domingo, 11 de abril de 2010

2070) Kissinger: amigo das ditaduras...

...das que eram amigas dos EUA, obviamente.
Henri Kissinger era obviamente um democrata, no sentido constitucional da palavra. Mas, em política externa, se tratava de um realista cínico.
Era "amigo" (no sentido figurado) de todos os regimes que fossem amigos ou aliados dos EUA, no contexto da Guerra Fria. Como patriota americano, sua missão principal era a de cuidar dos interesses nacionais americanos, e portanto de um ambiente internacional que fosse o mais possível favorável a esses interesses, independentemente do tipo de regime político e do tipo de ocupante político estivesse no cargo (ditadores poderiam ser deixados em paz se eles favorecessem os interesses americanos).
Abaixo, controvérsias que refazem superfície...
Paulo Roberto de Almeida (11.04.2010)

Cable Ties Kissinger to Chile Controversy
By THE ASSOCIATED PRESS
The New York Times, April 10, 2010

WASHINGTON (AP) -- As secretary of state, Henry Kissinger canceled a U.S. warning against carrying out international political assassinations that was to have gone to Chile and two neighboring nations just days before a former ambassador was killed by Chilean agents on Washington's Embassy Row in 1976, a newly released State Department cable shows.

Whether Kissinger played a role in blocking the delivery of the warning against assassination to the governments of Chile, Argentina and Uruguay has long been a topic of controversy.

Discovered in recent weeks by the National Security Archive, a non-profit research organization, the Sept. 16, 1976 cable is among tens of thousands of declassified State Department documents recently made available to the public.

In 1976, the South American nations of Chile, Argentina and Uruguay were engaged in a program of repression code-named Operation Condor that targeted those governments' political opponents throughout Latin America, Europe and even the United States.

Based on information from the CIA, the U.S. State Department became concerned that Condor included plans for political assassination around the world. The State Department drafted a plan to deliver a stern message to the three governments not to engage in such murders.

In the Sept. 16, 1976 cable, the topic of one paragraph is listed as ''Operation Condor,'' preceded by the words ''(KISSINGER, HENRY A.) SUBJECT: ACTIONS TAKEN.'' The cable states that ''secretary declined to approve message to Montevideo'' Uruguay ''and has instructed that no further action be taken on this matter.''

''The Sept. 16 cable is the missing piece of the historical puzzle on Kissinger's role in the action, and inaction, of the U.S. government after learning of Condor assassination plots,'' Peter Kornbluh, the National Security Archive's senior analyst on Chile, said Saturday. Kornbluh is the author of ''The Pinochet File: A Declassified Dossier on Atrocity and Accountability.''

Jessica LePorin, a spokeswoman for Kissinger, says that the former secretary of state dealt many years ago with questions concerning the cancellation of the warnings to the South American governments and had no further comment on the matter.

Kissinger has dealt with the issue indirectly. Writing in defense of Kissinger in 2004 when the issue arose, William D. Rogers, Kissinger's former assistant secretary of state, said Kissinger ''had nothing to do with'' a Sept. 20, 1976 cable instructing that the warnings to Chile, Argentina and Uruguay be canceled. Rogers died in 2007.

''You can instruct'' the U.S. ambassadors ''to take no further action'' on the subject of Operation Condor, said the Sept. 20 cable by Harry Shlaudeman, assistant secretary of state for Inter-American affairs, to Shlaudeman's deputy.

The next day, on Sept. 21, 1976, agents of Chilean Gen. Augusto Pinochet planted a car bomb and exploded it on a Washington, D.C., street, killing both former Ambassador Orlando Letelier, and an American colleague, Ronni Karpen Moffitt. Letelier was one of the most outspoken critics of the Pinochet government.

Nearly a month before the blast, the State Department seemed intent on delivering a strong message to the governments engaged in Operation Condor.

An Aug. 23, 1976 State Department cable instructs the U.S. embassies in the capitals of Chile, Argentina and Uruguay to ''seek appointment as soon as possible with highest appropriate official, preferably the chief of state.''

The message that was to be conveyed: the U.S. government knows that Operation Condor may ''include plans for the assassination of subversives, politicians and prominent figures both within the national borders of certain ... countries and abroad.''

''What we are trying to head off is a series of international murders that could do serious damage to the international status and reputation of the countries involved,'' Shlaudeman wrote in a memo to Kissinger dated Aug. 30, 1976. That memo is referenced in the newly disclosed Sept. 16, 1976 cable containing Kissinger's name.

Concerns among the ambassadors may have led to cancellation of the planned warning.

In the Aug. 30, 1976 memo, Shlaudeman discussed a possibility that the U.S. ambassador in Uruguay might be endangered by delivering a warning against assassination. The U.S. ambassador to Chile said that Pinochet might take as an insult any inference that he was connected with assassination plots.

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On the Net:
National Security Archive: www.nsarchive.org

2069) Cuba: uma ditadura que apodrece e sua juventude rebelde

Juventude rebelde

Duda Teixeira, de Havana
Revista Veja, 14 de abril de 2010

(sem as fotos para não sobrecarregar demais este post)

Eles têm a idade que os barbudos tinham quando desceram com 
Fidel Castro a Sierra Maestra - e a mesma sede de liberdade. São 
os jovens cubanos em luta contra a miséria moral e material da 
ditadura comunista. Suas armas são blogs, festas punk e hip-hop

As ruas de Havana Velha estão sempre cheias de turistas que, depois de tomar seu mojito na Bodeguita del Medio, vão aos ambulantes comprar camisetas de Che Guevara, charutos desviados das tabacarias estatais e comprimidos clandestinos de PPG, droga derivada da cana-de-açúcar receitada para controlar o colesterol e tida como afrodisíaca. Quem se aventura além dessa vitrine de produtos típicos do socialismo cubano encontra a Cuba real dos cortiços superlotados e caindo aos pedaços. A Cuba das panelas vazias, do medo e da delação. Mas também a Cuba da resistência jovem à ditadura comunista.

