrar na substância de suas intenções -- o que também é totalmente subjetivo e impressionista de minha parte -- eu diria o seguinte:
Você, Equianio, como milhares de outros jovens universitários brasileiros, infelizmente não foi educado nas boas regras do método histórico ou sociológico, mas apenas ao festival de panfletagem que hoje responde ao nome de universidade brasileira, uma instituição em rápido processo de mediocrização e de decadência, em razão desses mesmos procedimentos que eu já apontei acima, pelo menos naquele núcleo que responde pelo nome de humanidades.
Obviamente, nem tudo é assim, prova da qual a matéria com o professor Fragoso (que você parece ter esquecido) constitui um belo exemplo de independência de pensamento.
Você, Equiano, como a totalidade do povo brasileiro (e eu repito o que disse acima) jamais conheceu e provavelmente jamais irá conhecer o socialismo real, aquele que se inspira de Marx e Lênin, um dos personagens "julgados" na matéria da Veja.
Ou talvez sim: se você correr, se apressar, e juntar algum dinheiro, ainda poderá assistir a uma espécie de "museu de cera" do socialismo real. Vá a Cuba, passe uma semana, fale com as pessoas normais, observe o dia a dia na ilha, e partilhe um pouco da experiência "normal" dessas pessoas. Acredito que será uma boa experiência para você.
Eu não tenho nenhum problema em dizer isto, posto que, jovem universitário, marxista-leninista, eu fui ao socialismo real, no coração do bloco soviético, e lá pude conhecer o que é, de verdade, o socialismo. Não que eu fosse um ingênuo, mas é que um confronto direto nos fornece outras informações do que apenas livros, revistas, documentos de arquivo.
Não preciso me referir aqui às misérias materiais do socialismo, isso eu já sabia, das penúrias, da falta de abastecimento, da ausência completa de escolha, ou de diversidade de bens e serviços para comprar, apenas o básico, e por vezes nem o básico: produtos de primeira necessidade racionados, aquecimento inexistente (e você pode julgar o efeito disso num inverno soviético, ou russo), falta das coisas mais elementares, exatamente o que acontece hoje em Cuba e Coréia do Norte (que você infelizmente não poderá conhecer, pois é um museu vivo do socialismo real).
Não, não pretendo falar dessas coisas. Refiro-me apenas à miséria moral que é justamente a ausência completa de liberdade informativa, a censura prévia e total, a delação, a vigilância, enfim, um Estado policial (você certamente já ouviu falar disso, deve ter visto, por exemplo, um filme como "A Vida dos Outros").
Talvez você considere tudo isso bobagem, pois nunca teve ausência de liberdade para fazer tudo aquilo que você quer fazer, como por exemplo atacar a Veja, que para você está a serviços dos interesses mais mesquinhos e reacionários da sociedade, em lugar de defender o governo progressista de Lula e seus magnifícos programas sociais. Entre outros programas se encontra esse que foi objeto da matéria da Veja, que você sequer abordou, ou seja, a tentativa canhestra, abjeta moralmente, indefensável no plano dos direitos elementares, de censurar a imprensa.
Veja você que ainda recentemente eu pude visitar a China, e lá admirar o imenso progresso material feito por aquele povo, na construção de belos edifícios, na prosperidade aparente de uma taxa inacreditável de crescimento, na retirada de uma miséria abjeta de centenas de milhões de pessoas para colocá-las numa pobreza aceitável -- os chineses dizem querer oferecer uma "moderada prosperidade" ao seu povo -- enfim, uma história de desempenho econômico que jamais foi registrada nos anais da história econômica mundial, e que provavelmente jamais será igualada novamente.
Pois bem, desfrutando de tudo o que havia de bom na nova China, eu tive uma amostra de tudo (ou apenas parte) o que havia de ruim na velha China: durante uma semana inteira que passei lá, JAMAIS consegui acessar este meu blog (ou outro que tenho, especial sobre a China), para relatar minhas experiências, colocar meu relato de viagem, falar das coisas interessantes que vi, enfim, simplesmente registrar (para mim, ou para outros) o que eu estava vendo e experimentando. NADA, nadica de peterebas, simplesmente foi impossível acessar qualquer blog, e mais irritante ainda, muitos sites simplesmente não entravam, e eu era simplesmente dirigido ao Baidu, o que passa por ser um Google chinês e que nada mais é do que uma amostra de que a China continua a ser um Estado autoritário (não mais totalitário, mas simplesmente dominada por um partido-Estado que se julga dono das pessoas).
Meu caro Equiano, acho que você deveria refletir sobre essas coisas, pensar mais uma vez, e oferecer, da próxima vez, não um comentário adjetivo e cheio de invectivas negativas sobre a Veja, um comentário sobre o cerne da matéria, como faria, por exemplo, um historiador como o João Fragoso.
Eu o convido a retornar ao meu blog, e oferecer comentários substantivos sobre o problema da liberdade de expressão e, se desejar, comentários comparativos entre o que disse Jefferson, e o que disse Lênin.
Ao fim e ao cabo, esse é o único aspecto relevante na matéria, que interessaria ao historiador: saber se o Brasil dirigido pela tropa de estranguladores da liberdade de expressão que se revelou no Programa Nacional de Direitos Humanos se aproximaria mais de Jefferson ou de Lênin.
Acho, também, que você faria bem em ler um pouco mais de história, ou quem sabe, um jornalista como George Orwell, que tem coisas interessantes a dizer sobre a liberdade de expressão.
Com todo o meu apreço acadêmico,
Paulo Roberto de Almeida (24.01.2010)
Bem, fiz esta pequena introdução, porque pretendo dar uma pequena aula de história e de ciência política contemporánea a um jovem historiador que está falhando terrivelmente à metodologia que ele deveria defender, sustentar, usar e adotar (por uma vez, ja que se pretende historiador).
Ele fez um comentário a esse post anterior, que eu me permito reproduzir aqui, e comentar em total transparência, pois creio que ele, e outros eventuais interessados poderão se interessar pelo que eu tenho a dizer sobre esta
Pequena Controvérsia a Respeito da Liberdade de Expressão e de Opinião.
Retomemos, pois, o tema, e eu abro agora um parágrafo para:
Comunismo, soviets, Lenin ???
Equiano Santos disse (Domingo, Janeiro 24, 2010 10:32:00 AM)
É a Veja e seu show de anacronismos. Melhor dizer de saudosismo, pois nem mesmo a esquerda contemporânea cultiva isto com tanta empolgação (exceção às siglas minúsculas e sem voz).
Se o debate deve ser travado em torno de uma suposta restrição da liberdade de imprensa, que aqueles que escrevem a esse respeito se utilizem da história não para fazerem panfletagem e sim para enriquecer o debate. Mas o que dizer de uma revista que tanto falou de uma hipotética reeleição de Lula e que praticamente nada falou da aprovação do Congresso colombiano da recandidatura de Uribe?
Para um bom panfleto político, que são as matérias desta revista, sempre será dois pesos duas medidas...
Já li em seu blog muitos textos de excelente qualidade, principalmente aqueles que me forneceram um ponto de vista diferente de minha formação... Definitivamente os da Veja não...
(Fim de transcrição)
Minha resposta ao Equiano:
Meu caro Equiano,
Agradeço você ter se dado ao trabalho de ler o meu blog e de, por intermédio dele, ter se inteirado de uma matéria da Veja, revista que, se eu deduzo por suas palavras, você jamais lê, pois se trata supostamente de uma revista burguesa, da "grande mídia" como dizem seus colegas de pensamento, e portanto não confiável, falsa, defensora dos interesses do grande capital contra aqueles mais defensáveis do povinho miúdo que constitui maioria no Brasil.
Agradeço sobretudo o fato de você julgar que meus blogs contem textos de excelente qualidade, sobretudo os que divergem do que normalmente você tem, em seu meio de origem ou de formação, o que indica exatamente o objetivo didático de meus blogs e site.
Veja, eu sou um pouco (bem) mais velho do que você, tenho portanto certa experiência de vida, muitas leituras acumuladas -- o que Marx chamaria de "acumulação primitiva" de leituras -- e, sobretudo, uma certa abertura de espírito para julgar as coisas pelo que elas são, não pelo seu suporte mediático, no caso uma simples revista de informação (que eu tampouco considero ideal, no meu plano de fontes de informação).
Você, Equiano, como a totalidade do povo brasileiro, nunca conheceu, nunca viveu e, sendo jovem, nunca visitou algum socialismo real, coisas que eu já conheci, por ter visitado, vivido, assistido pessoalmente ao seu modo de (não) funcionamento, e por ter partilhado, até um certo momento de minha vida, alguns dos objetivos ou ideais (se é que esse conceito se aplica).
Como você, ao ser universitário, fui exposto a determinados conceitos e idéias, típicos da academia brasileira, no terreno das humanidades. Impossível ser sociólogo no Brasil (e em vários outros lugares também) sem ser um pouco (bastante, no meu caso) marxista, e daí condenar o capitalismo com todo o seu cortejo de desigualdades e injustiças sociais, desconfiar da burguesia (e seus planos para escravizar os trabalhadores) e passar a conclamar que um outro mundo é possível. Enfim, isso é muito conhecido.
