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sábado, 23 de janeiro de 2021

As FFAA ainda não se libertaram de sua inclinação autoritária - Roberto Amaral

 Não concordo com vários argumentos do articulista, nem com o tom geral do artigo, mas cabe-me defender explicitamente a LIBERDADE DE IMPRENSA contra novos arreganhos autoritários dos militares. Eles ainda não aprenderam a conviver com a democracia plena, que inclui o direito de crítica, e AINDA DEVEM, ao povo, mas sobretudo à História, DESCULPAS PELOS CRIMES que cometeram contra os Direitos Humanos e à Democracia em diversos episódios passados. Enquanto não o fizerem, serão sempre devedores da nação.

Paulo Roberto de Almeida

Os militares, seus crimes e a tentação autoritária

Roberto Amaral

O  general comandante do exército não gostou do artigo _“Na pandemia, exército volta a matar brasileiros”_, de Luiz Fernando Viana, (Época. 17.1.2021) e mandou o general chefe do centro de comunicação social do exército responder à revista. O subordinado cumpre à risca o mandato do chefe, e, no melhor (embora canhestro) estilo do velho e expurgado florianismo, ou lembrando os tempos do grotesco marechal Hermes da Fonseca, mais que  defender a corporação, supostamente injuriada,   desanca o jornalista acusado de blasfêmia e tenta intimidar a revista, ou seja, investe contra a  liberdade de imprensa: _“(...) o Exército Brasileiro exige imediata e explícita retratação dessa publicação, de modo a que a Revista Época afaste qualquer desconfiança de cumplicidade com a conduta repugnante do autor e de haver-se transformado em mero panfleto tendencioso e inconsequente”_.  O segundo general, por força do hábito, certamente,  se expressa como se estivesse dando ordem a um subordinado. Ora, senhor, não existe "imediata retratação" na democracia: o general comandante  que busque na Justiça uma possível reparação, nos termos da lei, como qualquer cidadão pode buscar. Agora, conjecturemos. E se a revista não for  acometida de medo e pusilanimidade, que farão os dois generais? Se tal é a pena que pesa como espada de Dâmocles sobre o periódico, que estará  reservado ao articulista? Fosse nos idos do Estado Novo,  ditadura imposta ao país pelas tropas do ministro da guerra, general Eurico Gaspar Dutra, os militares fechariam a revista e o coronel Filinto Muller prenderia o jornalista nas enxovias do DOPS no Rio de Janeiro. Nos idos da ditadura de 1964, os  fardados cassariam os direitos políticos do articulista e o confinariam em Fernando de Noronha, como fizeram com Hélio Fernandes. Mas que fazer agora, quando o regime ainda é o democrático e constitucional? Ameaçam a livre expressão de pensamento, princípio das democracias ocidentais incorporado à nossa ordem constitucional como direito fundamental desde o primeiro texto republicano. Renunciam ao direito de resposta, que implica a contestação do articulado, e ingressam no campo fácil das ameaças e da intimidação, artifício aliás muito cômodo, embora cediço, para quem pode usar a espada como último argumento.

Em síntese: além de arrogantes, os dois generais atentam contra a Constituição o que constitui crime, pelo qual devem ser representados pelo Ministério Público.

Mas o texto dos generais, ademais de não responder ao artigo indigitado, repito,  encerra uma série de imprecisões, ou inverdades, que,  de tanto serem repetidas, tomam foros de verdade. Comento algumas delas. Não é certo, por exemplo, que devemos nossa unidade territorial aos militares. A expansão é obra de mamelucos, negros escravizados, índios, e da ação genocida de bandeirantes saídos de São Paulo, mas saídos também da Bahia, de Pernambuco, do Maranhão, do Pará e do Amazonas. Segue-se o povoamento do sertão, obra do povo, a que se reporta Capistrano de Abreu.  A integridade territorial, por outro lado, foi obra de nordestinos, na colônia, e de gaúchos na colônia e no império em guerras que consumiram milhares de vidas.  No Império foi obra da Regência, confirmada e consolidada na república pela diplomacia do Barão do Rio Branco. 

