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quarta-feira, 27 de maio de 2020

A crise do liberalismo político e a ascensão do liberalismo econômico e do populismo autoritário. O caso do Brasil - Giuseppe Tosi

Um importante artigo retomando os grandes temas da teoria política – aliás o nome desta excelente revista, fundada por Norberto Bobbio – e sua aplicação ao caso recente do Brasil.
Paulo Roberto de Almeida


Malgoverno

A crise do liberalismo político e a ascensão do liberalismo econômico e do populismo autoritário. O caso do Brasil

The Crisis of Political Liberalism and the Rise of Economic Liberalism and Authoritarian Populism. The Case of Brazil
Giuseppe Tosi
Teoria Política, 9, 2019, p. 227-249

ABSTRACT

The hope for a democratization of international relations through a liberal-democratic diffusion of the democratic rule of law following the fall of the Berlin Wall is now in crisis both in the older democracies and in the new governments that have left authoritarian regimes. On a global scale, there is a crisis —more or less accentuated depending on the nations— of political liberalism, and an advance of populism and economic liberalism. Brazil, after thirty years of a democratic transition in the governments of Fernando Henrique Cardoso, Luis Inácio Lula da Silva and Dilma Rousseff, which has had more continuities than ruptures, is entering in a new political period after the institutional coup that overthrew President Dilma in 2016, President Lula’s arrest in 2018 and the rise of the Bolsonaro administration in 2019. This essay is an attempt to analyze the Brazilian political conjuncture from Bobbio’s school of thought, identifying some of the reasons for the crisis of political liberalism and the rise of extreme right populism and economic liberalism: the weakness of the transition from dictatorship to democracy, which precludes national reconciliation and a shared vision of past and present; the relevant political role of the armed forces, with popular support and the fight against corruption leading to a judicialization of politics and a politicization of the judiciary. Furthermore the growth of criminal and political violence, which increases fear and authoritarian solutions; the media monopoly that prevents public and contradictory debate; the abuse of social networks that spread fake-news and preclude dialogue and tolerance; the ideological struggle against human rights and ideologies considered dangerous («communism», «gender theory», «feminism»); the presence of religious fundamentalism that threatens the secularity of the state; the neoliberal economic policies that increase the already great social inequalities. Together, these elements raise the central question: is Brazil still a democracy or a state of exception? Is political liberalism alive, or are we watching the last chapters of this glorious tradition? Brazil will be a good laboratory in the coming months to answer this question.
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TESTO INTEGRALE

1Quando Donald Trump, em 2016, foi eleito presidente dos Estados Unidos da América muitas pessoas se perguntaram: «como foi possível?» A mesma pergunta se fazem milhões de brasileiros: como foi possível, em 2018, eleger Jair Bolsonaro como Presidente da República Federativa do Brasil?
2Procuraremos, neste breve ensaio, encontrar algumas respostas, analisando o contexto internacional e os aspetos conjunturais e específicos do Brasil.

1. A Crise do Liberalismo Político

3A esperança em uma democratização das relações internacionais através de uma difusão sempre maior do Estado Democrático de Direito de matriz liberal, que seguiu à queda do muro de Berlim, está hoje em crise tanto nos Estados democráticos consolidados como nos novos governos que saíram de regimes autoritários.
  • 1 A tese central de Brennan, 2017 é a contraposição entre a democracia e a «epistemocracia», como po (...)
4Nos Estado Unidos, em função da vitória inesperada do populismo de Trump, surgiu recentemente um acirrado debate sobre a democracia1Segundo Yascha Mounk, in The People Versus Democracy, a democracia liberal enfrenta duas situações extremas: uma democracia sem direitos ou direitos sem democracia.
  • 2 Mounk, 2018: 14.
Dois componentes centrais da democracia liberal - os direitos individuais e a vontade popular - estão cada vez mais em guerra uns com os outros. À medida que o papel do dinheiro na política disparou e questões importantes foram retiradas da contestação pública, um sistema de «direitos sem democracia» tomou conta. Os populistas que protestam contra isso dizem que querem devolver o poder ao povo. Mas, na prática, eles criam algo igualmente ruim: um sistema de «democracia sem direitos»2.
  • 3 Levitsky and Ziblatt, 2018.
5Levitsky e Ziblatt, professores de Harvard, escreveram um livro do título assustador: How democracies die. What History Reveals About Our Future3Levistky esteve em 2018 no Instituto Fernando Henrique Cardoso em São Paulo para uma palestra sobre o tema alertando para os perigosos que corria a democracia brasileira, e afirmou:
Apesar de enfrentar uma ‘tempestade perfeita’, devido à conjunção de uma profunda crise econômica com uma das maiores investigações de corrupção da história, nos últimos 25 a 30 anos o Brasil realizou um tremendo trabalho de consolidação de sua democracia. Não cedam à tentação de colocar um candidato com tendências autoritárias na Presidência4.
  • 5 Em um artigo aparecido na «Folha de São Paulo», em 2018 o cientista político norte-americano Franc (...)
  • 6 Ver David Runciman. «Talvez este seja o fim do Estado moderno», diz professor de Cambridge. «Folha (...)
6Também Francis Fukuyama5 e David Runciman manifestaram preocupações parecidas6E Larry Diamond, da universidade de Stanford, se pergunta se há um declino global da democracia, após a terceira onda descrita por Huntington (1994):
A terceira onda de democratização, nos anos 80 e 90, foi algo sem precedentes na história da humanidade e resultou em grande expansão dos valores e das instituições democráticas tanto na América Latina, no Sudeste e no Leste Asiático como no antigo bloco comunista (Europa do Leste e repúblicas da extinta União Soviética). Era inevitável que houvesse algum tipo de refluxo, pois nem todas as jovens democracias da terceira onda seriam sustentáveis, mas o estrangulamento democrático em países de desenvolvimento econômico mediano como Turquia, Tailândia e Venezuela não parecia algo inevitável. Polônia, Hungria e Egito são outros países que preocupam7.
  • 8 Andriola, 2014; Benoist, 2017.
7Os países que não experimentaram historicamente a democracia, como a China e a Rússia, são governados por regimes de liberalismo econômico (embora com um forte controle estatal) e de autoritarismo político; as primaveras árabes, na maioria dos casos, não resultaram em regimes democráticos, mas em guerras civis e/ou ditaduras militares; e nos países de tradição democrática como a Europa e os Estados Unidos a ideologia política que mais cresce é o populismo de direita ou extrema direta8.
  • 9 Indo, como sempre, contracorrente Steven Pinker, professor em Harvard, é um dos poucos estudiosos (...)
8Os regimes autoritários como a China e a Rússia estão desafiando as democracias ocidentais em nome de uma superioridade ética e política de seus modelos, que reúnem autoritarismo político e liberalismo econômico, diante das fragilidades e ineficiências das democracias liberais, que não conseguem dar conta dos processos de globalização econômica, política e social. O que há em comum entre os estudiosos neste debate é um forte pessimismo sobre as sortes da democracia liberal, com poucas exceções9.
  • 10 Bobbio, 2000a; 2000b.
9Bobbio viria com preocupação este movimento, porque era favorável a um liberalismo político e mantinha restrições ao liberismo, e era também um crítico do populismo, que considerava uma forma de democracia plebiscitária com rasgos autoritários10. Relembramos sumariamente alguns dos traços característicos, segundo Bobbio, de um Estado democrático de Direito.
10A democracia liberal, segundo Bobbio, se fundamenta na soberania popular e na vontade do maior número de pessoas possíveis, em uma concepção ampla de cidadania através do sufrágio universal. Ao mesmo tempo a vontade da maioria deve respeitar os direitos das minorias, pena a democracia se transformar em uma tirania da maioria conforme já alertavam Tocqueville e Stuart-Mill. Escreve Bobbio:
  • 11 Bobbio, 1983: 56.
a) Todos os cidadãos que tenham atingido a maior idade, sem distinção de raça, religião, condições econômicas, sexo, etc., devem gozar dos direitos políticos, isto é, do direito de exprimir com o voto a própria opinião e/ou eleger quem a exprima por ele; b) o voto de todos os cidadãos deve ter peso idêntico, isto é, deve valer por um; c) todos os cidadãos que gozam dos direitos políticos devem ser livres de votar segundo a própria opinião, formando-a o mais livremente possível, isto é, em uma livre concorrência entre grupos políticos organizados, que competem entre si para reunir reivindicações e transformá-las em deliberações coletivas; d) devem ser livres ainda no sentido em que devem ser colocados em condições de terem reais alternativas, isto é, de escolher entre soluções diversas; e) para as deliberações coletivas como para as eleições dos representantes deve valer o princípio da maioria numérica, ainda que se possa estabelecer diversas formas de maiorias (relativa, absoluta, qualificada); f) nenhuma decisão tomada pela maioria deve limitar os direitos da minoria, em modo particular o direito de tornar-se, em condições de igualdade, maioria11.
11Bobbio defende também uma concepção individualista de democracia, fundada não no «povo», mas nos cidadãos:
  • 12 Bobbio, 2004: 51.
Da concepção individualista da sociedade, nasce a democracia moderna (a democracia no sentido moderno da palavra), que deve ser corretamente definida não como o faziam os antigos, isto é, como o «poder do povo», e sim como o poder dos indivíduos tomados um a um, de todos os indivíduos que compõem uma sociedade regida por algumas regras essenciais, entre as quais uma fundamental, a que atribui a cada um, do mesmo modo como a todos os outros, o direito de participar livremente na tomada das decisões coletivas, ou seja, das decisões que obrigam toda a coletividade. A democracia moderna repousa na soberania não do povo, mas dos cidadãos. O povo é uma abstração, que foi frequentemente utilizada para encobrir realidades muito diversas12.
  • 13 Bobbio, 2000a: 39.
12Uma democracia de tipo representativo, que é um elemento elitista: a democracia não é o «governo do povo, pelo povo e para o povo», não é «ausência de elites, mas a presença de muitas elites em concorrência entre si para a conquista do voto popular»13.
13Uma concepção elitista de democracia que não impede a participação popular, se é entendida não como alternativa, mas como complemento necessário à representação, para evitar os perigos da apatia política e do distanciamento da classe política dos cidadãos e permitir uma cidadania ativa que fiscalize o poder político.
  • 14 Ibidem: 65.
Democracia representativa e democracia direta não são dois sistemas alternativos (no sentido de que onde existe uma não pode existir a outra), mas são dois sistemas que se podem integrar reciprocamente. Com uma fórmula sintética, pode-se dizer que num sistema de democracia integral as duas formas de democracia são ambas necessárias, mas não são consideradas em si mesmas suficientes14.
14Uma democracia em que o poder não é visto como algo monolítico, indivisível, inaliável, irresistível (como pensavam Hobbes e Rousseau), mas como algo plural e pluralista: divisão dos poderes, instituições fortes e autônomas (para que haja um check and balance e nenhum poder se sobreponha sobre o outro), partidos políticos como instância de representação e de mediação entre os cidadãos e o Estado e possibilidade de escolha entre alternativas ideológicas diferentes.
15Uma concepção laica do Estado, entendida não somente como uma separação entre Estado e Igreja, religião e política, mas em um sentido mais amplo como a não interferência do Estado nas convicções privadas dos cidadãos: religiosas, morais, políticas, ideológicas, sobre as diferentes concepções de felicidade e de modo de viver de cada indivíduo (liberdades negativas), contra a concepção do Estado como totalidade ética de Hegel e a sua versão fascista do Estado Ético de Giovanni Gentile.
  • 15 Bobbio, 1983.
16Um liberalismo social, que garanta não somente os direitos civis e políticos, mas também os econômicos e sociais, que defenda uma liberdade positiva, uma intervenção do Estado nos assuntos econômicos e sociais, para garantir uma igualdade de oportunidades, a mais ampla possível dentro de uma economia capitalista15.
  • 16 Bobbio, 2000a: 51.
17Finalmente outra característica fundamental da democracia para Bobbio é a valorização do conflito social, da competição política, porque é nela que se forjam as elites políticas. Porém a característica que diferencia a democracia de outros regimes, é que tal conflito é resolvido de forma não violenta, através das instituições, de procedimentos estabelecidos convencionalmente (democracia procedimental) nos quais, citando Popper, «os cidadãos podem livrar-se dos seus governantes sem derramamento de sangue» e «o adversário não é mais um inimigo (que deve ser destruído), mas um opositor que amanha poderá ocupar o nosso lugar»16.
  • 17 A propósito da ascensão do neoliberalismo Bobbio afirmava em O futuro de democracia (2000: 141): «(...)
18Seriam evitados assim dois extremos: um liberalismo econômico com uma concepção restrita de cidadania, de tipo censitário, que defende as desigualdades econômicas e sociais com algo benéfico para o desenvolvimento do mercado, que não tem compromisso com as liberdades democráticas, nem com os direitos sociais, e que prega menos Estado e mais mercado e uma concepção individualista radical (Bobbio, 2000a: 141)17.
  • 18 Bobbio, 2000a: 54-55.
19O segundo extremo leva a uma democracia plebiscitária, que tende à tirania da maioria, ou a uma forma de democracia totalitária ou autoritária, no pressuposto de que há um povo, com uma vontade geral, um interesse unívoco, que o líder populista não somente representa, mas personifica18.
20São esses dois extremos que o Brasil está experimentando, a partir do impeachment da presidenta Dilma e da posse dos governos Temer e Bolsonaro. O que está em jogo é a democracia na sua concepção liberal, são os princípios do liberalismo político à luz dos quais analisaremos a conjuntura brasileira atual.