Ao cruzar a porta de um desses cortiços, no topo de uma escada íngreme e precária, chega-se à cozinha, onde um jovem tecla em um notebook Compaq cujo peso e tamanho denunciam sua antiguidade tecnológica. Ao lado do computador, colado na mesa, há um adesivo com a bandeira de Cuba, o símbolo da arroba e a expressão "Internet para todos". Na gerontocracia dos irmãos Fidel e Raúl Castro, que governam a ilha há 51 anos, o acesso à web é restrito a certas repartições públicas, hotéis, embaixadas e às casas dos chefões do regime. Fora dos círculos privilegiados da nomenklatura castrista, a internet é, digamos, manual. O velho Compaq está com sua memória cheia de arquivos com reportagens de jornais espanhóis e americanos, músicas de protesto e blogs feitos por cubanos na ilha e no exílio. Essa biblioteca digital, considerada subversiva pela ditadura comunista, é enriquecida semanalmente por pen drives que passam de mão em mão, de porta USB a porta USB, abrindo uma trilha digital de liberdade em meio à selva da opressão comunista.

Dessa maneira, uma única pessoa com acesso esporádico à internet consegue abastecer centenas de amigos com informações sobre o mundo e sobre Cuba. Essa panfletagem pós-moderna conecta milhares de jovens cubanos. A geração que hoje está na faixa dos 20 ou dos 30 anos é a segunda a nascer após a revolução de 1959. Desde pequenos, esses cubanos foram criados para idolatrar Fidel Castro e jamais contestar o sistema socialista. O medo da violência policial, das prisões, da vigilância dos vizinhos colaboracionistas e da perda de emprego, no entanto, já não é o suficiente para calá-los. A juventude cubana está se rebelando.

Prever quando uma ditadura longeva vai se extinguir é impossível. A história mostra, contudo, que a derrocada dos tiranos quase sempre é precedida pelo surgimento de um grupo de pessoas tão saturado da falta de liberdade que já não teme a violência política. Cuba parece estar nesse estágio. Cinco anos atrás, era impensável ter jovens cubanos expondo o rosto e suas opiniões como os que aparecem nesta reportagem. Hoje, eles fazem questão de ser vistos e escutados. Reivindicam liberdade de expressão e o direito de usar a internet, viajar e seguir a profissão de seus sonhos. Raramente fazem parte de um grupo organizado (ainda que clandestino) de oposição, tampouco têm um projeto político. Apesar de não se considerarem dissidentes, são rotulados como tal, o que não é de estranhar em um país onde ou se está com o governo ou contra ele. Diz a blogueira Yoani Sánchez: "Em Cuba, basta respirar para ser dissidente". Que dizer quando se tem a ousadia de escrever frases de protesto nas roupas, de criar blogs para descrever a realidade do país ou de compor músicas denunciando o fracasso da economia planificada. Esses atos aparentemente solitários e quase ingênuos de rebeldia são arriscados. Muitos já foram presos e/ou apanharam da polícia. Desde o mês passado, a penitenciária de Santa Clara mantém o prisioneiro de consciência mais jovem da ilha, Danny Perez Rodriguez, de 18 anos. Seu crime: sair às ruas para gritar "Abaixo Fidel!" em protesto contra o fato de ter perdido o emprego apenas por ser filho de um preso político.

A coragem da juventude rebelde de Cuba deve muito ao exemplo dado pela dissidência pacífica formada nos anos 90, que conseguiu conquistar certa projeção internacional aproveitando-se da abertura ao turismo. A entrada de estrangeiros e de dólares foi a solução paliativa encontrada pelo governo cubano para compensar a perda do financiamento soviético, após a queda do Muro de Berlim, em 1989. O movimento de oposição foi em grande parte abafado em 2003 com a prisão de 75 dissidentes, no que ficou conhecido como a Primavera Negra. O episódio é relembrado todos os domingos pelas mulheres, irmãs e filhas dos presos políticos durante uma passeata pelas ruas de Havana. Vestidas de branco e armadas apenas com uma flor na mão, em referência à primavera, elas são agredidas por agentes do regime e forçadas a voltar para casa. Manifestações de rua são o tipo de protesto mais temido pelos irmãos Castro porque é o mais visível para a população. Por isso, o regime não poupa medidas para intimidar os manifestantes. Em novembro passado, por exemplo, o artista plástico Amaury Pacheco, de 40 anos, organizador de uma passeata em Havana pela não violência, foi preso por policiais e levado para a delegacia. O interrogatório durou três horas, tempo necessário para impedir que Pacheco participasse da passeata. Quando a sessão de tortura psicológica acabou, Pacheco recusou-se a ir embora. "Fiquei para explicar por que sou contra a violência", diz o artista plástico.

(Fotos:)
Na semana passada, aconteceu em Havana o Congresso da União de Jovens Comunistas (UJC), que vive uma crise de quadros
DESMOTIVAÇÃO
Ao completarem 32 anos, os jovens da UJC são convidados a ingressar no Partido Comunista de Cuba. Menos da metade deles tem aceitado o convite
FUGA EM MASSA
Neste ano, 3 600 jovens pediram a desfiliação da UJC em protesto contra o regime, um recorde
IDADE AVANÇADA
O controle da UJC está nas mãos de anciãos como Raúl Castro, de 78 anos, e José Machado Ventura, de 79

