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quinta-feira, 3 de março de 2022

Os BRICs e a economia mundial: Entrevista ao jornalista Lourival Sant’Anna - Paulo Roberto de Almeida

 Os BRICs e a economia mundial

Algumas questões de atualidade

 

Entrevista concedida ao jornalista

Lourival Sant’Anna – O Estado de São Paulo

Paulo Roberto de Almeida

Rio de Janeiro, 9 de novembro de 2006

Publicado na edição d’O Estado de São Paulo em 04.12.06, caderno Economia, pág. B7, sob o título “O Bric é só um exercício intelectual”.

Postado no Blog Diplomatizzando (14/11/2019; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/11/o-bric-e-economia-mundial-2006-paulo.html).

 

Por que o senhor tirou o “B” do Bric?

Esse Bric não existe. É uma construção arbitrária, que não se sustenta em nenhum arranjo político-diplomático, em nenhuma configuração efetiva internacional. É um exercício puramente intelectual de um banco de investimentos, o Goldman Sachs, que criou essa figura, sem justificativa em si, a não ser pelo peso específico de cada um desses países. Eles não interagem entre si, não atuam de forma coordenada para fins desse exercício feito pelo banco, que é a emergência econômica, como massa atômica específica, de cada um desses países na economia mundial. Ou seja, eles terão inevitavelmente um grande peso, inclusive o Brasil, que é pouco dinâmico, mas cada um por sua própria conta. A rigor, há também a Indonésia, que está um pouco diminuída hoje, mas vai emergir; a África do Sul, o México – grandes países que, somados à China, à Índia e ao Brasil, conformariam um G-11 ou G-13 da economia mundial. Isso é relevante, em termos de coordenação da agenda econômica mundial, mas não há nenhum exercício político-diplomático de coordenação entre Brics, ou Rics. Cada um tem uma forma específica de inserção na economia mundial. Cada um tem interesses nacionais, que não são necessariamente divergentes, mas não são coincidentes. 

 

Mas o senhor disse também que Índia e China estão ingressando no Hemisfério Norte.

Não, eu disse que, para efeitos de economia mundial, a Índia e a China fazem parte do Hemisfério Norte.

 

Por quê?

Porque essa nova geografia comercial, que se anuncia como relevante para o Sul, já existe: são os emergentes asiáticos exportando para o Norte desenvolvido – Estados Unidos e Europa. Para todos os efeitos imagináveis, o destino econômico da China está intimamente ligado ao dos Estados Unidos. Os americanos dependem da transferência de recursos asiáticos para continuar sustentando a sua avidez de consumo. A China depende enormemente da capacidade comercial deficitária americana, ou seja, que os Estados Unidos continuem comprando dela. Do catálogo do Wal Mart, 80% ou mais é chinês ou pode ser feito na China. E a China tem um papel deflacionista extremamente importante na economia mundial. Assim como a Inglaterra no século 19 ofereceu mercadorias baratas a todo o mundo, a China exerce hoje esse papel.

 

E a Índia?

A Índia já é outra coisa. Também é intimamente integrada aos Estados Unidos, pelas redes de engenheiros, pelos seus executivos que trabalham na Califórnia ou na Costa Leste, que vão alimentar a nova economia da inteligência e do conhecimento. A China é basicamente um laboratório, um ateliê ou uma fábrica. A Índia é basicamente um escritório de concepção e desenho.

Os indianos desenham aquilo que lhes foi encomendado desde o Vale do Silício, podendo inclusive agregar algo mais.

Mas o que é desenhado na Califórnia também o é por engenheiros indianos. Há uma simbiose completa entre concepção e desenho americano, ou ocidental, e a nova Índia, que está emergindo paulatinamente e vai ser uma potência em software e em conhecimento também.

 

Mas isso é uma pequena Índia.

Claro, estou falando da incorporação de uma pequena parte da Índia na economia de mercado.

 

Mas não atrapalha (a exclusão social)?

Atrapalha internamente.

 

E externamente?

Não. A Índia vai continuar com milhões de miseráveis durante muito tempo, assim como a China. O que elas já fizeram em termos de crescimento econômico é extraordinário. A China tirou 200, 300 milhões de camponeses de uma miséria abjeta para uma pobreza aceitável, e os transformou em operários. A Índia também tirou algumas centenas de milhares de pessoas da miséria. Mas a miséria indiana ainda é monumental, e vai continuar pelas décadas futuras. Mas isso não importa para a economia mundial, e sim os grandes fluxos transnacionais de comércio, bens, serviços.

 

Mas, no caso da China, isso não foi às custas de um câmbio artificialmente baixo e de salários baixos até para o poder de compra chinês?

Esses são fatores conjunturais. Acredito que a China tem uma boa manipulação de sua política econômica, inclusive para efeitos cambiais e comerciais. Tem uma boa manipulação da sua agenda financeira – reservas, investimentos externos. Mas tudo isso é superestrutura, é espuma. O mais importante é o papel da China como produtora de bens correntes no mundo globalizado.

 

E como ela conseguiu isso?

Ela se inseriu na divisão internacional do trabalho. Quando acabou o socialismo, no fim dos anos 80, o impacto da incorporação dos ex-socialistas na economia mundial não foi muito grande, porque esses países eram pouco competitivos - tinham uma participação ridícula no comércio de bens e de tecnologia internacional - e inexistentes no plano financeiro. O impacto econômico da inserção do ex-bloco socialista no PIB mundial foi de 10% ou 15%, se tanto. Agora, o impacto da incorporação do exército industrial de reserva ex-socialista na divisão mundial do trabalho provavelmente supera um quarto da mão de obra-de-obra total do mundo. É muito relevante no plano da alocação de investimentos para fins de produção, montagem de produtos, enfim, tudo o que requer mão-de-obra. A China, também, em algum momento, vai ficar um pouco cara, e aí outros países vão ser incorporados. Acredito que, na parte industrial, a China mantenha a sua preeminência mundial nas próximas décadas.