     É verdade que nossos soldados foram para os campos da Itália, já ao final da guerra (1944), combater as tropas do Eixo, mas é igualmente verdade que fomos à guerra contra a insistente resistência dos generais Eurico Gaspar Dutra, Ministro do Exército, e do todo poderoso general Góes Monteiro, chefe do estado maior da força, como está fartamente documentado. Aliás, na reunião do ministério (27 de janeiro de 1942) que decidiu pela beligerância, a proposta foi apresentada pelo civil Getúlio Vargas, contra o parecer do ministro da Guerra.  

     De outra parte, há certas e incômodas verdades que os generais não comentam, como a “guerra do Desterro”(1894) e o “ajuste de contas” do sanguinário coronel Moreira César, como não têm uma só  palavra sobre o covarde massacre dos beatos de Antônio Conselheiro, para proteger os interesses dos latifundiários da Bahia. Ainda na República, em 1937, lembro o bombardeio do Caldeirão, no Ceará, contra os camponeses do beato Lourenço, evento esquecido à direta e à esquerda. Não sei se a marinha registra com orgulho a Revolta da Chibata, de 1916. 

     Estamos falando em fatos recentes, republicanos. Mas não foi diverso o papel do exército no império, sufocando, à custa de muito sangue, as tentativas de independência e republicanismo que caracterizaram, por exemplo a Confederação do Equador (1824), esmagada, como a Revolução Praieira (1849), com a mesma fúria que antes se abatera sobre a Revolução pernambucana de 1817 e que terminou com o fuzilamento do Frei Joaquim do Amor Divino Rabelo, que passou à história como Frei Caneca e hoje é pranteado como santo e herói.

     O articulista da Época a ele não se refere, mas a historiografia séria desqualifica qualquer entusiasmo cívico diante de nosso papel na guerra do Paraguai.

      Os militares sustentaram, até a exaustão, em nome dos grandes proprietários, dois impérios, cujas bases radicavam no escravismo e na estagnação, uma das raízes do atraso de hoje. Preferiram, sempre, um país tacanho, de analfabetos e mal alimentados, de deserdados da terra, a tocar nos privilégios da classe dominante, sejam os velhos latifundiários do Império, sejam os grandes fazendeiros da primeira república, seja o empresariado rentista, improdutivo, de nossos dias.

    O progresso é visto como ameaça, pois pode desestabilizar o statu quo do mando secular.

E os militares brasileiros, a quem a nação deve outros serviços, jamais se notabilizaram na defesa da democracia. Na República a golpearam insistentemente desde as ditaduras dos marechais Deodoro da Fonseca (1889-1891) e Floriano Peixoto (1891-1894) até hoje. Vide o golpe de 1937, arquitetado por Góes Monteiro e operado por Eurico Dutra; o golpe de 1954 operado pelas três forças e que teve no general Juarez Távora um de seus comandantes, a tentativa de golpe contra as eleições de 1955 (que teve entre seus líderes o general Canrobert Pereira da Costa e o brigadeiro Eduardo Gomes); a intentona de 1961, encabeçada pelos três ministros militares e o chefe do estado maior do exército, general Cordeiro de Farias; o golpe de 1964, que nos legou 20 anos de ditadura, com seu rol de cassações de direitos políticos, prisões, torturas e assassinatos, muitos levados a cabo em dependências militares, como o assassinato de Mário Alves Alves de Souza Vieira, no quartel da polícia do exército no Rio de Janeiro, e de Stuart Angel, na base aérea do Galeão.

     Sempre na defesa da ordem (pleiteada por todos os privilegiados), dos interesses da grande propriedade da terra, da burguesia e do capital internacional, contra a emergência dos interesses populares, travando o processo histórico. 

     O fato é este: até hoje não se fizeram as reformas necessárias para transformar a nação em país soberano, como a reforma agrária pedida desde o primeiro império por José Bonifácio. Aliás, por defender “reformas de base” um presidente da República foi deposto e implantada, pelos militares, uma ditadura, pesadelo que ainda nos assombra.