2. As razões da (resistível) ascensão do capitão Bolsonaro

21A biografia do candidato Bolsonaro tornaria altamente improvável qualquer hipótese dele se tornar presidente de um país tão grande e complexo como o Brasil. Serviu no exército por alguns anos, obteve o grau de Capitão e foi aposentado compulsoriamente por desobediência e graves desvios de comportamento, aos 33 anos. Entrou então na vida política como vereador do Rio de Janeiro e prosseguiu como Deputado Federal desde 1990 exercendo sete mandatos consecutivos. Em quase trinta anos de exercício do cargo aprovou somente três projetos de lei de sua autoria.
22Fazia parte do chamado «baixo clero» da Câmara dos Deputados, com atuação parlamentar pífia e notabilizada por inúmeras denúncias à comissão de ética por enfrentamentos e agressões verbais a colegas mulheres, homossexuais, opositores de esquerda, declarações bombástica contra o sistema democrático e em defesa do golpe de Estado. As declarações eram tão absurdas e despropositadas que ele se tornou conhecido como uma figura folclórica, que ninguém tomava a sério. O auge desta postura ocorreu na sessão da Câmara para a votação do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, no dia 17 de abril de 2016.
23Estava naquele dia, com minha esposa e alguns amigos, no centro de São Paulo, debaixo do viaduto do Anhangabaú acompanhando em um telão a votação junto com dezenas de milhares de manifestantes do Partido dos Trabalhadores (PT) e de outros partidos da esquerda; alguns deles estavam acampados há dias, jovens e velhos militantes reunidos. Toda vez que um deputado votava sim, eram vaias e aplausos aos poucos que votaram «não» ao impeachment: a derrota já estava no ar. Naquela sessão, as motivações que os deputados e senadores alegaram para depor a presidenta Dilma foram as mais espúrias e inconsistentes, tornando pública a baixa qualidade política, moral e cultural de uma significativa parcela dos congressistas; mas o deputado Bolsonaro conseguiu superar a todos.
  • 19 Associação de partidos de esquerda latino-americanos.
  • 20 Referência ao Duque de Caxias patrono do exército brasileiro.
24Em certo momento, tomou o microfone e declarou o seu voto favorável literalmente com essas palavras: «Contra o comunismo, pela nossa liberdade, contra o Fórum de São Paulo19, pela memória do Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff, pelo exército de Caxias20, pelas nossas forças armadas, pelo Brasil acima de tudo e por Deus acima de todos, o meu voto é sim».
25A plateia da rua ficou estarrecida e sem palavras: até a vaia ficou presa na garganta e demorou a sair, diante do espanto dessa declaração. O site da BBCNews do Brasil comentou no dia seguinte:
«Estarrecedor», «Execrável», «Deprimente». Esses foram alguns dos termos usados por ativistas de direitos humanos ao comentarem a homenagem feita pelo deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) ao coronel Brilhante Ustra, o primeiro militar reconhecido pela Justiça brasileira como torturador. Durante o regime militar, entre 1970 e 1974, Ustra foi o chefe do DOI-Codi do Exército de São Paulo, órgão de repressão política do governo militar. Ali, sob o comando do coronel, ao menos 50 pessoas foram assassinadas ou desapareceram e outras 500 foram torturadas, segundo a Comissão Nacional da Verdade21.
26Naquele momento pensei que este seria o inicio do fim político desta figura excêntrica e sombria, que o deputado seria cassado por apologia de crime; mas aconteceu exatamente o contrário: o plenário da câmara o ovacionou com entusiasmo e abafou as vaias dos opositores. Deste momento em diante começou a meteórica ascensão do capitão à Presidência da República: ele vislumbrou um vazio político a ser preenchido e se jogou de corpo e alma nesta disputa que acabou vencendo dois anos depois. Nesse episodio pode ser encontrada uma das chaves do sucesso do capitão: as falhas no processo de transição da ditadura para a democracia.

2.1. As falhas da transição democrática: as heranças da ditadura militar

  • 22 Ferreira, 2014.
27No Brasil o processo de justiça de transição foi muito demorado e bastante limitado, em relação a outros países latino-americanos que passaram por ditaduras como a Argentina, o Uruguai e o Chile22.
  • 23 Portinaro, 2011.
  • 24 Tosi-Silva, 2014: 41-62.
28A justiça de transição tem como objetivo «acertar as contas com o passado»23 e se fundamenta em quatro pilares. O primeiro é a justiça, stricto sensu, ou seja, a punição dos agentes públicos culpados pelos crimes contra a humanidade que não prescrevem. Este caminho foi barrado no Brasil após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) —que possui, entre outras, a função de Corte Constitucional— em resposta à Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), promovida pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A ADPF solicitava à mais alta corte brasileira um posicionamento formal para saber se, em 1979, houve ou não anistia dos agentes públicos responsáveis pela prática de tortura, homicídio, desaparecimento forçado, abuso de autoridade, lesões corporais e estupro contra opositores políticos, considerando, sobretudo, os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil e a insuscetibilidade de graça ou anistia do crime de tortura24.
29Em maio de 2010, por maioria dos seus membros, o Supremo Tribunal Federal (STF) negou o pedido da OAB, reconhecendo a validade jurídica da Lei de Anistia de 1979, promulgada em plena ditadura militar, que muitos consideram uma lei de auto-anistia, encerrando assim as possibilidades internas de fazer justiça às vítimas da ditadura.
30O segundo pilar são as ações de reparação moral e de ressarcimento dos danos materiais e psicológicos provocados às pessoas perseguidas pela ditadura e/ou aos seus familiares. Esta reparação foi realizada, de forma eficiente embora tardia, pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, instalada em 2001, que examinou mais de 70.000 processos, e realizou dezenas de «caravanas da anistia» em vários Estados.
  • 25 Seja-me permitido ressaltar o papel exercido no resgate da memória pelo Núcleo de Cidadania e Dire (...)
31O terceiro pilar é a reconstrução da memória histórica que teve um grande impulso com a Comissão Nacional da Verdade, instalada pela Presidenta Dilma em 2012, com mandado de dois anos (renovado por mais um ano) para apurar violações aos direitos humanos, produzir relatório circunstanciado sobre os casos investigados e apresentar conclusões e recomendações de políticas públicas para que aquele tipo de violação não voltasse a se repetir25.
32A criação da Comissão Nacional estimulou o surgimento de comissões da verdade em todos os Estados da Federação, e em numerosos municípios e universidades. Este movimento capilar permitiu o levantamento de um grande número de informações, ainda que a maioria produzida pelas vítimas da ditadura, uma vez que muitos arquivos do Estado desapareceram. Embora a comissão não tivesse nenhum poder de punição, a sua instalação teve o efeito de provocar a reação de setores militares que tacharam a iniciativa de «revanchismo»; reação que o capitão Bolsonaro soube aproveitar e que foi um dos motivos do apoio das forças armadas ao impeachment da presidenta ex-guerrilheira.
33Outro aspecto importante de uma política de transição é a reforma das instituições violadoras dos direitos humanos, para criar instituições públicas mais consoantes com o Estado Democrático de Direito. Esta reforma não avançou de maneira efetiva, sobretudo na área da segurança pública. As polícias civis e militares, de responsabilidade dos Estados, e a polícia federal herdaram traços da famigerada Lei de Segurança Nacional da ditadura que considerava os adversários políticos como inimigos da pátria. A presença em vários Estados, sobretudo no Rio de Janeiro, das milícias, grupos paramilitares compostos por ex-policiais e criminosos com alianças no mundo político e financeiro, é uma heranças dos temíveis «esquadrões da morte» que atuavam livremente na época da ditadura.
34O objetivo final de todo este processo deveria ser a reconciliação nacional, para tornar o período da ditadura uma página virada na história do país, ter uma memória compartilhada sobre ele e um consenso mínimo sobre os valores democráticos que lhe sucederam. A ascensão ao governo do capitão Bolsonaro enaltecendo o torturador sob os aplausos do plenário da Câmara dos Deputados, é suficiente para mostrar a ausência de reconciliação e de memória compartilhada.
  • 26 «Presidente do STF diz que prefere chamar ditadura militar de “movimento de 1964”». Portal IG São (...)
  • 27 «Bolsonaro nega ditadura e diz que regime viveu probleminhas»: «Folha de São Paulo», 27.03.19. Dis (...)
35Esta ascensão foi acompanhada por uma onda de «revisionismo histórico», que vai desde os que fazem sutis distinções entre «ditadura», «regime», «movimento» (segundo a opção semântica do presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli)26 e «golpe» militar, até os negacionistas, que simplesmente negam que houve uma ditadura militar no Brasil, entre eles o próprio Presidente27.
  • 28 Agamben, 2004; Teles-Safatle, 2010; Tosi, 2017.
36Essas falhas na transição democrática levam sempre mais analistas a afirmar que o Brasil não vive em um Estado Democrático de Direito, mas em um Estado de exceção permanente, que ameaça a consolidação da democracia28.
37Ligado a esta primeira, questão está um segundo aspecto da vitoria do capitão Bolsonaro: a presença dos militares no governo.