Ela está repetindo a história japonesa de copiar para depois criar. 

 

A China vai virar um imenso Japão, neste século ainda?

É sempre diferente. A China produz mais engenheiros do que qualquer país do mundo. Quem produz patentes, inovação tecnológica, são engenheiros. A China vai construir um poder econômico nos seus próprios termos, que não necessariamente vai se dar no vácuo ou na decadência ocidental, e sim em extrema osmose com o Ocidente. As teses de hegemonias, declínios e substituição de impérios não são muito válidas hoje, porque não se tem mais uma economia baseada apenas nas matérias-primas ou na força bruta das máquinas. Como a economia é do conhecimento, tudo isso tende a se disseminar. Quem está perdendo, na verdade, são os operários americanos e ocidentais. Mas as empresas ocidentais vão continuar tão fortes quanto antes, inclusive utilizando mão-de-obra chinesa, claro, para o que for necessário.

 

E a inserção brasileira?

O Brasil vai continuar sendo um grande fornecedor de commodities, o que é bom; um grande fornecedor de energias renováveis, e isso é excelente. Mas o Brasil é um país de lento crescimento. É um país moderno. Mas todos os nossos problemas são made in Brazil. Não têm nada a ver com a globalização. Nada do que é externo é estratégico para os problemas brasileiros atuais. São deficiências próprias: previdenciárias, educacionais, organizacionais, corrupção, gasto público... A globalização até ajuda. Mas, como o Brasil é um pouco avestruz, introvertido, recusa a competição, recusa acordo comercial, nossa indução à reforma vai ser muito mais lenta. Tanto o Mercosul como os acordos hemisféricos são muito menos importantes para o Brasil como mercado do que como estabilização econômica e indução à reforma, à competição e à inovação. Como continuamos introvertidos, nosso processo de reforma vai ser muito lento. Não é que não haja consenso entre as elites quanto a uma agenda de reformas. Não há sequer consciência de que a reforma é necessária, nos planos tributário, fiscal e educacional.

 

Com esse ensino fundamental, o Brasil pode se inserir na economia mundial?

Nós achamos que nossos problemas econômicos são graves, por causa da falta de uma agenda de reformas. No plano educacional, é pior do que possamos imaginar, e tendente à deterioração ainda. A situação é muito pior do que as estatísticas revelam. Não é apenas do ponto de vista organizacional e de investimentos, mas no plano mental, de preparação dos professores. Temos enormes problemas pela frente, que não serão resolvidos facilmente. Sou extremamente pessimista quanto às possibilidades do Brasil de concorrer numa economia globalizada, na medida em que nossa situação educacional é pavorosa. Nós não estamos preparados para capacitar a mão-de-obra, no plano puramente industrial, nem para enfrentar as exigências da modernidade, da inovação tecnológica. No plano científico, até que temos muita capacidade. Nossos cientistas são tão bons ou até melhores que os estrangeiros. Mas a vinculação do sistema científico com o tecnológico é muito precária. Não há um sistema inovador autogerado. É muito induzido pelo Estado. E o Estado deixou de ser uma solução e passou a ser um problema enorme. Um estudo com países da OCDE para o período 1960 a 1996 mostra que o ritmo de crescimento está correlacionado à carga fiscal. Países com carga fiscal de até 25% do PIB tiveram crescimento anual de 6,6%; aqueles com carga fiscal superior a 60% do PIB, de apenas 1,6%.

 

Porque não têm como investir.

Exatamente. A despoupança estatal é um fator extremamente negativo. E, no plano tributário, a incidência sobre o lucro e o trabalho é fator de desemprego, informalidade e não-crescimento. Veja o caso da Irlanda. Ela saiu do perfil europeu clássico e enveredou pelo caminho da eficiência, da baixa tributação sobre os lucros e sobre o trabalho. Saltou de metade da renda per capita européia para acima da média. A China impressiona porque é grande. Mas a Irlanda, em termos de transformação estrutural, é um caso único na história econômica mundial. 

 

Quanto ao R do Bric, a Rússia tem problemas institucionais?

Exato. A Rússia é relevante por seu poderio atômico. Não foi incorporada ao G-7 por ser uma economia de mercado, o que obviamente ela não era, mas porque poderia causar problemas. Ela não faz parte do G-7 econômico, mas do G-8 político, que adota resoluções um pouco inócuas. A Rússia não conta economicamente, a não ser por sua energia. Como ela é importante no equilíbrio geopolítico asiático e europeu e no plano energético mundial, claro que ela fará parte daquele esquema de coordenação. Mas ela precisa fazer suas reformas internas para ser incorporada na OMC e na OCDE. 

 

Postado no Blog Diplomatizzando (14/11/2019; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/11/o-bric-e-economia-mundial-2006-paulo.html).

 

 

O papel dos BRICs na economia mundial - Paulo Roberto de Almeida

 O papel dos BRICs na economia mundial

(corrigindo alguns equívocos de compreensão)

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 26 novembro 2006

Postado no blog Diplomatizzando (28/05/2011; link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2011/05/os-brics-antes-de-existirem-os-brics.html)

 

Os BRICs

Muito se tem falado sobre os BRICs, um suposto grupo de países emergentes dinâmicos, composto pelo Brasil, Rússia, Índia e China, com perspectivas relevantes na futura economia mundial. Em vista, porém, das baixas taxas de crescimento econômico do Brasil, vários jornalistas têm retirado o Brasil desse grupo, convertendo-o em RICs, apenas. 

A verdade, entretanto, é que esse BRIC não existe. Trata-se de uma construção arbitrária, que não se sustenta em nenhum arranjo político-diplomático, em nenhuma configuração efetiva internacional. É um exercício puramente intelectual de um banco de investimentos, o Goldman Sachs, que criou essa figura, sem justificativa em si, a não ser pelo peso específico de cada um desses países. 

