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sábado, 7 de agosto de 2010

Cotas raciais nas universidades dividem opiniões: era esperado

Continua o debate no país, aparentemente interminável, sobre o problema das cotas raciais, que assimilo a uma política racista de separação racial e de criação do Apartheid. Não tenho nenhuma ilusão de que a divisão atual no país, entre defensores desse tipo de "solução" -- que evidentemente não é uma -- ao problema do status inferior de negros e mestiços no cenário econômico e social do Brasil, e aqueles que recusam a ideia pelo seu conteúdo racista, justamente, e que preconizam a solução educacional, a única efetiva e consequente, mas reconhecidamente lenta e difícil.
Não tenho nenhuma ilusão de que essa situação envenenada, e divisiva, venha a ser superada any time soon.
Paulo Roberto de Almeida

Questão das cotas raciais nas universidades divide opiniões
The Economist, 5/08/2010

STF analisa três casos que servirão de base para futuras discussões

O Superior Tribunal Federal (STF) está enfrentando um de seus mais complicados dilemas políticas: o que é mais vantajoso?
Igualdade absoluta perante a lei ou discriminação a favor de etnias menos favorecidas? A questão é surpreendente, considerando que o Brasil costumava se gabar, até pouco tempo, de ser uma sociedade ao mesmo tempo diversificada e homogênea.
Como os Estados Unidos, o Brasil tem grandes populações de negros, índios e imigrantes europeus. O país concentra a maior população de japoneses fora do Japão e abriga um número de libaneses quase duas vezes maior que o do próprio Líbano. Ao contrário dos norte-americanos, os brasileiros raramente se classificam etnicamente. No ultimo censo realizado no país, 38% da população declarou ser “mestiça”.

Embora as etnias não sejam separadas no Brasil, elas também não vivem em igualdade. Negros têm uma renda equivalente a 50% da alcançada pelos brancos, e uma educação média de cinco anos, contra oito dos brancos. Em junho, o Congresso Nacional aprovou o Estatuto da Igualdade Racial, mas se manteve distante da discriminação positiva. O problema é que tais políticas entram em conflito com a tradição brasileira. Desde que o país aboliu a escravidão, em 1888, suas leis foram racialmente neutras, e não existiram leis promovendo a segregação. No entanto, também não existiram leis que servissem de base para a discriminação positiva.

STF analisa casos envolvendo cotas raciais nas universidades
Três recentes casos foram levados ao STF: o primeiro deles diz respeito à Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UFRJ), a primeira grande instituição pública a usar cotas raciais. Em 2002, a universidade passou a reservou metade de suas vagas para alunos oriundos do ensino público, e 40% dessas vagas estavam destinadas a negros e índios.

O segundo caso, trata do ProUni, um programa federal criado em 2004, que oferece bolsas a alunos de baixa renda em universidades privadas. O programa está ligado ao sistema de cotas, fazendo dele, o primeiro programa federal com componentes raciais. O terceiro caso é talvez o mais importante deles e diz respeito às universidades federais. Cerca de 70 instituições criaram sistemas para diversificar seu corpo discente, que vão desde a aplicação de cotas, até sistemas de pontuação nos quais a etnia é um dos fatores considerados. O STF está analisando um caso contra a Universidade de Brasília, como teste para situações futuras. De acordo com Oscar Vilhena Vieira, um advogado defensor do sistema de cotas, o teste examinará diretamente se a discriminação positiva é ou não constitucional.

Aqueles a favor das cotas têm como principal obstáculo não apenas a preferência do Brasil por leis sem componentes raciais, mas também sua aplicabilidade. Numa sociedade homogênea, quem é negro? Já os que se opõem às cotas, têm contra seu argumento, o fato de os negros serem menos privilegiados na sociedade brasileira e exemplos de discriminação positiva já existentes na Constituição, como no caso de deficientes físicos. A resposta final ficará a cargo do tribunal.

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Cotas raciais polêmicas
Patrícia Costa
Opinião e Notícia, 2/06/2008

Historicamente, o Brasil é visto como um país miscigenado, e a idéia de “raça” sempre foi algo nebuloso. Porém, desde a elaboração das chamadas ações afirmativas, o debate em torno da questão das cotas raciais tem ocupado mentes e corações dos dois lados.

O advogado Renato Ferreira, pesquisador do Laboratório de Políticas Públicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, é um dos que elaboraram um documento que foi entregue, em maio, ao Ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), em defesa da política de cotas raciais nas universidades. Ele explica que, hoje, poucos negros conseguem chegar ao ensino superior, e cita um exemplo: “Antes de 2004, quando as cotas foram estabelecidas na Universidade Federal da Bahia, apenas 4% dos alunos do curso de Medicina eram negros, enquanto que, no estado, 70% da população se declarava negra. É uma exclusão que não se vê igual nem na África do Sul, durante o Apartheid”.

Para a antropóloga da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Yvonne Maggie, tais projetos não promoverão a inclusão nem resolverão as desigualdades que existem no país: “Sabemos que a sociedade é dividida em classes e é aí que reside a fonte de toda a desigualdade. O Brasil optou por um sistema econômico altamente concentrador de renda. Sem lutar contra isso, sem lutar pela igualdade de direitos e pelos direitos universais não há como construir uma sociedade mais igualitária e justa”.