2.2. A volta dos militares ao poder político

38O novo governo mostrou, desde a campanha eleitoral e após a sua posse, uma vontade explicita de resgatar o papel político que os militares haviam perdido na transição democrática, após mais de trinta anos de afastamento da cena política.
  • 29 «Governo Militar: Bolsonaro nomeia mais de cem militares para cargos no governo» («Zero83», 03.03. (...)
39Há uma diferença entre um «governo militar», e um «governo de militares»: o governo Bolsonaro não é (ainda?) um governo militar como foi a ditadura de 1964 a 1985. Porém, a presença de um capitão e de um general nas duas máximas cargas do Estado, e de militares de várias patentes nos primeiros escalões do governo (mais de 100 pessoas que ocupam cerca de 30% dos cargos)29 é muito significativa e não é a título pessoal, como indivíduos e cidadãos, mas como representantes da instituição. No entanto, em uma democracia consolidada o papel político das forças armadas deveria tender ou ser igual a zero.
  • 30 «Comunismo», no contexto atual do debate ideológico brasileiro, é um conceito vago e indefinido qu (...)
40A presença dos militares não se limita à questão da defesa e da segurança, mas está se espalhando em todos os setores do governo, infraestrutura, ciência, tecnologia, mineração e energia, direção de empresas estatais, questão indígena, e até na educação: os colégios militares estão sendo propostos como modelos para a educação básica, e o projeto «Escola sem Partido» —que quer combater a «ideologia de gênero», o «marxismo cultural», o «gramscismo», o pensamento de Paulo Freire e tudo o que tenha a que ver com a esquerda ou a oposição ao governo—, está sendo proposto para todos os níveis de ensino. Em nome do combate ao «comunismo»30, está havendo uma tentativa de controle ideológico contra os estudantes e professores de esquerda, patrocinado pelo Ministro da Educação que está incentivando os alunos a denunciar os professores que professam ideologias contrárias ao governo em sala de aula.
41Nesse contexto, uma instituição como as Forças Armadas, por sua natureza autocrática, assume um papel político relevante com forte apoio e consenso popular, o que lhe confere uma legitimidade democrática, se nos limitarmos ao conceito de democracia como vontade da maioria; mas a democracia não é só isso, é também a garantia dos direitos das minorias, como lembra Bobbio.

2.3. O golpe institucional: o impeachment e a prisão do presidente Lula

42A eleição de Bolsonaro foi o último ato de um «golpe institucional» iniciado com o impeachment da presidenta Dilma, continuado com a prisão do ex-Presidente Lula, que abriu o caminho para a vitória do candidato da extrema direita.
  • 31 O então presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Levandowsky que presidiu a sessão do impea (...)
43Se olharmos a situação política brasileira na ótica da democracia procedimental, e das bobbianas «regras do jogo», veremos que a transição do segundo governo Dilma (2014-2016), para o governo Temer (2016-2018) não se deu através de uma normal alternância eleitoral, mas de um processo traumático. O debate e a votação no Congresso sobre o impeachment mostraram a inconsistência de uma denúncia por crime de responsabilidade tão grave que fosse um ataque à Constituição e justificasse a derrubada de uma presidenta eleita com 54 milhões de votos31.
44O que aconteceu, como reconheceram muitos congressistas, foi um voto de sfiducia, pela perda do apoio político, um instrumento típico do parlamentarismo que foi utilizado em um sistema presidencialista, uma mudança das regras do jogo durante o jogo. Isto foi tão verdadeiro que o congresso não cassou os direitos políticos da presidenta, como era de se esperar, em um evidente ato de hipocrisia: mas a hipocrisia, dizia La Rochefoucauld, é «a homenagem que o vício presta à virtude».
  • 32 Ver: Luigi Ferrajoli, Uma agressão Judicial à democracia brasileira: «Lula. Estamos diante do que (...)
45A segunda etapa do golpe foi a prisão do presidente Lula, num processo altamente controvertido, de caráter indiciário e inquisitorial, sem provas consistentes, sem as devidas garantias processuais, com o uso e o abuso da delação premiada (pentiti), como comentaram vários juristas nacionais e internacionais, entre eles Luigi Ferrajoli32. O Juiz Sérgio Moro, que presidiu a operação «Lava-Jato» de combate à corrupção, e os procuradores da mesma operação agiram de forma conjunta e combinada, não respeitando os respectivos papeis de acusação e de julgamento e não agiram de forma isenta como denunciam detalhadamente estudiosos de várias disciplinas (Proner, 2018).
  • 33 Sobre a operação «vaza-jato», ver: «Informações do The Intercept provam o “lawfare como arma polí (...)
46Enquanto estou escrevendo este artigo, as manchetes dos principais jornais e sites do Brasil estão anunciando a interceptação de mensagens entre os Procuradores Federais e o Juiz Sérgio Moro que mostram a colaboração e o conluio entre eles e abalam a imparcialidade do Juiz da operação Lava-Jato e podem levar a anulação do processo contra Lula. Os diálogos, obtidos por uma fonte anônima, estão sendo publicado pelo site The Intercept_Brasil (https://theintercept.com/​brasil/​) do jornalista norte-americano Glenn Greenwald em parceria com outros órgãos de imprensa. A operação, que está sendo chamada de «vaza-jato», comprova o que a defesa e vários juristas vinham denunciado há anos sem sucesso33.
  • 34 «Nova pesquisa Vox Populi aponta vitória de Lula no 1º turno» («Expresso», 29.05.2018). Disponível (...)
47A ausência de Lula na disputa eleitoral foi determinante para a vitória de Bolsonaro. Todas as pesquisas eleitorais davam o ex-presidente como vencedor no primeiro turno34. O ex-presidente Lula, ao apoiar oficialmente o candidato do PT Fernando Haddad conseguiu que ele chegasse ao segundo turno, mas não transferiu todo o seu cabedal eleitoral. Muitos dos eleitores de Lula passaram a votar em Bolsonaro.
48Este dado levanta uma questão importante sobre as tipologias de voto: parte dos eleitores de Bolsonaro votou nele na ausência de Lula, outra parte votou nele para votar contra o PT e a esquerda e somente uma terceira parte (que oscila ao redor de um 30% dos votantes) votou no candidato pela identificação com as suas propostas ideológicas. O que indica que o voto não é homogêneo, e que o apoio à opção ideológica do candidato é minoritário; mostra também certa volatilidade e oscilação do eleitorado e uma presença significativa de um voto populista (de esquerda e de direita) centrado na identificação pessoal com o candidato mais do que com propostas programáticas ou ideológicas.
  • 35 «Sérgio Moro aceita ser superministro da Justiça e Segurança Pública de Bolsonaro» («El Pais», Bra (...)
  • 36 Luiz Moreira: «A judicialização da Política alcançou patamares alarmantes no Brasil: o sistema de (...)
49A parcialidade do Juiz Sérgio Moro ficou evidente logo após as eleições. Apesar ter declarado repetida e taxativamente que não assumiria cargos políticos, o juiz aceitou prontamente o convite de Bolsonaro para assumir o Ministério da Justiça e da Segurança Pública do novo governo35. Trata-se de um claro conflito de interesses que levanta a legittima suspicione de que o ministério foi um reconhecimento ao juiz da Lava-jato por ter eliminado da disputa eleitoral o único candidato capaz de derrotar o presidente eleito; e favorece a leitura deste processo como mais um exemplo do uso político da justiça, de judicialização da política e do seu reverso, a politização do judiciário36.
50Chama a atenção também a adesão incondicional de um magistrado a um presidente que fez pronunciamentos em defesa das milícias, de apoio à ditadura militar e à tortura. E aqui entra necessariamente o papel que em todo este processo desenvolveu a operação «Lava-jato».

2.4. O combate à corrupção e a antipolitica

51A operação Lava-jato começou em 2015 como um instrumento eficaz de combate à corrupção política inspirada na «operação mãos limpas» da Itália, que conseguiu desvendar a trama de relações promiscua entre o setor público e os interesses privados. Mas aos poucos se tornou um instrumento para acumular e concentrar um poder político e econômico de setores da Magistratura e do Ministério Público, associados a grupos econômicos nacionais e internacionais.
52A corrupção no Brasil sempre foi (e continua sendo) um sistema, uma prática corriqueira de promiscuidade e conivência entre o mundo político e econômico, para o financiamento dos partidos, ou de interesses pessoais, ou de ambas as coisas. Combate-se a corrupção com medidas jurídicas repressivas, mas também com medidas preventivas contra a cultura da corrupção que invade não somente o Estado, mas a sociedade, e com medidas administrativas que incentivam o controle e a punição dos comportamentos criminosos; medidas que foram implementadas nos governos do PT, como a lei da transparência, o fortalecimento dos órgãos de fiscalização e repressão, tais como a Controlaria Geral da União, a Policia Federal, o respeito da autonomia do poder judiciário e do Ministério, a aprovação da «Lei da Ficha Limpa», que impede a candidato condenado em segunda instância de participar do processo eleitoral.
  • 37 Sobre o golpe institucional e a prisão do Lula, ver: Silva, 2019; Proner; 2018; Reinholds, 2019.
53Apesar dessas medidas, as responsabilidades do PT e dos outros partidos de governo são claras: o partido não quis enfrentar esta «corrupção sistêmica» e conviveu com ela em nome da «governabilidade»; o que lhe garantiu resultados notáveis. O preço a pagar foi a perda da bandeira da ética na política e a perda de uma oportunidade de promover uma reforma política há muito tempo necessária. Também não é possível negar a responsabilidade política do presidente Lula neste processo, que é diferente da sua responsabilidade penal, pessoal e intransferível, que não foi comprovada37.
  • 38 Kerche, Feres, 2018.
54Aparece sempre mais claro que o combate à corrupção faz parte de um jogo político para definir relações de força entre os três poderes, as corporações, os grupos econômicos que estão se aproveitando da situação para defender os seus interesses e implementar a política de retirada de direitos sociais e de venda do patrimônio público a grupos privados nacionais e estrangeiros38.
  • 39 Episódios como aquele do suicídio do Reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, a intimação (...)
  • 40 Um fato mostra esta relação. A força-tarefa da Lava Jato atuou desde o começo em estreita ligação (...)
55As críticas principais se referem à personalização, a centralização de todas as operações em uma pessoa e em um grupo, monopolizando assim o combate à corrupção; a equivocada aplicação da «teoria do domínio de fato» o que dispensaria a apresentação de provas consistentes, ao abuso do instrumento das conduções coercitivas39, ao abuso das medidas cautelares como a prisão preventiva, ao abuso da delação premiada, ao vazamento seletivo das informações sigilosas a espetacularização dos processos através dos meios de comunicação e das redes sociais; todos métodos de exceção, que estão se tornando permanentes e levaram o Ministério Público e a Magistratura a assumirem sempre mais papeis políticos invadindo a esfera do executivo e do legislativo: um exemplo de protagonismo o ativismo judiciário e de prática do lawfare interno e internacional40.
56Tudo isso associado à ausência de debate político público e de um contraditório nos meios de comunicação de massa, provoca a «antipolítica», uma reação generalizada contra a política e os políticos, e a tentação de atalhos autoritários ou demagógicos. Aparecem os salvadores da pátria, os populistas que prometem soluções fáceis para problemas difíceis e complexos e o quadro se torna preocupante para a consolidação da democracia no Brasil com perigos de retrocessos autoritários. Bolsonaro docet.

