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domingo, 1 de junho de 2014

Companheiros tentam fazer um golpe branco - Editorial O Globo

Os companheiros querem economizar uma revolução comunista. Que vergonha!
Deveriam passar à ação, em lugar de tentar implantar uma ditadura de mansinho, quase clandestinamente.
Já não se fazem mais revolucionários como antigamente.
Os de hoje são covardes, poltrões, têm vergonha de assumir suas verdadeiras intenções.
Em todo caso, cabe denunciá-los a cada vez...
Paulo Roberto de Almeida

Decreto agride democracia representativa
Editorial O Globo, 1/06/2014

É no Congresso que se criam mecanismos de participação da sociedade em decisões de governo. Criar esses instrumentos na base da canetada é golpe de gabinete

A democracia representativa, com a escolha dos representantes da sociedade pelo voto direto, bem como a independência entre os Poderes, é alvo prioritário do autoritarismo político. A desmontagem do regime representativo costuma começar pela criação de mecanismos de “democracia direta”, para reduzir o peso do Congresso na condução do país.

É por este ângulo que deve ser analisado o surpreendente decreto nº 8.243, baixado na sexta-feira da semana passada pela presidente Dilma, para criar a “Política Nacional de Participação Social — PNPS". O objetivo é subtrair espaço do Legislativo por meio de comissões, conselhos, ouvidorias, “mesas de diálogo”, conferências nacionais, várias novas instâncias a serem criadas junto à administração direta e até estatais, sempre em nome da participação social. Sintomático que a PNPS esteja subordinada ao ministro secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, representante dos ditos “movimentos sociais” no Planalto. Há várias surpresas no ousado ato. A primeira, rever o regime de democracia representativa por decreto.

Mecanismos de participação do cidadão em decisões de governo são um tema em debate no mundo, para se aperfeiçoar a democracia representativa. Plebiscitos e referendos têm sido usados com frequência em democracias maduras como a americana. Os próprios avanços tecnológicos no mundo digital são ferramenta importante para aproximar a sociedade do Estado. Mas não se avança nesta direção por decreto, algo como um golpe de Estado na base da canetada.

Outra surpresa, até pela ousadia, é que o decreto formaliza em lei a estratégia antiga de aparelhamento da máquina pública por aliados político-ideológicos do PT. Pois não é difícil imaginar os critérios pelos quais serão escolhidos os representantes da “sociedade civil” para participar de comissões, fóruns, mesas etc. Um dos resultados desta infiltração de partidos e grupos no Estado tem sido, cabe lembrar, casos de corrupção e desmandos, como os denunciados na Petrobras.

O sentido autoritário do decreto denuncia sua origem. Ele sai dos mesmos laboratórios petistas que engendraram a "assembleia constituinte exclusiva" a fim de fazer a reforma política — atalho para se mudar a Constituição ao bel-prazer de minorias militantes —, surge das mesmas cabeças que tentaram controlar o conteúdo da produção audiovisual do país via Ancinav, bem como patrulhar os jornalistas profissionais por meio de um conselho paraestatal. Tem a mesma origem dos idealizadores da “regulação da mídia”.

Além de tudo, a PNPS tornará ainda mais impenetrável a burocracia pública, já uma enorme barreira à retomada de investimentos. Ou seja, também na economia, o decreto vai na contramão de tudo o que o país necessita.

O assunto precisa ser discutido com urgência no Congresso e levado ao Supremo pelo Ministério Público e/ou instituições da sociedade.


O poeta come amendoim - Mario de Andrade (1924)


Alguém me pergunta o significado deste poema, colocado por mim faz algum tempo já (para ser mais exato em novembro de 2007).
Não tenho intenção de responder, pois acho que ninguém deve explicar o significado de um poema, basta apreciá-lo.
Por isso coloco novamente aqui:

804) Pausa para a poesia: Mario de Andrade
Sempre tive paixão por duas estrofes, tão somente, deste poema de Mario de Andrade:

"Progredir, progredimos um tiquinho
Que o progresso também é uma fatalidade..."

Da poesia: "O poeta come amendoim" (1924)

Noites pesadas de cheiros e calores amontoados...
Foi o sol que por todo o sítio do Brasil
Andou marcando de moreno os brasileiros.

Estou pensando nos tempos de antes de eu nascer...

A noite era pra descansar. As gargalhadas brancas dos mulatos...
Silêncio! O imperador medita os seus versinhos.
Os Caramurus conspiram à sombra das mangueiras ovais.
Só o murmurejo dos cre'm-deus-padre irmanava os homens de meu país...
Duma feita os canhamboras perceberam que não tinha mais escravos,
Por causa disso muita virgem-do-rosário se perdeu...

Porém o desastre verdadeiro foi embonecar esta República temporã.
A gente inda não sabia se governar...
Progredir, progredimos um tiquinho
Que o progresso também é uma fatalidade...
Será o que Nosso Senhor quiser!...