      As democracias não falecem por doença congênita. Jovens ou maduras elas são assassinadas, e só há uma arma capaz de atingi-las mortalmente: a espada, seja empunhada por uma sedição,  seja por um golpe de Estado. No Brasil e no mundo o golpe de Estado é a forma que as forças dominantes dispõem para chegar ao poder evitando os percalços de eleições. Ele ou é dado diretamente pelas forças armadas, ou é levado a cabo com seu assentimento cúmplice. Mas em qualquer hipótese nenhum golpe de Estado se sustenta sem o poder militar. No Brasil ele foi agente de todos os golpes de Estado levados a cabo com sucesso. E foi ele que abriu caminho para a aventura do  capitão insidioso, e hoje lhe dá proteção. Os militares, portanto, na medida em que sustentam e participam do comando do governo, até mesmo (e com escandalosa inépcia) na administração da saúde (onde pontifica a estultice de um general da ativa), estão solidários com todos os seus erros e crimes, inclusive os de lesa-pátria, como a política externa que nos transforma em aliados subalternos do império do Norte e seus interesses. 

     Dessa obviedade histórica não podem fugir. Resta-nos supor que as forças armadas ainda conservem – porque nem todos os generais estão ocupando sinecuras no governo –  capacidade de reflexão e, antes que seja irremediavelmente tarde, revejam o papel que estão cumprindo, contra a história que pretendem representar, contra os interesses do país e de seu povo, contra a vida e a esperança.

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Roberto Amaral é escritor e ex-ministro de Ciência e Tecnologia


Políticos pândegos, parvos, patéticos - Marli Gonçalves

 

POLÍTICOS PATÉTICOS E OUTROS PÊS

MARLI GONÇALVES

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Pesadelo, esses políticos patéticos, pobres e podres de espírito, perniciosos, pândegos, estão esgotando nosso arsenal, inclusive, de adjetivos para nomeá-los. E isso não é língua do “p”. “P” de parem com isso o mais rápido possível, o país paralisado, perplexo, o povo com pavor de ficar doente e não ter nem onde cair, e perturbado com a oscilação institucional, com ameaças sem nexo, provocações desmedidas
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Antes de mais nada, por favor, reparem que a bronca é geral. Não é só o pavoroso presidente e seus pândegos ministros, mas também os pálidos e penosos passos da oposição, a patifaria do Congresso Nacional, as pernadas de governadores em prol de uma eleição daqui a dois anos, a preguiça das instituições da sociedade civil. Inoperantes, inconsequentes, despreparados.
Não lembro de ter visto nessa minha vida de algumas décadas, importantes décadas, um quadro geral tão desanimador, reunindo tanta fraqueza, de ética, de opinião, de ação, de comportamento.
No poder, um masculino grupo de parvos e, pior, parvos que, sem verdades e ações, teimam em espalhar mentiras dia e noite, aceitas e espalhadas quando não por robôs que as impulsionam, por imbecis que se dizem patriotas. Lembram os pelegos sindicais de triste memória, e manipulam massas de forma tão sórdida que agora causam mortes, diárias, muitas, milhares. Incentivam a ignorância, como se tal fosse o “novo normal”. Jogam com vidas, com o futuro, destroem e amargam o presente.
São pusilânimes, porque ainda por cima tentam desdizer o que disseram, mandaram, gravaram, recomendaram, e na hora que são pressionados arrumam sempre um bode expiatório. Essa semana inovaram: depois, por exemplo, de lançarem oficialmente um aplicativo no site do Ministério da Saúde de “orientação” para o “tratamento precoce” contra Covid-19, ao serem pegos no pulo, acusaram... hackers! Que hackers são esses, hein? Aliás, agora dizer que foi hackeado é mania nacional e até o ex-senador cristão e hipócrita até a medula usou essa justificativa depois de vazar “sem querer” imagem de um pênis, que, ora!, estava em seu celular, mas saiu dizendo que foi alguém.
Não sei se você aí sabe de uma das últimas: nesse momento tão sério o General Preguiça de olhinhos redondos giratórios que descomanda todo o processo de vacinação contratou um assessor novo, para sua comunicação. Trata-se de um indivíduo conhecido como Markinhos Show, que se define, leia bem, como "Palestrante Motivacional, Master Coach, Analista em Neuromarketing, Especialista em Marketing, SEO, Hipnólogo, Mentalista, Practitioner em PNL, Músico, Empreendedor e Especialista em Marketing Político."
Ou seja, que palavra mesmo usar para defini-lo? Fechem os olhos, concentrem-se. Vocês podem estar sendo hipnotizados pelos tais olhinhos redondos, da cara redonda, esse que para ouvir melhor, sim, ouvir melhor, precisa tirar a máscara, tal qual os inconsequentes que a abaixam para falar ao celular e que vemos todos os dias nas ruas.
Não se sinta mal se, assim como outros milhares de brasileiros, babou de inveja ao assistir a posse do novo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e sua vice, Kamala Harris. Não se sinta mal se de repente tem pensamentos estranhos, não exatamente generosos quando pensa neles todos, os operantes e os inoperantes, estes que se encontram sentados sobre dezenas de pedidos de impeachment e processos legais.
Não se sinta mal. Uma coisa pelo menos parece certa nos últimos dias. Parece que é possível ver uma luz no fim do túnel, o tilintar da ficha geral caindo. E novos ventos soprando nas ruas.
Pvamos em Pfrente. Pva-Pci-Pna Pjá!
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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano - Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. Nas livrarias e online, pela Editora e pela Amazon.
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sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Sobre uma eventual e ainda incerta mudança no Itamaraty - Paulo Roberto de Almeida