2.5. A luta contra a violência criminal e política

57Mas há também uma motivação mais «objetiva» para a ascensão de Bolsonaro: a onda de violência e a promessa de resolvê-la em tempos breves e com medidas drásticas.
58O Brasil é o país onde morre mais gente de morte violenta por habitante que em qualquer outra parte do mundo, inclusive dos países que estão em guerra civil41. Junto com a violência criminal está aumentando a violência política. Continuam na impunidade os assassinatos de líderes populares, de defensores dos direitos humanos (58 só no ano de 2018)42, aumenta a violência contra as pessoas LGBT, a população negra e favelada, as mulheres e outros grupos vulneráveis, como as comunidades indígenas e quilombolas.
  • 43 Franco, 2019.
59O exemplo emblemático é o assassinado da Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, em 2018. Marielle era uma mulher originária da favela, negra, lésbica, que possuía uma grande inteligência e uma forte liderança política, que denunciava a ação da polícia e das milícias que representam o elo entre a polícia, o crime organizado, o sistema financeiro e o sistema político, ou seja, uma violência com a cumplicidade do Estado; situação que ela conhecia muito bem pela convivência pessoal e pelos estudos realizados no Mestrado sobre as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no Rio de Janeiro43.
60A polícia brasileira possui os maiores índices de letalidade, é uma das mais violentas do mundo, mas também é uma das maiores vítimas da violência: há um circulo vicioso entre repressão e violência policial e de resposta igualmente violenta do crime organizado, que não se consegue estancar. Há dentro do Estado um embrião de Estado policial extremamente perigoso que foge do controle dos aparelhos de fiscalização.
  • 44 Rancière, 2014.
61Esta violência alimenta e é alimentada por um clima de ódio que está sendo espalhado na sociedade, sobretudo durante o processo de impeachment e na última campanha eleitoral: ódios de tipo regionalista (contra os nordestinos), racista (contra os negros), sexual (contra as mulheres e a população LGBT), social (contra os pobres), ideológico (contra o comunismo) e em geral contra os direitos humanos. Este ódio é perigoso porque pode revelar um «ódio à democracia» como diz o título do livro de Jacques Rancière44.
62Um papel relevante nessa campanha é exercido pelos programas policiais, verdadeiros nichos de informação de grande audiência espalhados em todo o território, que espetacularizam a violência e incitam à intolerância e que lucram com as desgraças alheias, aumentando a sensação de violência e alimentando o círculo vicioso.
  • 45 Nos dias 26 e 27 de maio de 2019, 56 presos foram mortos em várias penitenciárias da cidade de Man (...)
  • 46 «Pacote anticrime de Moro não é um projeto de segurança pública, avalia Lenio Streck» («Jornal GGN(...)
63As propostas do novo governo para enfrentar o problema da violência são fundamentalmente três: ampliar os critérios para a posse (o que vai facilitar inevitavelmente o porte) de armas para a população civil; aumentar os limites da legítima defesa para a população civil e para as forças de segurança (o que significa dar «licença para matar» aos policiais); e aumentar e endurecer as penas, colocando ainda mais presos nas superlotadas prisões brasileiras45. Todas elas são medidas repressivas e nenhuma preventiva, que ataque as causas múltiplas e estruturais desta violência46.
  • 47 O presidente assinou em janeiro de 2019 um Decreto Lei que amplia a posse e o porte de armas para (...)
  • 48 «Letalidade policial no Brasil já é alta, e tende a aumentar com projeto de Moro» («El Pais», Bras (...)
64Todos os estudos indicam que aumentar a posse e o porte de armas só vai provocar um aumento e não uma diminuição da violência: qualquer briga de transito, qualquer desavença com os vizinhos, qualquer litígio domestico pode se transformar em tragédias ainda maiores das que já existem em um país onde, no ano de 2018, foram assassinadas mais de 60 mil pessoas47. Tais medidas, que são um incentivo às milícias e às forças de segurança para aumentar a repressão, já provocaram um aumento da letalidade policial desde a posse do novo governo, turbinando ainda mais o círculo da violência48.

2.6. A democracia pluralista e o oligopólio da informação

65Outra característica da democracia, segundo Bobbio, é o pluralismo político, ideológico, religioso, moral. Já os clássicos do liberalismo como Tocqueville e Stuart Mill alertavam para o perigo da democracia se transformar em uma tirania da maioria ou da opinião pública, quando o pluralismo não é garantido.
66No Brasil o debate de opiniões é muito limitado, devido ao oligopólio das TVs privadas e dos principais jornais e redes de radio. As televisões públicas surgiram tardiamente no governo Lula e não tem o apoio necessário para competir com o oligopólio das redes privadas.
  • 49 Durante o processo eleitoral de 2018 houve um distanciamento e isolamento dos blocos políticos, qu (...)
67As redes sociais são o principal canal alternativo diante do oligopólio dos meios de comunicação, graças à internet, aos blogs, aos portais, aos whatsApptwitterfacebook; embora essas mesmas redes sociais são as que espalham boatos, mentiras, falsas notícias, desinformação e sobretudo ódio e preconceitos de forma incontrolável. Há uma falta de educação e consciência com informações na internet. E o maior problema são as construções de «bolhas», pacotes fechados de informações e opiniões alimentados pelos algoritmos49. Pela primeira vez após a ditadura o debate político entrou nos âmbitos familiares de amizade de maneira disruptiva, colocando a dura prova laços afetivos muito fortes e longevos.
68No caso da eleição do Bolsonaro não foi a televisão que decidiu a eleição, o candidato não participou de debates televisivos, não enfrentou contraditório e baseou toda a sua campanha vitoriosa através das redes sociais, espalhando milhões de mensagens e de fake-news, através de uma rede de bots e de seguidores, que funcionava como uma câmara de eco, reverberando essas mensagens e dominando a pauta. Há um aspecto estratégico de «cortina de fumaça» e diversão (no sentido de desviar) a atenção.
69Trata-se de uma verdadeira guerra praticada pelas «milícias digitais», que foi inaugurada pela Cambridge Analithica (UK) Ltd no processo da brexit, reproduzida na campanha de Donald Trump e aplicada na campanha de Bolsonaro: Steve Bennon estava presente nos três processos eleitorais. Há uma construção de uma direita trans nacional autoritária para enfrentar as ideologias «liberalizantes», que usa um discurso contra o «globalismo». Não precisa recorrer a teorias complotistas para entender que, pelo formato e pelos discursos praticados de forma similar, se trata de algo orquestrado.

3. Mudança de governo ou de regime?

70O Brasil comemorou, em 2018, trinta anos da promulgação da última Constituição; trinta anos de um processo de transição não plenamente consolidado e bastante frágil tanto nas regras formais, quanto nos aspetos mais substanciais, de uma democracia não somente política, mas social.
71Apesar de todas as dificuldades, houve —após o impeachment do presidente Collor em 1993, na passagem dos governos Fernando Henrique Cardoso, Luis Inácio Lula da Silva e Dilma Vânia Rousseff—, mais continuidades do que rupturas, se considerarmos o respeito às regras do jogo democrático. Este quadro mudou com o golpe institucional que iniciou em 2016 e a posse do governo Temer, e está mudando ainda mais rapidamente e radicalmente com o novo governo de Jair Bolsonaro, plenamente inserido no novo contexto mundial, que coloca em perigo o processo de democratização.
72Diante deste quadro, a pergunta é: está havendo uma mudança de governo ou de regime político? Estamos ainda em uma democracia ou em um regime autoritário? Vivemos em um estado de normalidade democrática ou de exceção permanente? Vários são os sinais que preocupam.

3.1. A violação dos direitos humanos

73Os Direitos humanos são um tema sensível para verificar a qualidade de uma democracia. Depois da II Conferência Mundial de Direitos Humanos de Viena, em 1993, a partir do governo de Fernando H. Cardoso (1995-2002) o Brasil tomou várias iniciativas afirmativas neste campo, que foram definidas nos Programas Nacionais de Direitos Humanos 1 (PNDH) em 1996, com objetivos, metas, propostas que foram reavaliados e atualizados em 2002, com o PNDH 2 e em 2009 com o PNDH 3. Foi criada a Secretaria Nacional de Direitos Humanos, que posteriormente assumiu o status de Ministério e Secretarias específicas para os direitos das mulheres, dos indígenas, da população negra e LGBT.
74Foram ratificados vários tratados internacionais de Direitos Humanos, criando novas responsabilidades públicas no plano global, regional e nacional. Foram promovidas iniciativas para o direito à memória e à verdade e à reparação. O Conselho Nacional de Educação introduziu o ensino e a formação em Direitos Humanos da Educação Básica até a Superior como conteúdo obrigatório nas Diretrizes Nacionais. O ensino dos direitos humanos foi incorporado na formação das polícias militar e civil, guardas municipais e agentes penitenciários. Iniciativas que, nos governos de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2011) e Dilma Vânia Rousseff (2011-2016), tiveram continuidade e fortalecimento.
75Essas iniciativas, que conectavam sociedade civil e governo, não foram suficientes para acabar com as gravíssimas violações aos direitos humanos, por parte inclusive de agentes do Estado. Indicavam, porém, uma vontade política e uma persistência por parte do governo e da sociedade civil em pautar a agenda dos direitos humanos como política de Estado e não somente de governo; mas foi uma ilusão que caiu rapidamente com a posse dos governos Temer e Bolsonaro.
76As secretarias que atuavam no campo dos direitos humanos, como a Secretaria de Educação Continuada, Diversidade e Inclusão (SECADI) do MEC, a Secretaria dos Direitos Humanos, a Secretaria de Promoção das Mulheres, a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial foram extintas ou drasticamente redimensionadas e colocadas sob a direção de pessoas com posições ideológicas contrárias ou hostis aos direitos humanos.
  • 50 «Lula e Dilma serão os primeiros “julgados” na Comissão de Anistia, informa Damares». Blog do Esma (...)
77A Comissão de Anistia foi radicalmente modificada com a saída de 19 membros, substituídos em grande parte por militares, e sua função desvirtuada; os processos de reparação interrompidos, com a ameaça de uma revisão geral que poderá levar a um cancelamento parcial ou total das indenizações concedidas às vítimas da ditadura ou aos seus familiares, em particular as dos ex-presidentes Lula e Dilma, como fez questão de ressaltar a ministra evangélica Damares Alves50.
78O governo atual promove uma campanha ideológica baseada no slogan de que «os Direitos Humanos defendem bandidos», que «os Direitos Humanos defendem quem não presta», que «os Direitos Humanos somente deveriam valer para os “humanos direitos”», que produz efeitos deletérios51. Uma pesquisa do Instituto IPSOS em 2018 sobre a percepção dos Direitos Humanos mostrou que no Brasil 66% da população acreditava que os Direitos Humanos defendem pessoas e grupos sociais que não merecem ser protegidos. Essa percepção é ainda maior na região Norte (79%) e entre os que possuem nível superior (76%)52.
  • 53 Bedin-Tosi, 2018.
79Trata-se de um entendimento distorcido e perigoso, uma vez que os Direitos Humanos não são de esquerda ou de direita, são os alicerces da Constituição e do pacto social, são o padrão mínimo de uma convivência civilizada53.

3.2. O Fundamentalismo religioso

  • 54 «Bolsonaro afirma que o Brasil é um Estado cristão e não laico» («Blastingsnews», por Andressa Cav (...)
80Outro sinal preocupante para a normalidade democrática é a aliança entre o autoritarismo político e o fundamentalismo religioso, que Bobbio, um laico, não teria aprovado. O presidente Bolsonaro quando deputado afirmou várias vezes que o Estado não é laico, mas cristão54, e após a posse promoveu uma aliança poderosa com setores fundamentalistas e conservadores das igrejas evangélicas e católica. «Deus acima de tudo; Brasil acima de todos», é o lema deste governo, que fere os princípios do Estado laico, da separação entre Estado e Igreja, e utiliza a religião como instrumentum regni.
81O presidente Jair Messias Bolsonaro é considerado por vários líderes religiosos um enviado de Deus para salvar o país. Deus é constantemente «nomeado em vão» pelos governantes para justificar uma política de ódio, de preconceitos, de intolerância, um cristianismo identitário e beligerante, que pouco tem a ver com a mensagem de Cristo e muito mais com a tomada de assalto ao poder.
  • 55 «Estado é laico, mas esta ministra é terrivelmente cristã», diz Damares ao assumir Direitos Humano (...)
82Não por acaso um ministério sensível ideologicamente como o dos Direitos Humanos, da Mulher e da Família, foi confiado a uma fundamentalista evangélica que afirmou no ato de posse: «O Estado é laico, mas esta Ministra é terrivelmente cristã»55 e se notabiliza cotidianamente por afirmações contrárias aos direitos humanos que ela deveria promover. O objetivo principal é o combate ideológico a tudo que contaria os «valores» tradicionais. Nessa perspectiva, o governo está incentivando o ensino doméstico (homeschooling), e o ensino a distância, inclusive nos níveis fundamental e médio, para permitir as famílias de «controlar» os conteúdos a serem estudados e evitar a influência «deletéria» da escola pública, e das ideologias nelas difundidas, como o «comunismo» e o feminismo.
  • 56 «Bolsonaro decreta fim das faculdades de Filosofia e Sociologia: Objetivo é focar em áreas que ger (...)
83Ao mesmo tempo, está sendo lançada uma campanha ideológica contra o ensino da filosofia, da sociologia, que haviam sido retiradas do currículo do ensino médio pela ditadura militar e reintroduzidas pelos governos democráticos, e que agora estão sofrendo uma ameaça de corte. Uma ofensiva que se estende a todas as ciências humanas consideradas inúteis ou nocivas à formação dos estudantes, como declarou o presidente56, e que foi o estopim que provocou as manifestações de protestos dos estudantes professores e funcionários de 15 e 30 de maio de 2019.

