Arrancada final na política Sul-Sul
Silvio Queiroz
Correio Braziliense, 03/04/2010
Nas próximas semanas, e provavelmente até o fim do semestre, o esforço para consolidar os espaços de diálogo e cooperação no eixo Sul-Sul deve dar o tom da atividade diplomática brasileira. É uma sucessão de compromissos, a maior parte no Brasil, que poderão marcar uma espécie de arrancada final do governo Lula para firmar, como política de Estado, a prioridade conferida nos últimos oito anos às relações com as demais potências emergentes e com o mundo em desenvolvimento.
Na semana que se inicia amanhã, o Itamaraty se concentra no texto final de declarações e outros documentos que devem ser aprovados na reunião dos chefes de Estado e governo do Fórum Ibas, sigla para Índia, Brasil e África do Sul. A atenção dispensada a essa iniciativa, lançada em Brasília em 2004, está expressa na criação de um departamento para Mecanismos Regionais. Entre outras áreas, o Ibas mantém um fundo para cooperação que tem projetos em andamento na Palestina e no Haiti. Paralelamente, acertam-se os últimos detalhes — inclusive de segurança e infraestrutura — para a segunda cúpula dos Brics (Brasil, Rússia, Índia e China), com presença confirmada dos presidentes Dmitri Medvedev e Hu Jintao, além do primeiro-ministro Manmohan Singh.
Tabelinha no Haiti
O ministro Celso Amorim copresidiu, na última semana, uma reunião internacional de doadores para a reconstrução do Haiti, que terminou com a promessa de US$ 5,3 bilhões em ajuda. O Brasil, que comanda a força da ONU no país, ficou um tanto de escanteio na condução das obras pós-terremoto, entregues à coordenação do governo local com a ajuda do ex-presidente Bill Clinton, escalado por Barack Obama como emissário especial. Promessas à parte, o governo brasileiro acaba de firmar um memorando de entendimento com Cuba e Haiti para cooperação triangular no restabelecimento do sistema de saúde pública haitiano. Segundo o modelo desse gênero de tabelinha, nós entramos com suporte financeiro e logístico para os médicos e enfermeiros cubanos que — desde antes do terremoto — mantêm uma missão de assistência à população local.
Rio ecumênico
O calendário dos encontros multilaterais dá um breve intervalo até o fim de maio, quando o Rio de Janeiro sediará o 3º Fórum Mundial da Aliança de Civilizações, empreitada que tomou corpo também em 2004, depois dos atentados contra trens em Madri, por iniciativa do presidente do governo espanhol, José Luis Rodríguez Zapatero. Ele estará presente, assim como o premiê da Turquia Recep Tayyip Erdogan, e o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon — além de Lula, o anfitrião. São esperados também representantes de alto nível das principais religiões, de organizações da sociedade civil e da intelectualidade.
Seria no mínimo curioso que viesse também o “patriarca” da ideia, o ex-presidente iraniano Mohammad Khatami. Foi ele quem levou à ONU, em 2000, a proposta (aprovada) de proclamar 2001 como o Ano Mundial do Diálogo entre Civilizações — expressão que foi um dos carros-chefes de sua política externa, inclusive no período em que presidiu a Organização da Conferência Islâmica. Khatami, um religioso xiita que expôs em escritos e conferência uma visão iluminista do islã e tentou aproximar em seu país a fé e as liberdades civis, hoje está na oposição. Ironia ou coincidência, o Fórum do Rio se reunirá pouco depois da esperada visita do presidente Lula ao colega iraniano, Mahmud Ahmadinejad.
Vozes d’África
Continua nesta semana o “aquecimento” para a nova turnê africana do presidente, a última antes da sucessão. Também aqui, a ideia é manter o recorde de alo menos uma visita anual ao continente que a diplomacia brasileira definiu sem rodeios como “segunda prioridade”, atrás apenas da integração latino e sul-americana. O Itamaraty ainda fecha o roteiro e a data da viagem, que deve coincidir com a Copa do Mundo na África do Sul e deve privilegiar o leste do continente.
Enquanto isso, Brasília receberá nesta semana dois chefes de Estado africanos. Na quarta, a presidenta da Libéria, Ellen Johnson-Searlif, herdeira de um país devastado por anos de guerra civil — e hoje um dos exemplos do amadurecimento institucional no continente, a despeito de tropeços como a sucessão de golpes e intervenções militares na Guiné-Bissau, ou as ondas de violência étnico-religiosa na Nigéria. Na quinta, o visitante será Amadou Toumani Touré, do Mali, que forma com Benin, Burkina e Chade o quarteto de produtores de algodão alinhados ao Brasil no combate aos subsídios com que o governo americano fecha seu mercado às importações.
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas. Ver também minha página: www.pralmeida.net (em construção).
domingo, 4 de abril de 2010
1020) As leis da politica, segundo Roberto Campos e Jose Guilherme Merquior
Relembrado e registrado pelo economista Ricardo Bergamini:
Leis da política (19/12/1999)
*Roberto de Oliveira Campos
Era uma crespa noite de inverno londrino. Eu tinha convidado para um jantar na embaixada brasileira, ao fim dos anos 70, o grande filósofo liberal francês Raymond Aron e dois sociólogos radicados na Inglaterra, Ralf Dahendorf e Ernest Gellner, este último professor de José Guilherme Merquior, meu conselheiro de embaixada. Na curva do conhaque, quando filosofávamos sobre nominalismo, realismo e existencialismo, contei uma piada que Aron achou divertida. Era a definição de "realidade" por um irlandês, revoltado pela interrupção de suas libações alcoólicas à hora do fechamento dos pubs. "A realidade", disse ele, "é uma ilusão criada por uma aguda escassez de álcool".