Estou com desejos de desastres...
Com desejo do Amazonas e dos ventos muriçocas
Se encostando na canjerana dos batentes...
Tenho desejos de violas e solidões sem sentido...
Tenho desejos de gemer e de morrer...

Brasil...
Mastigando na gostosura quente do amendoim...
Falado numa língua curumim
De palavras incertas num remelexo melado melancólico...
Saem lentas frescas trituradas pelos meus dentes bons...
Molham meus beiços que dão beijos alastrados
E depois semitoam sem malícia as rezas bem nascidas...

Brasil amado não porque sejam minha pátria,
Pátria é acaso de migrações e do pão-nosso onde Deus der...
Brasil que eu amo porque é o ritmo no meu braço aventuroso,
O gosto dos meus descansos,
O balanço das minhas cantigas amores e danças.
Brasil que eu sou porque é a minha expressão muito engraçada,

Porque é o meu sentimento pachorrento,
Porque é o meu jeito de ganhar dinheiro, de comer e de dormir.


Soldados na Amazonia: um relato impressionista

Impressionista no sentido de ser subjetivo, não como afiliado à corrente francesa de pintura, obviamente.
Em todo caso, cabe prestar uma homenagem a esses homens que fazem um trabalho admirável de integração social, o único que deveria ser feito com esse mesmo sentido de nação, sem o assistencialismo habitual dos companheiros.
Paulo Roberto de Almeida

A FORÇA DOS MILITARES NA AMAZÔNIA
Uma visão da ação dos militares na Amazônia.

Perfilados, os soldados aguardaram em posição de sentido, sob o sol do meio-dia. Eram homens de estatura mediana, pele bronzeada, olhos amendoados, maçãs do rosto salientes e cabelo espetado.
O observador desavisado que lhes analisasse os traços julgaria estar na Ásia.
No microfone, a palavra de ordem do capitão: 'Soldado Souza, etnia tucano'.
Um rapaz da primeira fila deu um passo adiante, resoluto, com o fuzil no ombro, e iniciou a oração do guerreiro da selva, no idioma natal. No fim, o grito de guerra dos pelotões da fronteira:  "SELVA !!"

O segundo a repetir o texto foi um soldado da etnia desana, seguido de um baniua, um curipaco, um cubeu, um ianomâmi, um tariano e um hupda.

Todos repetiram o ritual do passo à frente e da oração nas línguas de seus povos; em comum, apenas o grito final: "SELVA !!!"

Depois, o pelotão inteiro cantou o hino nacional em português, a plenos pulmões.

Ouvir aquela diversidade de indígenas, característica das 22 etnias que habitam o extremo noroeste da Amazônia brasileira ha 2.000 anos, cantando nosso hino no meio da floresta, trouxe à flor da pele sentimentos de brasilidade que eu julgava esquecidos.

Para chegar à Cabeça do Cachorro é preciso ir a Manaus, viajar 1.146 quilômetros Rio Negro acima até avistar São Gabriel da Cachoeira, a maior cidade indígena do país.

De lá, até as fronteiras com a Colômbia e a Venezuela, pelos rios Uaupés, Tiquié, Içana, Cauaburi e uma infinidade de rios menores, só Deus sabe.

A duração da viagem depende das chuvas, das corredeiras e da época do ano, porque na bacia do Rio Negro o nível das águas pode subir mais de dez metros entre a vazante e o pico da cheia.

É um Brasil perdido no meio das florestas mais preservadas da Amazônia. Não fosse a presença militar, seria uma região entregue à própria sorte. Ou, pior, à sorte alheia.

O Comando dos Pelotões de Fronteira está sediado em São Gabriel. De lá partem as provisões e o apoio logístico para as unidades construídas à beira dos principais rios fronteiriços: Pari-Cachoeira, Iauaretê, Querari, Tunuí-Cachoeira, São Joaquim, Maturacá e Cucuí.

Anteriormente formado por militares de outros estados, os pelotões hoje recrutam soldados nas comunidades das redondezas. Essa opção foi feita por razões profissionais: 'O soldado do sul pode ser mais preparado intelectualmente, mas na selva ninguém se iguala ao indígena'.

Na entrada dos quartéis, uma placa dá idéia do esforço para construí-los naquele ermo: 'Da primeira tábua ao último prego, todo material empregado nessas instalações foi transportado nas asas da FAB'.

Os pelotões atraíram as populações indígenas de cada rio à beira do qual foram instalados: por causa da escola para as crianças e porque em suas imediações circula o bem mais raro da região: salário.

Para os militares e suas famílias, os indígenas conseguem vender algum artesanato, trocar farinha e frutas por gêneros de primeira necessidade, produtos de higiene e peças de vestuário.
No quartel existe possibilidade de acesso à assistência médica, ao dentista, à internet e aos aviões da FAB, em caso de acidente ou doença grave.

Cada pelotão é chefiado por um tenente com menos de 30 anos, obrigado a exercer o papel de comandante militar, prefeito, juiz de paz, delegado, gestor de assistência médico-odontológica, administrador do programa de inclusão digital e o que mais for necessário assumir nas comunidades das imediações, esquecidas pelas autoridades federais, estaduais e municipais.