 Sobre uma eventual e ainda incerta mudança no Itamaraty 

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 22/01/2021


Sim, o atual chanceler acidental ultrapassou todos os limites do razoável e da dignidade pessoal, ao defender, e até mesmo recrudescer, no tocante às posturas absolutamente alopradas dos donos do poder em matéria de política externa e de diplomacia.

Sim, ele é o PIOR chanceler em 200 anos de história, mas mesmo tal escala comparativa é inaplicável na prática, pois NUNCA tivemos profissional tão desequilibrado e tão medíocre na gestão de área tão sensivel não só para a imagem do Brasil no mundo, mas também para a defesa concreta dos interesses nacionais e dos resultados econômicos para a comunidade de negócios. 

Sim, ele se mostrou indigno com respeito a valores e princípios tão caros na tradição dos altos padrões de trabalho seguidos pela diplomacia profissional, e até com respeito a cláusulas constitucionais que ele violou seguidamente, notadamente no campo da não intervenção nos assuntos internos de outros países e, sobretudo, na defesa da independência nacional, pois que sacrificou o interesse nacional ao se subordinar de forma vil a dirigentes de uma potência estrangeira.

Sim, ele demonstrou não possuir nenhum laivo de racionalidade, ou até de auto estima, ao se submeter de forma canina, servil, como um capacho indigno, às piores loucuras antiplomáticas de assessores ineptos do círculo do poder e mesmo às idiossicrasias claramente prejudiciais ao Brasil defendidas pelos ignaros da família presidencial em assuntos externos.

Sim, ele representa tudo o que os diplomatas profissionais mais rejeitam, e por isso tem sido objeto do desprezo dos colegas de carreira, a ponto de ser alvo de zombarias clandestinas e de ter sido agraciado com epítetos depreciativos, entre eles o de Beato Salu, personagem histriônico da literatura novelesca.


E, no entanto, acaba de ser defendido pelo degenerado dirigente máximo da obra execrável na política externa, dizendo que ela é “excepcional”. Mas isso era esperado, pois o inepto capitão teima em se contrapor a todo o mundo.

E o que conta, finalmente, é que o chanceler acidental se esmera ao máximo em seguir caninamente seus chefes, obedecendo servilmente aos ainda mais ineptos controladores imediatos, o filho 03, um despreparado completo em temas internacionais e um aspone apelidado de Robespirralho.


Existe o precedente de “cair para cima”, como no caso do inacreditavelmente estúpido Weintraub, premiado com um cargo no exterior totalmente acima e além de sua notória incapacidade.

Pode ser o caminho do desequilibrado chanceler acidental, mas só no caso de problemas ainda maiores do que os já causados aos intereses dos grandes grupos econômicos, até aqui silentes e coniventes com os tremendos despautérios perpetrados por esse bando de ignorantes e despreparados.