A vitalidade da UJC sustentava-se no fato de que fazer parte da organização era o caminho mais curto para conseguir os melhores empregos públicos (em uma economia estatizada como a cubana, praticamente todos) e os mais altos salários. Isso não existe mais. A técnica de contabilidade Claudia Cadelo, de 26 anos, por exemplo, chegou a trabalhar em um salão de beleza do governo onde ganhava o equivalente a 7 dólares por mês – o valor não dá nem para pagar uma hora de acesso à internet em um hotel. Insatisfeita, pediu demissão e foi vender roupas e sorvete nas ruas. Mais tarde, passou a dar aulas particulares de francês. Com isso, multiplicou por cinco sua renda. "Ninguém mais vê vantagem em trabalhar para o governo", diz Claudia, uma das blogueiras mais aguerridas da ilha e, por decisão da repressão castrista, persona non grata em eventos públicos. O esvaziamento dos empregos formais também está registrado na música El Comandante, da banda punk Porno para Ricardo. A letra diz: "Não seja tão estúpido, Coma Andante / Se quer que eu trabalhe / Vai ter de me pagar antes". A banda, que foi proibida de fazer shows em lugares públicos, burla a censura tocando em festas na casa de amigos e em terrenos baldios de Havana.
Os jornais do regime, como o Granma, o Juventud Rebelde e o Trabajadores, os únicos com direito a circular nacionalmente em Cuba, esforçam-se por difamar as vozes dissonantes no país acusando-as de ser financiadas pela CIA, o serviço secreto americano. "A mesma mentira, repetida durante cinco décadas, não se torna uma verdade", diz a blogueira Yoani Sánchez. Ela e outros cubanos críticos ao governo são pobres como quase toda a população e sobrevivem fazendo bicos. Yoani dá aulas de espanhol para estrangeiros e às vezes atua como guia turística informal. Há também os que recebem dinheiro de parentes que vivem no exterior. A dificuldade de conseguir um sustento mínimo é até maior para quem ousa expressar-se livremente ou frequentar shows clandestinos, porque o aparato estatal de repressão faz de tudo para atrapalhar. Os jovens mais ativos, por exemplo, são seguidos na rua por policiais à paisana e hostilizados pelos vizinhos. Seus encontros com estrangeiros são delatados por motoristas de táxi, quase todos ex-agentes do Ministério do Interior. Frequentemente, são detidos por algumas horas e depois liberados. Alguns são encarcerados por tempo indefinido. Nas contas de Elizardo Sánchez, diretor da Comissão Cubana de Direitos Humanos e Reconciliação Nacional, em Havana, três de cada quatro presos em Cuba têm menos de 35 anos. Cerca de 4 000 deles foram detidos com base no artigo de "periculosidade pré-delitiva", um estranho tópico da legislação cubana que permite ao governo prender qualquer indivíduo com base na suspeita de que ele possa, um dia, cometer um crime.

Entre as diferentes formas de protesto que se tornaram corriqueiras em Cuba, a mais extrema é a greve de fome. Em fevereiro passado, o pedreiro Orlando Zapata Tamayo morreu após ficar 85 dias sem comer na prisão. Ele protestava contra as condições degradantes da cadeia. Em seguida, o psicólogo e jornalista Guillermo Fariñas parou de se alimentar e de se hidratar para pedir a libertação de 26 presos políticos que enfrentam problemas de saúde. Na semana passada, a greve de fome de Fariñas completou 47 dias. Ele só permanecia vivo porque, após perder a consciência, foi internado e forçado a receber alimentação parenteral, injetada diretamente na veia do braço. Raúl Castro, que herdou de seu irmão Fidel o posto de ditador, chamou Fariñas de chantagista e o acusou de ser financiado pelos Estados Unidos. "Se alguma vez meu filho foi mercenário, foi quando lutou como soldado cubano na guerra civil de Angola, pago pela União Soviética", diz Alícia Hernandez, de 72 anos, mãe de Fariñas. Ela convidou a reportagem de VEJA para conferir o que preparava no fogão para o jantar. A comida que mal dava para uma pessoa teria de alimentar três: ela, a filha e a neta. Mais do que as acusações do governo cubano, no entanto, o que mais ofendeu Alícia foi o fato de o presidente Lula ter comparado Fariñas aos prisioneiros comuns brasileiros. "Meu filho não matou e não roubou: tudo o que ele faz é pelos outros", diz Alícia.
O sacrifício de Zapata e Fariñas é visto com admiração pela juventude cubana. Mas, ao contrário desses dissidentes, que um dia acreditaram no regime cubano e acabaram se desiludindo, os jovens de hoje nunca abraçaram de fato a ideologia comunista. Eles fazem parte de uma geração consciente de ser fruto de um experimento histórico fracassado que, criado pelas armas e viabilizado pelos pelotões de fuzilamento, se mantém há meio século. A angústia básica dos jovens cubanos é simplesmente não ter futuro. "A história da revolução e os ditames do partido comunista não têm a menor importância para eles", diz o economista Oscar Espinosa Chepe, de Havana. "Eles olham para a frente e querem uma vida melhor, com mais liberdade." O veterano dissidente recorda que, há cinco anos, apenas ele e meia dúzia de pessoas criticavam o castrismo abertamente. Hoje, são milhares. Uma das medidas do vigor desse fenômeno é a debilidade da organização que se propõe a renovar os quadros do partido comunista, a União de Jovens Comunistas (UJC). Na semana passada, havia mais rapazes e moças se prostituindo no centro histórico, nos hotéis e no Malecón, a avenida costeira de Havana, do que discutindo o futuro do comunismo no congresso da UJC. O evento foi presidido por Raúl Castro e José Ramón Machado Ventura, um jovem combativo de 79 anos. A única função dos participantes com menos de duas décadas de vida é balançar bandeirinhas de Cuba, como demonstrou a presença de Elian González, de 16 anos. Em 1999, aos 6 anos, Elian tornou-se o centro de uma disputa entre Cuba e Estados Unidos depois de ser encontrado em uma jangada no litoral da Flórida. Sua mãe e outros refugiados haviam morrido na tentativa de escapar da ilha-prisão. Por decisão da Justiça americana, o garoto foi devolvido ao pai, que vive em Cuba. Elian passou dez anos isolado da realidade cubana e só é convocado em datas comemorativas da Revolução Cubana, para emprestar seu rosto conhecido à propaganda castrista.