Quando partiram os hóspedes, resolvemos, Merquior e eu, em rodadas de uísque, testar duas coisas. Primeiro, a teoria irlandesa do realismo alcoólico. Segundo, nossa capacidade de recitarmos, de memória, aquilo que poderíamos chamar de "leis de comportamento sociopolítico" de variadas personagens e culturas. Alternávamos nas citações, que registrei num alfarrábio que outro dia desenterrei numa limpeza de arquivos. Ei-las:
A lei de Lenin: "É verdade que a liberdade é preciosa. Tão preciosa que é preciso racioná-la".
A lei de Stalin: "Uma única morte é uma tragédia; 1 milhão de mortes é uma estatística".
A lei de Krushev: "Os políticos em qualquer parte são os mesmos. Eles prometem construir pontes mesmo quando não há rios".
A lei de Henry Kissinger: "O ilegal é o que fazemos imediatamente. O inconstitucional é o que exige um pouco mais tempo".
A lei de Franklin Roosevelt: "Um conservador é um homem com duas excelentes pernas, que contudo nunca aprendeu a andar para a frente".
A lei de Lord Keynes: "A dificuldade não está nas idéias novas, mas em escapar das antigas".
A lei de Bernard Shaw: "Patriotismo é a convicção de que o país da gente é superior a todos os demais, simplesmente porque ali nascemos".
A lei de Hayek: "Num país onde o único empregador é o Estado, a oposição significa morte por inanição. O velho princípio de quem não trabalha não come é substituído por um novo princípio: quem não obedece não come".
A lei de Mark Twain: "Um banqueiro é um tipo que nos empresta um guarda-chuva quando faz sol, e exige-o de volta quando começa a chover".
A lei de Lorde Kelvin: "Grandes aumentos de custos com questionável melhoria de desempenho só podem ser tolerados em relação a cavalos e mulheres".
A lei de Charles De Gaulle: "As promessas só comprometem aqueles que as recebem".
A lei de John Randolph, constituinte na Convenção de Filadélfia: "O mais delicioso dos privilégios é gastar o dinheiro dos outros".
A lei de Getúlio Vargas: "Os ministérios se compõem de dois grupos. Um formado por gente incapaz, e outro por gente capaz de tudo".
A lei do governador Mario Cuomo, de Nova York: "Faz-se campanha em poesia e governa-se em prosa".
A lei de John Kenneth Galbraith: "A política não é a arte do possível. Ela consiste em escolher entre o desagradável e o desastroso".
A lei de Sócrates: "No tocante a celibato e casamento, é melhor não interferir, deixando que o homem escolha o que quiser. Em ambos os casos, ele se arrependerá".
No último uísque, Merquior me contou um chiste anônimo, que circulava em Londres: "A natureza deu ao homem um pênis e um cérebro, mas insuficiente sangue para fazê-los funcionar simultaneamente". Ao confidenciar a Merquior que pretendia aposentar-me do Itamaraty para ingressar na política, lembrou-me ele a lei de Hubert Humphrey, vice-presidente dos Estados Unidos na administração Lindon Johnson, que dizia: "É verdade que há vários idiotas no Congresso. Mas os idiotas constituem boa parte da população e merecem estar bem representados".
Tendo em vista minhas ambições políticas, combinamos fabricar conjuntamente uma lei, que passaria à posteridade como a lei Campos/Merquior: "A política é a arte de fazer hoje os erros do amanhã, sem esquecer dos erros de ontem". Ao nos despedirmos, já mais sóbrios, lembrei-me de duas leis. A lei do King Murphy, que assim reza: "Não estão seguras a vida, a liberdade e a propriedade de ninguém enquanto a legislatura estiver em sessão". E a lei do sábio Montesquieu, o inventor da teoria da separação de poderes: "O político deve sempre buscar a aprovação, porém jamais o aplauso". Em minha vida política no Senado e na Câmara procurei descumprir a lei do King Murphy e cumprir a lei de Montesquieu. Sem resultados brilhantes nem num caso, nem no outro...
*Defensor apaixonado do liberalismo. Economista, diplomata e político também se revelou um intelectual brilhante. De sua intensa produção, resultaram inúmeros artigos e obras como o livro A Lanterna na Popa, uma autobiografia que logo se transformou em best-seller. Foi ministro do Planejamento, senador por Mato Grosso, deputado federal e embaixador em Washington e Londres. Sua carreira começou em 1939, quando prestou concurso para o Itamaraty. Logo foi servir na embaixada brasileira em Washington, e, cinco anos depois, participou da Conferência de Bretton Woods, responsável por desenhar o sistema monetário internacional do pós-guerra.
Leis da política (19/12/1999)
*Roberto de Oliveira Campos
Era uma crespa noite de inverno londrino. Eu tinha convidado para um jantar na embaixada brasileira, ao fim dos anos 70, o grande filósofo liberal francês Raymond Aron e dois sociólogos radicados na Inglaterra, Ralf Dahendorf e Ernest Gellner, este último professor de José Guilherme Merquior, meu conselheiro de embaixada. Na curva do conhaque, quando filosofávamos sobre nominalismo, realismo e existencialismo, contei uma piada que Aron achou divertida. Era a definição de "realidade" por um irlandês, revoltado pela interrupção de suas libações alcoólicas à hora do fechamento dos pubs. "A realidade", disse ele, "é uma ilusão criada por uma aguda escassez de álcool".
Quando partiram os hóspedes, resolvemos, Merquior e eu, em rodadas de uísque, testar duas coisas. Primeiro, a teoria irlandesa do realismo alcoólico. Segundo, nossa capacidade de recitarmos, de memória, aquilo que poderíamos chamar de "leis de comportamento sociopolítico" de variadas personagens e culturas. Alternávamos nas citações, que registrei num alfarrábio que outro dia desenterrei numa limpeza de arquivos. Ei-las:
A lei de Lenin: "É verdade que a liberdade é preciosa. Tão preciosa que é preciso racioná-la".
