A propósito de minha postagem anterior, com este mesmo título, recebi a reação de um historiador formado pela Universidade Federal da Bahia, Equiano Santos, administrador (e "dono") de um blog chamado
Historiografia em Controvérsia, aliás interessante pela sua primeira e única postagem (realizada em Outubro de 2008) com uma entrevista do historiador não sectário, e inteligente, João Fragoso, na qual ele desconsidera os procedimentos tradicionais da tribo acadêmica brasileira que se ocupa de história. Muito interessante e útil para todos os historiadores, como o próprio Equiano Santos, e que eu recomendo a todos (ver
neste link).
Bem, fiz esta pequena introdução, porque pretendo dar uma pequena aula de história e de ciência política contemporánea a um jovem historiador que está falhando terrivelmente à metodologia que ele deveria defender, sustentar, usar e adotar (por uma vez, ja que se pretende historiador).
Ele fez um comentário a esse post anterior, que eu me permito reproduzir aqui, e comentar em total transparência, pois creio que ele, e outros eventuais interessados poderão se interessar pelo que eu tenho a dizer sobre esta
Pequena Controvérsia a Respeito da Liberdade de Expressão e de Opinião.Retomemos, pois, o tema, e eu abro agora um parágrafo para:
Comunismo, soviets, Lenin ???Equiano Santos disse (Domingo, Janeiro 24, 2010 10:32:00 AM)
É a Veja e seu show de anacronismos. Melhor dizer de saudosismo, pois nem mesmo a esquerda contemporânea cultiva isto com tanta empolgação (exceção às siglas minúsculas e sem voz).
Se o debate deve ser travado em torno de uma suposta restrição da liberdade de imprensa, que aqueles que escrevem a esse respeito se utilizem da história não para fazerem panfletagem e sim para enriquecer o debate. Mas o que dizer de uma revista que tanto falou de uma hipotética reeleição de Lula e que praticamente nada falou da aprovação do Congresso colombiano da recandidatura de Uribe?
Para um bom panfleto político, que são as matérias desta revista, sempre será dois pesos duas medidas...
Já li em seu blog muitos textos de excelente qualidade, principalmente aqueles que me forneceram um ponto de vista diferente de minha formação... Definitivamente os da Veja não...(Fim de transcrição)
Minha resposta ao Equiano:Meu caro Equiano,
Agradeço você ter se dado ao trabalho de ler o meu blog e de, por intermédio dele, ter se inteirado de uma matéria da
Veja, revista que, se eu deduzo por suas palavras, você jamais lê, pois se trata supostamente de uma revista burguesa, da "grande mídia" como dizem seus colegas de pensamento, e portanto não confiável, falsa, defensora dos interesses do grande capital contra aqueles mais defensáveis do povinho miúdo que constitui maioria no Brasil.
Agradeço sobretudo o fato de você julgar que meus blogs contem textos de excelente qualidade, sobretudo os que divergem do que normalmente você tem, em seu meio de origem ou de formação, o que indica exatamente o objetivo didático de meus blogs e site.
Veja, eu sou um pouco (bem) mais velho do que você, tenho portanto certa experiência de vida, muitas leituras acumuladas -- o que Marx chamaria de "acumulação primitiva" de leituras -- e, sobretudo, uma certa abertura de espírito para julgar as coisas pelo que elas são, não pelo seu suporte mediático, no caso uma simples revista de informação (que eu tampouco considero ideal, no meu plano de fontes de informação).
Você, Equiano, como a totalidade do povo brasileiro, nunca conheceu, nunca viveu e, sendo jovem, nunca visitou algum socialismo real, coisas que eu já conheci, por ter visitado, vivido, assistido pessoalmente ao seu modo de (não) funcionamento, e por ter partilhado, até um certo momento de minha vida, alguns dos objetivos ou ideais (se é que esse conceito se aplica).