Se ainda há um grande número de jovens ousados fora das cadeias, isso é resultado do uso inteligente que eles fazem da internet. "Se o governo prendesse, hoje, um grupo grande de pessoas, como aconteceu em 2003, a reação interna e externa seria muito maior", diz o dissidente Vladimiro Roca, que foi detido na Primavera Negra e solto depois por razões de saúde. Um exemplo prático desse fenômeno aconteceu em 2008, quando o vocalista da banda Porno para Ricardo, Gorki Águila, foi preso com base na lei de periculosidade pré-delitiva. A pena prevista era de quatro anos de cadeia. A presença de embaixadores, dissidentes, artistas, jornalistas estrangeiros e dezenas de jovens no dia do julgamento inibiu os algozes. Gorki foi liberado. As ditaduras de direita têm data de validade. As de esquerda se presumem eternas. Ambas acabam tendo seu encontro amargo com a história. É esse processo que os jovens cubanos estão apressando com seus blogs, camisetas e seus hinos hip-hop.

(Fotos em cada um dos boxes abaixo)
"Abaixo Fidel"

No dia 29 de outubro de 2008, Lia Villares, de 25 anos, saiu de casa às 9h30 da manhã com a frase "Abaixo Fidel", escrita a caneta azul em seu tênis. Enquanto esperava o ônibus, foi abordada por uma policial, que a levou para a delegacia. Lia foi interrogada por dois homens e depois liberada. No mesmo dia, a história já estava em seu blog na internet. Ela ainda conseguiu que seu tênis da rebeldia não fosse confiscado. Meses depois, Lia saiu com dois amigos pelas ruas de Havana perguntando aos pedestres: "Abaixo quem?". Alguns se recusaram a responder. Os mais jovens, porém, falavam o nome dos irmãos Castro. A "pesquisa" durou duas quadras. Na esquina, três viaturas esperavam os amigos, uma para cada um. O trio dormiu na delegacia. Diz Lia.

"59, o Ano do Erro"

Ex-funcionário de um pequeno escritório de serigrafia, Gorki Águila, de 41 anos, é um ídolo da juventude de Cuba. Vocalista da banda punk Porno para Ricardo, foi preso duas vezes (acima). Na primeira, ficou dois anos na cadeia. "A cela era tão pequena que eu encostava nas duas paredes opostas ao mesmo tempo", diz. Em liberdade condicional, tornou-se ainda mais explícito em suas críticas ao regime. Em O General, ele fala de Raúl Castro: "A m... continua". Gorki é mais efetivo ainda nas frases que estampa em camisetas. Dois exemplos: "59, o Ano do Erro" (os irmãos Castro tomaram o poder em 1959) e "Che Guevara, o Assassino do Povo Cubano" (o médico e motoqueiro argentino Ernesto Guevara foi encarregado pelos Castro das execuções sumárias por fuzilamento que vitimaram centenas de cubanos).

Um rapper incômodo

Aldo Roberto Rodríguez, de 27 anos, é o líder do grupo de rap Los Aldeanos. As letras de suas músicas não usam subterfúgios para falar da realidade cubana. Em Contrarrevolucionário, ele dispara: "Falo do que estou vendo / Para ninguém é segredo / Que o sistema não funciona / Educação gratuita/ Potência médica / Dizem que temos bons doutores / Mas nenhum deles está aqui". Há dois anos, Aldo começou a ser censurado e hoje está proibido de cantar em lugares públicos. De pouco adianta. É praticamente impossível andar pelas ruas de Havana sem ouvir suas músicas no volume máximo rasgando as caixas de som dentro das casas. "Não importa se não faço shows, as pessoas me escutam", diz o rapper. "Vou continuar incomodando."

Escola de blogueiros

A autora do diário virtual Generación Y, Yoani Sánchez, de 34 anos, é a madrinha dos blogueiros cubanos. Em outubro do ano passado, ela deu início à Academia Blogger, na sala de seu apartamento, em Havana. Trinta pessoas frequentaram o curso gratuito de quatro horas por dia, duas vezes por semana. Durante os seis meses que durou o curso, quatro alunos foram presos einterrogados. Ouviram dos policiais que a escolinha de Yoani era um partido político e que deveriam tomar cuidado. Nenhum deles desistiu. "A intimidação não funciona mais como antes. Os cubanos estão perdendo o medo", diz Yoani, que já foi espancada na rua por agentes da repressão.

Amanhã será outro dia

A professora particular de francês Claudia Cadelo não pode entrar em cinemas, salas de exposição e museus. O motivo da proibição é seu blog Octavo Cerco, em que escreve sobre a realidade do país. Em fevereiro deste ano, Claudia e seu marido foram impedidos de assistir a uma mostra de filmes. O barraco armado pelo casal foi registrado com um aparelho de celular e colocado no blog. No vídeo, pode-se ver Claudia gritando para um policial desconcertado: "Eu não vou entrar porque você tirou o meu direito. Mas isso não é um direito seu. Hoje você desfruta a impunidade, mas amanhã não será mais assim". Depois do episódio, Claudia entrou com uma ação na Procuradoria-Geral da República para contestar o ostracismo cultural a que é submetida. O processo foi ignorado.

Condenado a pintar paisagens
O maior sonho do artista plástico Yussuán Remolina, de 26 anos, é fazer telas inspiradas em personagens de quadrinhos. Para sobreviver em Cuba, porém, sua primeira ideia foi pintar quadros com imagens de pontos turísticos e vendê-las em uma feira de antiguidades. Remolina não recebeu a autorização do governo para tal e desistiu. Mais tarde, fez uma exposição com retratos de soldados cubanos. Na inauguração do evento, funcionários do governo disseram que, ao retratar seus colegas dos tempos de serviço militar, Remolina estava cometendo o crime de culto à personalidade. O jeito, então, foi limitar-se a pintar paisagens. "Eu preferiria que Cuba voltasse à realidade de antes da revolução. Tenho certeza de era melhor do que hoje", diz Remolina.