A lei de Stalin: "Uma única morte é uma tragédia; 1 milhão de mortes é uma estatística".
A lei de Krushev: "Os políticos em qualquer parte são os mesmos. Eles prometem construir pontes mesmo quando não há rios".
A lei de Henry Kissinger: "O ilegal é o que fazemos imediatamente. O inconstitucional é o que exige um pouco mais tempo".
A lei de Franklin Roosevelt: "Um conservador é um homem com duas excelentes pernas, que contudo nunca aprendeu a andar para a frente".
A lei de Lord Keynes: "A dificuldade não está nas idéias novas, mas em escapar das antigas".
A lei de Bernard Shaw: "Patriotismo é a convicção de que o país da gente é superior a todos os demais, simplesmente porque ali nascemos".
A lei de Hayek: "Num país onde o único empregador é o Estado, a oposição significa morte por inanição. O velho princípio de quem não trabalha não come é substituído por um novo princípio: quem não obedece não come".
A lei de Mark Twain: "Um banqueiro é um tipo que nos empresta um guarda-chuva quando faz sol, e exige-o de volta quando começa a chover".
A lei de Lorde Kelvin: "Grandes aumentos de custos com questionável melhoria de desempenho só podem ser tolerados em relação a cavalos e mulheres".
A lei de Charles De Gaulle: "As promessas só comprometem aqueles que as recebem".
A lei de John Randolph, constituinte na Convenção de Filadélfia: "O mais delicioso dos privilégios é gastar o dinheiro dos outros".
A lei de Getúlio Vargas: "Os ministérios se compõem de dois grupos. Um formado por gente incapaz, e outro por gente capaz de tudo".
A lei do governador Mario Cuomo, de Nova York: "Faz-se campanha em poesia e governa-se em prosa".
A lei de John Kenneth Galbraith: "A política não é a arte do possível. Ela consiste em escolher entre o desagradável e o desastroso".
A lei de Sócrates: "No tocante a celibato e casamento, é melhor não interferir, deixando que o homem escolha o que quiser. Em ambos os casos, ele se arrependerá".
No último uísque, Merquior me contou um chiste anônimo, que circulava em Londres: "A natureza deu ao homem um pênis e um cérebro, mas insuficiente sangue para fazê-los funcionar simultaneamente". Ao confidenciar a Merquior que pretendia aposentar-me do Itamaraty para ingressar na política, lembrou-me ele a lei de Hubert Humphrey, vice-presidente dos Estados Unidos na administração Lindon Johnson, que dizia: "É verdade que há vários idiotas no Congresso. Mas os idiotas constituem boa parte da população e merecem estar bem representados".
Tendo em vista minhas ambições políticas, combinamos fabricar conjuntamente uma lei, que passaria à posteridade como a lei Campos/Merquior: "A política é a arte de fazer hoje os erros do amanhã, sem esquecer dos erros de ontem". Ao nos despedirmos, já mais sóbrios, lembrei-me de duas leis. A lei do King Murphy, que assim reza: "Não estão seguras a vida, a liberdade e a propriedade de ninguém enquanto a legislatura estiver em sessão". E a lei do sábio Montesquieu, o inventor da teoria da separação de poderes: "O político deve sempre buscar a aprovação, porém jamais o aplauso". Em minha vida política no Senado e na Câmara procurei descumprir a lei do King Murphy e cumprir a lei de Montesquieu. Sem resultados brilhantes nem num caso, nem no outro...
*Defensor apaixonado do liberalismo. Economista, diplomata e político também se revelou um intelectual brilhante. De sua intensa produção, resultaram inúmeros artigos e obras como o livro A Lanterna na Popa, uma autobiografia que logo se transformou em best-seller. Foi ministro do Planejamento, senador por Mato Grosso, deputado federal e embaixador em Washington e Londres. Sua carreira começou em 1939, quando prestou concurso para o Itamaraty. Logo foi servir na embaixada brasileira em Washington, e, cinco anos depois, participou da Conferência de Bretton Woods, responsável por desenhar o sistema monetário internacional do pós-guerra.
1019) Em viagem: postagens momentaneamente interrompidas
Bem, eu tentava manter a normalidade das coisas, mas alguns leitores habituais deste blog andaram reclamando de minha ausência.
Por motivos compreensíveis: estou em viagem, e nem sempre disponível para ler e postar coisas interessantes, a despeito de estar vendo, visitando, conhecendo coisas muito interessantes.
Acontece que o dia só tem 24 hs, que o tempo é ocupado com deslocamentos e visitas, e o corpo pede descanso.
Pretendi fazer uma série de posts dedicados a esta viagem, mas não tive tempo ou lazer de fazê-lo. Talvez ainda faça, sob a rubrica geral de "Rota da seda" ou algo do gênero, posto que estou indo para a China, mas ainda não tive oportunidade de testar a série.
Vou apenas listar o rol de localidades por onde passei, nesta viagem, em avião ou carro, para se ter uma ideia da intensidade de visitas e trajetos.
Dia 23 de março: voo Brasilia-Lisboa
Dia 24 de marco: Lisboa, Parque das Nações: Oceanarium, passeio nos locais da antiga exposição dos Descobrimentos (comemorando, em 1998, o quinto centenário de Vasco da Gama)
25 de março: tour por Portugal: Óbidos, Alcobaça, Nazaré, Batalha, Fátima, Lisboa.