3.3. As políticas econômicas neoliberais

84Nos primeiros meses desse governo há retrocessos em todos os campos: na política exterior com a adesão incondicional aos Estados Unidos e a Israel em detrimento dos países árabes e latino-americanos; na política ambiental, com a ampliação do uso de produtos agrotóxicos, a flexibilização da legislação de proteção ao meio ambiente, o corte de verbas e o fechamento ou reestruturação dos órgãos de proteção ambiental e indigenista; na política econômica, com uma reforma da previdência social, centrada na capitalização privada desobrigando o Estado e as empresas e atribuindo o ônus principal ao trabalhador; uma proposta de privatização geral nos setores estratégicos das empresas públicas, que contraria os interesses nacionais e favorece as empresas estrangeiras; na política de segurança pública, meramente repressiva, centrada no armamento da população e das polícias; na educação através de um corte de verbas nas despesas de manutenção ordinária, e nas bolsas de estudo para a pós-graduação, associado a uma interferência na autonomia universitária, através das nomeações dos reitores e dos órgãos de direção das universidades para controlar ideologicamente e enfraquecer financeiramente a universidade pública e favorecer a educação privada.
85Políticas que ocorrem em um país como o Brasil que nunca teve um sistema de welfare state consolidado, que é um dos países mais desiguais do mundo, onde mais de 70% dos estudantes do ensino superior estudam em faculdades privadas, onde a qualidade do ensino básico e da saúde pública deixa muito a desejar e onde o numero de desempregados está beirando os 13 milhões.
86É muito difícil entender a atual conjuntura política, social e econômica do Brasil, porque ela muda constantemente. O governo não tem propriamente um compromisso programático, está dividido em grupos de interesses: o presidente e os seus familiares, o vice-presidente e os militares, o juiz Sérgio Moro e os magistrados e procuradores da Lava-Jato, o ministro Paulo Guedes do Tesouro e os grupos econômicos, e os grupos fundamentalistas evangélicos e católicos.
87Essas várias facções estão unidos mais por um compromisso ideológico de combater e «destruir» o «inimigo», do que um compromisso programático de construir algo. Apesar da vitória nas urnas, o governo não tem ainda uma base parlamentar sólida para aprovar as reformas, e o congresso mostra certa independência e autonomia. A oposição está ainda dividida e se reorganizando e os impasses do governo provêm mais das disputas internas do que da oposição externa.
  • 57 «As milícias, Marielle Franco e o governo Bolsonaro» («Poliarquia», 05/06/2019). Disponível em: ht (...)
88Logo após a posse do novo governo, duas das promessas eleitorais mais importantes, o combate à corrupção e ao crime organizado, que foram os motivos alegados pelo juiz Moro para assumir o ministério, foram desatendidas: aparecem e se fortalecem todos os dias claros indícios de ligação da família e do entourage do presidente com esquemas de corrupção e com as milícias do Rio de Janeiro que mataram a vereadora Marielle Franco e o seu motorista, sem que as investigações avançassem e que houvesse até o momento nenhuma manifestação a respeito do Ministro da Justiça57.

4. Conclusão

89Há no governo uma clara intenção autoritária que se manifesta cotidianamente nas declarações e no estilo do presidente e dos seus ministros e colaboradores e que tem o respaldo de uma minoria que se identifica ideologicamente (e que saiu às ruas de maneira expressiva no dia 26 de maio passado e voltou às ruas em 31 de junho).
90A possibilidade de um endurecimento do regime não está descartada, assim como de um crescimento da violência criminal e política se o decreto sobre o armamento do Ministro Sérgio Moro for aprovado. Se isso acontecer, além das milícias digitais que espalham ódio e mentiras nas redes sociais, a violência poderia passar para as ruas: sobretudo se a crise econômica piorar e obrigar o governo a tomar medidas mais drásticas e impopulares. Ao acompanhar o dia a dia da política brasileira se há a sensação de estar lendo o livro de Levitsky e Ziblatt: «Como as democracias morrem».
91Como afirmamos no começo deste ensaio, o Estado Democrático de Direito vive em uma tensão permanente entre dois opostos: uma democracia sem direitos (tirania da maioria) ou um direito sem democracia (democracia elitista). No Brasil os dois extremos se tocam.
92O que mais preocupa é a associação entre violência criminal e política: até o momento há um embate ideológico acirrado, com manifestações e contraposições radicais nas redes sociais e nas ruas, mas sem passar o limite da violência verbal e ir a um confronto físico, como acontece em outros países, por exemplo, na Venezuela ou na Nicarágua. Mas a história antiga e recente do Brasil tem um lado sombrio e violento que preocupa.
  • 58 Schwarcz, 2019; Souza, 2019.
93Há uma evidente divisão e radicalização do país, sem possibilidade de diálogo. Não estamos (ainda?) em uma ditadura, mas também não estamos (mais?) em uma democracia liberal: o bolsonarismo se insere nos processos de autoritarismos que estão se espalhando em vários países do mundo, inclusive nos países de tradição democrática mais consolidada; e que foram analisados pelos autores que estudamos no começo deste artigo. Um autoritarismo que, no caso do Brasil, afunda suas raízes no longo histórico de violência, de corrupção, de desigualdades sociais, de intolerância e de preconceitos raciais e de gênero que o atual governo expressa, e que colocam em xeque a imagem do Brasil cordial58.
94Mas o Brasil não tem somente esta alternativa, já demonstrou que pode consolidar a democracia respeitando as minorias e as regras do jogo, e incluindo grande parte das massas tradicionalmente excluídas no jogo democrático, na melhoria da qualidade de vida e de consumo, em uma melhor distribuição da riqueza e do poder.
95Há sinais de resistência. Houve uma volta às ruas, mobilizada não tanto pelos partidos de oposição, mas pela reação aos cortes na educação, que reuniu nos dias 15 e 30 de maio milhões de pessoas em centenas de cidades: estudantes, professores funcionários públicos de todos os níveis de ensino e que aconteceram em um clima de festa, de participação, sem violência. Um sinal de vitalidade da democracia, de esperança no respeito das regras do jogo democrático e de que e violência verbal não deságue em mais violência física do que já existe.
96Apesar das falhas, nestes mais de trinta anos de transição democrática se consolidou uma consciência democrática na sociedade civil organizada e em vários setores das instituições públicas, que não pode ser eliminada por decreto presidencial ou pela violência. Isso nos faz esperar que as instituições e a sociedade civil reajam, resistam e funcionem; que as garantias e as liberdades fundamentais sejam respeitadas; que o governo não se torne um regime que aos poucos vai sufocando a frágil democracia brasileira; que este seja um ciclo, um momento, um contraponto a um período anterior e que se volte a uma alternância de governo.
97Isto vale para o Brasil, mas também para outros países, onde há uma crise do liberalismo político e um avanço do populismo de direita e do liberalismo econômico. Parafraseando o título de um famoso livro de Bobbio (O futuro da democracia): será que a democracia liberal tem ainda um futuro ou estamos assistindo aos últimos capítulos?
98O Brasil vai ser um bom lugar para responder a esta questão.
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BIBLIOGRAFIA