Alguma pressão nesse sentido tem sido visível nos últimos tempos, e podem se acentuar com os desastres acumulados no combate à pandemia, e em face do extraordinário e inédito isolamento internacional do Brasil, cujo chanceler não tem diálogo com NENHUM dos grandes parceiros econômicos do Brasil.

Mas, justamente, o inepto e voluntarioso dirigente adora posar de “macho”, contrariando todas as opiniões alheias e até o senso comum e o consenso geral. 

De toda forma, os aloprados no poder precisam de um outro capacho no Itamaraty, o que pode ser difícil de conseguir; ninguém de fora, ou mesmo algum quadro profissional conseguiria ser tão indigno na subserviência quanto tem demonstrado ser o chanceler acidental; se existir, poderia ser apenas o prolongamento da demolição da política externa e da diplomacia. 


Paulo Roberto de Almeida 

As Vacinas, o Gado da Índia, os Gansos, o Dragão e o Papagaio. - Paulo Antônio Pereira Pinto

 As Vacinaso Gado da Índia, os Gansos, o Dragão e o Papagaio

Paulo Antônio Pereira Pinto


As encomendas das vacinas da Índia e da China pelo Brasil, conforme noticiado, parece resumir-se a telefonemas à farmácia do bairro. “Tem tantos milhões de doses disponíveis?”. A resposta é a de que a venda ao exterior começará com a exportação a países vizinhos, sem incluir o Brasil.

Prefiro acreditar que a aceitação de sermos um “país pária” não tenha causado ruído nas comunicações telefônicas com Nova Delhi. Afinal, os Brahmins, que desprezam aquela casta inferior, cumprem atividades religiosas e não governamentais, na Índia.

Não nos situamos, cartograficamente, no entornodestes países - que faz sentido, que para eles não sejamos prioritários , do ponto-de-vista sanitário.

Apesar da distância e diferenças de fuso horário –são 6 horas e meia a mais para a Índia e 11 horas para a China – temos vínculos históricos e culturais significativos com os dois povos. Estas relações históricas deveriam ter sido mais valorizadas, na interlocução para a compra das vacinas, tendo em vista os discursos de “amizades eternas”, consolidados com ambos os países.

Basta lembrar que, com respeito à Índia, já compartilhamos de outro  “líquido da vida”: o leite.É sabido que, no final da década de 1950, pecuarista de Minas Gerais iniciou a importação de gado Girda Índia, que tem – segundo especialistas – aumentado a qualidade de derivados bovinos no Brasil.

Desnecessário lembrar que a Índia faz parte de nosso imaginário, desde os primeiros anos de escola, ao estudarmos nosso “descobrimento”. Mais adiante, aprendemos que, durante o “ciclo do ouro”, no século XVII, o Brasil colonial não dispunha de artesãos, tendo Portugal trazido especialistas de Goapara talhar a arte sacra em Minas Gerais. 

Estudos mais aprofundados, como tive oportunidade de discutir com a equipe da TV Globo que foi a Mumbai, para a gravação da novela “A Caminho da Índia”, nos ensinam que há mitologias em comum, entre algumas crenças indianas e de nossos indígenas, que acreditam serem os humanosoriginários das águas dos rios.

Mas, talvez seja interessante fazer exercício de reflexão sobre alguns aspectos da recente emergência da China e da Índia, no cenário internacional.

 

 

Os Gansos, o Dragão, o Pavão e o Papagaio.

 

Durante as décadas de 1980-90, acreditava-se que predominava, na Ásia-Pacífico, o conceito de “revoada de gansos”, na qual o Japão seria o líder, em virtude de bem sucedido processo de desenvolvimento industrial voltado para exportações. Na medida em que seus produtos vendidos ao exterior se tornassem mais sofisticados e caros, os bens de menor valor agregado teriam sua manufatura, gradativamente, transferida para outros locais vizinhos, na Coréia do Sul, Cingapura (servi no Sudeste Asiático, entre 1986 e 1995, sucessivamente, em Kuala Lumpur, Cingapura e Manila), Hong Kong e Taiwan (onde chefiei nosso Escritório Comercial, entre 1998 e 2006). Estes viriam a tornarem-se novos “gansos” e a formar a tal “revoada” atrás dos japoneses. 