26 de março: Lisboa-Roma, aluguel de carro no aeroporto; viagem a Florença
27 de março: Florença, exposições, igrejas, praças, passeios a pé
28 de março: Florença e passeio pela Toscana: San Casciano, Sant'Andrea in Percussina (terra do Maquiavel), Certaldo (terra do Boccacio), San Gimignano, San Giovanni in Valdarno, chegada a Perugia (na Umbria)
29 de março: visita a Praça Maggiore, Sala del Cambio; passeio pelo Lago Trasimeno (Castiglione del Lago), Arezzo (casa do Dante), piazza Maggiore, etc.
30 de março: Perugia, visita ao Museo Nazionale della Umbria (obras da Idade Média e do Renascimento); viagem a Roma: visita ao Vaticano
31 de março: Roma: Chiesa Nuova (Corso Vittorio Emmanuele), Chiesa del Giesu, Campidoglio, Museo Capitolino (exposição sobre a Era da Conquista, impérios e seus bárbaros); Casa de Goethe (exposição de desenhos do Piranesi, e materiais do Goethe); jantar na Ostaria dell'Orso 80
1 de abril: viagem Roma-Dubai
2 de abril: visita ao Museu de Dubai; visita ao Shopping Ibn Battuta
3 de abril: aluguel de carro: Dubai-Sharjah (museus arqueológico e da civilização islâmica); viagem de carro a Abu Dhabi (nada de muito espetacular, comparado a Dubai); shopping Emirates
4 de abril (domingo): Souk, Palm Bujerai, mesquita, Burj, etc...
Ufa... ainda não acabou. Amanhã, viagem a Shanghai...
Paulo Roberto de Almeida
PS.: Acho que a falta de postagens está agora explicada...
Por motivos compreensíveis: estou em viagem, e nem sempre disponível para ler e postar coisas interessantes, a despeito de estar vendo, visitando, conhecendo coisas muito interessantes.
Acontece que o dia só tem 24 hs, que o tempo é ocupado com deslocamentos e visitas, e o corpo pede descanso.
Pretendi fazer uma série de posts dedicados a esta viagem, mas não tive tempo ou lazer de fazê-lo. Talvez ainda faça, sob a rubrica geral de "Rota da seda" ou algo do gênero, posto que estou indo para a China, mas ainda não tive oportunidade de testar a série.
Vou apenas listar o rol de localidades por onde passei, nesta viagem, em avião ou carro, para se ter uma ideia da intensidade de visitas e trajetos.
Dia 23 de março: voo Brasilia-Lisboa
Dia 24 de marco: Lisboa, Parque das Nações: Oceanarium, passeio nos locais da antiga exposição dos Descobrimentos (comemorando, em 1998, o quinto centenário de Vasco da Gama)
25 de março: tour por Portugal: Óbidos, Alcobaça, Nazaré, Batalha, Fátima, Lisboa.
26 de março: Lisboa-Roma, aluguel de carro no aeroporto; viagem a Florença
27 de março: Florença, exposições, igrejas, praças, passeios a pé
28 de março: Florença e passeio pela Toscana: San Casciano, Sant'Andrea in Percussina (terra do Maquiavel), Certaldo (terra do Boccacio), San Gimignano, San Giovanni in Valdarno, chegada a Perugia (na Umbria)
29 de março: visita a Praça Maggiore, Sala del Cambio; passeio pelo Lago Trasimeno (Castiglione del Lago), Arezzo (casa do Dante), piazza Maggiore, etc.
30 de março: Perugia, visita ao Museo Nazionale della Umbria (obras da Idade Média e do Renascimento); viagem a Roma: visita ao Vaticano
31 de março: Roma: Chiesa Nuova (Corso Vittorio Emmanuele), Chiesa del Giesu, Campidoglio, Museo Capitolino (exposição sobre a Era da Conquista, impérios e seus bárbaros); Casa de Goethe (exposição de desenhos do Piranesi, e materiais do Goethe); jantar na Ostaria dell'Orso 80
1 de abril: viagem Roma-Dubai
2 de abril: visita ao Museu de Dubai; visita ao Shopping Ibn Battuta
3 de abril: aluguel de carro: Dubai-Sharjah (museus arqueológico e da civilização islâmica); viagem de carro a Abu Dhabi (nada de muito espetacular, comparado a Dubai); shopping Emirates
4 de abril (domingo): Souk, Palm Bujerai, mesquita, Burj, etc...
Ufa... ainda não acabou. Amanhã, viagem a Shanghai...
Paulo Roberto de Almeida
PS.: Acho que a falta de postagens está agora explicada...
sábado, 3 de abril de 2010
1018) Itinerarios academicos: um retrato perfeito do Brasil de hoje...
Recebido em consulta direta, por e-mail:
On Apr 3, 2010, at 5:34 PM, Axxxxx Pxxxxx xx Sxxxx Rxxx wrote:
Gostaria de esclarecimento sobre a criação dos planos economicos, período e situações reais para trabalho acadêmico de economia sobre os planos econômicos criados desde 1986 até os dias de hoje com fontes confiáveis. Obrigado, Axxxxx.
Minha única resposta foi:
Eu tambem gostaria. Quando voce encontrar, por favor, me avise...
-----------------
Paulo Roberto Almeida
(Dubai, 3.04.2010)
On Apr 3, 2010, at 5:34 PM, Axxxxx Pxxxxx xx Sxxxx Rxxx wrote:
Gostaria de esclarecimento sobre a criação dos planos economicos, período e situações reais para trabalho acadêmico de economia sobre os planos econômicos criados desde 1986 até os dias de hoje com fontes confiáveis. Obrigado, Axxxxx.
Minha única resposta foi:
Eu tambem gostaria. Quando voce encontrar, por favor, me avise...