Sinto dizer, porém, Equiano, que você, como historiador, falha terrivelmente em sua profissão, e continuando assim, você NUNCA será um bom historiador, por uma razão muito simples: em lugar de dialogar com as "fontes", você resolve atacar o "meio" de transmissão, e ao fazê-lo você desconsidera totalmente o conteúdo da informação, apenas para desqualificar o veículo que a transmitiu.
Você simplesmente desconsidera, desqualifica, esquece totalmente a única matéria de seu blog prometedor, a entrevista de um historiador que condenou, justamente, o procedimento que você adotou agora.
Como você há de concordar, os principais documentos para se estudar a história diplomática do Brasil são, obviamente, atos de chancelaria, notas, mensagens, declarações e outros papéis produzidos dentro da chancelaria, por definição "suspeitos", postos que elaborados pelos próprios interessados na "sua" versão da história. O bom historiador vai confrontar esses papéis com outros, de alguma outra chancelaria, se se trata de uma relação bilateral, ou dados da economia, da política, de personagens alheios à chancelaria, para ter uma visão global do processo que ele está estudando. Isso faz o bom historiador.
O mau historiador, não estou dizendo que você é um, faz como você fez neste seu comentário: com base no simples meio ou veículo de informação, passa a atacar o fundamento da informação, não com conceitos substantivos e fundamentados de natureza contrária, mas simplesmente adjetivos, desqualificadores, totalmente subjetivos ou impressionistas: "show de anacronismos", "saudosismo", "panfletagem", enfim, você simplesmente se recusa a discutir a matéria da revista para apenas e tão somente atacar a revista.
Sinto muito, Equiano, mas isso não comrresponde, nem aqui nem no socialismo, aos procedimentos de um historiador.
Agora, se você me permite entrar na substância de suas intenções -- o que também é totalmente subjetivo e impressionista de minha parte -- eu diria o seguinte:
Você, Equianio, como milhares de outros jovens universitários brasileiros, infelizmente não foi educado nas boas regras do método histórico ou sociológico, mas apenas ao festival de panfletagem que hoje responde ao nome de universidade brasileira, uma instituição em rápido processo de mediocrização e de decadência, em razão desses mesmos procedimentos que eu já apontei acima, pelo menos naquele núcleo que responde pelo nome de humanidades.
Obviamente, nem tudo é assim, prova da qual a matéria com o professor Fragoso (que você parece ter esquecido) constitui um belo exemplo de independência de pensamento.
Você, Equiano, como a totalidade do povo brasileiro (e eu repito o que disse acima) jamais conheceu e provavelmente jamais irá conhecer o socialismo real, aquele que se inspira de Marx e Lênin, um dos personagens "julgados" na matéria da Veja.
Ou talvez sim: se você correr, se apressar, e juntar algum dinheiro, ainda poderá assistir a uma espécie de "museu de cera" do socialismo real. Vá a Cuba, passe uma semana, fale com as pessoas normais, observe o dia a dia na ilha, e partilhe um pouco da experiência "normal" dessas pessoas. Acredito que será uma boa experiência para você.
Eu não tenho nenhum problema em dizer isto, posto que, jovem universitário, marxista-leninista, eu fui ao socialismo real, no coração do bloco soviético, e lá pude conhecer o que é, de verdade, o socialismo. Não que eu fosse um ingênuo, mas é que um confronto direto nos fornece outras informações do que apenas livros, revistas, documentos de arquivo.
Não preciso me referir aqui às misérias materiais do socialismo, isso eu já sabia, das penúrias, da falta de abastecimento, da ausência completa de escolha, ou de diversidade de bens e serviços para comprar, apenas o básico, e por vezes nem o básico: produtos de primeira necessidade racionados, aquecimento inexistente (e você pode julgar o efeito disso num inverno soviético, ou russo), falta das coisas mais elementares, exatamente o que acontece hoje em Cuba e Coréia do Norte (que você infelizmente não poderá conhecer, pois é um museu vivo do socialismo real).
Não, não pretendo falar dessas coisas. Refiro-me apenas à miséria moral que é justamente a ausência completa de liberdade informativa, a censura prévia e total, a delação, a vigilância, enfim, um Estado policial (você certamente já ouviu falar disso, deve ter visto, por exemplo, um filme como "A Vida dos Outros").
Talvez você considere tudo isso bobagem, pois nunca teve ausência de liberdade para fazer tudo aquilo que você quer fazer, como por exemplo atacar a Veja, que para você está a serviços dos interesses mais mesquinhos e reacionários da sociedade, em lugar de defender o governo progressista de Lula e seus magnifícos programas sociais. Entre outros programas se encontra esse que foi objeto da matéria da Veja, que você sequer abordou, ou seja, a tentativa canhestra, abjeta moralmente, indefensável no plano dos direitos elementares, de censurar a imprensa.
Veja você que ainda recentemente eu pude visitar a China, e lá admirar o imenso progresso material feito por aquele povo, na construção de belos edifícios, na prosperidade aparente de uma taxa inacreditável de crescimento, na retirada de uma miséria abjeta de centenas de milhões de pessoas para colocá-las numa pobreza aceitável -- os chineses dizem querer oferecer uma "moderada prosperidade" ao seu povo -- enfim, uma história de desempenho econômico que jamais foi registrada nos anais da história econômica mundial, e que provavelmente jamais será igualada novamente.
Pois bem, desfrutando de tudo o que havia de bom na nova China, eu tive uma amostra de tudo (ou apenas parte) o que havia de ruim na velha China: durante uma semana inteira que passei lá, JAMAIS consegui acessar este meu blog (ou outro que tenho, especial sobre a China), para relatar minhas experiências, colocar meu relato de viagem, falar das coisas interessantes que vi, enfim, simplesmente registrar (para mim, ou para outros) o que eu estava vendo e experimentando. NADA, nadica de peterebas, simplesmente foi impossível acessar qualquer blog, e mais irritante ainda, muitos sites simplesmente não entravam, e eu era simplesmente dirigido ao Baidu, o que passa por ser um Google chinês e que nada mais é do que uma amostra de que a China continua a ser um Estado autoritário (não mais totalitário, mas simplesmente dominada por um partido-Estado que se julga dono das pessoas).
Meu caro Equiano, acho que você deveria refletir sobre essas coisas, pensar mais uma vez, e oferecer, da próxima vez, não um comentário adjetivo e cheio de invectivas negativas sobre a Veja, um comentário sobre o cerne da matéria, como faria, por exemplo, um historiador como o João Fragoso.
Eu o convido a retornar ao meu blog, e oferecer comentários substantivos sobre o problema da liberdade de expressão e, se desejar, comentários comparativos entre o que disse Jefferson, e o que disse Lênin.
Ao fim e ao cabo, esse é o único aspecto relevante na matéria, que interessaria ao historiador: saber se o Brasil dirigido pela tropa de estranguladores da liberdade de expressão que se revelou no Programa Nacional de Direitos Humanos se aproximaria mais de Jefferson ou de Lênin.
Acho, também, que você faria bem em ler um pouco mais de história, ou quem sabe, um jornalista como George Orwell, que tem coisas interessantes a dizer sobre a liberdade de expressão.
Com todo o meu apreço acadêmico,
Paulo Roberto de Almeida (24.01.2010)
sábado, 23 de janeiro de 2010
1750) A obsessao totalitaria da esquerda brasileira (1)
A obsessão totalitária
Fábio Portela
Revista Veja, edição 2149 - 27 de janeiro de 2010
Censurar a imprensa e impedir o fluxo de ideias no Brasil
é a única bandeira genuinamente comunista que sobrou aos petistas
Um observador ingênuo pode não entender a obsessão de petistas, manifestada desde o momento zero do governo Lula, de abolir a liberdade de expressão no Brasil. Afinal, em sete anos de administração do país, alguns fizeram enormes avanços pessoais e coletivos. Aumentaram o patrimônio, passaram a beber bons vinhos e a vestir-se com apuro. A política econômica é modelo até para os países avançados e as conquistas sociais fazem inveja a reformadores de todos os matizes ideológicos. Destoam desse rol de avanços a diplomacia megalonanica e a inconformidade com o livre trânsito de ideias no país. O próximo ataque organizado à liberdade de expressão se dará em março, com a Segunda Conferência Nacional de Cultura (CNC). Apesar do nome pomposo, ninguém irá lá para discutir cultura. Os petistas vão, mais uma vez, tentar encontrar uma forma de ameaçar a liberdade de imprensa e obrigar revistas, jornais, sites e emissoras de rádio e TV a apenas veicular notícias, filmes e documentários domesticados, chancelados pelos soviets (conselhos) petistas e reverentes à ideologia de esquerda.
O evento é a continuação por outros meios da batalha pela implantação da censura à imprensa no Brasil. Isso começou em agosto de 2004, com a iniciativa, abortada, de criar um Conselho Federal de Jornalismo (CFJ). Nos últimos meses foram feitas mais duas tentativas. Uma delas na Conferência Nacional de Comunicação (Confecom). A outra com o PNDH-3, o Programa Nacional de Direitos Humanos. O que o CFJ, a CNC e o PNDH-3 têm em comum? Todos embutem a criação de um tribunal para censurar, julgar e punir jornalistas e órgãos de comunicação que desobedeçam às normas governamentais. É um figurino de atraso.