Com efeito, na maior parte do tempo, os supostos BRICs não interagem entre si, não atuam de forma coordenada para fins desse exercício feito pelo banco, que é a emergência econômica, como massa atômica específica, de cada um desses países na economia mundial. Ou seja, eles terão inevitavelmente um grande peso, inclusive o Brasil, que é pouco dinâmico, mas cada um por sua própria conta. 

A rigor, há também a Indonésia, que está um pouco diminuída hoje, mas que vai voltar a crescer e emergir, não apenas na região da Ásia Pacífico. Há ainda a África do Sul, o México, todos grandes países que, somados à China, à Índia e ao Brasil, conformariam um G-11 ou G-13 da economia mundial. 

Isso é relevante, em termos de coordenação da agenda econômica mundial, mas não há nenhum exercício político-diplomático de coordenação entre BRICs, ou RICs. Cada um tem uma forma específica de inserção na economia mundial. Cada um tem interesses nacionais, que não são necessariamente divergentes, mas não são coincidentes. 

Não existe, sobretudo, para fins de qualquer classificação diplomática com respeito ao possível alinhamento desses BRICs na política mundial, uma natural identificação dos supostos integrantes desse grupo com os demais países em desenvolvimento ou com alguma diplomacia do Sul. Para todos os efeitos de inserção na economia mundial, a Rússia, a Índia e a China fazem parte do hemisfério norte, assim como, do ponto de vista estritamente político, a Rússia integra plenamente as estruturas de dominação e controle típicos dos países do hemisfério norte.

A Rússia é relevante por seu poderio atômico. Não foi incorporada ao G-7 por ser uma economia de mercado, o que obviamente ela não era, mas porque poderia causar problemas. Ela não faz parte do G-7 econômico, mas do G-8 político, que adota resoluções um pouco inócuas. A Rússia não conta economicamente, a não ser por sua energia. Como ela é importante no equilíbrio geopolítico asiático e europeu e no plano energético mundial, ela faz parte desses esquemas de coordenação. Mas o processo de reformas internas deve ser intensificado para que ela possa ser plenamente incorporada à OMC e à OCDE.

Tampouco existe, para fins de comércio internacional, um realinhamento radical dos fluxos, ainda que seja previsível e até natural um crescimento mais intenso dos intercâmbios entre os próprios países do Sul. A “nova geografia comercial”, que se anuncia como relevante para o Sul, na verdade já existe: são os emergentes asiáticos exportando para o Norte desenvolvido – Estados Unidos e Europa – ou para outros países em desenvolvimento de sua própria esfera geográfica, como é o caso da China e sua imensa esfera de intercâmbios na própria Ásia Pacífico. 

 

A China e a Índia

Para todos os efeitos imagináveis, o destino econômico da China está intimamente ligado ao dos Estados Unidos. Os americanos dependem da transferência de recursos asiáticos para continuar sustentando a sua avidez de consumo. A China depende enormemente da capacidade comercial deficitária americana, ou seja, que os Estados Unidos continuem comprando dela. Do catálogo do Wal Mart, 80% ou mais é chinês ou pode ser feito na China. 

A China exerce hoje um papel deflacionista extremamente importante na economia mundial. Assim como a Inglaterra no século 19 ofereceu mercadorias baratas a todo o mundo, a China desempenha hoje esse papel. É importante porque permite que mesmo os trabalhadores desempregados pela concorrência chinesa nos mercados de manufaturados da Europa e dos EUA continuem a consumir produtos, a partir de suas bonificações-desemprego, que de outra forma não estaria ao seu alcance, se fossem fabricados aos preços da Europa e dos EUA. 

A Índia também está intimamente integrada aos Estados Unidos, pelas redes de engenheiros, pelos seus executivos que trabalham na Califórnia ou na Costa Leste, que vão alimentar a nova economia da inteligência e do conhecimento. A China é basicamente um laboratório, um ateliê ou uma fábrica. A Índia é basicamente um escritório de concepção e desenho. Os indianos desenham aquilo que lhes foi encomendado desde o Vale do Silício, podendo inclusive agregar algo mais.

Mas o que é desenhado na Califórnia também o é por engenheiros indianos. Há uma simbiose completa entre concepção e desenho americano, ou ocidental, e a nova Índia, que está emergindo paulatinamente e vai ser uma potência em software e em conhecimento também.

Trata-se, obviamente, de uma “pequena Índia”, pois se está falando da incorporação de uma parte apenas da imensa população da Índia na economia de mercado. A  exclusão social da maior parte dos indianos dessa economia dinâmica pode até representar algum fator de pressão interna contra as reformas e uma maior inserção na globalização, mas esse é um fator interno que tem de ser resolvido na política indiana. O fato é que a Índia vai continuar com milhões de miseráveis durante muito tempo, assim como a China. 

O que esse dois países já fizeram, em termos de crescimento econômico, é propriamente extraordinário. A China tirou 200 ou 300 milhões de camponeses de uma miséria abjeta para uma pobreza aceitável, e os transformou em operários. A Índia também tirou algumas centenas de milhares de pessoas da miséria. Mas a miséria indiana ainda é monumental, e vai continuar pelas décadas futuras. Mas isso não importa para a economia mundial, e sim os grandes fluxos transnacionais de comércio, bens, serviços.

Os analistas ocidentais e, sobretudo, os políticos americanos argumentam que, no caso da China, isso foi obtido ao custo de um câmbio artificialmente baixo e de salários baixos, até para o poder de compra chinês. Entretanto, esses são fatores conjunturais. A China tem uma boa manipulação de sua política econômica, inclusive para efeitos cambiais e comerciais. Tem uma boa manipulação da sua agenda financeira – reservas, investimentos externos. Mas tudo isso é superestrutura, é espuma. 