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Paulo Roberto Almeida
(Dubai, 3.04.2010)
1017) Carreira diplomatica: um candidato perfeito para o Brasil de hoje...
Recebido de um eventual candidato à carreira:
On Apr 3, 2010, at 8:59 PM, dxxxx cxxx wrote:
Eu gostaria de algumas dicas qualquer coisa que possa me ajudar.
Eu estava pensando em fazer esse curso preparatoria oq q tu acha?
http://www.xxxxxxx.com.br/xxxxxx
Mais uma pergunta so estou curioso. Como tu ti tornou diplomata se tu nao foi para o instituto rio branco?
Só tive esta resposta:
Cum essi Purtugueis tu num entra nu Rio Branco....
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Paulo Roberto Almeida
(Dubai, 3.04.2010)
On Apr 3, 2010, at 8:59 PM, dxxxx cxxx wrote:
Eu gostaria de algumas dicas qualquer coisa que possa me ajudar.
Eu estava pensando em fazer esse curso preparatoria oq q tu acha?
http://www.xxxxxxx.com.br/xxxxxx
Mais uma pergunta so estou curioso. Como tu ti tornou diplomata se tu nao foi para o instituto rio branco?
Só tive esta resposta:
Cum essi Purtugueis tu num entra nu Rio Branco....
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Paulo Roberto Almeida
(Dubai, 3.04.2010)
sexta-feira, 2 de abril de 2010
1016) Carreira diplomatica: um questionario academico
Dois estudantes de um curso de Relações Internacionais São Paulo, me contataram para um trabalho acadêmico. Abaixo minhas respostas a seu questionário.
Carreira Diplomática: um questionário acadêmico
Paulo Roberto de Almeida
1. O que o levou a seguir a carreira diplomática?
PRA: Primeiro, a natural afinidade com uma carreira de Estado que se aproximava de minha experiência precedente de vida, qual seja, o fato de ter saído do Brasil e residido por cerca de sete anos no exterior, como estudante, e o contato daí decorrente com temas internacionais. Em segundo lugar, o fato de ser uma carreira de Estado com a maior interface possível para atividades de natureza intelectual, o que se amoldava a meu espírito de pesquisador e estudioso de temas de desenvolvimento econômico em perspectiva comparada, tanto geográfica quanto historicamente. Em terceiro lugar, um questionamento pessoal quanto a minha situação política depois de alguns anos de exílio forçado – ainda que voluntário – e incerteza quanto ao estatuto pessoal do ponto de vista dos órgãos de segurança (na época se passava pelo escrutínio do SNI para ingresso numa carreira de Estado).
2. Já pensou em seguir alguma outra?
PRA: Sim, diversas vezes, e teria sido, naturalmente, a carreira acadêmica. Em retrospecto, vejo que não teria sido a melhor escolha, em vista da crescente mediocrização das universidades públicas, sua partidarização, a carência de meios e, também, a impotência quanto aos processos decisórios mais importantes.
3. Onde e em que área o senhor realizou seus estudos?
PRA: Iniciei estudos de Ciências Sociais na USP, em 1969, abandonado no segundo ano por razões de militância política e auto-exílio. Retomei os mesmos estudos, na Universidade de Bruxelas, em 1971; conclui a graduação (1975), fiz um mestrado em Planejamento Econômico na Universidade de Antuérpia em 1975-76, e me inscrevi para um doutoramento na Universidade de Bruxelas, em 1976, deixado pendente durante alguns anos. Tendo ingressado na carreira diplomática em 1977, retomei o doutoramento, já como diplomata, em 1981, tendo concluído em 1984, na mesma universidade belga.
4. Quais são os principais prós e contras da carreira no Itamaraty?
PRA: Ser uma carreira aberta aos talentos, à reflexão e aos estudos, o mais próximo possível que se possa ter como atividade acadêmica, mas diversificada e aberta a diversas experiências, inclusive no plano decisório. Em contra ser uma carreira excessivamente hierarquizada e disciplinada, com mecanismos de controle que se coadunam mal com a liberdade acadêmica e o exercício do livre arbítrio; também se presta a politização indevida e pode ser excessivamente submissa a influências externas nefastas, no caso de uma presidência comprometida com princípios manifestamente em desacordo com os interesses nacionais (com base num julgamento pessoal, obviamente, do que seja o interesse nacional).
5. Na sua opinião, qual o perfil de um bom diplomata?
PRA: Disciplinado sem ser submisso; pesquisador e investigativo, mas sabendo inserir seus estudos no processo decisório próprio à diplomacia; detentor de todas as qualidades técnicas (inclusive lingüísticas) para bem representar e bem negociar externamente em nome do Brasil; dotado de conhecimento e imaginação suficiente para saber representar os interesses nacionais mesmo na ausência de instruções específicas quanto ao objeto em discussão num determinado foro; saber se comportar socialmente, ter um bom espírito (e estomago e disposição) para recepções sociais e eventos dessa natureza mundana, que são inevitáveis na diplomacia.
6. Sabemos que o domínio de línguas é fundamental, quais o senhor fala?
PRA: O domínio da própria é um requisito indispensável; o inglês é altamente necessário (e o meu é apenas razoável); Francês (perto da perfeição, por ter estudado todo o ciclo superior nessa língua); Espanhol (muito bem, por ter viajado, convivido, morado em países de língua espanhola); Italiano (razoável, por interesse próprio, acadêmico e de viagens); Alemão (muito precariamente).
7. Em quais países o senhor já morou?
PRA: Como estudante na Bélgica e na ex-Tchecoslováquia (Praga). Como diplomata na Suíça (duas vezes), na ex-Iugoslávia (Sérvia-Belgrado), no Uruguai, na França e nos Estados Unidos. Estou indo morar por sete meses na China (Shanghai).