O médico dos direitos humanos
Em 1997, o então estudante de medicina Ismely Iglesias Martinez foi chamado para medir os sinais vitais do dissidente político Guillermo Fariñas, em sua primeira greve de fome. Iglesias foi orientado a não conversar com o paciente. Revoltado, pediu baixa da União de Jovens Comunistas. Após a formatura, em 2000, foi enviado a hospitais distantes como punição. Depois de organizar protestos com os pacientes para pedir melhores condições de higiene, Iglesias perdeu o emprego. Foi ele quem, no mês passado, levou Fariñas ao hospital quando o dissidente perdeu a consciência durante sua atual greve de fome (acima). A esposa de Iglesias, engenheira, teme perder o emprego. "Eu disse a ela que, se isso ocorrer, vou pescar para sobreviver", diz o médico.

(Foto:)
PRATELEIRAS VAZIAS
Mercado em Cuba: leite, só para crianças ou para os turistas

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Addendum: apenas para lembrar, neste mesmo momento:

GUILLERMO FARIÑAS DIJO QUE "ACEPTA EL RETO" DE CASTRO

LA HABANA - El disidente cubano Guillermo Fariñas asumió como un "reto" la advertencia del presidente Raúl Castro de que no cederá al "chantaje" de las huelgas de hambre, y dijo este lunes que "ahora más que nunca" continuará "hasta morir" su ayuno iniciado hace 40 días. "Ahora más que nunca es que hay que continuar la huelga de hambre, porque lo que lanzó Raúl fue un reto (...) y le aceptamos el reto y vamos a morir con toda la dignidad", declaró telefónicamente a la AFP Fariñas desde el hospital provincial de Santa Clara, 280 km al este de La Habana, donde fue hospitalizado el 11 de marzo.
"No me tomó por sorpresa esta actitud intransigente de Raúl", porque "siempre hemos dicho que el gobierno cubano ha demostrado históricamente que actúa de manera irracional", añadió el sicólogo de 48 años, periodista de una agencia de noticias independiente en internet.
Al clausurar el domingo un congreso de la Unión de Jóvenes Comunistas de Cuba (UJC), Raúl Castro dijo que "pase lo que pase" no cederá al "chantaje" en el caso de Fariñas, a quien volvió a responsabilizar del desenlace que pueda tener la protesta.
Las criticas
"Llama chantaje a una petición de un ciudadano y no analiza que llevan 50 años y más chantajeando al pueblo de Cuba con el terror impuesto por el comunismo", opinó Fariñas, quien inició su huelga de hambre el 24 de marzo para exigir la libertad de 26 presos políticos enfermos.
El opositor dijo sentirse "bastante bien" y subrayó que luego de que Raúl Castro "anunciara que nos van a dejar morir", "todo está dicho" por lo que afirma estar en "huelga de palabra" con el gobierno.
"Invitamos al mundo a que contemple la crueldad y la falta de humanismo de este régimen", expresó Fariñas, que comenzó su protesta un día después de que muriera el preso político Orlando Zapata, tras dos meses y medio de huelga de hambre en reclamo de mejores condiciones carcelarias.
La madre de Fariñas, Alicia Hernández, declaró a la AFP que su hijo está "muy deteriorado" y que "en cualquier momento cae en estado de coma".
Via: Las noticias de la web

2068) A arte da improvisacao (elevada ao cubo...)

Todos nós improvisamos, de certa maneira, pois raramente temos tempo e disposição para sentar, colocar no papel todos os elementos de uma dada questão, calcular todos os custos e alternativas e dai então, só depois de tudo isso, aí sim tomar uma decisão com base na melhor informação disponível, contando os nossos tostões (ou milhões, dependendo do caso) e aceitando os custos e benefícios da decisão adotada.
Isso, em economia, se chama custo-oportunidade, ou seja, quanto renderia aquele seu dinheiro empregado em diferentes alternativas, sendo que algumas alternativas são obrigatórias; por exemplo, ninguém pode deixar de comer, mas pode-se escolher comer caviar e foie-gras, ou ficar mesmo no feijão com arroz, dependendo da sua renda e gostos pessoais.
A prudência, a racionalidade ou o simples bom-senso nos recomendam fazer isso na maior parte das vezes, para maximizar nosso bem-estar, como dizem os economistas da escola marginalista (ou seja, empregar os seus recursos sempre limitados na maior extensão possivel).
Parece que o governo brasileiro não faz isso, mesmo dispondo de Ministério do Planejamento, IPEA e, sobretudo, uma Empresa de Planejamento Energético.
Não se trata de algo distante, pois é, simplesmente, a terceira maior hidrelétrica do mundo, depois de Três Gargantas (China) e Itaipu. Ou seja, se trata do seu, do meu, do nosso dinheiro, pois todos vamos pagar a construção, e depois a energia elétrica fornecida.
O artigo abaixo do conhecido comentarista econômico do Estadão nos comprova, mais uma vez, que este governo vive de improvisão.
Isso pode custar caro, muito caro (sem mencionar a corrupção inevitavelmente associada a todo e qualquer grande projeto público).
Paulo Roberto de Almeida
Shanghai, 11/04/2010

Jogo pesado
Celso Ming
O Estado de S.Paulo, 9 de abril de 2010

A construção da hidrelétrica do porte da Usina de Belo Monte está sendo decidida sem que antes estejam equacionados enormes conflitos de interesse. Aparentemente, o acirramento desses conflitos poderia ser evitado se o governo federal não estivesse forçando demais os resultados.

O Ministério do Meio Ambiente atrasou um ano a liberação da licença ambiental e o edital saiu apenas a 20 dias do leilão, agendado para 20 de abril.