O mais importante, todavia, é o papel da China como produtora de bens correntes no mundo globalizado. Para fazer isso, ela simplesmente se inseriu na divisão internacional do trabalho. Quando acabou o socialismo, no fim dos anos 80, o impacto da incorporação dos ex-socialistas na economia mundial não foi muito grande, porque esses países eram pouco competitivos - tinham uma participação ridícula no comércio de bens e de tecnologia internacional - e inexistentes no plano financeiro. O impacto econômico da inserção do ex-bloco socialista no PIB mundial foi de 10% ou 15%, se tanto. Agora, o impacto da incorporação do exército industrial de reserva ex-socialista na divisão mundial do trabalho provavelmente supera um quarto da mão-de-obra total do mundo. 

Tudo isso é muito relevante no plano da alocação de investimentos para fins de produção, montagem de produtos, enfim, tudo o que requer mão-de-obra. A China, também, em algum momento, vai ficar um pouco cara, e aí outros países vão ser incorporados. No que se refere ao setor industrial, a China manterá a sua preeminência mundial nas próximas décadas. 

De certa forma, ela está repetindo a história japonesa de copiar para depois criar. Mas, não se trata de equiparar a China a um novo Japão. A história é sempre diferente. A China produz mais engenheiros do que qualquer país do mundo. Quem produz patentes, inovação tecnológica, são engenheiros. A China vai construir um poder econômico nos seus próprios termos, que não necessariamente vai se dar no vácuo ou na decadência ocidental, e sim em extrema osmose com o Ocidente. 

As teses de hegemonias, declínios e substituição de impérios não são muito válidas hoje, porque não se tem mais uma economia baseada apenas nas matérias-primas ou na força bruta das máquinas. Como a economia é do conhecimento, tudo isso tende a se disseminar. Quem está perdendo, na verdade, são os operários americanos e ocidentais. Mas as empresas ocidentais vão continuar tão fortes quanto antes, inclusive utilizando mão-de-obra chinesa, claro, para o que for necessário.

 

E o Brasil nesse processo?

O Brasil vai continuar sendo um grande fornecedor de commodities, o que é bom, e um grande fornecedor de energias renováveis, o que é excelente. Mas o Brasil é hoje, reconhecidamente, um país de lento crescimento, a despeito de ser um país moderno. 

O fato é que todos os nossos problemas são made in Brazil. Nenhum deles tem algo a ver com a globalização. Nada do que é externo é estratégico para os problemas brasileiros atuais. São deficiências próprias: previdenciárias, educacionais, organizacionais, corrupção, gastos públicos. A globalização até ajudaria na tarefa de reforma. Mas como o Brasil é um pouco avestruz, introvertido, recusa a competição externa e novos acordos comerciais com países desenvolvidos, sua indução à reforma vai ser bem mais lenta. Tanto o Mercosul como os acordos hemisféricos são menos importantes para o Brasil, enquanto acesso a mercados, do que enquanto estabilização econômica e indução à reforma, à competição e à inovação. Como o Brasil continua relativamente introvertido, o processo de reformas vai ser muito lento. Não é que não haja consenso entre as elites quanto a uma agenda de reformas. Não há sequer consciência de que a reforma é necessária, nos planos tributário, fiscal e educacional.

Na globalização, o papel da educação é extremamente relevante. Com a baixa qualidade atual do seu ensino fundamental, o Brasil simplesmente não pode pensar em se inserir na economia mundial de forma competitiva. Achamos que nossos problemas econômicos são graves, por causa da falta de uma agenda de reformas. No plano educacional, é pior do que possamos imaginar, e tendente à deterioração. A situação é muito pior do que as estatísticas revelam. Não é apenas do ponto de vista organizacional e de investimentos, mas no plano mental, de preparação dos professores. Temos enormes problemas pela frente, que não serão resolvidos facilmente. 

Não se deve ser muito otimista quanto às possibilidades do Brasil de concorrer numa economia globalizada, na medida em que sua situação educacional é pavorosa. O Brasil não está preparado para capacitar a mão-de-obra, no plano puramente industrial, nem para enfrentar as exigências da modernidade, da inovação tecnológica. No plano científico, existe muita capacidade: os cientistas brasileiros são tão bons ou até melhores que os estrangeiros. Mas a vinculação do sistema científico com o tecnológico é muito precária. Não há um sistema inovador autogerado. É tudo muito induzido pelo Estado. 

O Estado brasileiro deixou de ser uma solução e passou a ser um problema enorme. Um estudo com países da OCDE para o período 1960 a 1996 mostra que o ritmo de crescimento está correlacionado à carga fiscal. Países com carga fiscal de até 25% do PIB tiveram crescimento anual de 6,6%; aqueles com carga fiscal superior a 60% do PIB, de apenas 1,6%. Isso ocorre porque simplesmente não existem recursos para o investimento. A despoupança estatal é um fator extremamente negativo. E, no plano tributário, a incidência sobre o lucro e o trabalho é fator de desemprego, informalidade e não-crescimento. 

Pode-se mencionar aqui o caso da Irlanda. Trata-se de um país que saiu do perfil europeu típico de alta imposição fiscal e enveredou pelo caminho da eficiência, da baixa tributação sobre os lucros e sobre o trabalho. Em menos de uma geração, em aproximadamente 17 anos, ela saltou de metade da renda per capita européia para acima da média. A China impressiona porque é grande. Mas a Irlanda, em termos de transformação estrutural, é um caso único na história econômica mundial. 

O Brasil poderia parar de olhar tanto para a China e para a Índia e verificar o que fizeram, por exemplo, Irlanda e Chile, em termos de reforma econômica e inserção no processo de globalização. Para todos os efeitos, não importa muito o tamanho dos países e sim a qualidade de suas políticas econômicas.

 

Para maiores esclarecimentos quanto à natureza dessas políticas econômicas, remeto a meu artigo “Uma verdade inconveniente (ou sobre a impossibilidade de o Brasil crescer 5% ao ano)”, disponível neste link do blog Diplomatizzando: (https://diplomatizzando.blogspot.com.br/2006/11/637-uma-verdade-inconveniente_11.html.


Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 26 novembro 2006

Pra que serve a guerra - Maria Cristina Fernandes (Valor)

 Pra que serve a guerra

Só o front interno da guerra sucessória explicaria a troca no comando do Exército

Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico, 3/03/2022

https://valor.globo.com/politica/coluna/pra-que-serve-a-guerra.ghtml


Ao final dos oito minutos e 37 segundos que durou sua declaração depois do encontro com o presidente brasileiro, quase o dobro do que falou Jair Bolsonaro, Vladimir Putin encarregou-se de informar ao público sobre o ineditismo da reunião que, naquele momento, se desenrolava entre os chanceleres e os ministros da Defesa dos dois países. A inclusão do ministro Walter Braga Netto e de sua contraparte russa Serguei Choigu na reunião dos chanceleres Carlos França e Serguei Lavrov foi uma tentativa da Rússia de vender armas para o Brasil às vésperas do ataque à Ucrânia.

Não deu em nada, mas expôs a esquizofrenia da política externa de um presidente cuja diplomacia, duas semanas depois, votaria pela condenação da Rússia na Assembleia Geral da ONU, descolando-se dos outros três parceiros do Brics (China, Índia e África do Sul), que se abstiveram.

Só o front interno explicaria a troca no comando do Exército

O que o Brasil ganhou com a exposição pública dessa esquizofrenia? Não se sabe se o vereador Carlos Bolsonaro e sua turma aprenderam alguma coisa em Moscou, mas a viagem está longe de ter sido um desperdício para o bolsonarismo. Tem uma aposta retórica e outra, estratégica - para o front interno de sua disputa, esclareça-se. Ambas arriscadas.

Se, como disse duas vezes em Moscou e repetiria no Carnaval do Guarujá, Bolsonaro foi à Rússia compartilhar com Putin “a crença em Deus e nos valores da família”, a carnificina da guerra tratará de contradizê-lo. Além disso, parece ter resolvido enfrentar sua base olavista, liderada pelo ex-chanceler Ernesto Araújo, mantendo a viagem à Rússia porque achou que pegava mal essa coisa de não conseguir ser levado a sério por ninguém fora do Brasil.

Foi isso que disse no Guarujá: “Fui o último chefe de Estado que foi lá. Pelo espaço que [Putin] deu para mim, somos importantes. Somos bem recebidos em qualquer lugar (...) o Brasil é um exemplo para o mundo”. Um repórter levantou a bola e ele cortou, certo de que destroçaria o presidente francês, Emmanuel Macron e afagaria o autocrata russo a quem chamou de “amigo” incapaz de promover um massacre: “Macron foi recebido sozinho no aeroporto. Para mim teve honras militares. Ele ficou afastado da mesa, apesar de vacinado. Putin ficou sem máscara ao meu lado. Achei uma deferência enorme, carinho mesmo pelos brasileiros”.

Se não colar, ele muda o discurso. Mais consolidada é a parceria de Braga Netto, com quem parece ter escolhido ir adiante em sua jornada de mistificação. Desde a viagem a Moscou, Bolsonaro passou a colocar Braga Netto no mesmo patamar de França como ministros aos quais ele recorre para definir sua política externa.

Se Hamilton Mourão lhe ofereceu a blindagem contra impeachment, o ministro da Defesa promete mais. É um combo de vantagens que precede a eleição de 2018 e ultrapassa a de 2022. Ao retornar da Rússia, onde Braga Netto era a estrela de uma comitiva composta de ministros de origem militar, à exceção do chanceler, Bolsonaro foi à reunião do Alto Comando do Exército.

Encontrou um colegiado ressabiado com a aproximação do Brasil com a Rússia mas tolerante com o azedume do presidente com o Supremo Tribunal Federal. Não apenas compartilhou sua intenção de nomear Braga Netto para a vice como a de fazer do atual comandante do Exército, general Paulo Sérgio Oliveira, o ministro da Defesa. A primeira informação já parecia ser do conhecimento de todos, dada a percepção de que a Defesa tem se dedicado à divulgação das ações da Pasta com especial afinco.

A escolha do general surpreendeu mais. Não apenas porque Bolsonaro chegou a pedir sua cabeça no episódio que resultou na saída do ex-ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, como também porque Paulo Sérgio Oliveira, tem conduzido a tropa à maneira de seu antecessor - sem declarações e rigoroso no controle da politização dos quartéis.

Sua saída neste momento, lembra um general da reserva com franca interlocução naquele colegiado, aproxima a dança das cadeiras no comando do Exército brasileiro com aquele do governo João Goulart. Em dois anos e meio o Exército de Jango foi comandado por quatro generais. Na Nova República, a permanência dos comandantes por quatro anos só foi quebrada no impeachment de Collor. Se a troca se efetivar agora, será o terceiro comandante do Exército no mandato do capitão.

É por esta razão que outro general da reserva, conhecedor dos fatos, teme que a escolha seja feita não para levar o general Paulo Sérgio Oliveira para a Defesa, mas para tirá-lo do comando do Exército. É uma repetição do que aconteceu na Defesa em 2021. A necessidade de abrigar o Centrão na Casa Civil foi a desculpa para colocar o ex-titular da Pasta, Braga Netto, na Defesa quando o que se queria mesmo era desalojar Azevedo e Silva e, em seguida, o general Leal Pujol do comando do Exército.

Para isso, seria preciso que o nome a ser escolhido para o comando do Exército rezasse pela cartilha de Bolsonaro. O ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Luiz Eduardo Ramos, reza, mas não é aceito pelo Alto Comando. Marco Antonio Freire Gomes, comandante de Operações Terrestres e único general da ativa na comitiva de Moscou, passa, até porque o colegiado não aposta que um dos seus se guie pela cartilha do capitão. Mas tem uma vaga no Superior Tribunal Militar prometida, sinecura que lhe garantiria 12 anos de sombra ante a aventura de 9 meses no comando de uma tropa que o capitão quer manipular.