8. Já exerceu atividades em alguma outra área em relações internacionais?
PRA: Apenas academicamente, como professor e consultor.
9. Durante sua carreira, qual a pessoa mais importante que o senhor já conheceu?
PRA: Não posso dizer que tenha “conhecido”, mas já estive, por trabalho ou em ocasiões sociais, com diversos presidentes ou chefes de Estado ou de governo e com personalidades tão dispares quanto Kissinger e Chávez.
10. Em seu ponto de vista, qual a importância das relações internacionais na vida.
PRA: Podem ser tudo, ou quase nada, dependendo de como o país organiza sua interface externa e como seu governo se relaciona com o mundo. Diria que num mundo globalizado, as oportunidades são imensas para o desenvolvimento, desde que o país se abra ao comércio e investimentos estrangeiros, o que não é exatamente o caso do Brasil, ainda protecionista e medroso quanto aos capitais estrangeiros.
Depende do governo e das lideranças políticas: algumas são bem medíocres ou mal informadas sobre as realidades do mundo, outras sabem das possibilidades e dos limites que se oferecem ao Estado e à nação num mundo interdependente. Em geral, sou contrário ao nacionalismo patrioteiro, estilo avestruz, e sou totalmente aberto às interações externas.
Florença (Itália), 28.03.2010)
Carreira Diplomática: um questionário acadêmico
Paulo Roberto de Almeida
1. O que o levou a seguir a carreira diplomática?
PRA: Primeiro, a natural afinidade com uma carreira de Estado que se aproximava de minha experiência precedente de vida, qual seja, o fato de ter saído do Brasil e residido por cerca de sete anos no exterior, como estudante, e o contato daí decorrente com temas internacionais. Em segundo lugar, o fato de ser uma carreira de Estado com a maior interface possível para atividades de natureza intelectual, o que se amoldava a meu espírito de pesquisador e estudioso de temas de desenvolvimento econômico em perspectiva comparada, tanto geográfica quanto historicamente. Em terceiro lugar, um questionamento pessoal quanto a minha situação política depois de alguns anos de exílio forçado – ainda que voluntário – e incerteza quanto ao estatuto pessoal do ponto de vista dos órgãos de segurança (na época se passava pelo escrutínio do SNI para ingresso numa carreira de Estado).
2. Já pensou em seguir alguma outra?
PRA: Sim, diversas vezes, e teria sido, naturalmente, a carreira acadêmica. Em retrospecto, vejo que não teria sido a melhor escolha, em vista da crescente mediocrização das universidades públicas, sua partidarização, a carência de meios e, também, a impotência quanto aos processos decisórios mais importantes.
3. Onde e em que área o senhor realizou seus estudos?
PRA: Iniciei estudos de Ciências Sociais na USP, em 1969, abandonado no segundo ano por razões de militância política e auto-exílio. Retomei os mesmos estudos, na Universidade de Bruxelas, em 1971; conclui a graduação (1975), fiz um mestrado em Planejamento Econômico na Universidade de Antuérpia em 1975-76, e me inscrevi para um doutoramento na Universidade de Bruxelas, em 1976, deixado pendente durante alguns anos. Tendo ingressado na carreira diplomática em 1977, retomei o doutoramento, já como diplomata, em 1981, tendo concluído em 1984, na mesma universidade belga.
4. Quais são os principais prós e contras da carreira no Itamaraty?
PRA: Ser uma carreira aberta aos talentos, à reflexão e aos estudos, o mais próximo possível que se possa ter como atividade acadêmica, mas diversificada e aberta a diversas experiências, inclusive no plano decisório. Em contra ser uma carreira excessivamente hierarquizada e disciplinada, com mecanismos de controle que se coadunam mal com a liberdade acadêmica e o exercício do livre arbítrio; também se presta a politização indevida e pode ser excessivamente submissa a influências externas nefastas, no caso de uma presidência comprometida com princípios manifestamente em desacordo com os interesses nacionais (com base num julgamento pessoal, obviamente, do que seja o interesse nacional).
5. Na sua opinião, qual o perfil de um bom diplomata?
PRA: Disciplinado sem ser submisso; pesquisador e investigativo, mas sabendo inserir seus estudos no processo decisório próprio à diplomacia; detentor de todas as qualidades técnicas (inclusive lingüísticas) para bem representar e bem negociar externamente em nome do Brasil; dotado de conhecimento e imaginação suficiente para saber representar os interesses nacionais mesmo na ausência de instruções específicas quanto ao objeto em discussão num determinado foro; saber se comportar socialmente, ter um bom espírito (e estomago e disposição) para recepções sociais e eventos dessa natureza mundana, que são inevitáveis na diplomacia.
6. Sabemos que o domínio de línguas é fundamental, quais o senhor fala?
PRA: O domínio da própria é um requisito indispensável; o inglês é altamente necessário (e o meu é apenas razoável); Francês (perto da perfeição, por ter estudado todo o ciclo superior nessa língua); Espanhol (muito bem, por ter viajado, convivido, morado em países de língua espanhola); Italiano (razoável, por interesse próprio, acadêmico e de viagens); Alemão (muito precariamente).
7. Em quais países o senhor já morou?
PRA: Como estudante na Bélgica e na ex-Tchecoslováquia (Praga). Como diplomata na Suíça (duas vezes), na ex-Iugoslávia (Sérvia-Belgrado), no Uruguai, na França e nos Estados Unidos. Estou indo morar por sete meses na China (Shanghai).
8. Já exerceu atividades em alguma outra área em relações internacionais?
PRA: Apenas academicamente, como professor e consultor.