Será a terceira hidrelétrica do mundo, com potência instalada de 11,2 mil MW, inferior apenas à de Três Gargantas (na China) e à de Itaipu (no Brasil e Paraguai). É o maior negócio no gênero do momento, orçado pelo governo em R$ 19 bilhões (US$ 10,7 bilhões), magnitude considerada baixa demais pelos concorrentes à licitação, que projetam até R$ 30 bilhões (US$ 17 bilhões).

Será construída no Rio Xingu, no município de Altamira (PA), onde não há infraestrutura. Imagine a logística necessária para instalar 18 mil funcionários; construir perto de 9 mil casas; abastecer o canteiro de obras e levar para lá máquinas, materiais de construção e 29 gigantescas turbinas previstas no empreendimento.

E lá estão em choque interesses de todo tipo: os direitos das 16 etnias indígenas e das 6 mil famílias que vivem na região; as questões ambientais que advirão da inundação de 516 quilômetros quadrados; o jogo da corporação estatal incrustada na Eletrobrás; as cartadas do governo que elegeu a licitação da obra como grande trunfo eleitoral; e os interesses locais que esperam ganhar dinheiro com o que vier junto.

A Empresa de Pesquisa Energética (EPE), presidida por Maurício Tolmasquim, já cometeu graves erros de avaliação no passado e pode estar cometendo mais um ao subavaliar o valor da obra. Boa parte das empreiteiras vem usando e abusando das pressões por mais verba. A Odebrecht, por exemplo, é campeã nisso. Em 2007, contestou até o último instante o preço teto previsto no edital da Usina Santo Antônio, no Rio Madeira (RO), mas acabou aceitando um deságio de 35%.

E o governo federal é useiro em fixar preços iniciais mais baixos destinados a facilitar a viabilidade financeira da obra, mas depois vai aceitando argumentos para engolir contas extras. Furnas, por outro lado, pode ser enfiada na história apenas para garantir a viabilidade em quaisquer condições por estar em jogo o interesse do setor estatal.

O valor compatível com o orçamento de R$ 19 bilhões puxaria uma tarifa de energia de R$ 83 por MWh, o preço máxima da licitação, mais do que o dobro pago pela energia gerada pelas atuais hidrelétricas brasileiras e que poderá saltar para muito mais se o orçamento for revisto. Mas, ainda assim, trata-se de uma energia mais barata do que a produzida por termoelétricas ou por turbinas eólicas.

Afora isso, o governo Lula escolheu o leilão como evento destinado a fazer sucesso, porque Belo Monte é a principal obra do PAC, cuja mãe é Dilma Rousseff, a candidata do governo à Presidência. E vai manobrando para que se formem consórcios fantasmas ou técnica e financeiramente incapazes de tocarem o projeto. Puxa os administradores da Eletronorte, do BNDES e dos fundos de pensão para pagarem a conta dos subsídios que fazem parte do financiamento da obra.

Difícil saber onde em todo esse emaranhado está o interesse público, que deve nortear todo empreendimento social.

2067) A arte da bajulacao (elevada ao quadrado...)

Em modo extremo
J. R. Guzzo
Revista Veja, edição 2160 - 14 de abril de 2010

"Lula não corrige nenhum dos erros que comete, pois acabou convencido de que não erra nunca; além disso, é estimulado o tempo todo a continuar errando"

O brasileiro comum, do tipo que não pode nomear parentes nem agregados para "cargos em comissão" no serviço público, raramente tem a oportunidade de ser bajulado. Em compensação, passa a vida pagando pelos estragos causados pela bajulação praticada em escala maciça, e todos os dias, nas esferas mais altas do governo – a começar pela esfera mais alta de todas. Não existe uma única alma, ali, capaz de admitir que possa haver algum erro, mesmo de pequeno porte, em qualquer coisa que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva diga, faça ou pense. O resultado é que Lula não corrige nenhum dos erros que comete, pois acabou convencido de que não erra nunca; além disso, é estimulado o tempo todo a continuar errando. A conta, como de costume, é paga pelo público em geral. Como poderia ser diferente, quando as pessoas com quem Lula fala e convive diariamente estão dispostas a tudo para deixar claro, claríssimo, que ele tem sempre razão, seja lá no que for?

O presidente, por sua própria iniciativa, já se acha a obra mais bem-acabada que a história do Brasil conseguiu produzir até hoje. Fica ainda mais convencido disso, naturalmente, quando é chamado por seus ministros e principais mandarins de "Nosso Mestre", "Nosso Guia" ou "Nossa Luz", e passa o dia inteiro cercado de gente cuja grande preocupação na vida é dar um jeito de dizer só o que ele quer ouvir. Ou então não dizer, de jeito nenhum, o que ele não quer ouvir. Talvez ninguém tenha resumido melhor essa questão do que a ex-ministra Dilma Rousseff, pré-candidata oficial nas próximas eleições presidenciais. Questionada recentemente sobre o que achava da situação dos presos políticos em Cuba, que Lula havia acabado de comparar com "bandidos" de São Paulo, Dilma mostrou que só pensa naquilo – como concordar com o chefe. "Vocês não vão tirar de mim nenhuma crítica ao presidente Lula", respondeu aos jornalistas. "Nem que a vaca tussa." A candidata, em suma, não disse nada sobre a liberdade em Cuba. Ao mesmo tempo, disse tudo sobre o padrão de conduta hoje em vigor no governo.

Até algum tempo atrás, com seus índices de popularidade que não param de subir, Lula parecia satisfeito em ouvir de seus auxiliares, concordando 100% com eles, que é o maior presidente que o país jamais teve. Hoje já começa a dar a impressão de que está se sentindo grande demais para caber nas fronteiras do Brasil. "Eu gostaria que todos os governantes do mundo agissem como eu ajo", disse ele numa de suas recentes viagens ao exterior. Ultimamente deu para achar que o Brasil tem condições de resolver o problema do Oriente Médio, que está aí pelo menos desde 1948, ou de convencer os aiatolás do Irã a utilizar de maneira construtiva a bomba atômica que, segundo se suspeita, estão fabricando. Imagina que a melhor maneira de amansar ditadores é ficar amigo deles, e vive ouvindo de seus colaboradores que é um grande nome para chefiar as Nações Unidas depois que acabar seu mandato presidencial; aparentemente, até agora, vem achando muito natural essa possibilidade.