Por que essa obsessão não se dissipa? Primeiro, porque ela é a única bandeira que sobrou às esquerdas cujas raízes podem ser traçadas ao seu berço comunista no século XIX. A censura à imprensa é uma relíquia esquerdista, um bicho da era stalinista guardado em cápsula de âmbar e cujo DNA os militantes sonham ainda retirar e com ele repovoar seu parque jurássico. Todas as outras bandeiras foram perdidas. A do humanismo foi dinamitada pela revelação, em 1956, dos crimes contra a humanidade perpetrados por Stalin. A da eficiência econômica e a da justiça social ruíram com a queda do Muro de Berlim, em 1989. Sobrou a bandeira da supressão da voz dos que discordam deles. Mesmo isso não pode ser feito com a dureza promulgada por Lenin ("Nosso governo não aceitaria uma oposição de armas letais. Mas ideias são mais letais que armas.").
O maior ideólogo da censura à imprensa, cujo nome sai com a facilidade dos perdigotos da boca dos esquerdistas brasileiros, é o italiano Antonio Gramsci (1891-1937). Como a revolução pelas armas se tornou inviável, Gramsci sugeriu a via do lento envenenamento ideológico da cultura, do idioma e do pensamento de um país. É o que tentam fazer os conselhos, conferências e planos patrocinados pelo PT. É neles que se dá a alquimia gramsciana. Ela começa pela linguagem. A implantação da ditadura com o fechamento do Congresso é vendida como "democracia direta"; a censura aparece aveludada como "controle da qualidade jornalística"; a abolição da propriedade privada dilui-se na expressão "novos anteparos jurídicos para mediar os conflitos de terra". Tudo lindo, pacífico, civilizado e modernizador. Na aparência. No fundo, é o atalho para a servidão. Thomas Jefferson neles, portanto: "...entre um governo sem imprensa e uma imprensa sem governo, fico com a segunda opção".
Um tema, duas visões
No século XVIII, o futuro presidente americano Thomas Jefferson já enxergava a liberdade de imprensa como um dos pilares da democracia. No século XX, o bolchevique Lenin inaugurou a doutrina esquerdista que vê no jornalismo independente uma ameaça a ser combatida
"Se eu tivesse de decidir entre ter um governo sem jornais e ter jornais sem um governo, eu não hesitaria nem por um momento antes de escolher a segunda opção."
Thomas Jefferson, em 1787
"Dar à burguesia a arma da liberdade de imprensa é facilitar e ajudar a causa do inimigo. Nós não desejamos um fim suicida, então não a daremos."
Vladimir Lenin, em 1912
Fábio Portela
Revista Veja, edição 2149 - 27 de janeiro de 2010
Censurar a imprensa e impedir o fluxo de ideias no Brasil
é a única bandeira genuinamente comunista que sobrou aos petistas
Um observador ingênuo pode não entender a obsessão de petistas, manifestada desde o momento zero do governo Lula, de abolir a liberdade de expressão no Brasil. Afinal, em sete anos de administração do país, alguns fizeram enormes avanços pessoais e coletivos. Aumentaram o patrimônio, passaram a beber bons vinhos e a vestir-se com apuro. A política econômica é modelo até para os países avançados e as conquistas sociais fazem inveja a reformadores de todos os matizes ideológicos. Destoam desse rol de avanços a diplomacia megalonanica e a inconformidade com o livre trânsito de ideias no país. O próximo ataque organizado à liberdade de expressão se dará em março, com a Segunda Conferência Nacional de Cultura (CNC). Apesar do nome pomposo, ninguém irá lá para discutir cultura. Os petistas vão, mais uma vez, tentar encontrar uma forma de ameaçar a liberdade de imprensa e obrigar revistas, jornais, sites e emissoras de rádio e TV a apenas veicular notícias, filmes e documentários domesticados, chancelados pelos soviets (conselhos) petistas e reverentes à ideologia de esquerda.
O evento é a continuação por outros meios da batalha pela implantação da censura à imprensa no Brasil. Isso começou em agosto de 2004, com a iniciativa, abortada, de criar um Conselho Federal de Jornalismo (CFJ). Nos últimos meses foram feitas mais duas tentativas. Uma delas na Conferência Nacional de Comunicação (Confecom). A outra com o PNDH-3, o Programa Nacional de Direitos Humanos. O que o CFJ, a CNC e o PNDH-3 têm em comum? Todos embutem a criação de um tribunal para censurar, julgar e punir jornalistas e órgãos de comunicação que desobedeçam às normas governamentais. É um figurino de atraso.
Por que essa obsessão não se dissipa? Primeiro, porque ela é a única bandeira que sobrou às esquerdas cujas raízes podem ser traçadas ao seu berço comunista no século XIX. A censura à imprensa é uma relíquia esquerdista, um bicho da era stalinista guardado em cápsula de âmbar e cujo DNA os militantes sonham ainda retirar e com ele repovoar seu parque jurássico. Todas as outras bandeiras foram perdidas. A do humanismo foi dinamitada pela revelação, em 1956, dos crimes contra a humanidade perpetrados por Stalin. A da eficiência econômica e a da justiça social ruíram com a queda do Muro de Berlim, em 1989. Sobrou a bandeira da supressão da voz dos que discordam deles. Mesmo isso não pode ser feito com a dureza promulgada por Lenin ("Nosso governo não aceitaria uma oposição de armas letais. Mas ideias são mais letais que armas.").
O maior ideólogo da censura à imprensa, cujo nome sai com a facilidade dos perdigotos da boca dos esquerdistas brasileiros, é o italiano Antonio Gramsci (1891-1937). Como a revolução pelas armas se tornou inviável, Gramsci sugeriu a via do lento envenenamento ideológico da cultura, do idioma e do pensamento de um país. É o que tentam fazer os conselhos, conferências e planos patrocinados pelo PT. É neles que se dá a alquimia gramsciana. Ela começa pela linguagem. A implantação da ditadura com o fechamento do Congresso é vendida como "democracia direta"; a censura aparece aveludada como "controle da qualidade jornalística"; a abolição da propriedade privada dilui-se na expressão "novos anteparos jurídicos para mediar os conflitos de terra". Tudo lindo, pacífico, civilizado e modernizador. Na aparência. No fundo, é o atalho para a servidão. Thomas Jefferson neles, portanto: "...entre um governo sem imprensa e uma imprensa sem governo, fico com a segunda opção".
Um tema, duas visões
No século XVIII, o futuro presidente americano Thomas Jefferson já enxergava a liberdade de imprensa como um dos pilares da democracia. No século XX, o bolchevique Lenin inaugurou a doutrina esquerdista que vê no jornalismo independente uma ameaça a ser combatida
"Se eu tivesse de decidir entre ter um governo sem jornais e ter jornais sem um governo, eu não hesitaria nem por um momento antes de escolher a segunda opção."
Thomas Jefferson, em 1787
"Dar à burguesia a arma da liberdade de imprensa é facilitar e ajudar a causa do inimigo. Nós não desejamos um fim suicida, então não a daremos."
Vladimir Lenin, em 1912
sexta-feira, 22 de janeiro de 2010
1749) Niccolò Machiavelli, il vero

NOTE CRITICHE
a cura di Laura Barberi
Il Principe fu scritto da Niccolò Machiavelli (1469-1527) tra il luglio e il dicembre del 1513, nella villa (soprannominata "L'Albergaccio") di S. Andrea in Percussina presso San Casciano, dove Machiavelli si era ritirato in seguito alla caduta della Repubblica fiorentina e al ritorno dei Medici a Firenze. Nel 1512, infatti, in seguito al ritiro dei francesi dall'Italia, la signoria medicea fu restaurata a Firenze e Machiavelli, che era stato funzionario della repubblica per tutti i quattordici anni della sua esistenza, venne prima licenziato, poi accusato di aver preso parte ad una congiura contro i Medici, quindi arrestato e in seguito confinato all'Albergaccio. Per il resto della sua vita egli non riuscirà più a ricoprire alcun incarico pubblico, malgrado i suoi tentativi e la sua inesauribile passione politica. All'inattività forzata, comunque, Machiavelli non si rassegnò mai e, non potendo agire direttamente sulla realtà sociale e politica del suo paese, si concentrò sulla stesura di opere di carattere storico e politico, nel tentativo di influenzare tramite esse i potenti del suo tempo.
L'occasione della stesura de Il Principe fu data dalle voci che circolavano sulle intenzioni di papa Leone X di creare uno Stato per i nipoti Giuliano e Lorenzo de' Medici: voci che spinsero Machiavelli a interrompere la stesura dei Discorsi sopra la prima Deca di Tito Livio e a scrivere un più breve trattato dove esporre le convinzioni maturate in tanti anni di frequentazioni ed esperienze politiche. Al trattato egli premise una dedica a Lorenzo de' Medici, anche se solo nel 1516, sempre nella speranza di poter tornare protagonista delle vicende sia fiorentine sia italiane, anche se non sarà così.