Racismo social
A professora explica que é contra a proposta de cotas raciais nas universidades porque ela produz divisões perigosas: “Essa política exige que o cidadão se defina perante o Estado segundo sua ‘raça’ ou sua origem. Sabemos que toda a vez que o Estado se imiscuiu nos assuntos de identidade dos indivíduos, obrigando-os a se definirem, o resultado foi a produção da violência.”

Renato Ferreira defende que a idéia de raça nos projetos de ações afirmativas não tem sentido biológico: “A ciência já comprovou que somos todos de uma só raça, a humana. Mas quando falamos em cota racial, estamos nos referindo a uma visão das Ciências Sociais que, durante muito tempo, usou o conceito de raça da Biologia para discriminar as pessoas. Fizeram isso com os judeus, negros, ciganos, indígenas. Quando surgem ações afirmativas, é preciso pensar que a raça está presente na avaliação do que você aparenta ser. É um conceito de raça do ponto de vista do contexto histórico-social. E é inegável que, no Brasil, é esse tipo de racismo que os negros vêm sofrendo há séculos”.

A discussão promete se acirrar porque tramita no Congresso o projeto de lei 73/99, que reserva 50% das vagas das universidades públicas para alunos que fizeram o ensino médio em escolas públicas. Dentro dessa parcela, uma porcentagem seria destinada a alunos negros e indígenas, de acordo com a proporção deles na população por estado. Por exemplo: segundo o IBGE, no Rio de Janeiro, 45% da população se declara negra. Portanto, 45% da cota de 50% iriam para alunos negros. Além disso, o STF está prestes a julgar ações contra o ProUni (Programa Universidade Para Todos), que oferece bolsas em universidades particulares a estudantes de baixa renda e, também, reserva vagas aos que se declaram negros, pardos ou indígenas. O Ministro Ayres Brito chegou a declarar-se a favor das cotas por defender que “a verdadeira igualdade é tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais”.

Para Yvonne Maggie, projetos como esse são inconstitucionais, pois dividem a sociedade brasileira — para efeito de distribuição de direitos — em brancos e negros. Ela afirma que uma frase como essa poderá nos assombrar no futuro: “Quando se fala em ‘tratar desigualmente os desiguais’ o jurista está, em princípio, falando em desigualdades superáveis como aquelas que dividem pobres e ricos. Deve-se tratar desigualmente os que têm menos, os pobres, para que deixem de ser pobres. Mas a frase usada no sentido dos marcadores raciais significa perpetuar e fundar uma identidade racial que, ao contrário da pobreza, não é algo que se possa descartar depois de ter sido imposta pelo Estado. Pobres deixarão de ser pobres e esse é o objetivo do tratamento diferencial. Mas quem deixará de ser negro depois de ser obrigado a assim se definir para ser merecedor de um direito?” Yvonne e mais 130 intelectuais também entregaram, em maio, um documento ao Ministro Gilmar Mendes condenando a política de cotas raciais, a “Carta de Cento e Treze Cidadãos anti-racistas contra as leis raciais“.

Desigualdade educacional
Por outro lado, o advogado Renato Ferreira defende que o Brasil precisa encarar a questão da desigualdade sob o ponto de vista racial, sim: “Até 1970, 90% dos negros eram analfabetos, porque, após a abolição da escravidão, o Estado os abandonou, ao contrário do que fez com os imigrantes, que foram financiados pelo governo para virem para o Brasil. O país precisa dar um valor à diversidade étnica, de gênero etc entre os espaços de poder político, cultural e econômico. A saída é a educação pública de qualidade e políticas temporárias de ações afirmativas, que diminuem a grande distância que ainda existe entre brancos e negros no país.”

As políticas de cotas são um remédio errado para um diagnóstico falso, segundo Yvonne Maggie. Segundo sua análise, o problema é que as universidades públicas precisam democratizar o acesso e, para isso, deve-se mudar a forma de ensinar e buscar uma educação de massa de qualidade desde o ensino básico: “A Universidade de Buenos Aires tem cerca de 300 mil estudantes. Ela sozinha atende, portanto, mais da metade do número de estudantes que estudam na totalidade das universidades públicas no Brasil. Isso é um dado que não se discute porque significa que nossas universidades públicas não querem mais alunos, não querem enfrentar a democratização do acesso.”

Apesar de defenderem visões opostas, ambos os especialistas concordam numa coisa: O Brasil tem uma sociedade tolerante que pode e deve ser exemplo de democracia.

“Gilberto Freyre disse que ninguém liberta ninguém e ninguém se liberta sozinho. A gente só se liberta pela comunhão. Se promovermos ações afirmativas em comunhão, todos sairão ganhando. Ter essa diversidade como um valor nosso é a principal vantagem da política de cotas”, defende Renato Ferreira.

Yvonne Maggie, por sua vez, argumenta que não devemos abandonar o princípio de universalidade de direitos: “Se não seguirmos uma lógica razoável de pensar e viver com base nos princípios universais não seremos uma sociedade justa e igualitária. São esses princípios que fazem com que o Brasil possa se tornar um país que ensina ao mundo que há um caminho a seguir, o caminho da democracia, da igualdade de todos diante das leis.”

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