Como você, ao ser universitário, fui exposto a determinados conceitos e idéias, típicos da academia brasileira, no terreno das humanidades. Impossível ser sociólogo no Brasil (e em vários outros lugares também) sem ser um pouco (bastante, no meu caso) marxista, e daí condenar o capitalismo com todo o seu cortejo de desigualdades e injustiças sociais, desconfiar da burguesia (e seus planos para escravizar os trabalhadores) e passar a conclamar que um outro mundo é possível. Enfim, isso é muito conhecido.
Sinto dizer, porém, Equiano, que você, como historiador, falha terrivelmente em sua profissão, e continuando assim, você NUNCA será um bom historiador, por uma razão muito simples: em lugar de dialogar com as "fontes", você resolve atacar o "meio" de transmissão, e ao fazê-lo você desconsidera totalmente o conteúdo da informação, apenas para desqualificar o veículo que a transmitiu.
Você simplesmente desconsidera, desqualifica, esquece totalmente a única matéria de seu blog prometedor, a entrevista de um historiador que condenou, justamente, o procedimento que você adotou agora.
Como você há de concordar, os principais documentos para se estudar a história diplomática do Brasil são, obviamente, atos de chancelaria, notas, mensagens, declarações e outros papéis produzidos dentro da chancelaria, por definição "suspeitos", postos que elaborados pelos próprios interessados na "sua" versão da história. O bom historiador vai confrontar esses papéis com outros, de alguma outra chancelaria, se se trata de uma relação bilateral, ou dados da economia, da política, de personagens alheios à chancelaria, para ter uma visão global do processo que ele está estudando. Isso faz o bom historiador.
O mau historiador, não estou dizendo que você é um, faz como você fez neste seu comentário: com base no simples meio ou veículo de informação, passa a atacar o fundamento da informação, não com conceitos substantivos e fundamentados de natureza contrária, mas simplesmente adjetivos, desqualificadores, totalmente subjetivos ou impressionistas: "show de anacronismos", "saudosismo", "panfletagem", enfim, você simplesmente se recusa a discutir a matéria da revista para apenas e tão somente atacar a revista.
Sinto muito, Equiano, mas isso não comrresponde, nem aqui nem no socialismo, aos procedimentos de um historiador.
Agora, se você me permite entrar na substância de suas intenções -- o que também é totalmente subjetivo e impressionista de minha parte -- eu diria o seguinte:
Você, Equianio, como milhares de outros jovens universitários brasileiros, infelizmente não foi educado nas boas regras do método histórico ou sociológico, mas apenas ao festival de panfletagem que hoje responde ao nome de universidade brasileira, uma instituição em rápido processo de mediocrização e de decadência, em razão desses mesmos procedimentos que eu já apontei acima, pelo menos naquele núcleo que responde pelo nome de humanidades.
Obviamente, nem tudo é assim, prova da qual a matéria com o professor Fragoso (que você parece ter esquecido) constitui um belo exemplo de independência de pensamento.
Você, Equiano, como a totalidade do povo brasileiro (e eu repito o que disse acima) jamais conheceu e provavelmente jamais irá conhecer o socialismo real, aquele que se inspira de Marx e Lênin, um dos personagens "julgados" na matéria da Veja.
Ou talvez sim: se você correr, se apressar, e juntar algum dinheiro, ainda poderá assistir a uma espécie de "museu de cera" do socialismo real. Vá a Cuba, passe uma semana, fale com as pessoas normais, observe o dia a dia na ilha, e partilhe um pouco da experiência "normal" dessas pessoas. Acredito que será uma boa experiência para você.
Eu não tenho nenhum problema em dizer isto, posto que, jovem universitário, marxista-leninista, eu fui ao socialismo real, no coração do bloco soviético, e lá pude conhecer o que é, de verdade, o socialismo. Não que eu fosse um ingênuo, mas é que um confronto direto nos fornece outras informações do que apenas livros, revistas, documentos de arquivo.