L'opera uscì postuma nel 1532 ed è composta di XXVI capitoli tra loro logicamente collegati e fortemente interrelati. La chiara struttura consente di individuare i vari "blocchi" di capitoli dedicati ad un unico argomento e i nessi tra i vari "blocchi". I primi undici capitoli descrivono come si crea un principato: dopo aver elencato, nel primo capitolo, i vari tipi di principato possibile, Machiavelli analizza nei successivi capitoli tali diversi Stati: i principati ereditari e quelli nuovi (con o senza nuovi territori annessi al principato già esistente), con particolare attenzione dedicata - capp. VI-X - al principato del tutto nuovo che è quello che più interessa all'autore visto che, secondo lui, solo un nuovo e forte principato potrebbe rimediare allo stato miserevole dell'Italia dell'epoca, coacervo di staterelli sempre in balia delle potenze estere. L'undicesimo capitolo è dedicato al singolare tipo di principato rappresentato dallo Stato della Chiesa.
Il secondo gruppo di capitoli, dall'XI all'XIV, tratta del problema delle milizie mercenarie e degli eserciti propri: requisito indispensabile per la sopravvivenza degli Stati è, difatti, secondo Machiavelli, il possesso di milizie proprie. Seguono poi i capp. XV-XXIII dedicati alla figura del principe, alle virtù che deve possedere, ai comportamenti da adottare nei vari frangenti. Sono questi i capitoli più discussi perché è proprio qui che Machiavelli più si discosta dalla tradizione individuando come comportamenti virtuosi solo quelli che risultano più utili al mantenimento dello Stato, dal che deriva quel "capovolgimento dei criteri etici tradizionali" che ha creato tanto scalpore. L'autore è cosciente di sostenere tesi mai prima sostenute da altri, ma il suo scopo è la massima fedeltà alla realtà delle cose, ed ecco che quindi si scaglia, nel capitolo quindicesimo, contro tutti quei filosofi e quegli storici che nel passato hanno descritto repubbliche e principati mai esistiti; egli si propone invece di andare dritto alla "realtà effettuale", di scrivere cosa utile a chi la intenda. Di conseguenza, per il principe meglio essere parsimonioso che liberale, per non dissipare così le ricchezze dello Stato e gravare con forti tasse sui sudditi; meglio essere crudele che pietoso perché è meglio essere temuto che amato ma poco rispettato; meglio non mantenere la parola data se risulta conveniente: nelle sue azioni il principe deve guardare soltanto al fine.
Gli ultimi tre capitoli si ricollegano alla situazione dell'Italia nel momento in cui Machiavelli scriveva: l'autore passa ad analizzare direttamente le cause per cui i principi italiani hanno perso i loro Stati (cap. XXIV); il rapporto tra virtù e fortuna (cap. XXV) se cioè sia possibile per un principe "virtuoso" resistere ai repentini cambiamenti della fortuna; infine il capitolo conclusivo, il XXVI, che è un'esortazione ad un principe italiano a creare un nuovo forte Stato che possa difendere la penisola dalle invasioni straniere, liberando l'Italia dal dominio di francesi e spagnoli. La carica emotiva di quest'ultimo capitolo lo differenzia dal resto del trattato, dominato dal rigore logico e dall'analisi critica, ma va detto che, tra le righe, la passione del Machiavelli affiora un po' in tutta l'opera.
L'elemento che più colpisce ne Il Principe è anche l'aspetto che più ha fatto discutere: la netta separazione tra la sfera politica e la sfera morale. L'agire del principe deve essere guidato solo da considerazioni di ordine politico, ogni altra preoccupazione, di carattere morale o religioso, è accantonata. "Il 'dover essere', vale a dire l'anelito ad una più alta vita, cede il posto all''essere', cioè alla considerazione della realtà quale è, senza preoccupazione di riformarla" (Chabod); il bene supremo è solo quello che garantisce il benessere dello Stato e solo in base a questo bisogna agire. È questo il credo di Machiavelli: solo in base al principio di utilità si può giudicare l'azione di un capo di Stato.
Una simile filosofia nasce da alcune premesse ritenute dall'autore fiorentino verità incontrovertibili: la malvagità della natura umana, l'immutabilità di tale natura e quindi la necessità di comportarsi tenendo conto di questa amara realtà. Oggi è possibile dibattere e dissentire, magari, dalla visione pessimistica della realtà che aveva Machiavelli; è possibile interrogarsi, ad esempio, sull'estremo realismo che diventa a volte sinonimo di passiva accettazione della realtà senza desiderio di trasformarla; oppure criticare, come già fece il De Sanctis, il fatto che il popolo sia considerato alla stregua di materia bruta: è stato detto che ne Il Principe ci sono i diritti dello Stato, ma non i diritti dell'uomo. Ampie sono le possibilità di discussione su un'opera così complessa e che si propone un fine così ambizioso come quello di essere una sorta di guida della classe dirigente del Cinquecento italiano, ma l'importante è sempre tenere ben in mente lo specifico clima storico e culturale nel quale maturò la filosofia di Machiavelli; aver presente quale fosse la gravità della situazione italiana nei giorni in cui egli proponeva una possibile soluzione a quel perenne belligerare tra mille fazioni che, non va dimenticato, avrebbe tormentato la nostra penisola per secoli.
1748) Carreira diplomática: salário e promoção
Um curioso, identificado apenas como Batista me coloca as seguintes questões:
"Saudações, estive lendo o seu blog e um post antigo me chamou a atenção. No post referente a FAQ sobre a carreira diplomatica, gostaria de saber qual o salario maximo a que chega um diplomata em territorio nacional. Visto que em diversas pesquisas na internet nao pude descobrir o valor maximo; gostaria tambem de saber se a ascensão nos cargos diplomaticos dar-se-ão por tempo, como no militarismo, ou se são dadas por merito e trabalhos no exterior, por exemplo.
Grato por seu tempo."
Bem, Batista, o Correio Braziliense de hoje, ou de ontem, informa que o salário mais alto (certamente não o meu) no Itamaraty é algo superior a R$ 24.000,00, ou seja, próximo do salário de um ministro do Supremo (mas parece que estes já mereceram um aumento, coitados, ganham tão pouco... isso sem falar das mordomias, carro, auxilio residência, subsídio para toga e outras bondades, o que deve totalizar um salário equivalente maior do que 35 mil mensais, maior do que um membro da Suprema Corte dos EUA, coitados, tão pobres, comparados com os nossos).
Não sei se esse é o salário do Ministro de Estado, que não precisa ser um diplomata. Provavelmente é o salário do Secretário-Geral, que precisa, sim, ser diplomata.
Suponho que os ministros de primeira classe (embaixadores) estejam ganhando perto de 17 mil líquidos (ou seja descontado o IR), mas não tenho certeza.
Eu, como ministro de segunda classe, ganho bem menos do que isso, mas é porque não tenho gratificação nenhuma, por não ter atualmente um cargo definido (ao qual vem associado um DAS).
No início da carreira, um Secretário deve estar ganhando algo como 11 mil brutos, talvez 9 mil liquidos, ou um pouco menos.
Já se ganhou menos; antigamente tínhamos salários miseráveis em Brasília (e razoáveis no exterior).
Parece que o Lula gosta da gente. Deve ter seus motivos...
Quanto a ascensão, ela se dá tanto por antiguidade, mas também por tempo de serviço no exterior. Ninguém, a partir de Segundo Secretário, pode ser promovido sem contar tempo de exterior...
Espero ter satisfeito a sua curiosidade.
Tudo isso, ou seja, o salário de todos os funcionários públicos, deveria ser uma informação transparente (menos os "por fora", que podem existir, vá lá saber...).
"Saudações, estive lendo o seu blog e um post antigo me chamou a atenção. No post referente a FAQ sobre a carreira diplomatica, gostaria de saber qual o salario maximo a que chega um diplomata em territorio nacional. Visto que em diversas pesquisas na internet nao pude descobrir o valor maximo; gostaria tambem de saber se a ascensão nos cargos diplomaticos dar-se-ão por tempo, como no militarismo, ou se são dadas por merito e trabalhos no exterior, por exemplo.
Grato por seu tempo."
Bem, Batista, o Correio Braziliense de hoje, ou de ontem, informa que o salário mais alto (certamente não o meu) no Itamaraty é algo superior a R$ 24.000,00, ou seja, próximo do salário de um ministro do Supremo (mas parece que estes já mereceram um aumento, coitados, ganham tão pouco... isso sem falar das mordomias, carro, auxilio residência, subsídio para toga e outras bondades, o que deve totalizar um salário equivalente maior do que 35 mil mensais, maior do que um membro da Suprema Corte dos EUA, coitados, tão pobres, comparados com os nossos).
Não sei se esse é o salário do Ministro de Estado, que não precisa ser um diplomata. Provavelmente é o salário do Secretário-Geral, que precisa, sim, ser diplomata.
Suponho que os ministros de primeira classe (embaixadores) estejam ganhando perto de 17 mil líquidos (ou seja descontado o IR), mas não tenho certeza.
Eu, como ministro de segunda classe, ganho bem menos do que isso, mas é porque não tenho gratificação nenhuma, por não ter atualmente um cargo definido (ao qual vem associado um DAS).
No início da carreira, um Secretário deve estar ganhando algo como 11 mil brutos, talvez 9 mil liquidos, ou um pouco menos.