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NOTE

1 A tese central de Brennan, 2017 é a contraposição entre a democracia e a «epistemocracia», como poder dos que sabem, os técnicos, retomando assim a contraposição de Platão entre doxa e episteme e sua defesa em A República e em O Político do governante ser o Rei-Filósofo.
2 Mounk, 2018: 14.
3 Levitsky and Ziblatt, 2018.
4 Disponível em: https://medium.com/funda%C3%A7%C3%A3o-fhc/como-morrem-as-democracias-por-steven-levitsky-fe3f1b9328ccApesar dos apelos dos ilustres professores de Harvard, Stanford e Yale, na eleição de 2018 não foi possível criar uma frente democrática e republicana contra o crescimento do autoritarismo. As divergências internas aos partidos foram mais fortes do que a ameaça à frágil democracia brasileira.
5 Em um artigo aparecido na «Folha de São Paulo», em 2018 o cientista político norte-americano Francis Fukuyama, que ficou famoso pela tese de que a democracia liberal se universalizaria como melhor forma de governo, alertava contra os perigos do populismo nacionalista e afirmava que «Bolsonaro é uma ameaça à democracia». Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2018/04/bolsonaro-e-uma-ameaca-a-democracia-diz-francis-fukuyama.shtml.
6 Ver David Runciman. «Talvez este seja o fim do Estado moderno», diz professor de Cambridge. «Folha de São Paulo», 21.01.2018. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2018/01/1951709-estamos-assistindo-ao-fim-do-estado-moderno-diz-professor-de-cambridge.shtmlVer também Runciman, 2018.
7 Disponível em: http://fundacaofhc.org.br/iniciativas/debates/Ha-um-declinio-global-das-democracias-mesa-redonda-com-larry-diamond. Ver também Castells, 2018, que analisa fenômenos tais como: a crise da representação política, a política do medo, a nova rebelião das massas e os perigos da desunião europeia.
8 Andriola, 2014; Benoist, 2017.
9 Indo, como sempre, contracorrente Steven Pinker, professor em Harvard, é um dos poucos estudiosos que defendem a tese de que não há um declínio da democracia (Pinker, 2018). Ver: Steven Pinker escreve sobre vantagens do sistema político ocidental. Em artigo com Robert Muggah, linguista afirma que a capacidade de resistência da democracia é motivo de otimismo: «Folha de São Paulo», 22.04.2018. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2018/04/steven-pinker-escreve-sobre-vantagens-do-sistema-politico-ocidental.shtml.
10 Bobbio, 2000a; 2000b.
11 Bobbio, 1983: 56.
12 Bobbio, 2004: 51.
13 Bobbio, 2000a: 39.
14 Ibidem: 65.
15 Bobbio, 1983.
16 Bobbio, 2000a: 51.
17 A propósito da ascensão do neoliberalismo Bobbio afirmava em O futuro de democracia (2000: 141): «A insídia é grave. Não está em jogo apenas o estado do bem-estar, quer dizer, o grande compromisso histórico entre o movimento operário e o capitalismo maduro, mas a própria democracia».
18 Bobbio, 2000a: 54-55.
19 Associação de partidos de esquerda latino-americanos.
20 Referência ao Duque de Caxias patrono do exército brasileiro.
22 Ferreira, 2014.
23 Portinaro, 2011.
24 Tosi-Silva, 2014: 41-62.
25 Seja-me permitido ressaltar o papel exercido no resgate da memória pelo Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da UFPB, que traduziu do italiano e publicou os anais das quatro sessões do Tribunal Russell II, realizadas nos anos setenta em Roma e Bruxelas, pela Fundação Lelio Basso. Os livros podem ser encontrados no site: www.cchla.ufpb.br/ncdh.
26 «Presidente do STF diz que prefere chamar ditadura militar de “movimento de 1964”». Portal IG São Paulo 01.10.2018. Disponível em: https://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2018-10-01/dias-toffoli-movimento-de-1964.html.
27 «Bolsonaro nega ditadura e diz que regime viveu probleminhas»: «Folha de São Paulo», 27.03.19. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/03/nao-houve-ditadura-teve-uns-probleminhas-diz-bolsonaro-sobre-regime-militar-no-pais.shtml.
28 Agamben, 2004; Teles-Safatle, 2010; Tosi, 2017.
29 «Governo Militar: Bolsonaro nomeia mais de cem militares para cargos no governo» («Zero83», 03.03.2019). «Governo Bolsonaro terá mais ministros militares do que em 1964» («De Fato. Rondônia», 16.12.2018. Disponível em: https://defatorondonia.com.br/2018/12/16/governo-bolsonaro-tera-mais-ministros-militares-do-que-em-1964/.
30 «Comunismo», no contexto atual do debate ideológico brasileiro, é um conceito vago e indefinido que abrange muitos significados: remete ao «inimigo» histórico dos tempos da ditadura militar e da guerra fria, em um novo contexto totalmente diferente, passados mais de 30 anos da queda do muro de Berlim e do fim da ditadura militar no Brasil; e serve para condenar e demonizar qualquer coisa que possa se assemelhar a um pensamento de esquerda, que ameace os «valores tradicionais»: Deus, a família e a propriedade.
31 O então presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Levandowsky que presidiu a sessão do impeachment afirmou posteriormente que foi um «tropeço da democracia». Rede «Brasil Atual», 20.09.2016. Disponível em: https://www.redebrasilatual.com.br/politica/2016/09/impeachment-foi-tropeco-da-democracia-diz-lewandowski-8618/.
32 Ver: Luigi Ferrajoli, Uma agressão Judicial à democracia brasileira: «Lula. Estamos diante do que Cesare Beccaria, em Dos delitos e das penas, chamou de “julgamento ofensivo”, em que “o juiz”, em vez de “pesquisador imparcial da verdade”, “se torna o inimigo do réu”» («Il Manifesto», 07.04.2018. Disponível em tradução brasileira em: https://www.ocafezinho.com/2018/04/11/ferrajoli-julgamento-e-prisao-de-lula-insultam-a-democracia-brasileira/.
33 Sobre a operação «vaza-jato», ver: «Informações do The Intercept provam o “lawfare como arma política no Brasil». Disponível em: http://www.abjd.org.br/2019/06/artigo-informacoes-reveladas-provam-o.html.
34 «Nova pesquisa Vox Populi aponta vitória de Lula no 1º turno» («Expresso», 29.05.2018). Disponível em: http://expressopb.net/2018/05/28/nova-pesquisa-vox-populi-aponta-vitoria-de-lula-no-1o-turno-veja-os-numeros/.
35 «Sérgio Moro aceita ser superministro da Justiça e Segurança Pública de Bolsonaro» («El Pais», Brasil, 01.11.2018). Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/11/01/politica/ 1541081900_911802.html.
36 Luiz Moreira: «A judicialização da Política alcançou patamares alarmantes no Brasil: o sistema de justiça passou a tutelar todas as áreas» («Carta Maior», 3/07/2015). Disponível em: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Principios-Fundamentais/Judicializacao-da-politica/40/33978.
37 Sobre o golpe institucional e a prisão do Lula, ver: Silva, 2019; Proner; 2018; Reinholds, 2019.
38 Kerche, Feres, 2018.
39 Episódios como aquele do suicídio do Reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, a intimação coercitiva do Reitor de Minas Gerais e a condução coercitiva do presidente Lula são exemplos desses procedimentos ao arrepio da Lei.
40 Um fato mostra esta relação. A força-tarefa da Lava Jato atuou desde o começo em estreita ligação com as autoridades judiciárias dos Estados Unidos. Devido a essa colaboração, a justiça norte-americana condenou a Petrobrás, a empresa brasileira estatal de petróleo, a pagar 2 bilhões e meio de reais em multas; mas essas multas foram «devolvidas» aos Procuradores e Juízes da Lava-Jato e colocadas à disposição em uma conta privada, como «prêmio» por ter desvendado a corrupção da empresa. Este projeto só não for efetivado pela intervenção da Procuradoria Geral da União, e do STF que decidiram que os recursos deveriam ser colocados à disposição do Tesouro. «Com 2,5 bi em caixa, a Lava Jato se prepara para substituir o bolsonarismo, por Luis Nassif» («GGN», 5.03.2019). Disponível em: https://jornalggn.com.br/justica/com-25-bi-em-caixa-a-lava-jato-se-prepara-para-substituir-o-bolsonarismo-por-luis-nassif/.
42 Ver o relatório da Anistia Internacional de 2017. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/anistia-internacional-aponta-que-58-defensores-de-direitos-humanos-foram-mortos-em-2017-no-brasil.ghtml. Acesso em 28 de fevereiro de 2019.
43 Franco, 2019.
44 Rancière, 2014.
45 Nos dias 26 e 27 de maio de 2019, 56 presos foram mortos em várias penitenciárias da cidade de Manaus, na Amazônia, em uma luta interna entre facções que aconteceu na completa indiferença e omissão das forças de segurança. No ano de 2017, houve em Manaus outro massacre de 56 presos em uma luta entre facções criminais. Fatos como esses estão se tornando corriqueiros no sistema penitenciário brasileiro, na indiferença das autoridades e da população que segue o ditado «bandido bom é bandido morto». «40% dos mortos em massacres em Manaus eram presos provisórios, diz governo do Amazonas» («Planetário», 04.06.2019). Disponível em: https://radioplanetario.com/blog/2019/06/04/40-dos-mortos-em-massacres-em-manaus-eram-presos-provisorios-diz-governo-do-amazonas/.
46 «Pacote anticrime de Moro não é um projeto de segurança pública, avalia Lenio Streck» («Jornal GGN», 14/02/2019). Disponível em: https://jornalggn.com.br/justica/pcc-cv-e-milicias-ganham-status-legislativo-moro-da-bois-aos-nomes-por-lenio-streck/.
47 O presidente assinou em janeiro de 2019 um Decreto Lei que amplia a posse e o porte de armas para algumas categorias, por exemplo os proprietários rurais, ao mesmo tempo em que o Ministro da Justiça e da Segurança Sergio Moro apresentou um Projeto de lei sobre o mesmo tema, que está em discussão no Congresso. Ver: «Decreto sobre posse de armas de Bolsonaro é «inconstitucional», diz órgão do MPF («El Pais», 18.01.2019). Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/01/18/politica/1547836836_214017.html.
48 «Letalidade policial no Brasil já é alta, e tende a aumentar com projeto de Moro» («El Pais», Brasil, 4.02.2019). Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/02/04/politica/1549309490_990004.html.
«Letalidade policial aumenta 20% no ano; Rio tem maior número de casos» («Estadão», 10/08/18). Disponível em: https://www.noticiasaominuto.com.br/justica/634404/letalidade-policial-aumenta-20-no-ano-rio-tem-maior-n-de-casos.
49 Durante o processo eleitoral de 2018 houve um distanciamento e isolamento dos blocos políticos, que passaram a funcionar separadamente como «currais eleitorais digitais». Ver: https://catracalivre.com.br/criatividade/ferramenta-mostra-quais-sao-os-amigos-que-seguem-bolsonaro-no-facebook/.
50 «Lula e Dilma serão os primeiros “julgados” na Comissão de Anistia, informa Damares». Blog do Esmael. Publicado em 03/04/2019. Disponível em: https://www.esmaelmorais.com.br/2019/04/lula-e-dilma-serao-os-primeiros-julgados-na-comissao-de-anistia-informa-damares/.
51 Duas medidas recentes chamam a atenção: o fechamento através de decreto presidencial de dezenas de Conselhos de Direitos, instrumentos de democracia participativa criados nos governos do PT; e o cancelamento do «Pacto Universitário pelos Direitos Humanos», assinado entre o Ministério da Educação (MEC) e 333 instituições, entre Universidades e Organizações não Governamentais, para promover projetos de ensino, pesquisa e extensão em direitos humanos. Ver: «Decreto de Bolsonaro pode pôr fim a conselhos de participação civil» Ricardo Galhardo, «O Estado de S. Paulo», 13 de abril de 2019. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,decreto-de-bolsonaro-pode-por-fim-a-conselhos-de-participacao-civil,70002789906. «MEC abandona pacto de direitos humanos que envolvia mais de 300 universidades» («Último Segundo - iG»). Disponível em: https://ultimosegundo.ig.com.br/educacao/2019-05-14/mec-abandona-pacto-de-direitos-humanos-que-envolvia-mais-de-300-universidades.html.
52 Pesquisa Pulso Brasil, IPSOS, 2018. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-44148576.
53 Bedin-Tosi, 2018.
54 «Bolsonaro afirma que o Brasil é um Estado cristão e não laico» («Blastingsnews», por Andressa Cavalcante, 11.02.2017). Disponível em: https://br.blastingnews.com/politica/2017/02/bolsonaro-afirma-que-o-brasil-e-um-estado-cristao-e-nao-laico-001463979.html. Essas afirmações foram feitas quando Bolsonaro era deputado. Após tomar posse, o discurso mudou parcialmente para não confrontar diretamente a Constituição brasileira, mas manteve a mesma ideologia: «O Estado é laico, mas eu sou cristão», diz Bolsonaro ao propor ministro evangélico para o STF. FORUM. 31.05.2019. Disponível em: https://www.revistaforum.com.br/o-estado-e-laico-mas-eu-sou-cristao-diz-bolsonaro-ao-propor-ministro-evangelico-para-o-stf/.
55 «Estado é laico, mas esta ministra é terrivelmente cristã», diz Damares ao assumir Direitos Humanos Nova ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos é pastora evangélica e já disse que família brasileira «corre riscos» em razão do Plano Nacional de Direitos Humanos. Por Fernanda Vivas, TV Globo 02/01/2019. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/01/02/estado-e-laico-mas-esta-ministra-e-terrivelmente-crista-diz-damares-ao-assumir-direitos-humanos.ghtml.
56 «Bolsonaro decreta fim das faculdades de Filosofia e Sociologia: Objetivo é focar em áreas que gerem retorno imediato». Enquanto os filhos - e ele próprio - são doutrinados pelo «filósofo» Olavo de Carvalho, Bolsonaro decreta fim dos estudos de humanas alegando que a educação deve servir para ensinar «leitura, escrita e a fazer conta e depois um ofício que gere renda para a pessoa» («FORUM», 26.04.2019). Disponível em: https://www.revistaforum.com.br/bolsonaro-decreta-fim-das-faculdades-de-filosofia-e-sociologia-objetivo-e-focar-em-areas-que-gerem-retorno-imediato/.
57 «As milícias, Marielle Franco e o governo Bolsonaro» («Poliarquia», 05/06/2019). Disponível em: http://poliarquia.com.br/2019/06/05/as-milicias-marielle-franco-e-o-governo-bolsonaro/.
«Caso Queiroz volta a assombrar Flávio Bolsonaro com quebra de sigilo bancário» («El Pais», Brasil, 13.05.2019). Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/05/14/politica/1557788865_536312.html.
58 Schwarcz, 2019; Souza, 2019.
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PER CITARE QUESTO ARTICOLO

Notizia bibliografica

Giuseppe Tosi« A crise do liberalismo político e a ascensão do liberalismo econômico e do populismo autoritário. O caso do Brasil »Teoria politica. Nuova serie Annali, 9 | 2019, 227-249.