Tais serviços, de responsabilidade de ministérios e secretarias locais, são prestados pelas Forças Armadas sem qualquer dotação orçamentária suplementar.

Os quartéis são de um despojamento espartano. As dificuldades de abastecimento, os atrasos dos vôos causados por adversidades climáticas e avarias técnicas e o orçamento minguado das Forças Armadas tornam o dia-a-dia dos que vivem em pleno isolamento um ato de resistência permanente.

Esses militares anônimos, mal pagos, são os únicos responsáveis pela defesa dos limites de uma região conturbada pela proximidade das Farc e pelas rotas do narcotrófico. Não estivessem lá, quem estaria? "SELVA !!!"


Lema do soldado da Amazônia:
"Senhor, tu que ordenastes ao guerreiro de Selva, sobrepujai todos os vossos oponentes, dai-nos hoje da floresta, a sobriedade para resistir, a paciência para emboscar, a perseverança para sobreviver, a astúcia para dissimular, a fé para resistir e vencer, e dai-nos também senhor a esperança e a certeza do retorno, mas, se, defendendo essa  brasileira Amazônia, tivermos que perecer, oh Deus, que façamos com dignidade e mereçamos a vitória, Selva !!!"

A camisinha e os legisladores: mal comparando Brasil e California...

Em algum momento de 2012, tomados por um alto sentido de responsabilidade, os Senhores Senadores da República que ainda é o Brasil aprovaram uma lei tornando obrigatório o fornecimento de camisinhas gratuitamente em todos os motéis brasileiros.
Não estou brincando. É verdade. Podem procurar em alguma base de dados do poder legislativo.
Não sei se a lei está sendo implementada, e se a sua aplicação está sendo devidamente fiscalizada pelos poderes públicos, a Polícia Federal, a Anvisa, sei lá. Mas os Senadores devem saber, pois parece que em Brasília se frequenta muito esse tipo de estabelecimento.
Acredito que eles o fizeram para aliviar as despesas no final do mês, ou a cada quarta-feira, quando estão em Brasília de noite (parece que na terça também, enfim, já são duas noites). Eles ganham tão pouco que precisam de pequenos ajutórios desse tipo, inclusive porque não fica bem um senador da República entrando num supermercado ou numa farmácia para comprar uma ou duas camisinhas. Pode pegar mal, deve ser isso.
Então, ter camisinha de graça nos motéis facilita um bocado a coisa...
Enfim, parece que a Assembleia da California se inspirou nesse exemplo, como se pode ver abaixo...
Paulo Roberto de Almeida


VICTOR DAVIS HANSON
The City Journal, June 1, 2014

California’s once-exemplary legislature now manages to be both trivial and destructive.
In January, California governor Jerry Brown, responding to one of the worst droughts in the state’s history, declared a state of emergency. The state legislature, though, didn’t get around to passing an emergency drought-relief bill until the end of February. But California’s lower house, the state assembly, did find time to pass a bill in January sponsored by Assemblyman Rob Bonta, an Alameda Democrat, directing the Department of Corrections to provide condoms to prison inmates. A virtually identical bill passed the state senate last year, which Brown vetoed. The governor apparently thought it logically perverse to provide free condoms to inmates when sex between prisoners remains a felony under state law.

Leiam o resto aqui: http://www.city-journal.org/2014/24_2_california-legislature.html

Em Bretton Woods, lendo The Battle of Bretton Woods

Setenta anos atrás, 45 países se reuniram nas montanhas verdejantes do New Hampshire (nesta época, pois no inverno fica tudo branco), para simplesmente reescrever a ordem econômica mundial.
Na verdade, apenas dois países contavam, Estados Unidos (digamos por 50% do poder decisório) e a Grã-Bretanha (no máximo uns 25%, e mais intelecto do que poder, de fato), todos os demais eram meros protagonistas.
O embate se deu entre Lord Keynes -- que se acreditava o cérebro da conferência -- e Harry Dexter White -- o segundo do Tesouro americano, o órgão que controlava o dinheiro real -- e este último depois se revelou um dócil servidor dos soviéticos (que, a despeito de terem tudo garantido pelos EUA, inclusive uma supercota de associação, recusaram entrar no FMI e no BIRD).
Então, no próprio comprei um livro apropriado, do historiador Benn Steil:
The Battle of Bretton Woods: John Maynard Keynes, Harry Dexter White and the Making of a New World Order
(Princeton: Princeton University Press, Council on Foreign Relations, 2013)

Foto de Carmen Licia Palazzo, aliás excelente fotógrafa...

Vim numa nova visita sentimental, para me preparar para escrever um trabalho sobre as relações entre o Brasil e o Fundo nos últimos setenta anos, digamos assim. Exagero, claro, mas vamos ver o que vai sair...

E aqui, com Carmen Licia, contra o fundo das White Mountains (por enquanto verdes...) no terraço do hotel Mout Washington em Bretton Woods.

Paulo Roberto de Almeida