Já se ganhou menos; antigamente tínhamos salários miseráveis em Brasília (e razoáveis no exterior).
Parece que o Lula gosta da gente. Deve ter seus motivos...
Quanto a ascensão, ela se dá tanto por antiguidade, mas também por tempo de serviço no exterior. Ninguém, a partir de Segundo Secretário, pode ser promovido sem contar tempo de exterior...
Espero ter satisfeito a sua curiosidade.
Tudo isso, ou seja, o salário de todos os funcionários públicos, deveria ser uma informação transparente (menos os "por fora", que podem existir, vá lá saber...).
1747) Carta a Nicolau Maquiavel
Como epílogo a meu livro
O Moderno Príncipe (Maquiavel Revisitado)
Carta a Niccolò Machiavelli
Magnífico embaixador florentino, Niccolò Machiavelli,
Permita-me, nesta carta, chamá-lo assim: ambasciatore. Sei que, na república de Florença, seu posto foi o de segretario, ou seja, aquele capaz de guardar os segredos de Estado; sei, também, que lhe foram encomendadas várias missões diplomáticas, algumas junto a outros reinos ou principados da Itália, outras junto a soberanos de outros países, os mesmos reinos responsáveis, em outras épocas, por tantas desgraças que se abateram sobre o seu país, dividido, ocupado e humilhado. Depois de alguns anos de ostracismo, durante os quais você aproveitou para escrever a sua obra mais famosa, Il Príncipe, a signoria di Firenze ainda lhe deu algumas legazioni, mesmo se não mais di Stato. Mas isto me parece o bastante para chamá-lo pelo título legítimo de ambasciatore fiorentino.
Na carta escrita em 10 de dezembro de 1513, tão pronto colocado o ponto final ao De Principatibus, dirigida ao seu amigo Francisco Vettori, embaixador de Florença junto ao papa, em Roma, você lhe relatou como passava os dias no seu sítio de Sant’Andrea-in-Percussina: caçando passarinhos e monitorando o corte de lenha pela manhã, o que lhe dava algum sustento, mas sempre levando um livro consigo: “Dante ou Petrarca, ou um desses poetas menores, Tíbulo, Ovidio; leio aquelas suas amorosas paixões, e aqueles seus amores lembram-me os meus; deleito-me algum tempo nestes pensamentos”. Uma caminhada até a hospedaria o informava sobre as notícias da cidade, ocasião para ouvir muitas coisas e anotar os “vários gostos e fantasias dos homens”. Depois do almoço com a família – com os poucos alimentos “que esta pobre vila e este pequeno patrimônio comportam” –, você retornava à hospedaria, onde passava a tarde jogando cartas com o estalajadeiro, um açougueiro, um moleiro e dois padeiros.
Chegada a noite, porém, você se recolhia ao seu escritório, retirava a roupa do dia, coberta de “barro e lodo”, e vestia roupas “dignas de rei e da corte”, e assim, vestido condignamente, você penetrava “nas antigas cortes dos homens do passado onde, por eles recebido amavelmente, nutro-me daquele alimento que é unicamente meu, para o qual eu nasci; não me envergonho ao falar com eles e perguntar-lhes das razões de suas ações”. Os reis e príncipes do passado lhe respondiam em toda urbanidade e, assim, você passava com eles horas e horas, sem qualquer tédio, esquecido de todas as aflições, sem temer a pobreza ou a morte: “eu me integro inteiramente neles”. Dessas “conversações” é que resultou este seu “opúsculo”, no qual você discutiu de que espécie são os principados, como são adquiridos, como se mantêm e porque são perdidos.
Devo dizer-lhe, Niccolò, que eu também passei muitas noites na sua companhia, relendo o seu “opúsculo” e várias outras obras suas, o que muito me agradou. Se, hoje, as cruentas ações dos príncipes e condottieri do Renascimento, reportadas em suas obras, parecem “definitivamente” afastadas do cenário político moderno, a essência da arte de conquistar e de manter o Estado, tal como magnificamente sintetizada neste seu livro, me parece inteiramente atual. O discurso elaborado por você, em 1513, transpira atualidade, se não totalmente, pelo menos em quatro quintos dos argumentos políticos. Isto se deve, como você sabe, a que a natureza dos homens e suas motivações políticas não mudaram muito desde a sua época, o que ratifica, portanto, a pertinência do seu Príncipe.
Foi isto que me motivou, Niccolò, a realizar, não um pastiche, mas uma adaptação de sua obra imortal aos dias de hoje, posto que ela se mantém aplicável em relação à maior parte dos conceitos empregados na política contemporânea. Aparentemente, os “príncipes” da atualidade não costumam mais mandar envenenar seus adversários – mesmo se alguns serviços especiais possam fazê-lo –, nem comandam pessoalmente execuções com adagas, em plena celebração da missa dominical. Mas creio que, à exceção desses detalhes, o resto do seu racconto se aplica plenamente, senão fielmente.
O resultado dessas noites de diálogo à distância está agora pronto, Niccolò, e aqui lhe apresento este meu Príncipe. Sei que os seus últimos anos foram muito difíceis, caro embaixador, e se por acaso quiser discutir a questão do copyright, estou disposto a fazê-lo.
Não sei exatamente quanto lhe devo, pelos empréstimos não negociados da estrutura mesma do seu pequeno livro e das suas idéias principais, ainda que eu tenha reescrito os argumentos, de maneira a adequá-los a estes tempos. Os nossos são de ações políticas talvez mais pacíficas, mas certamente não mais elevadas moralmente. De uma coisa esteja certo: os direitos morais lhe pertencem inteiramente e, em função disso, estou pronto a lhe render homenagem e manifestar o preito de gratidão intelectual que lhe é inteiramente devido.
Em um argumento central, contudo, nos afastamos um do outro, Niccolò, mas ele me parece essencial, na perspectiva do meu próprio pensamento. Esta sua obra magnífica foi concebida, pensada e está dirigida ao candidato a príncipe em tempos “bárbaros”, de inexistência de instituições e de poderes constituídos e separados; todo o seu discurso se coloca primordialmente do ponto de vista do Estado, que necessitava ser construído e fortalecido. Esta postura era claramente compreensível e aceitável no quadro da Itália de então, destruída pelas suas próprias elites e ocupada por poderes estrangeiros, sem que naquele tempo surgissem príncipes valorosos, dispostos a libertá-la do jugo das potências mais poderosas da Europa.
Tal não parece ser mais o caso hoje em dia, Niccolò, pelo menos não em relação à grande parte dos principados contemporâneos: todos eles já dispõem de Estados fortes, talvez em excesso. Eles drenam os recursos dos seus súditos, ou cidadãos, em proporção mais do que aceitável ou admissível para os padrões econômicos de um capitalismo que se pretende basicamente liberal, e não mais estatizante, como ainda há poucas décadas. O sistema globalizado, que é o nosso, reduziu ainda mais as possibilidades de concentração excessiva das decisões econômicas no Estado, que hoje são deixadas ao próprio mercado.
O meu ponto de vista, Niccolò, é, em conseqüência, não o do Estado, mas sim o da sociedade, do cidadão pagador de impostos, que deseja que a política esteja a serviço, não do próprio Estado, mas essencialmente voltada para a construção de condições que possam apoiar a prosperidade contínua da comunidade e do próprio principado. O mundo mudou significativamente desde a sua época, Niccolò. Depois de Westfália e da Carta das Nações Unidas, processos foram construídos para evitar, ou pelo menos minimizar, o tipo de conduta daqueles príncipes inescrupulosos do seu tempo, que invadiam, ao seu bel-prazer, principados estrangeiros, para deles se apossar e explorá-los de maneira vil, em total arbitrariedade e desrespeito ao direito das gentes.
O problema principal das sociedades organizadas não está mais, portanto, na construção de Estados, e sim na manutenção de regras de conduta entre povos e nações civilizadas. Isto ultrapassa as fronteiras dos Estados, Niccolò, e tem a ver com os direitos dos cidadãos, em primeiro lugar com a democracia política e os direitos humanos. Quer me parecer, Niccolò, que os piores atentados a esses princípios centrais da vida civilizada têm origem, hoje, na ação de príncipes tão violentos como os da sua época. Mas estes têm a protegê-los as cláusulas de Westfália e da citada Carta, sobre a soberania absoluta dos Estados e a não-interferência nos seus assuntos internos. Sei que não é fácil de resolver este problema, Niccolò, pois ainda hoje existem Estados poderosos que pretendem impor sua vontade aos mais fracos. Mas tenho certeza de que a próxima fronteira dos avanços civilizatórios se coloca bem mais no plano dos indivíduos do que no âmbito dos Estados.
Esta é a minha perspectiva política, Niccolò, que difere talvez um pouco da sua, por razões inteiramente compreensíveis. Mas desejo confirmar-lhe, expressamente, que aprendi muito com os seus próprios escritos e com os relatos e análises que li da sua vida e do seu pensamento. Você escreveu ao seu amigo Vettori, com a esperança de que o seu “opúsculo” – na verdade uma das maiores obras do pensamento político moderno, aquela que criou, verdadeiramente, a ciência da política – fosse lido mais amplamente, dizendo-lhe que a obra condensava quinze anos empenhados “no estudo da arte do Estado”. Sua carta terminava dizendo que ninguém deveria duvidar da sua fidelidade no serviço do Estado: “da minha lealdade é testemunho a minha pobreza”.