A costura de uma troca no comando do Exército no meio da guerra na Ucrânia dá uma ideia da dramaticidade de seu destino. O atual ministro da Defesa, que foi interventor na segurança pública do Rio em 2018, não é apenas a caixa-preta das relações da polícia militar com as milícias cariocas. Ele era o coordenador do comitê de crise na covid-19.

Nessa condição, participou da reunião em que foi proposta a troca da bula da cloroquina, esteve à frente da negociação com o consórcio da OMS pela Covax facility, que resultou no atraso de recebimento de vacinas pelo Brasil, e das decisões retardadas que resultaram na crise do oxigênio em Manaus. Por isso, foi arrolado pela CPI da Covid no crime de pandemia, previsto no Código Penal. É um dos 68 de uma lista encabeçada pelo presidente da República.

Ao colocar Braga Netto na vice, Bolsonaro busca uma equação para o presente, com um exército sobre o qual possa influenciar, e para o futuro. Quer a cumplicidade das Forças Armadas para evitar que ele e seu vice acabem no xadrez. Arrisca findar num abraço de afogados.


Maria Cristina Fernandes é jornalista do “Valor”. Escreve às quintas-feiras

E-mail: mcristina.fernandes@valor.com.br

Academia.edu: resumo das minhas leituras mais recentes - Relatório enviado a Paulo Roberto de Almeida

 A plataforma Academia.edu oferece mais um serviço: um resumo de tudo o que andei pescando e capturando nessa plataforma.

Eis o resumo recebido neste dia 3 de março de 2022: 

Your recent reading history:
Diplomacy as an Independent Variable - Dawisson Belém Lopes

Sinais contraditórios do Brasil sobre a guerra na Ucrânia preocupam diplomatas - Matéria do Estadão, cita Paulo Roberto de Almeida

Sinais contraditórios do Brasil sobre a guerra na Ucrânia preocupam diplomatas

Camila Turtelli e Matheus Lara 

O Estado de S. Paulo, 03 de março de 2022 | 05h00 

https://politica.estadao.com.br/blogs/coluna-do-estadao/sinais-contraditorios-do-brasil-sobre-a-guerra-na-ucrania-preocupam-diplomatas/

(...)

ORIGENS. O diplomata Paulo Roberto de Almeida colocou a política externa bolsonarista como o final trágico de uma trajetória iniciada por um “aparelhamento lulopetista” no Itamaraty: “Com o PT, a ‘pizza diplomática’ até que resistiu bem: só tinha umas fatias de cubanices e bolivarianices”.

ORIGENS 2. “Desde 2019, a ‘pizza’ foi contaminada por um molho bolsonarista inaceitáveis para os princípios de nossa tradição”, escreveu Almeida, no Facebook.

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A matéria no clipping-resumo desta quinta-feira, 3/03/2022: 

Sinais contraditórios do Brasil - Após o Brasil dizer “sim”, ontem, junto a outros 140 países, à resolução da ONU condenando os ataques russos à Ucrânia, sinais contraditórios da política externa do País sobre o conflito mais uma vez foram tema de discussões acaloradas em grupos de diplomatas. Da “neutralidade” citada por Bolsonaro ao “equilíbrio” expresso por Carlos França e as críticas contundentes de Hamilton Mourão, a leitura é de que a falta de rumo pode isolar ainda mais o Brasil. Diplomatas têm demonstrado preocupação sobre como a falta de clareza do Estado brasileiro sobre os ataques têm repercutido internacionalmente e contribuindo para piorar a imagem já desgastada da política externa do País. O diplomata Paulo Roberto de Almeida colocou a política externa bolsonarista como o final trágico de uma trajetória iniciada por um “aparelhamento lulopetista” no Itamaraty: “Com o PT, a ‘pizza diplomática’ até que resistiu bem: só tinha umas fatias de cubanices e bolivarianices”. “Desde 2019, a ‘pizza’ foi contaminada por um molho bolsonarista inaceitável para os princípios de nossa tradição”, escreveu Almeida, no Facebook. Ganharam destaque entre membros do corpo diplomático brasileiro printscreens de jornais internacionais que, apesar do voto contra a Rússia na ONU, ainda veem o Brasil como simpático à causa russa. O britânico Daily Mail, por exemplo, destacou ontem as contradições do Brasil e visão “favorável” de Jair Bolsonaro sobre Vladimir Putin.

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Transcrevo o teor do que escrevi anteriormente sobre o assunto, e que está no meu livro mais recente: Apogeu e demolição da política externa (Appris, 2021):

Minha recollection de quase duas décadas de demolição diplomática 

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

  

Um texto que vai causar pruridos nos petistas e trazer desconforto a certas “almas cândidas”, como diria Raymond Aron, inclusive vários colegas diplomatas.

 

O Itamaraty começou a ser destruído, como instituição, na era Lula, a despeito da excelente projeção externa do Brasil e do crescimento extraordinário de nosso prestígio internacional.

Alguns “servos” da ditadura cubana controlavam a diplomacia, como certo apparatchik do PT e alguns colaboradores voluntários (sobre cujo caráter não preciso me expressar). Mas a “pizza diplomática” do Itamaraty até que resistiu bem: só tinha uma ou duas fatias de cubanices e de bolivarianices, mas era o Itamaraty “normal”: multilateralismo, regionalismo, desenvolvimentismo, unctadianismo, terceiro-mundismo, anti-imperialismo e antiamericanismo moderado, ou seja, tudo igual ao que sempre fomos, desde o final dos anos 1950, quando começa a famosa PEI, ainda antes do Afonso Arinos e do San Tiago Dantas, e outros ideólogos do período, como Araújo Castro.