O “dragão” chinês, então, não era considerado capaz de ser incluído nesta formação. As justificativas para a decolagem da China (trabalhei em Pequim entre 1982 e 85), no final do século passado, passaram a ser encontradas em ampla bibliografia sobre a questão de “valores asiáticos” e sua influência no processo dos “flying geese”. Segundo esta forma de pensar, o “hierático universo confuciano”, de origem chinesa, estaria permeando o fenômeno de crescimento da Ásia Pacífico, misturando gansos e dragão numa mesma revoada.


A partir do início do atual milênio, no entanto, o pavão indiano começou a marcar presença neste já eclético bando de aves símbolos de crescimento econômico. Na Índia, contudo, além do pavão, de pouca autonomia de voo, há, em Mumbai (onde fui Cônsul-Geral, entre 2006 e 2009), abutres, corvos e muitas - muitas mesmo - pombas que, com o comportamento errático idêntico ao dos demais habitantes do país, não obedecem a preceito confucionista algum. Tornou-se necessário, portanto, criar novo discurso ou tese, para explicar o alardeado fenômeno de emergência no Sul da Ásia.


Assim, o ex- editor da revista “Economist”, Bill Emmott, publicou o livro “Rivals – How the powerstruggle between China, India and Japan will shapeour next decade”, no qual cria abordagem inovadora para explicar a evolução dos países asiáticos, afirmando que as elites dos mesmos poderiam ser divididas entre “produtivas” e “parasitárias”. 


Nessa perspectiva, ficava resolvida a questão do enquadramento do pavão no fenômeno de crescimento regional. Isto é, na sequência da produtividade das elites dos países dos gansos e do dragão, o animal indiano, agora, se veria livre de sua elite parasita.


Como observador em Mumbai, no entanto, entendi que não caberia adotar – neste universo aviário – a simples postura de um papagaio, no sentido de apenas imitar raciocínios gerados em capitais europeias e norte-americanas. A título de exercício de reflexão, buscava outros enfoques sobre o ressurgimento atual da influência de civilizações asiáticas, no cenário internacional.


A “Ásia”, a propósito, é uma expressão geográfica, onde como foi visto acima, aves de diferentes tipos são usadas como símbolos distintos. Não corresponde a uma civilização particular. Agrupamentos humanos muito variados se espalharam por seu território. Uma “civilização asiática” se apresenta, apenas, no Extremo Oriente. Naquela área, a vida humana se relaciona mais com o continente do que com o mar ou seu litoral.


Pode-se falar, no entanto, de um mundo do Oceano Pacífico e outro do Índico. Cada um destes deve ter suas aspirações estudadas separadamente. A natureza e a história concederam traços comuns a estes dois vastos conjuntos, diferenciando-os do mundo Ocidental.


No que diz respeito à China, os primórdios de sua história são marcados por sucessivas invasões de povos do Norte e Noroeste, levando ao surgimento e falência de grandes Impérios. Assim, a dinastia “Chang” floresceu no Segundo Milênio antes de Cristo, tendo sucumbido a invasores conhecidos como os “Tcheos”. 


Em seguida, um novo Império se organiza, mas é tão vasto que é fracionado em principados, hostis uns aos outros. A Guerra Civil se intensifica até que uma família mais forte, a dos “Hans”, impõe sua autoridade. Os quatro séculos de paz assegurados pelos Hans são seguidos por novo período de anarquia até que veio a ser instalada a dinastia Tang 618-907).


Estas lutas internas, no entanto, não impediram que a China estendesse sua influência sobre a península coreana e ilhas japonesas. 


Tais conflitos marcaram profundamente a mentalidade chinesa em dois aspectos principais: o camponês viveu sempre na ignorância sobre as causas dessas profundas alterações na vida política do país, enquanto consolidou completa indiferença sobre o que se passava além do seu grupo social de interesse mais próximo, isto é, a família e a aldeia; e o comércio e a agricultura se desenvolveram àmargem dos grandes movimentos políticos que sacudiram o Império chinês, através dos séculos.


O Caso da Índia


Até a chegada dos conquistadores turco-afegãos, no século XII, as sucessivas levas de invasores ou novos imigrantes que chegavam à Índia foram sendo absorvidos pelas civilizações já estabelecidas na área. Assim acontecera com gregos, hunos e diferentes grupos e tribos da Ásia Central[1].