É óbvio que não se pode esperar nada muito diferente disso; a Presidência da República, aqui ou em qualquer lugar do mundo, é um ecossistema voltado para a sobrevivência dos mais aptos a bajular, obedecer e dissimular o que pensam. Tome-se, por exemplo, o caso da Casa Branca, onde a palavra "transparência" tem um valor quase religioso, pelo menos no discurso oficial da política americana. Ninguém que tenha um gabinete ali dentro sairia de casa de manhã, rumo ao trabalho, prometendo a si próprio: "Hoje eu vou dizer umas boas verdades a esse Obama". Se disser, serão as suas últimas palavras no emprego – o índice de mortalidade na carreira é altíssimo para pessoas que querem, ao mesmo tempo, servir a presidentes da República e manter intacta a sua sinceridade. Na verdade, a história se repete em qualquer lugar, público ou privado, onde alguém manda. O máximo que se consegue nesses ambientes, em matéria de crítica, são comentários do tipo: "O grande defeito do chefe é que ele trabalha demais". Ou é perfeccionista demais, sincero demais, confia demais nas pessoas, e por aí afora.

O problema, nos casos de bajulação em modo extremo como a que existe hoje em torno do Palácio do Planalto, é que o governo já começa a achar que a ausência de aplauso é uma anomalia; algo tão incompreensível que só pode ser má-fé. "Eu inaugurei 2 t000 casas e não vi uma nota no jornal", espantou-se o presidente tempos atrás. É nisso que veio dar essa história de "Nosso Mestre"...

sábado, 10 de abril de 2010

2066) Todos cometemos erros, inclusive este que aqui escreve...

Um pouco de modéstia e autocrítica não fazem mal a ninguém (inclusive a mim mesmo)

Como lembrou-me o visitante, ou leitor habitual deste blog, José Marcos, no comentário ao post anterior a este, todos nós cometemos errus (ele escreveu deliberadamente assim, como falamos), posto que (e ele também me corrigiu o emprego desta expressão, que eu venho utilizando de forma inadequada como uma relação causativa) a língua portuguesa, por suas nuances gramaticais e peculiaridades estilísticas, é por demais complexa, eivada de regras e condicionalidades acumuladas ao longo do tempo, ou impostas por "çábios" da Academia (como já escreveu alguém, talvez o Millor Fernandes, no que foi copiado por muitos, inclusive um jornalista famoso, que pretende dar lições de mora a gregos e goianos).

Concordo com o José Marcos, e também devo penitenciar-me pelos muitos erros que cometo em meus textos, motivados seja pela pressa em escrever -- e nesse caso se trata de simples erros de digitação, de ortografia mais comumemente --, seja por deficiências de estilo (não sou partidário da tese segundo a qual "o estilo faz o homem"), seja ainda por impropriedades substantivas que fui adquirindo ao longo da vida, de minha notória insuficiência no estudo da língua e pela persistência nessas deformações gramaticais e estilísticas (aquela coisa de hábitos arraigados).

Sou grato ao José Marcos por trazer-me de volta à Terra, demonstrando ele, cabalmente, como somos todos falhos em nossa redação escrita e em nossa expressão oral, o que deveria levar-nos a ter mais modéstia pessoal e exercer um pouco contenção na exposição e condenação dos erros alheios.
Sim, é verdade, sempre se poderá apontar nossos próprios erros de redação, para nos trazer de volta à realidade e parar com essa mania censória e passavelmente autoritária de pretender corrigir erros alheios, mesmo daqueles que manifestamente estavam apenas interessados em se fazer ouvir num espaço aberto como este.
Estou consciente disso, penitencio-me pelo meu "faux pas" e agradeço uma vez mais ao José Marcos por ter-me lembrado desta realidade tão simples.

Falando agora em meus próprios erros de redação -- e eles são tantos que seria fácil a um leitor mais crítico apontar-me uma penca deles -- devo dizer o seguinte. De fato, eu tenho inúmeras falhas em meus textos, algumas graves, outras menos graves. As mais graves são certamente as impropriedades redacionais, ou linguísticas, algo equiparado a crimes se estivéssemos aplicando o Código Penal, ou seja, contravenções manifestas contra a língua portuguesa. Sim, sou criminoso, contumaz e reincidente, podendo apenas alegar em minha defesa que jamais estudei gramática, nunca me dediquei a decorar as regras da boa escrita e da redação correta, simplesmente porque não tenho paciência, tempo, disposição para ler manuais (nunca os leio, mesmo dos aparelhos eletrônicos mais complexos, sempre pedindo ajuda a alguma criança para fazê-lo por mim).
Eu simplesmente aprendi a ler, e comecei a ler desbragadamente, sem jamais parar, ou melhor, apenas parando para escrever, que também é um ato de ler...
Sem ter tido disposição ou o cuidado de me remeter à Senhora Gramática, eu só posso cometer atentados contra ela em todas as vezes em que escrevo.
Deve ter sido a "má influência" de Monteiro Lobato e sua "Emília no País da Gramática", onde o grande escritor paulista desafia aquela velha ranzinza e lhe aplica uma cura forçada de inovações nem sempre permitidas pelas boas regras de redação.

Enfim, eu comecei a escrever, errado, como todos fazemos, e nunca mais parei, daí minha tendência em incorrer em determinados erros repetitivos que são como deformações lamarckianas, adquiridas e repassadas ao longo de toda uma vida. Desculpo-me com meus leitores por isto. Pretendo mais ter o que dizer, do que preocupar-me com a forma de fazê-lo, o que também é um erro.
Sim, uma vez que introjetamos um erro, fica difícil desvencilhar-se dele nas fases seguintes, sobretudo quando não se dispõe de alguma alma piedosa para nos alertar e corrigir esses erros. Eles ficam grudados no subconsciente e daí à eternização é um pequeno passo muito facilmente transposto.