Mas, a diplomacia partidária e paralela do PT introduziu elementos clandestinos e deformadores do processo decisório, que foi totalmente invertido: a base tinha de atender aos objetivos da cúpula, como no “centralismo democrático” dos neobolcheviques.

 

Por isso escrevi, em 2014, o livro “Nunca Antes na diplomacia…”, que tinha justamente um capítulo sobre o processo decisório, um outro sobre a miopia do “Sul Global” e mais um contendo meu minority report, como um contrarianista, o que sempre fui.

 

Mas, quando a editora quis fazer uma 2a edição, em 2019, eu me opus, pois disse que o “nunca antes” era exatamente o desgoverno horroroso e a diplomacia aloprado do Bozo e do patético ex-chanceler acidental. Preferi escrever toda uma série de quatro obras digitais sobre o alucinante “bolsolavismo diplomático”, começando pelo “Miséria da diplomacia: a destruição da inteligência no Itamaraty” (2019), chegando até “O Itamaraty Sequestrado, 2018-2021”, que resume a destruição demencial do ex-chanceler acidental e desequilibrado.

A essa altura, a “pizza diplomática” já tinha sido, toda ela, contaminada por um horroroso “molho bolsolavista”, intragável e inaceitável para os padrões usuais e os valores e princípios de nossa política externa tradicional. Não preciso dizer que os “pizzaiolos” eram os delirantes fanáticos daquela franja lunática submissa à extrema-direita americana, “dirigidos” por um inepto e ignorante chefe de desgoverno.

Acabei escrevendo e publicando, em 2021, Apogeu e demolição da política externa; mas nem preciso dizer que o lulopetismo diplomático acabou entrando no apogeu, e que a demolição é inteiramente obra do Bozo e dos integrantes da franja lunática.

 

Agora, só me falta escrever uma espécie de “história sincera” do Itamaraty, relatando minha visão de quatro décadas de política externa e de diplomacia brasileira. Comecei em 1978, sendo fichado pelo SNI como “diplomata subversivo”, por me opor à ditadura militar, e terminei, no final de 2021, como “diplomata dissidente”, ou uma espécie de refuznik da atual demência bozófila na política externa, a despeito das tentativas de meus colegas diplomatas de preservar um mínimo de dignidade para o Itamaraty.

 

Se o tirano Putin pode ser condenado, pelo menos moralmente, por “crimes de guerra” e “contra a humanidade”, Bozo, seus generais amestrados e os aspones lunáticos devem ser processados e condenados, pelo menos moralmente, por crimes contra a diplomacia e contra a política externa do Brasil. 

A história não os absolverá, e eu não os deixarei impunes no “meu” tribunal pessoal da dignidade moral.

Continuarei expressando meu pensamento e minhas opiniões e argumentos no meu quilombo de resistência intelectual, mesmo sozinho.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4092: 2 março 2022, 2 p.



A política externa do Brasil a caminho do delírio - notícias de jornais

A política externa do Brasil a caminho do delírio

Reina a maior confusão na política externa do Brasil; não existe nenhuma voz coerente e a culpa principal sabemos de quem é...

Paulo Roberto de Almeida



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BRASIL x EUA

A omissão do presidente Jair Bolsonaro em criticar a Rússia ou condenar a guerra na Ucrânia é explicada em parte pela afinidade ideológica que ele tem com Vladimir Putin e é vista com incômodo pelos Estados Unidos, diz Michael Shifter, presidente do The InterAmerican Dialogue, centro de estudos em Washington. Shifter, afirma ao jornal Valor Econômico, que o governo americano vê com preocupação a postura de Bolsonaro, que deve deteriorar as relações bilaterais. 

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Entre o WhatsApp e a ONU, os sinais difusos de Bolsonaro na guerra
O Globo | Política, 03 de março de 2022

Enquanto o Brasil condena formalmente invasão à Ucrânia, presidente repassa texto com viés 'olavista' e acena para a Rússia

Ao mesmo tempo que o Brasil votou a favor da resolução do Conselho de Segurança da ONU para condenar a invasão da Rússia à Ucrânia, o presidente Jair Bolsonaro resolveu repassar para alguns grupos de WhatsApp de que participa um texto sobre o que seria o contexto do conflito. Conforme publicou o colunista do GLOBO Lauro Jardim em seu blog, a postagem traz uma visão "olavista" - corrente do ideólogo de direita Olavo de Carvalho, que morreu em janeiro - e logo no início já adverte: "Os Estados Unidos não são mais uma nação virtuosa." Apócrifo e intitulado "A única verdade", o texto alerta que "o comunismo tem outro nome, se chama Progressismo e seu berço é a Europa". O tom alinhado às ideias de Olavo de Carvalho prossegue com a afirmação: "Só existem a Rússia, a China e a Liga Árabe capazes de enfrentar a NOM (Nova Ordem Mundial). O Brasil está no radar da NOM e de toda a esquerda. Três ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e a mídia brasileira (via fraude eleitoral), estão prontos a entregá-lo pela metade do preço que o presidente da Ucrânia entregou seu país."

Em outro trecho, cita a soberania do Brasil sobre a Amazônia, que estaria ameaçada: "Os mesmos que desejam que o presidente brasileiro tome uma posição firme no conflito Rússia X Ucrânia, são aqueles que desejam tomar de nós a Amazônia". Por fim, a publicação diz que o comunismo passou por uma transformação e que a alegada nova ordem mundial está pronta para "instalar um governo hegemônico mundial", do qual o Brasil seria parte fundamental.

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"Não vamos tomar partido, vamos continuar pela neutralidade e ajudar, na medida do possível, a busca da solução "

Foto: Jair Bolsonaro, durante entrevista coletiva, ao falar sobre a invasão da Rússia à Ucrânia

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CHOQUE COM O ITAMARATY

Desde o início da invasão russa à Ucrânia, Bolsonaro tem feito declarações que seguem em sentido contrário às posições do Brasil no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Para diplomatas, o Itamaraty vocaliza uma atuação ligada às tradições e aos valores constitucionais. As afirmações do presidente sobre solidariedade à Rússia e "neutralidade" diante da invasão têm sido consideradas uma narrativa para um público interno que, inevitavelmente, causa dano à imagem do país no exterior.