Estou certo disso, Niccolò, e devo dizer-lhe, pessoalmente, que, depois de muitos anos dedicados ao serviço do Estado e da sociedade, eu também posso afirmar fidelidade a certas idéias, princípios e valores. Acredito, mesmo, que eles se parecem muito com os seus, Niccolò, e é por isso que eu pretendi prestar-lhe uma homenagem por meio deste Príncipe, que se pretende em comunhão espiritual e que se situa inteiramente na tradição intelectual que você inaugurou, caro ambasciatore.
Um seu admirador
Refúgio dos bibliófilos, 11 de setembro de 2007
(494º aniversário da redação d’O Príncipe)
Sumário completo do livro neste link.
O Moderno Príncipe (Maquiavel Revisitado)
Carta a Niccolò Machiavelli
Magnífico embaixador florentino, Niccolò Machiavelli,
Permita-me, nesta carta, chamá-lo assim: ambasciatore. Sei que, na república de Florença, seu posto foi o de segretario, ou seja, aquele capaz de guardar os segredos de Estado; sei, também, que lhe foram encomendadas várias missões diplomáticas, algumas junto a outros reinos ou principados da Itália, outras junto a soberanos de outros países, os mesmos reinos responsáveis, em outras épocas, por tantas desgraças que se abateram sobre o seu país, dividido, ocupado e humilhado. Depois de alguns anos de ostracismo, durante os quais você aproveitou para escrever a sua obra mais famosa, Il Príncipe, a signoria di Firenze ainda lhe deu algumas legazioni, mesmo se não mais di Stato. Mas isto me parece o bastante para chamá-lo pelo título legítimo de ambasciatore fiorentino.
Na carta escrita em 10 de dezembro de 1513, tão pronto colocado o ponto final ao De Principatibus, dirigida ao seu amigo Francisco Vettori, embaixador de Florença junto ao papa, em Roma, você lhe relatou como passava os dias no seu sítio de Sant’Andrea-in-Percussina: caçando passarinhos e monitorando o corte de lenha pela manhã, o que lhe dava algum sustento, mas sempre levando um livro consigo: “Dante ou Petrarca, ou um desses poetas menores, Tíbulo, Ovidio; leio aquelas suas amorosas paixões, e aqueles seus amores lembram-me os meus; deleito-me algum tempo nestes pensamentos”. Uma caminhada até a hospedaria o informava sobre as notícias da cidade, ocasião para ouvir muitas coisas e anotar os “vários gostos e fantasias dos homens”. Depois do almoço com a família – com os poucos alimentos “que esta pobre vila e este pequeno patrimônio comportam” –, você retornava à hospedaria, onde passava a tarde jogando cartas com o estalajadeiro, um açougueiro, um moleiro e dois padeiros.
Chegada a noite, porém, você se recolhia ao seu escritório, retirava a roupa do dia, coberta de “barro e lodo”, e vestia roupas “dignas de rei e da corte”, e assim, vestido condignamente, você penetrava “nas antigas cortes dos homens do passado onde, por eles recebido amavelmente, nutro-me daquele alimento que é unicamente meu, para o qual eu nasci; não me envergonho ao falar com eles e perguntar-lhes das razões de suas ações”. Os reis e príncipes do passado lhe respondiam em toda urbanidade e, assim, você passava com eles horas e horas, sem qualquer tédio, esquecido de todas as aflições, sem temer a pobreza ou a morte: “eu me integro inteiramente neles”. Dessas “conversações” é que resultou este seu “opúsculo”, no qual você discutiu de que espécie são os principados, como são adquiridos, como se mantêm e porque são perdidos.
Devo dizer-lhe, Niccolò, que eu também passei muitas noites na sua companhia, relendo o seu “opúsculo” e várias outras obras suas, o que muito me agradou. Se, hoje, as cruentas ações dos príncipes e condottieri do Renascimento, reportadas em suas obras, parecem “definitivamente” afastadas do cenário político moderno, a essência da arte de conquistar e de manter o Estado, tal como magnificamente sintetizada neste seu livro, me parece inteiramente atual. O discurso elaborado por você, em 1513, transpira atualidade, se não totalmente, pelo menos em quatro quintos dos argumentos políticos. Isto se deve, como você sabe, a que a natureza dos homens e suas motivações políticas não mudaram muito desde a sua época, o que ratifica, portanto, a pertinência do seu Príncipe.
Foi isto que me motivou, Niccolò, a realizar, não um pastiche, mas uma adaptação de sua obra imortal aos dias de hoje, posto que ela se mantém aplicável em relação à maior parte dos conceitos empregados na política contemporânea. Aparentemente, os “príncipes” da atualidade não costumam mais mandar envenenar seus adversários – mesmo se alguns serviços especiais possam fazê-lo –, nem comandam pessoalmente execuções com adagas, em plena celebração da missa dominical. Mas creio que, à exceção desses detalhes, o resto do seu racconto se aplica plenamente, senão fielmente.
O resultado dessas noites de diálogo à distância está agora pronto, Niccolò, e aqui lhe apresento este meu Príncipe. Sei que os seus últimos anos foram muito difíceis, caro embaixador, e se por acaso quiser discutir a questão do copyright, estou disposto a fazê-lo.
Não sei exatamente quanto lhe devo, pelos empréstimos não negociados da estrutura mesma do seu pequeno livro e das suas idéias principais, ainda que eu tenha reescrito os argumentos, de maneira a adequá-los a estes tempos. Os nossos são de ações políticas talvez mais pacíficas, mas certamente não mais elevadas moralmente. De uma coisa esteja certo: os direitos morais lhe pertencem inteiramente e, em função disso, estou pronto a lhe render homenagem e manifestar o preito de gratidão intelectual que lhe é inteiramente devido.
Em um argumento central, contudo, nos afastamos um do outro, Niccolò, mas ele me parece essencial, na perspectiva do meu próprio pensamento. Esta sua obra magnífica foi concebida, pensada e está dirigida ao candidato a príncipe em tempos “bárbaros”, de inexistência de instituições e de poderes constituídos e separados; todo o seu discurso se coloca primordialmente do ponto de vista do Estado, que necessitava ser construído e fortalecido. Esta postura era claramente compreensível e aceitável no quadro da Itália de então, destruída pelas suas próprias elites e ocupada por poderes estrangeiros, sem que naquele tempo surgissem príncipes valorosos, dispostos a libertá-la do jugo das potências mais poderosas da Europa.
Tal não parece ser mais o caso hoje em dia, Niccolò, pelo menos não em relação à grande parte dos principados contemporâneos: todos eles já dispõem de Estados fortes, talvez em excesso. Eles drenam os recursos dos seus súditos, ou cidadãos, em proporção mais do que aceitável ou admissível para os padrões econômicos de um capitalismo que se pretende basicamente liberal, e não mais estatizante, como ainda há poucas décadas. O sistema globalizado, que é o nosso, reduziu ainda mais as possibilidades de concentração excessiva das decisões econômicas no Estado, que hoje são deixadas ao próprio mercado.
O meu ponto de vista, Niccolò, é, em conseqüência, não o do Estado, mas sim o da sociedade, do cidadão pagador de impostos, que deseja que a política esteja a serviço, não do próprio Estado, mas essencialmente voltada para a construção de condições que possam apoiar a prosperidade contínua da comunidade e do próprio principado. O mundo mudou significativamente desde a sua época, Niccolò. Depois de Westfália e da Carta das Nações Unidas, processos foram construídos para evitar, ou pelo menos minimizar, o tipo de conduta daqueles príncipes inescrupulosos do seu tempo, que invadiam, ao seu bel-prazer, principados estrangeiros, para deles se apossar e explorá-los de maneira vil, em total arbitrariedade e desrespeito ao direito das gentes.
O problema principal das sociedades organizadas não está mais, portanto, na construção de Estados, e sim na manutenção de regras de conduta entre povos e nações civilizadas. Isto ultrapassa as fronteiras dos Estados, Niccolò, e tem a ver com os direitos dos cidadãos, em primeiro lugar com a democracia política e os direitos humanos. Quer me parecer, Niccolò, que os piores atentados a esses princípios centrais da vida civilizada têm origem, hoje, na ação de príncipes tão violentos como os da sua época. Mas estes têm a protegê-los as cláusulas de Westfália e da citada Carta, sobre a soberania absoluta dos Estados e a não-interferência nos seus assuntos internos. Sei que não é fácil de resolver este problema, Niccolò, pois ainda hoje existem Estados poderosos que pretendem impor sua vontade aos mais fracos. Mas tenho certeza de que a próxima fronteira dos avanços civilizatórios se coloca bem mais no plano dos indivíduos do que no âmbito dos Estados.