Notizia bibliografica digitale

Giuseppe Tosi« A crise do liberalismo político e a ascensão do liberalismo econômico e do populismo autoritário. O caso do Brasil »Teoria politica. Nuova serie Annali [Online], 9 | 2019, online dal 26 mai 2020, consultato il 27 mai 2020URL: http://journals.openedition.org/tp/827
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AUTORE

Giuseppe Tosi

Universidade Federal da paraíba, pinuccio@uol.com.br.

Resistir é preciso - Editorial, O Estado de S. Paulo

Resistir é preciso
Editorial, O Estado de S. Paulo, 27/05/2020

O presidente Jair Bolsonaro sente-se cada vez mais à vontade para revelar à Nação suas intenções autoritárias. A bem da verdade, decoro e respeito à ordem constitucional jamais foram traços do caráter do mau militar e do deputado medíocre. Por que haveriam de ser do presidente da República? O elevado cargo que ora ocupa não mudou a personalidade de Bolsonaro; foi ele quem rebaixou a Presidência para acomodá-la à sua estreiteza moral, cívica e intelectual. Como se vê em suas palavras e atitudes, se Bolsonaro tem na cabeça alguma ideia de como conduzir o País, é certo que não o levará a bom porto. E basta assistir à inacreditável reunião ministerial trazida a público por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF) para perceber que a eventual ilegalidade dos meios para a consecução de seus fins não passa de desprezível detalhe.
O melhor que pode acontecer ao País nesta encruzilhada da História é que as perigosas intenções do presidente permaneçam onde estão, ou seja, no plano das intenções. Isto só será possível se as instituições se mantiverem firmes e resistirem com coragem e espírito público às desabridas pressões do atual chefe do Poder Executivo. É hora de as Forças Armadas, o Congresso, o STF, a Procuradoria-Geral da República (PGR) e a imprensa profissional exercerem suas atribuições republicanas sem desviar um milímetro das prerrogativas que a Constituição lhes confere. Não é fácil, mas resistir é preciso.
Contando com o estímulo de Jair Bolsonaro, o bando de celerados que o apoiam e batem ponto nas redondezas dos Palácios do Planalto e da Alvorada recrudesceu os ataques aos jornalistas que cobrem a Presidência. Tão virulentos foram esses ataques que os mais importantes veículos de comunicação do País decidiram suspender a cobertura jornalística naqueles locais. Longe de se tratar de “recuo” ou de simples “manifesto” da imprensa contra o governo, a decisão visa à proteção da integridade física dos jornalistas, que só está sob risco porque o cidadão Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), não exerce a contento o seu dever de garantir a incolumidade de todos os que estão em áreas de segurança nacional. As agressões sofridas pelo fotógrafo Dida Sampaio, do Estado, e por jornalistas da Folha de S.Paulo e da TV Bandeirantes ilustram bem do que os camisas pardas do bolsonarismo são capazes.
Mas as ameaças à liberdade de imprensa não se dão apenas pela coação física e pelo assédio moral praticados contra os jornalistas de campo. William Bonner, editor-chefe e apresentador do Jornal Nacional, da Rede Globo, tem sido vítima de chantagens e fraudes por meio do uso de dados pessoais de seu filho. De um número telefônico com prefixo 61 (Brasília), o jornalista recebeu mensagens com dados fiscais sigilosos seus e de sua família. O objetivo dessas ações, obviamente, é tolher o livre exercício da profissão. Não se sabe a autoria dos crimes, mas não se ouviu uma só palavra de repúdio de Jair Bolsonaro ou de qualquer membro de seu governo ao ato vergonhoso e covarde. É com tais vícios morais que os bolsonaristas e seus inocentes úteis se associam?
Como a imprensa, o Congresso, a PGR e o STF, entre outras instituições de Estado, têm sido constrangidos por Bolsonaro a afrouxar a independência e os controles constitucionais que regem o sistema de freios e contrapesos. O desassombro dos avanços autocráticos do presidente é tal que faz crer que ele realmente se vê como um ungido para governar o País como melhor lhe aprouver, devendo satisfações apenas a seus caprichos. Não é hora de tibieza. A resposta das instituições deve ser à altura das ameaças. Ao tomar posse como presidente do Tribunal Superior Eleitoral, o ministro Luís Roberto Barroso afirmou que “não há volta no caminho da estabilidade institucional e democrática”. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, disse que “prudência não pode ser confundida com hesitação”, enfatizando que a “preservação da democracia” não será descuidada pela Casa das Leis.
As forças vitais do País deveriam estar inteiramente voltadas para a tarefa de salvar o maior número de vidas possível em meio à pandemia. Desafortunadamente, o Brasil hoje tem de lutar pela vida e pela liberdade a um só tempo. Mas se é assim, à luta, pois.

A contra-ofensiva de ex-chanceleres sobre a política externa inconstitucional - Roberto Godoy (OESP)

Antonia Lacerda/EFE



Antonia Lacerda/EFE










Política externa de Bolsonaro une adversários históricos da diplomacia brasileira

Ex-ministros das Relações Exteriores e embaixadores articulam apoio e defendem ações no Congresso e no STF para impedir danos à imagem do País e o desrespeito à Constituição













Marcelo Godoy, O Estado de S.Paulo 
27 de maio de 2020 | 05h00

A oposição à política externa do governo Bolsonaro, comandada pelo chanceler Ernesto Araújo, uniu partidos políticos e titulares do Itamaraty de todos os governos desde a redemocratização do País. Ex-ministros das Relações Exteriores e embaixadores se organizaram no chamado Grupo Ricupero, que pôs lado a lado adversários históricos na diplomacia que agora articulam apoio e defendem ações no Congresso e no Supremo Tribunal Federal (STF) para impedir danos à imagem do País e o desrespeito à Constituição que, segundo eles, são promovidos pela gestão do presidente Jair Bolsonaro. 


Ernesto Araújo
O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Ernesto Araújo Foto: Antonia Lacerda/EFE
A investida dos diplomatas no Congresso se intensificou nos últimos dias. Na semana passada, Rubens Ricupero - embaixador, ex-assessor internacional do presidente José Sarney - e Celso Amorim - chanceler de Itamar Franco e de Luiz Inácio Lula da Silva - se reuniram com representantes de fundações de oito partidos políticos para expor as preocupações do grupo. O encontro foi coordenado por Renato Rabello, ex-presidente do PCdoB. Nele havia também representantes do PT, PSDB, da Rede, do Cidadania, PSB, PDT e PSOL.  
Na reunião, os diplomatas explicaram aos partidos por que defendem que as ações de Araújo violam a Constituição. Os argumentos devem servir de ações a questionamentos dos partidos no Congresso e no STF. “O Brasil está isolado. Isso trará consequências graves para o futuro do País”, afirmou Ricupero, que dá nome ao grupo por simbolicamente representar um elo entre duas alas da diplomacia nacional.  
Após o encontro, o PSB decidiu por meio do deputado Alessandro Molon (RJ), seu secretário de relações internacionais, encaminhar requerimento para a convocação de Araújo ao Congresso para ele "apresentar e esclarecer questões sobre as sistemáticas violações da Constituição Federal na condução da política externa brasileira pelo governo de Jair Bolsonaro".  
"A situação do Brasil em termos de política externa é lamentável, deplorável. A imagem de uma atuação equilibrada do Itamaraty construída ao longo de décadas de trabalho está sendo destruída rapidamente. Somos um país que não merece ser levado a sério. Recentemente fomos criticados por Paraguai e Colômbia em razão de nossa política contra o coronavírus. Olham para nós com incredulidade, o que traz muito prejuízos para o Brasil", disse Ricupero.

Araújo já esteve em 2019 na Câmara. Para Molon, deve-se ainda analisar passo a passo eventuais ações no Supremo. "Não descartamos ir ao Supremo para barrar ações do Itamaraty como a que deixou o Brasil fora do esforço mundial para a busca de uma vacina contra a covid-19." O líder do PSDB na Câmara, deputado Carlos Sampaio(SP), afirmou que "a política externa deve estar a serviço dos interesses brasileiros e a diplomacia, como o próprio termo já diz, é avessa a confrontos com parceiros comerciais de primeira grandeza do Brasil, como a China, e críticas a organismos internacionais, como a OMS". 
As críticas feitas à China por Araújo e pelo bolsonarismo é uma das principais reclamações às ações do atual chanceler. O receio é que elas prejudiquem as exportações para o país asiático pelo agronegócio - a China é o principal parceiro comercial do País. "Nosso setor produtivo já faz a sua parte, sendo um dos mais competitivos do mundo e a política externa deve ser mais um agente indutor dessa vocação inata desse importante setor", afirmou o tucano.  
Outros pontos também mobilizaram os partidos políticos. Um deles foi a decisão de o Brasil retirar todos os seus diplomatas da Venezuela, deixando 12 mil brasileiros residentes naquele país sem nenhuma assistência consular. A representação do deputado Paulo Pimenta (PT-RS) pede à Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, Déborah Duprat, para que tome providências a fim de obrigar ao presidente e ao Itamaraty reabrir a embaixada ou pelo menos o consulado em Caracas para "garantir a proteção dos cidadão brasileiros que lá se encontrem sob qualquer pretexto ou residam naquele país bem como proteger o legítimo interesse das empresas brasileiras que comercializam com entes públicos e privados da Venezuela".  
Pimenta obteve recentemente uma vitória no Supremo. O ministro Luís Roberto Barroso concedeu liminar suspendendo decisão de Bolsonaro que expulsava os diplomatas da Venezuela. Para o professor e ex-chanceler Celso Lafer - governos Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso -, “está em andamento e pode crescer no Congresso Nacional o controle político e a fiscalização da política exterior do governo Bolsonaro”.  
De acordo com Lafer, o grupo de chanceleres foi construído “por pessoas de distintas orientações e visões políticas”. Para ele, trata-se de “um esforço para na sua área viabilizar um centro vital voltado para agregar – e não para fragmentar – a sociedade brasileira, o que é tão necessário para uma apropriada governança”. Lafer admite que a constituição do grupo pode instigar “novas ações que na moldura da Constituição e da consequente defesa do Estado de Direito”. 
A ação dos chanceleres provocou a reação do governo. Em artigo publicado no Estadão, o vice-presidente Hamilton Mourão considerou que o grupo usa seu prestígio usam seu prestígio “para fazer apressadas ilações e apontar o País‘como ameaça a si mesmo e aos demais na destruição da Amazônia e no agravamento do aquecimento global’, uma acusação leviana”. 
Além de Ricupero, Lafer e Amorim, fazem parte do grupo de ex-chanceleres o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso - chanceler de Itamar Franco -, Aloysio Nunes Ferreira (Michel Temer) José Serra (Michel Temer), Francisco Rezek (Fernando Collor de Mello) e o ex-secretário de Assuntos Estratégicos Hussein Kalout (Michel Temer). Eles publicaram um artigo no Estadão e outros jornais do País com o título A Reconstrução da Política Externa Brasileira.  
Para FHC, o documento deve ser o embrião de novas iniciativas. “No que depender de mim, sem partidarismos ou sectarismos, a resposta é: sim.” Fernando Henrique afirmou acreditar em ações pontuais que unam os partidos. Algo em que também acredita Molon. "Ela (a ação dos ex-chanceleres) mostra que é possível encontrar ponto convergentes entre as bancadas no Parlamento." No mesmo sentido, Amorim disse esperar a “reação de outros setores, que talvez não tenham percebido de que, embora seja loucura, há método no governo Bolsonaro”.  
“Cabe aos congressistas tomarem uma atitude mais direta”, disse. “Criamos uma convergência entre nós em torno da democracia e da defesa da Constituição, um diálogo entre forças que vão do DEM ao PSDB e ao PT”, disse Aloysio Nunes Ferreira, ex-ministro da gestão de Temer.  
Ele compara a situação com a eleição francesa de 2002, quando o gaullista Jacques Chirac e o extremista de direita Jean Marie Le Pen. No segundo turno, Chirac contou com o apoio dos demais partidos franceses e venceu com 82% dos votos. “Esse diálogo deve criar convergência.”  
Para o articulador do grupo, o cientista político e professor da Universidade de Harvard, Hussein Kalout, a ação está “apenas começando”. 
A crítica fundamental dos ex-chanceleres é que o governo Bolsonaro viola com sua política externa os princípios do artigo 4.º da Constituição. “O Executivo tem uma certa margem de apreciação na sua interpretação e aplicação. Esta margem no entanto, tem limites. O que argumentamos no nosso artigo é que a diplomacia do governo Bolsonaro extrapolou estes limites, que são um marco normativo a ser seguido”, afirmou Lafer.  
O grupo denuncia a submissão do Brasil à política externa do governo de Donald Trump (EUA) bem como o “apoio a medidas coercitivas em países vizinhos, violando os princípios de autodeterminação e não intervenção”. “A atual orientação impõe ao País custos de difícil reparação como desmoronamento da credibilidade externa, perdas de mercados e fuga de investimentos”, afirmaram os chanceleres no artigo.  
Para Amorim, o Brasil hoje "não só não tem liderança alguma como se converteu em um pária internacional".  O Estadão procurou o Itamaraty sobre a ação dos ex-chanceleres e sobre as ações dos partidos no Congresso e no STF, mas a pasta não se manifestou até a publicação desta reportagem. Pelo Twitter, após a divulgação do artigo, Araújo chamou Fernando Henrique, Ricupero e Amorim de "paladinos da hipocrisia", "figuras ainda menores que precisam aprender conosco como se defende a Constituição". 