Com turcos e afegãos, no entanto, veio novo elemento cultural que não foi absorvido pelo Hinduísmo – o Islã.


Mesmo que estas duas religiões tenham permanecido separadas e distintas a civilização que chegou à Índia com o Islã começou a influenciar todos os aspectos da vida local, criando o que alguns estudiosos chamaram de uma cultura Indo-Islâmico, particularmente no Norte do país.


Dois debates são criados, com respeito ao relacionamento entre a Índia e o Islã. O primeiro é histórico. Estudiosos ocidentais descrevem as dinastias turco-afegãs e suas sucessoras, Mughals, como o período de regência muçulmana na Índia. Outro grupo de acadêmicos discorda. Para estes, a comunidade muçulmana não exerceu poder, tendo, na verdade, o compartilhado com lideranças comunitárias locais.


O segundo debate diz respeito à teoria de que haveria duas “nações” na Índia, após a chegada do Islã àquele país. Este ponto de vista justificaria a divisão atual do subcontinente, com a criação do Paquistão.


Os que se opõem a tal interpretação assinalam que o sentimento de nacionalidade surgiu, na Índia, apenas em meados do século XIX. Havia uma elite muçulmana, naquela época, mas o país fora governado pelos ingleses.


Tais considerações podem parecer obscuras, mas conduzem ao âmago da questão da identidade indiana, na medida em que coloca o país em condição de absorver influências externas, sem perder seu sentido de identidade.


Caberia, assim, comparar as posturas chinesa e indiana, no processo de absorção de influências ocidentais, a partir do início do século XVIII, para que se chegue a critérios sobre as aspirações atuais dos dois países.


No que diz respeito à China, estes aportes do exterior ocorreram no momento em que sua civilização e sistema de governança estavam enfraquecidos. Naquele país, as pressões exercidas de fora, portanto, foram mais traumáticas do que na Índia. 


No caso chinês, houve evolução no sentido a um “nacionalismo” e totalitarismo, que se fundiram durante a fase maoista. Na Índia, as influências externas levaram a tolerância quanto à diversidade cultural e a uma democracia eleitoral vigorosa.


Verifica-se, portanto, que não cessam os esforços de mistificação para explicar, com a utilização de aves simbólicas, suas revoadas e evocações a diferentes tipos de elites, o resurgimento recente da importância e influência de civilizações antigas, como a chinesa e a indiana, hoje capazes de produzir tão desejadas vacinas. Todo esse esforço buscaria explicar a padronização de aspirações de povos distintos, como resultado da globalização.


Na prática, verifica-se que a criação de uma economia global e o fortalecimento de novas tecnologias não erodiram culturas e valores locais, no chamado continente asiáticos. Pelo contrário, na medida em que as pessoas tiveram acesso a maior informação e educação, suas diferenças culturais se tornaram mais pronunciadas – não menos. Nesse processo, diferentes grupos demonstraram perseguir visões distintas de projeto nacional, assim como reagiram contra ameaças a sua identidade cultural.


Enquanto isso, ao papagaio verde e amarelo restariaconsolidar formas de interlocução com tais sociedades – ou ninhadas – multiculturais, multilíngues multiquasetudo, consolidando heranças e posturas comuns, sem preocupação com rótulos e símbolos criados no Ocidente.


Afinal, no começo, nossa inserção internacional deu-se com a busca da “Rota das Índias” e, por influência portuguesa, costumes, crenças e saberes de origem chinesa foram introduzidos, logo no início de nossa História, na maneira brasileira de ser. 

 

Em conclusão, este é o desafio! O que parece faltar, no momento é uma interlocução adequada, apelando para heranças comuns de identidade culturais, através de canais diplomáticos que deveriam estar consolidados, para que obstáculos burocráticos ou políticos sejam superados, com a efetivação da remessa das vacinas indiana e chinesa.Apenas telefonemas e cartas não bastam.

 

 

Paulo Antônio Pereira Pinto, Embaixador aposentado e primeiro Cônsul-Geral do Brasil em Mumbai.

 

 

 

[1]Keay, John. “India – A History”.