9. Durante sua carreira, qual a pessoa mais importante que o senhor já conheceu?
PRA: Não posso dizer que tenha “conhecido”, mas já estive, por trabalho ou em ocasiões sociais, com diversos presidentes ou chefes de Estado ou de governo e com personalidades tão dispares quanto Kissinger e Chávez.
10. Em seu ponto de vista, qual a importância das relações internacionais na vida.
PRA: Podem ser tudo, ou quase nada, dependendo de como o país organiza sua interface externa e como seu governo se relaciona com o mundo. Diria que num mundo globalizado, as oportunidades são imensas para o desenvolvimento, desde que o país se abra ao comércio e investimentos estrangeiros, o que não é exatamente o caso do Brasil, ainda protecionista e medroso quanto aos capitais estrangeiros.
Depende do governo e das lideranças políticas: algumas são bem medíocres ou mal informadas sobre as realidades do mundo, outras sabem das possibilidades e dos limites que se oferecem ao Estado e à nação num mundo interdependente. Em geral, sou contrário ao nacionalismo patrioteiro, estilo avestruz, e sou totalmente aberto às interações externas.
Florença (Itália), 28.03.2010)
segunda-feira, 29 de março de 2010
1015) Contas publicas enroladas - Carlos Alberto Sardenberg
Alguém vai se decepcionar
Carlos Alberto Sardenberg
O Estado de S.Paulo, 29.03.2010
Para ficar apenas no noticiário mais recente, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva quer capitalizar, ou seja, colocar mais dinheiro na Petrobrás, na Eletrobrás, na Telebrás, no Banco do Brasil, na Caixa Econômica Federal, no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e num novo banco de financiamento à exportação.
Também quer gastar dinheiro, na forma de subsídios a compradores e de financiamento a empreiteiras, para "acabar com o maldito déficit habitacional", como disse na sexta-feira.
Acrescente aí os compromissos com o aumento real do salário mínimo e das demais aposentadorias, com a ampliação das bolsas e com os reajustes do funcionalismo, mais as megaobras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) - como o trem-bala e a transposição do Rio São Francisco - e se verifica que, sem fazer contas, o governo não tem dinheiro para isso tudo.
Há algumas engenharias financeiras ou simplesmente alguns truques em andamento, como essa ideia do governo de capitalizar a Petrobrás "pagando" com barris do petróleo do pré-sal, que ainda não existem. Mas continuam enroladas.
Já o endividamento do Tesouro existe. O governo andou lançando uns papagaios na praça para emprestar ao BNDES - o que aumentou a dívida pública bruta, que, aliás, já se aproxima perigosamente dos limites.
Ou seja, esse é um artifício de pouco uso, daqui em diante, se o governo pretende, como promete, manter a estabilidade das contas públicas.
Também há - ou havia - promessas de aliviar a carga tributária de alguns setores da economia, como o de exportação, o que também significa custo para o Tesouro.
De novo, a conta real não fecha com as promessas.
E aí?
Aí é que muita coisa simplesmente não vai acontecer. O pacote de apoio à exportação, por exemplo, saiu bem mixuruca.
A principal reivindicação dos exportadores é que eles possam compensar automaticamente os impostos que pagam indevidamente. A exportação é isenta, mas, quando o exportador compra insumos e partes, esses produtos vêm com impostos embutidos no preço, em razão do nosso sistema - perverso - de cobrar antecipadamente.
Com isso, os exportadores ficam com uma espécie de crédito, que gostariam de descontar automaticamente de outros impostos, devidos sobre o comércio local, por exemplo. Gostariam, também, de poder vender esse crédito de maneira simples e rápida. Mas não saiu. Ficou o sistema antigo, pelo qual o exportador tem de praticamente implorar a devolução. Entra na fila, e aí já viu.
E por que não mudaram a regra, se todos estão de acordo que é preciso apoiar a exportação? Porque o governo precisa do dinheiro para os gastos já contratados, a Previdência Social, pessoal, os programas sociais e o custeio, que levam mais de 90% das receitas líquidas do governo federal.
Ou seja, eis a alternativa: ou o presidente Lula se convenceu de que ganhou uma licença para gastar e deixou de lado as metas de superávit primário e de redução do endividamento público ou esse amontoado de planos e promessas não passa de agitação e propaganda.
O mercado, que o presidente Lula e seus companheiros adoram atacar, acredita piamente na promessa de austeridade que está no Orçamento: superávit primário de 3,3% do Produto Interno Bruto (PIB) - ante menos de 1% no ano passado - e redução da dívida líquida do setor público de 41,5% para 39,5% do PIB, com juros em alta e inflação contida. É o cenário que aparece no Relatório de Mercado, publicado pelo Banco Central (BC), com base nos cenários desenhados por instituições financeiras e consultorias.
Por outro lado, o setor produtivo - especialmente entre aqueles que dependem de encomendas do governo e das estatais - acredita piamente que o dinheiro para os seus negócios vai pintar.
Um dos dois vai se decepcionar. Capaz de os dois se decepcionarem, o que seria o pior cenário para o País.
Fixação. Parece que dois sentimentos movem a atividade externa do presidente Lula. Um é a fixação nos Estados Unidos. O outro é uma espécie de teimosia, que o leva a dobrar a aposta toda vez que é criticado.
Dirão: como fixação, se o presidente não perde a oportunidade para atacar "a subserviência" aos Estados Unidos?
Pois é justamente isso, uma fixação ao revés. Lembram-se daquela diplomacia do regime militar - "O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil ?" Troquem um "bom" por um "ruim" - e eis o comportamento atual.
Quanto ao segundo sentimento, basta observar as reações do presidente. Quanto mais criticam, por exemplo, sua futura visita ao Irã, mais Lula anuncia que vai lá, que vai falar isso e aquilo e que, para não perder o embalo, não vai deixar de ir só porque os Estados Unidos não querem.