Ernesto Araújo leva o Brasil ao isolamento e à irrelevância internacional - presidente emérito do Cebri (Sputnik)

Esta entrevista do presidente emérito do CEBRI não tinha sido registrada neste blog, que no dia 11 de maio transcreveu apenas a nota do CEBRI, tal como publicada no jornal Valor Econômico, neste link: 
Nota crítica do Cebri sobre a Política Externa do ...

A gestão do Ministério das Relações Exteriores sob a tutela de Ernesto Araújo tende a levar o Brasil ao isolamento e à irrelevância perante a comunidade internacional, afirmou à Sputnik Brasil um ex-embaixador com ampla vivência na diplomacia brasileira.
Sputnik News, 11/05/2020 

O presidente emérito do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), Luiz Augusto de Castro Neves, foi embaixador do Brasil na Argentina, Japão e China, entre outros países, além de ter sido secretário de Assuntos Estratégicos do Ministério das Relações Exteriores.
À Sputnik Brasil, Neves defendeu a nota publicada pelo Cebri no último sábado (9), na qual os rumos da política externa brasileira sob o governo do presidente Jair Bolsonaro são criticados.
Entre outras afirmações, o documento se refere a "um acumulado de erros recentes e que atingiram agora um patamar de disfuncionalidade e de prejuízo para o país ao seguir o caminho oposto do que seria natural durante a crise provocada pelo novo coronavírus".
"[O que motivou a nota] foi a disfuncionalidade crescente da política externa brasileira está tendo como consequência a irrelevância da atuação internacional do governo brasileiro, o que é grave e altamente prejudicial aos interesses brasileiros", disse Neves à Sputnik Brasil.
O presidente emérito do Cebri é um dos 27 signatários do comunicado, que ressalta que "em datas recentes o governo brasileiro, através do Itamaraty [...] tem feito declarações gratuitas e inconsequentes, proferido votos e adotado posições que nos enfraquecem e isolam sem com isso, de forma alguma, fortalecer a defesa de nossos interesses".
"Se acumulam as queixas e ressentimentos com posições nossas que se desviam de nossa longa tradição de cooperação construtiva com a sociedade internacional. Tudo isso tem um preço que pode vir a nos ser cobrado quando mais precisamos de uma coisa que já tínhamos merecidamente conquistado e que era o mais amplo respeito da sociedade internacional que via no Brasil um parceiro amistoso, confiável e, acima de tudo, generoso", acrescentou a nota.
Neves pontuou que parece claro que a política externa brasileira esteja sem rumo, "com algumas manifestações esparsas, grosseiras e inconsequentes". Presidente do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), o diplomata não mencionou diretamente, mas o órgão lida com o maior parceiro comercial do Brasil, o mesmo atacado por ministros e filhos de Bolsonaro recentemente.
"Além das 'declarações gratuitas e inconsequentes', o Brasil tende à pior forma de isolamento, que é aquele decorrente da irrelevância de sua atuação em suas relações internacionais; acrescente-se a conduta errática de algumas autoridades em relação a países com os quais o Brasil tem parcerias estratégicas relevantes para o maior interesse nacional, que é o de promover seu desenvolvimento econômico e social", completou o ex-embaixador.
Na sexta-feira (8), vários ex-chanceleres brasileiros – incluindo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso – divulgaram em jornais de grande circulação um manifesto contra a atual situação do Itamaraty, que é associado mais ao alinhamento automático com os EUA e o negacionismo do que com o multilateralismo que sempre regeu a política externa do país.
Em resposta, Ernesto Araújo usou as suas redes sociais e atacou tanto o manifesto quanto a nota do Cebri. O chanceler recentemente foi criticado por associar a China à COVID-19, tecendo o termo "comunavírus" para associar a pandemia a um suposto levante comunista no planeta.

As opiniões expressas nesta matéria podem não necessariamente coincidir com as da redação da Sputnik

“Reunião mafiosa” e “governo de gângsters” - José Nêumanne (OESP)

A milícia anunciada por um governo com gângsteres
Em reunião mafiosa, Bolsonaro avisa que armará bandos contra seus ‘inimigos’ eleitos  
José Nêumanne
O Estado de S.Paulo, 27 de maio de 2020

Quando o vídeo da reunião do Conselho de Governo de 22 de abril teve o sigilo levantado, inocentes inúteis adotaram a definição do gabinete do ódio bolsonarista de que a bala de prata teria virado traque junino: “Ufa, a prova material da interferência política de Jair Bolsonaro na Polícia Federal, denunciada por Sergio Moro, não foi exibida!”.

Nenhum figurão da República deu importância a uma personagem relevante do inquérito, a deputada Carla Zambelli, que havia oferecido uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF) ao então ministro da Justiça. Antes de ser divulgado o vídeo, ela definiu: “Moro caiu porque é desarmamentista”. Nem sequer lhe foi dedicado um muxoxo de “tolinha”. Pois não é que a atual pomba-correio do presidente da República na Câmara dos Deputados e na Secretaria Especial de Cultura tinha razão? Meninos, eu vi. Basta ver e ouvir o que seu “mito” que mente disse.

Segue transcrição oficial: “Como é fácil impor uma ditadura no Brasil. Como é fácil. O povo tá dentro de casa. Por isso que eu quero, ministro da Justiça e ministro da Defesa, que o povo se arme! Que é a garantia que não vai ter um filho da puta aparecer pra impor uma ditadura aqui! Que é fácil impor uma ditadura”, esbravejou o chefão. E frisou: “Eu peço ao Fernando (Azevedo e Silva, ministro da Defesa) e ao Moro que, por favor, assine(m) essa portaria hoje”, disse o “senhor Constituição” na reunião em que, ao contrário do agendado, não se discutiu a reconstrução da economia pós-pandemia. A não ser por discursos “kaftianos” (apud Weintraub) do “posto Ipiranga” da economia. Tudo numa linguagem que não foi de prostíbulo de porto nem de botequim pé-sujo, mais respeitáveis, mas das reuniões da Máfia de Chicago, sob o taco de beisebol de Al Capone, durante a Lei Seca nos Estados Unidos.

O “capitão cloroquina” fez aí referências explícitas a dois ministros e sobre elas o advogado-geral da União, José Levi do Amaral Júnior, nem se importou em inventar a mentira deslavada do pito na segurança pessoal, assumida pelos generais palacianos, de que tratava, em linguagem de chulé, de crimes que o procurador-geral da República, Augusto Aras, nem sequer se quis dar ao luxo de ver e ouvir na sessão prévia para as partes. No dicionário limitado de um, União, que inclui o Legislativo e o Judiciário federais, é sinônimo exclusivo de “meu chefe” (que o chama de “meu advogado”). O que é algo de pouca relevância, de vez que este se diz dono da voz do povo. E o outro, ao que parece, não se esforça para investigar algum eventual crime do usuário da caneta BIC capaz de alçá-lo ao “pretório excelso”.

Em 23 de abril, um dia depois, a portaria que Bolsonaro cobrou, e para a qual Zambelli chamou a atenção, foi publicada. O volume autorizado, que era de 200 cartuchos por ano, passou a ser de até 300 unidades por mês, a depender do calibre do armamento. A nobre parlamentar deve estar bem informada sobre o assunto, pois é casada com o coronel da PM cearense Aginaldo de Oliveira, egresso da corporação que pode ter lembrado ao capitão de milícias seus tempos de terrorista condenado e depois absolvido pela Justiça Militar. Então, foi-lhe permitido pelo Exército alterar provas do atentado a bomba que preparava contra quartéis e a adutora do Rio Guandu em sua luta obsessiva para melhorar o próprio soldo. Isso levou o ex-presidente Ernesto Geisel a chamá-lo de “mau militar”. Por sinal, a simpatia do chefe da famiglia Bolsonaro pelo motim recente da corporação do marido da devota fã ficou patente.

É claro que também confessou crime de interferência política, que levou os generais palacianos e o advogado-geral da União a agirem de má-fé, os três primeiros em depoimento no inquérito aberto pelo procurador-geral da República com autorização do STF e o último na defesa oficial do chefe do Executivo nessa mesma investigação.

A confissão de querer armar bandos contra o Estado de Direito foi adicionada à de interferir na polícia judiciária para ajudar o filho 01 e um amigo (Fabrício Queiroz) e à da existência de um serviço clandestino de informação pessoal. Os atos lembram os fasci di combattimento (grupos de combate) do fascismo do italiano Benito Mussolini. Mas pela linguagem usada e pelo passado de quem os comete têm mais que ver com as milícias da periferia do Rio, com as quais o idealizador do armamentismo cobrado de Moro se identifica. Ele saudou o tenente Adriano da Nóbrega, do Escritório do Crime, como herói do Bope, quando este já tinha sido condenado por homicídio. E mandou o filho 01 condecorá-lo com a medalha mais importante do Legislativo fluminense. A esse respeito comentou o citado ministro da Defesa, em abril de 2019: “A milícia começou numa intenção de proteger as comunidades. Na boa intenção. Começou com uma intenção de ajudar, mas desvirtuou. Desvirtuou e são bandos armados”. Que flor de ingenuidade!

Mas mais grave do que isso é que nossos falsos pais da Pátria passam ao largo de óbvias ameaças ao Estado de Direito. Incluindo-se aí as vítimas da milícia chavista de direita: João Doria, Wilson Witzel e Bruno Covas, ungidos da mesma consagração pelo voto popular em que se justifica o capo di tutti capi.

JORNALISTA, POETA E ESCRITOR