Durante entrevista no último domingo no Guarujá (SP), cidade em que passou o carnaval, Bolsonaro disse que o Brasil "não vai tomar partido" e deve manter posição neutra em relação ao conflito. Na declaração, a primeira manifestação pública sobre o conflito, Bolsonaro fez referência a uma conversa que teve com o presidente russo, Vladimir Putin:

- Não vamos tomar partido, vamos continuar pela neutralidade e ajudar, na medida do possível, a busca da solução.

O desencontro de declarações entre o que diz Bolsonaro e o Itamaraty levou auxiliares do presidente a esclarecer a embaixadores estrangeiros e autoridades de outros países que, em momentos divergentes, o que vale é a posição do Ministério das Relações Exteriores, e não os discursos do presidente. Em entrevista à GloboNews, o chanceler Carlos França explicou que a posição do Brasil não é de neutralidade, e sim equilíbrio. Diplomatas de países do G7 também cobraram que o país adotasse uma postura mais firme.

"Nossa posição é de equilíbrio. Ela não é de neutralidade. Eu penso que quando o presidente (Jair Bolsonaro) falou em neutralidade ele pensava em imparcialidade. Nossa posição é dedicada à busca do diálogo e da reconciliação. Essa é a nossa fortaleza".

Aliados antigos de Bolsonaro também se manifestaram, como o ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo. O ex-chanceler fez críticas ao comportamento do presidente. Nas redes sociais, Araújo destacou que Bolsonaro reproduz "desinformação russa" e que a posição de "neutralidade" demonstra preferência pela Rússia: "Me parece que a posição correta do Brasil, compatível com nossos valores morais e interesses materiais, seria um apoio à Ucrânia, junto com as grandes democracias ocidentais".

O fato de Bolsonaro não condenar diretamente os ataques também provocou reflexos na corrida eleitoral. O ex-presidente Lula afirmou no Twitter que "ninguém pode concordar com guerra", enquanto Sérgio Moro (Podemos) acusou Bolsonaro e o PT de estarem do lado de ditaduras que apoiam os ataques à Ucrânia: Venezuela, Nicarágua e Cuba. Ciro Gomes (PDT) preferiu focar os comentários nas consequências diretas da guerra ao Brasil, e João Doria (PSDB) disse que a invasão da Ucrânia pela Rússia é "condenável".

Um pouco mais da degradação moral do Brasil: descendente da família "real" brasileira quer que o Brasil tenha bombas de fragmentação

 Só posso dizer que estou estarrecido ao ler este tipo de coisa...

Paulo Roberto de Almeida


O Brasil é solidário à bomba

Comissão de Relações Exteriores e Defesa da Câmara dos Deputados rejeitou dois meses antes da guerra começar na Ucrânia um projeto de lei que proibia a produção, o armazenamento e a comercialização de bombas de fragmentação pelo Brasil.

Octavio Guedes

O Globo, 03/03/2022 05h04 

Dois meses antes da guerra na Ucrânia, a Comissão de Relações Exteriores e Defesa da Câmara dos Deputados rejeitou um projeto de lei que proibia a produção, o armazenamento e a comercialização de bombas de fragmentação pelo Brasil. A utilização deste modelo de armamento na Ucrânia foi denunciada pela Anistia Internacional, que pediu uma investigação por crime de guerra contra a Rússia.

O porta-voz do governo russo, Dmitry Peskov, disse que as afirmações sobre o uso de bombas de fragmentação no conflito na Ucrânia são falsas. As autoridades ucranianas não se pronunciaram sobre a denúncia.

Uma rápida explicação: as bombas de fragmentação, também conhecidas como cluster, são jogadas de avião, lançadas por mísseis ou pela artilharia. É como se fosse uma caixa que se abre no ar e espalha até 600 sub bombas numa área correspondente a oito campos de futebol. Alguns destes "filhotes" de bombas não explodem de imediato, podendo ficar adormecidos até alguém encostar neles. Funcionam como minas terrestres e por isso são um grande risco para a população civil. Na Ucrânia, uma das sub bombas teria atingido uma creche, matando três pessoas, entre elas uma criança.

Voltemos ao Brasil. Ao contrário da realeza britânica, que lutou contra as minas terrestres por intermédio da Princesa Diana, foi um descendente da família real brasileira que rejeitou o projeto de lei que vetava o Brasil de produzir as bombas de fragmentação. O deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança, relator do projeto, justificou em seu relatório que a fabricante brasileira Avibrás desenvolveu uma tecnologia de autodestruição de todas as sub bombas que, por acaso, não explodem ao tocar no solo. O "deputado príncipe" acrescentou que a aprovação do projeto de lei iria "prejudicar a indústria nacional, a geração de empregos e a economia, além de causar danos irremediáveis à defesa nacional". Foi apoiado pela bancada bolsonarista na Comissão de Relações Exteriores, entre eles pelo filho do presidente Eduardo Bolsonaro. A comissão acompanhou o parecer do relator.

A luta para o Brasil parar de produzir as bombas de fragmentação é antiga. O primeiro projeto neste sentido foi apresentado pelo ex-deputado Fernando Gabeira, em 2009. Não foi adiante e acabou sendo reapresentado pelo deputado Rubens Bueno, do Cidadania do Paraná, em 2012.

"Este tipo de armamento é desumano e cruel. Na próxima legislatura, vou reapresentar projeto com o mesmo teor", anunciou Rubens Bueno.

https://g1.globo.com/politica/blog/octavio-guedes/post/2022/03/03/o-brasil-e-solidario-a-bomba.ghtml