Esta é a minha perspectiva política, Niccolò, que difere talvez um pouco da sua, por razões inteiramente compreensíveis. Mas desejo confirmar-lhe, expressamente, que aprendi muito com os seus próprios escritos e com os relatos e análises que li da sua vida e do seu pensamento. Você escreveu ao seu amigo Vettori, com a esperança de que o seu “opúsculo” – na verdade uma das maiores obras do pensamento político moderno, aquela que criou, verdadeiramente, a ciência da política – fosse lido mais amplamente, dizendo-lhe que a obra condensava quinze anos empenhados “no estudo da arte do Estado”. Sua carta terminava dizendo que ninguém deveria duvidar da sua fidelidade no serviço do Estado: “da minha lealdade é testemunho a minha pobreza”.
Estou certo disso, Niccolò, e devo dizer-lhe, pessoalmente, que, depois de muitos anos dedicados ao serviço do Estado e da sociedade, eu também posso afirmar fidelidade a certas idéias, princípios e valores. Acredito, mesmo, que eles se parecem muito com os seus, Niccolò, e é por isso que eu pretendi prestar-lhe uma homenagem por meio deste Príncipe, que se pretende em comunhão espiritual e que se situa inteiramente na tradição intelectual que você inaugurou, caro ambasciatore.
Um seu admirador
Refúgio dos bibliófilos, 11 de setembro de 2007
(494º aniversário da redação d’O Príncipe)
Sumário completo do livro neste link.
1746) Prefácio a "O Moderno Príncipe (Maquiavel revisitado)
Transcrevo o prefácio que preparei ao meu mais recente livro, que está sendo lançado virtualmente neste sábado 23.01.2010:
O Moderno Príncipe: Maquiavel revisitado
(Rio de Janeiro: Freitas Bastos, edição eletrônica, 2009, 191 p.; ISBN: 978-85-99960-99-8); R$ 12,00; disponível online neste link: http://freitasbas.lojatemporaria.com/o-moderno-principe.html
Prefácio
Este livro foi escrito por um proscrito. Explico: O Príncipe, original de 1513, foi escrito por Nicolau Maquiavel quando ele se encontrava em completo ostracismo, depois que a conquista da Toscana pelos espanhóis recolocou no comando de Florença, em 1512, a família dos Médici. Como escreveu Delio Cantimori, no verbete sobre o florentino que ele preparou para a Storia della Letteratura Italiana (quinto volume, da Garzanti), “nonostante l’ingegno, l’acutezza e la dottrina che gli venivan riconosciuti, il Machiavelli non fu mai chiamato agli uffici maggiori della repubblica fiorentina che egli servi dal 1498 al 1512”.1 De fato, depois de ter servido durante quase três lustros à República da sua cidade natal (1469), e de ter desempenhado missões diplomáticas da mais alta responsabilidade – em 1500, em Pisa, para resolver uma rebelião de soldados mercenários; logo em seguida junto ao reino de Luís XII da França, retornando ali mais três vezes, entre 1504 e 1511; em 1502 junto ao duque Valentino, César Bórgia, em Urbino e Sinigaglia; em 1503 e 1505, em Roma; em 1507, junto ao Imperador Maximiliano, do Sacro Império Romano Germânico –, Maquiavel nunca mais retornou ao seu cargo de segretario, a despeito de ter desempenhado outras missões diplomáticas nos últimos anos de sua vida.
Como o próprio Maquiavel escreveu, em torno de 1518-1519, na apresentação a outro
texto seu dessa fase de desterro, os Discorsi sopra la prima deca di Tito Livio, ele havia colocado em seus escritos toda a substância do que sabia e do que tinha aprendido ao longo de uma vida dedicada à prática política e às leituras constantes em torno “delle cose del mondo”, ou, como transcreve Cantimori, “per ‘lunga pratica’ della vita política, ‘continua lettura’ della storia política”.2 Condenado ao confinamento por um ano, em 1512, mas não reabilitado depois disso, Maquiavel se retirou na sua vila Albergascio, perto de San Casciano, no Val di Pesa, e ali, amargurado por um injusto isolamento, soube reagir ao afastamento forçado da política ativa que lhe impuseram, colocando no papel suas reflexões sobre a prática da política, sobre a arte da guerra e a propósito dos ensinamentos que se podiam retirar do itinerário dos grandes homens e da evolução, entre auge e declínio, das sociedades da antiguidade clássica. Por uma dessas ironias da história, ele veio a morrer no mesmo ano em que a república foi restabelecida em Florença, em 1527.
Este Moderno Príncipe também condensa tudo o que me foi possível aprender ao longo de uma vida dedicada à atenta observação delle cose del mondo, ao estudo das coisas da política e das artes diplomáticas, assim como no aproveitamento de continue letture, em todas as áreas das ciências humanas e disciplinas afins, ou seja, em tudo aquilo que interessa ao homem enquanto ser político. O livro também foi escrito em condições de relativo isolamento, pelo menos da diplomacia prática, que exerci de modo contínuo de 1977 a 2003, depois de já ter enfrentado meu próprio desterro, ainda que semi-voluntário, entre 1970 e 1977, na fase mais dura do regime militar que tutelou o Brasil de 1964 a 1985. Meu novo ostracismo involuntário permitiu, ao lado do exercício de lides acadêmicas que sempre permearam a atividade profissional, longas noites de leitura, intensas reflexões sobre as transformações do mundo contemporâneo e do Brasil atual, como também propiciou a produção de escritos a respeito da conjuntura política e sobre a história diplomática, divulgados em revistas especializadas ou em livros por mim publicados.
De todos os livros que escrevi – no mais das vezes voltados para as relações internacionais e a política externa do Brasil –, o que mais reflete o meu pensamento político e aquele de que mais gosto, A Grande Mudança (Códex, 2003), é o que menos obteve sucesso de público, permanecendo relativamente desconhecido (talvez pelo fato de, quando do lançamento, me encontrar no exterior). Em todo caso, este livro retoma algumas das reflexões ali conduzidas pela primeira vez e amplia meu aprendizado nas artes da política por meio de uma retomada linear do texto que se encontra, a justo título, no panteão das grandes obras do pensamento universal. Quase quinhentos anos depois, como para muitos clássicos, a constatação se impõe por si só: Maquiavel continua atual!
Este “Maquiavel revisitado” segue fielmente o roteiro traçado nos últimos meses de 1513 pelo pensador e diplomata florentino. A estrutura dos capítulos permanece idêntica: apenas troquei “Itália” por “nação”, em dois capítulos finais, seja para tornar a reflexão mais universal, seja para fazê-la aplicável a uma outra grande nação de tradição latina. A temática e a substância de cada um dos capítulos também permanecem relativamente similares: os problemas que angustiavam o segretario de há meio milênio parecem rigorosamente os mesmos, com pequenas adaptações de detalhe ou de linguagem. Alguma novidade nisso? Provavelmente não!
As referências e o tratamento dos problemas são, contudo, inteiramente atuais, ainda que se tenha optado por um estilo e um linguajar deliberadamente “caducos”, como forma de manter um “parentesco espiritual” com a obra de meu predecessor diplomático do Renascimento. O que eu fiz, sim – e nisso me cabe o copyright, ainda que eu deva conceder os moral rights ao florentino –, foi reescrever totalmente o seu “manual de política prática” no sentido daquilo que eu penso deva determinar, hoje, a política moderna: o compromisso democrático; o cumprimento das “regras do jogo”, como diria um outro filósofo da política, Norberto Bobbio; a transparência na administração da coisa pública; a correção no manejo do
pubblico denaro e, sobretudo, a honestidade intelectual, que para mim é o critério básico de qualquer ação social, independentemente da área na qual ela se insira.
Maquiavel escreveu o seu pequeno “manual” como uma espécie de guia de conduta
para os governantes, mas ele se coloca bem mais do ponto de vista do Estado do que do ponto de vista dos cidadãos. Talvez se pudesse dizer, sem ostentação ou pretensões exageradas, que meu pequeno manual pretende ser uma espécie de guia de conduta para os governados e ele se coloca, mais bem, do ponto de vista dos indivíduos, que constituem, afinal de contas, o destino final de toda a ação política.
Revisitar Maquiavel é sempre angustiante, como já escreveu certa vez Raymond Aron, uma vez que as relações entre a moral e a ação política, entre a ética e a eficácia, entre os fins e os meios, estão sempre sendo colocadas na balança de nossas escolhas fundamentais. As minhas escolhas ficam transparentes em cada parágrafo do meu texto, mesmo quando a “racionalidade econômica” parece predominar sobre a “justiça social”, ou quando os valores morais são confrontados aos procedimentos políticos, que sempre evidenciam, como todos sabem, o eterno dilema entre as convicções pessoais e os resultados práticos, no plano da ação social. As minhas opções estão postas claramente nas páginas que seguem e a primeira delas, ouso repetir, é justamente a honestidade intelectual. Este princípio fundamental compensa qualquer ostracismo.
Gostaria, por fim, de agradecer a todos aqueles que me ajudaram, voluntariamente ou não, na finalização deste livro, em primeiro lugar no processo de sua revisão. Ele tinha sido iniciado em meados de 2003, como o segundo de uma série de “clássicos revisitados” – tendo o primeiro sido uma atualização do Manifesto Comunista de 1848, aos 150 anos de sua edição original – mas, desde então, tinha ficado parado em virtude de uma carregada agenda de obrigações profissionais e acadêmicas. Inesperadamente, encontrei o tempo que me faltava em meados de 2007: sou reconhecido, portanto, também aos que me permitiram dispor de condições para finalizá-lo.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 25 de setembro de 2007
Notas:
1 Cf. Delio Cantimori, “Introduzione”, in Niccolò Machiavelli, Il Príncipe e le opere politiche, Milão: Garzanti, 1976, p. xi.