Na sexta-feira passada, por exemplo, Lula disse que era "subserviência" aceitar a tese de que a paz no Oriente Médio depende dos Estados Unidos. Por isso, o Brasil está se metendo na história.
E, se dizem que a capacidade da diplomacia brasileira por lá é muitíssimo limitada, o presidente Lula acusa os críticos de sentimento de inferioridade e declara que vai fazer muito mais pela paz.
Bobagem, portanto, querer discutir a eficiência dessa política externa. A coisa não passa por essas racionalidades.
Carlos Alberto Sardenberg
O Estado de S.Paulo, 29.03.2010
Para ficar apenas no noticiário mais recente, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva quer capitalizar, ou seja, colocar mais dinheiro na Petrobrás, na Eletrobrás, na Telebrás, no Banco do Brasil, na Caixa Econômica Federal, no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e num novo banco de financiamento à exportação.
Também quer gastar dinheiro, na forma de subsídios a compradores e de financiamento a empreiteiras, para "acabar com o maldito déficit habitacional", como disse na sexta-feira.
Acrescente aí os compromissos com o aumento real do salário mínimo e das demais aposentadorias, com a ampliação das bolsas e com os reajustes do funcionalismo, mais as megaobras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) - como o trem-bala e a transposição do Rio São Francisco - e se verifica que, sem fazer contas, o governo não tem dinheiro para isso tudo.
Há algumas engenharias financeiras ou simplesmente alguns truques em andamento, como essa ideia do governo de capitalizar a Petrobrás "pagando" com barris do petróleo do pré-sal, que ainda não existem. Mas continuam enroladas.
Já o endividamento do Tesouro existe. O governo andou lançando uns papagaios na praça para emprestar ao BNDES - o que aumentou a dívida pública bruta, que, aliás, já se aproxima perigosamente dos limites.
Ou seja, esse é um artifício de pouco uso, daqui em diante, se o governo pretende, como promete, manter a estabilidade das contas públicas.
Também há - ou havia - promessas de aliviar a carga tributária de alguns setores da economia, como o de exportação, o que também significa custo para o Tesouro.
De novo, a conta real não fecha com as promessas.
E aí?
Aí é que muita coisa simplesmente não vai acontecer. O pacote de apoio à exportação, por exemplo, saiu bem mixuruca.
A principal reivindicação dos exportadores é que eles possam compensar automaticamente os impostos que pagam indevidamente. A exportação é isenta, mas, quando o exportador compra insumos e partes, esses produtos vêm com impostos embutidos no preço, em razão do nosso sistema - perverso - de cobrar antecipadamente.
Com isso, os exportadores ficam com uma espécie de crédito, que gostariam de descontar automaticamente de outros impostos, devidos sobre o comércio local, por exemplo. Gostariam, também, de poder vender esse crédito de maneira simples e rápida. Mas não saiu. Ficou o sistema antigo, pelo qual o exportador tem de praticamente implorar a devolução. Entra na fila, e aí já viu.
E por que não mudaram a regra, se todos estão de acordo que é preciso apoiar a exportação? Porque o governo precisa do dinheiro para os gastos já contratados, a Previdência Social, pessoal, os programas sociais e o custeio, que levam mais de 90% das receitas líquidas do governo federal.
Ou seja, eis a alternativa: ou o presidente Lula se convenceu de que ganhou uma licença para gastar e deixou de lado as metas de superávit primário e de redução do endividamento público ou esse amontoado de planos e promessas não passa de agitação e propaganda.
O mercado, que o presidente Lula e seus companheiros adoram atacar, acredita piamente na promessa de austeridade que está no Orçamento: superávit primário de 3,3% do Produto Interno Bruto (PIB) - ante menos de 1% no ano passado - e redução da dívida líquida do setor público de 41,5% para 39,5% do PIB, com juros em alta e inflação contida. É o cenário que aparece no Relatório de Mercado, publicado pelo Banco Central (BC), com base nos cenários desenhados por instituições financeiras e consultorias.
Por outro lado, o setor produtivo - especialmente entre aqueles que dependem de encomendas do governo e das estatais - acredita piamente que o dinheiro para os seus negócios vai pintar.
Um dos dois vai se decepcionar. Capaz de os dois se decepcionarem, o que seria o pior cenário para o País.
Fixação. Parece que dois sentimentos movem a atividade externa do presidente Lula. Um é a fixação nos Estados Unidos. O outro é uma espécie de teimosia, que o leva a dobrar a aposta toda vez que é criticado.
Dirão: como fixação, se o presidente não perde a oportunidade para atacar "a subserviência" aos Estados Unidos?
Pois é justamente isso, uma fixação ao revés. Lembram-se daquela diplomacia do regime militar - "O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil ?" Troquem um "bom" por um "ruim" - e eis o comportamento atual.
Quanto ao segundo sentimento, basta observar as reações do presidente. Quanto mais criticam, por exemplo, sua futura visita ao Irã, mais Lula anuncia que vai lá, que vai falar isso e aquilo e que, para não perder o embalo, não vai deixar de ir só porque os Estados Unidos não querem.
Na sexta-feira passada, por exemplo, Lula disse que era "subserviência" aceitar a tese de que a paz no Oriente Médio depende dos Estados Unidos. Por isso, o Brasil está se metendo na história.
E, se dizem que a capacidade da diplomacia brasileira por lá é muitíssimo limitada, o presidente Lula acusa os críticos de sentimento de inferioridade e declara que vai fazer muito mais pela paz.
Bobagem, portanto, querer discutir a eficiência dessa política externa. A coisa não passa por essas racionalidades.
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