Depois tem a questão do estilo, minha horrível prolixidade, frases muito longas, apostos intermináveis, contrademonstrações no meio do parágrafo, enfim, uma maçaroca de ideias, conceitos e informações que sobrecarregam as minhas frases, tornando-as pesadas, difíceis de compreender, quase ilisíveis para alguém que pretende incorporar rapidamente alguma nova ideia ou informação. Desculpo-me por isso também e sempre achei que esses meus maus hábitos tivessem algo a ver com a chamada "Escola Paulista de Sociologia", quando ela talvez tenha apenas a ver com as peculiaridades do estilo florestânico, ou seja, da maneira de escrever de Florestan Fernandes, um dos meus mestres no aprendizado das Ciências Sociais.

Bem, fica aqui a adevertência sempre bem vinda do José Marcos, e um alerta ao leitor: policie-se, em seu próprio estilo e maneira de redação, para não incorrer nos mesmos erros que eu.
Pior, aliás, do que simples erros gramaticais, são a soberba e a arrogância na defesa de seus próprios argumentos. Devemos sempre estar abertos à revisão e à ponderação dos demais.
Muito grato José Marcos, por trazer-me de volta à Terra.

Paulo Roberto de Almeida
(Shanghai, 11.04.2010)

2065) Todos sao bem vindos, mesmo os que tropecam nas palavras

Blogs, por definição, estão abertos a todos, jovens, aborrecentes, maduros, estudantes e aqueles que ainda deveriam estudar...
Digo isto porque de vez em quando recebo um comentário que não sei se devo publicar ou simplesmente rejeitar. Em nome da democracia, do potencial educativo do meu blog, acredito que todos devem ter uma chance de se expressar, desde que os comentários sejam pertinentes ao tema em questão.
Mas, por vezes hesito sinceramente em fazê-lo, tendo em vista certas coisas que pessoas normais normalmente teriam certa dificuldade em aceitar, como agressões muito claras à língua pátria. Mas, como não sou guardião da pureza da lingua.
Vejam apenas dois exemplos num comentário que me chegou recentemente (não importa o tema):

"...essas bousas (Familia, Gás, Reclusão e etc...) isso na minha opinião é apenas uma forma de compra de Votos, pois acho que quando se você quer ajudar uma pessoa que precisa, nunca você deve dar o "Peixe" mais sim uma "vara e ensinar a pescar", e quando algum politico foi até a familia de trabalhador (que quando voltava do trabalho foi assaltado e morto por uma bandido que hoje esta preso e Comendo, bebendo, dormindo e recebendo "Salario", Pago por nós e pela familia de quem ele matou) perguntar se estão passando por dificuldades finaceiras, sem pedir seu voto em troca... (pensem nisso)

Agora Esse Blog é muito entereçante por abordar..."

Bem, o resto não estava tão estropiado quanto essas duas passagens acima, mas elas são de doer, confessemos tout de suite...

Cada vez que eu vejo coisas como essa, assusta-me o futuro do Brasil, que será ainda um pouquinho (ou talvez bastante) pior do que o atual em matéria de ensino, refletindo as políticas que estão sendo praticadas atualmente.
Sorry, meus jovens, vocês vão continuar a ter uma educação miserável, do kindergarten à universidade, e quem sabe até o mestrado?!!

Paulo Roberto de Almeida
(Shanghai, 11 de abril de 2010)

2064) O Brasil conciliador com o Iran, na visao de um americano

Interessante que no caso de Honduras, um país sem a importância do Irã, o Brasil foi tudo menos conciliador...

think.
Brazil and Its Global Agenda
Stanley Foundation, April 2010

(Editor’s Note: Stanley Foundation program officer David Shorr recently visited Brazil where he held a series of conversations with members of Brazil’s foreign policy community. This article is a summary of his perspectives on Brazil’s role in the world.)

In mid-March, Brazilian President Luiz Ignacio Lula da Silva visited the Middle East on a five-day swing through Israel, Jordan, and the Palestinian Authority. The trip aptly symbolized the growing influence of a country whose recent rise in global stature is exceeded only by China and India. Behind the symbolism, of course, was the famously charismatic leader’s effort to exert Brazil’s diplomatic influence on some of the world’s most sensitive and prominent challenges—Middle East peace and the Iranian nuclear program. That effort has, in turn, prompted a nascent debate over Brazil’s global political role.

In interviews prior to his visit, Lula professed his strong belief in the power of dialogue to resolve conflicts such as the Israeli-Palestinian clash as well as the peacemaking contribution Brazil can make, given its generally amicable relations with most other nations. Beyond the question of whether, as President Lula claims, a new set of interlocutors can be more successful in bringing Middle East peace, there’s the matter of how much diplomatic heavy lifting Brazil can or should handle.

Recent global shifts have not only boosted the influence of emergent powers like China and Brazil, they have also brought an agenda of challenges (climate change, nonproliferation, economic development) that are harder to solve—that will require more than just a few decisions by a few key powers. This seems to argue for an all-hands-on-deck approach to international cooperation and leadership. Not just for Brazil, but any influential nation that can help with the lifting.

To say that Brazil should be an international leader—beyond its inevitable role in the Western Hemispheric region—leaves room for debate regarding whether and how it could do so. The dilemmas of the Iran case are already serving as somewhat of a test. President Lula has cultivated good relations with Iranian leader Mahmoud Ahmadinejad, just as international pressure is mounting for Iran to give added transparency and reassurance that its nuclear program is civilian. This certainly fits with the strategy of being “friend to all.” Yet it also begs the question of whether conciliation rather than pressure in response to another nation’s actions is always the best path to peace.

—David Shorr

Postagem em destaque

Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...