2 Idem, a partir de C. Pinsin, Sul testo del Machiavelli. La prefazione alla prima parte dei “Discorsi”, in Atti dell’Academia delle Scienze di Torino, vol. 94 (1959), disp. 2, Torino, 1960, p. 506-518; cf. “Introduzione”, op. cit. supra, p. xi.
Ver sumário completo neste link.
O Moderno Príncipe: Maquiavel revisitado
(Rio de Janeiro: Freitas Bastos, edição eletrônica, 2009, 191 p.; ISBN: 978-85-99960-99-8); R$ 12,00; disponível online neste link: http://freitasbas.lojatemporaria.com/o-moderno-principe.html
Prefácio
Este livro foi escrito por um proscrito. Explico: O Príncipe, original de 1513, foi escrito por Nicolau Maquiavel quando ele se encontrava em completo ostracismo, depois que a conquista da Toscana pelos espanhóis recolocou no comando de Florença, em 1512, a família dos Médici. Como escreveu Delio Cantimori, no verbete sobre o florentino que ele preparou para a Storia della Letteratura Italiana (quinto volume, da Garzanti), “nonostante l’ingegno, l’acutezza e la dottrina che gli venivan riconosciuti, il Machiavelli non fu mai chiamato agli uffici maggiori della repubblica fiorentina che egli servi dal 1498 al 1512”.1 De fato, depois de ter servido durante quase três lustros à República da sua cidade natal (1469), e de ter desempenhado missões diplomáticas da mais alta responsabilidade – em 1500, em Pisa, para resolver uma rebelião de soldados mercenários; logo em seguida junto ao reino de Luís XII da França, retornando ali mais três vezes, entre 1504 e 1511; em 1502 junto ao duque Valentino, César Bórgia, em Urbino e Sinigaglia; em 1503 e 1505, em Roma; em 1507, junto ao Imperador Maximiliano, do Sacro Império Romano Germânico –, Maquiavel nunca mais retornou ao seu cargo de segretario, a despeito de ter desempenhado outras missões diplomáticas nos últimos anos de sua vida.
Como o próprio Maquiavel escreveu, em torno de 1518-1519, na apresentação a outro
texto seu dessa fase de desterro, os Discorsi sopra la prima deca di Tito Livio, ele havia colocado em seus escritos toda a substância do que sabia e do que tinha aprendido ao longo de uma vida dedicada à prática política e às leituras constantes em torno “delle cose del mondo”, ou, como transcreve Cantimori, “per ‘lunga pratica’ della vita política, ‘continua lettura’ della storia política”.2 Condenado ao confinamento por um ano, em 1512, mas não reabilitado depois disso, Maquiavel se retirou na sua vila Albergascio, perto de San Casciano, no Val di Pesa, e ali, amargurado por um injusto isolamento, soube reagir ao afastamento forçado da política ativa que lhe impuseram, colocando no papel suas reflexões sobre a prática da política, sobre a arte da guerra e a propósito dos ensinamentos que se podiam retirar do itinerário dos grandes homens e da evolução, entre auge e declínio, das sociedades da antiguidade clássica. Por uma dessas ironias da história, ele veio a morrer no mesmo ano em que a república foi restabelecida em Florença, em 1527.
Este Moderno Príncipe também condensa tudo o que me foi possível aprender ao longo de uma vida dedicada à atenta observação delle cose del mondo, ao estudo das coisas da política e das artes diplomáticas, assim como no aproveitamento de continue letture, em todas as áreas das ciências humanas e disciplinas afins, ou seja, em tudo aquilo que interessa ao homem enquanto ser político. O livro também foi escrito em condições de relativo isolamento, pelo menos da diplomacia prática, que exerci de modo contínuo de 1977 a 2003, depois de já ter enfrentado meu próprio desterro, ainda que semi-voluntário, entre 1970 e 1977, na fase mais dura do regime militar que tutelou o Brasil de 1964 a 1985. Meu novo ostracismo involuntário permitiu, ao lado do exercício de lides acadêmicas que sempre permearam a atividade profissional, longas noites de leitura, intensas reflexões sobre as transformações do mundo contemporâneo e do Brasil atual, como também propiciou a produção de escritos a respeito da conjuntura política e sobre a história diplomática, divulgados em revistas especializadas ou em livros por mim publicados.
De todos os livros que escrevi – no mais das vezes voltados para as relações internacionais e a política externa do Brasil –, o que mais reflete o meu pensamento político e aquele de que mais gosto, A Grande Mudança (Códex, 2003), é o que menos obteve sucesso de público, permanecendo relativamente desconhecido (talvez pelo fato de, quando do lançamento, me encontrar no exterior). Em todo caso, este livro retoma algumas das reflexões ali conduzidas pela primeira vez e amplia meu aprendizado nas artes da política por meio de uma retomada linear do texto que se encontra, a justo título, no panteão das grandes obras do pensamento universal. Quase quinhentos anos depois, como para muitos clássicos, a constatação se impõe por si só: Maquiavel continua atual!
Este “Maquiavel revisitado” segue fielmente o roteiro traçado nos últimos meses de 1513 pelo pensador e diplomata florentino. A estrutura dos capítulos permanece idêntica: apenas troquei “Itália” por “nação”, em dois capítulos finais, seja para tornar a reflexão mais universal, seja para fazê-la aplicável a uma outra grande nação de tradição latina. A temática e a substância de cada um dos capítulos também permanecem relativamente similares: os problemas que angustiavam o segretario de há meio milênio parecem rigorosamente os mesmos, com pequenas adaptações de detalhe ou de linguagem. Alguma novidade nisso? Provavelmente não!
As referências e o tratamento dos problemas são, contudo, inteiramente atuais, ainda que se tenha optado por um estilo e um linguajar deliberadamente “caducos”, como forma de manter um “parentesco espiritual” com a obra de meu predecessor diplomático do Renascimento. O que eu fiz, sim – e nisso me cabe o copyright, ainda que eu deva conceder os moral rights ao florentino –, foi reescrever totalmente o seu “manual de política prática” no sentido daquilo que eu penso deva determinar, hoje, a política moderna: o compromisso democrático; o cumprimento das “regras do jogo”, como diria um outro filósofo da política, Norberto Bobbio; a transparência na administração da coisa pública; a correção no manejo do
pubblico denaro e, sobretudo, a honestidade intelectual, que para mim é o critério básico de qualquer ação social, independentemente da área na qual ela se insira.
Maquiavel escreveu o seu pequeno “manual” como uma espécie de guia de conduta
para os governantes, mas ele se coloca bem mais do ponto de vista do Estado do que do ponto de vista dos cidadãos. Talvez se pudesse dizer, sem ostentação ou pretensões exageradas, que meu pequeno manual pretende ser uma espécie de guia de conduta para os governados e ele se coloca, mais bem, do ponto de vista dos indivíduos, que constituem, afinal de contas, o destino final de toda a ação política.
Revisitar Maquiavel é sempre angustiante, como já escreveu certa vez Raymond Aron, uma vez que as relações entre a moral e a ação política, entre a ética e a eficácia, entre os fins e os meios, estão sempre sendo colocadas na balança de nossas escolhas fundamentais. As minhas escolhas ficam transparentes em cada parágrafo do meu texto, mesmo quando a “racionalidade econômica” parece predominar sobre a “justiça social”, ou quando os valores morais são confrontados aos procedimentos políticos, que sempre evidenciam, como todos sabem, o eterno dilema entre as convicções pessoais e os resultados práticos, no plano da ação social. As minhas opções estão postas claramente nas páginas que seguem e a primeira delas, ouso repetir, é justamente a honestidade intelectual. Este princípio fundamental compensa qualquer ostracismo.
Gostaria, por fim, de agradecer a todos aqueles que me ajudaram, voluntariamente ou não, na finalização deste livro, em primeiro lugar no processo de sua revisão. Ele tinha sido iniciado em meados de 2003, como o segundo de uma série de “clássicos revisitados” – tendo o primeiro sido uma atualização do Manifesto Comunista de 1848, aos 150 anos de sua edição original – mas, desde então, tinha ficado parado em virtude de uma carregada agenda de obrigações profissionais e acadêmicas. Inesperadamente, encontrei o tempo que me faltava em meados de 2007: sou reconhecido, portanto, também aos que me permitiram dispor de condições para finalizá-lo.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 25 de setembro de 2007
Notas:
1 Cf. Delio Cantimori, “Introduzione”, in Niccolò Machiavelli, Il Príncipe e le opere politiche, Milão: Garzanti, 1976, p. xi.
2 Idem, a partir de C. Pinsin, Sul testo del Machiavelli. La prefazione alla prima parte dei “Discorsi”, in Atti dell’Academia delle Scienze di Torino, vol. 94 (1959), disp. 2, Torino, 1960, p. 506-518; cf. “Introduzione”, op. cit. supra, p. xi.
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