Não preciso me referir aqui às misérias materiais do socialismo, isso eu já sabia, das penúrias, da falta de abastecimento, da ausência completa de escolha, ou de diversidade de bens e serviços para comprar, apenas o básico, e por vezes nem o básico: produtos de primeira necessidade racionados, aquecimento inexistente (e você pode julgar o efeito disso num inverno soviético, ou russo), falta das coisas mais elementares, exatamente o que acontece hoje em Cuba e Coréia do Norte (que você infelizmente não poderá conhecer, pois é um museu vivo do socialismo real).
Não, não pretendo falar dessas coisas. Refiro-me apenas à miséria moral que é justamente a ausência completa de liberdade informativa, a censura prévia e total, a delação, a vigilância, enfim, um Estado policial (você certamente já ouviu falar disso, deve ter visto, por exemplo, um filme como "A Vida dos Outros").
Talvez você considere tudo isso bobagem, pois nunca teve ausência de liberdade para fazer tudo aquilo que você quer fazer, como por exemplo atacar a
Veja, que para você está a serviços dos interesses mais mesquinhos e reacionários da sociedade, em lugar de defender o governo progressista de Lula e seus magnifícos programas sociais. Entre outros programas se encontra esse que foi objeto da matéria da Veja, que você sequer abordou, ou seja, a tentativa canhestra, abjeta moralmente, indefensável no plano dos direitos elementares, de censurar a imprensa.
Veja você que ainda recentemente eu pude visitar a China, e lá admirar o imenso progresso material feito por aquele povo, na construção de belos edifícios, na prosperidade aparente de uma taxa inacreditável de crescimento, na retirada de uma miséria abjeta de centenas de milhões de pessoas para colocá-las numa pobreza aceitável -- os chineses dizem querer oferecer uma "moderada prosperidade" ao seu povo -- enfim, uma história de desempenho econômico que jamais foi registrada nos anais da história econômica mundial, e que provavelmente jamais será igualada novamente.
Pois bem, desfrutando de tudo o que havia de bom na nova China, eu tive uma amostra de tudo (ou apenas parte) o que havia de ruim na velha China: durante uma semana inteira que passei lá, JAMAIS consegui acessar este meu blog (ou outro que tenho, especial sobre a China), para relatar minhas experiências, colocar meu relato de viagem, falar das coisas interessantes que vi, enfim, simplesmente registrar (para mim, ou para outros) o que eu estava vendo e experimentando. NADA, nadica de peterebas, simplesmente foi impossível acessar qualquer blog, e mais irritante ainda, muitos sites simplesmente não entravam, e eu era simplesmente dirigido ao Baidu, o que passa por ser um Google chinês e que nada mais é do que uma amostra de que a China continua a ser um Estado autoritário (não mais totalitário, mas simplesmente dominada por um partido-Estado que se julga dono das pessoas).
Meu caro Equiano, acho que você deveria refletir sobre essas coisas, pensar mais uma vez, e oferecer, da próxima vez, não um comentário adjetivo e cheio de invectivas negativas sobre a Veja, um comentário sobre o cerne da matéria, como faria, por exemplo, um historiador como o João Fragoso.
Eu o convido a retornar ao meu blog, e oferecer comentários substantivos sobre o problema da liberdade de expressão e, se desejar, comentários comparativos entre o que disse Jefferson, e o que disse Lênin.
Ao fim e ao cabo, esse é o único aspecto relevante na matéria, que interessaria ao historiador: saber se o Brasil dirigido pela tropa de estranguladores da liberdade de expressão que se revelou no Programa Nacional de Direitos Humanos se aproximaria mais de Jefferson ou de Lênin.
Acho, também, que você faria bem em ler um pouco mais de história, ou quem sabe, um jornalista como George Orwell, que tem coisas interessantes a dizer sobre a liberdade de expressão.
Com todo o meu apreço acadêmico,
Paulo Roberto de Almeida (24.01.2010)