Uma leitura agradável, mas conclusões e constatações bem menos, aliás definitivamente inquietantes e preocupantes...
As Leis Fundamentais da Estupidez Humana
Paulo Roberto de Almeida
Finalmente, consigo colocar as mãos, ou os olhos mais exatamente,
numa tradução mais conforme da famosa obra do historiador econômico Carlo Maria
Cipolla. O texto tinha sido publicado em inglês, em edição de autor, de forma limitada, portanto, em 1976, por uma improvável
editora chamada Mad Millers (os “moleiros loucos”, o que só pode ter sido uma
brincadeira do medievista italiano). Poucos exemplares circularam, e eu só
tinha conseguido aceder a uma versão em francês, a partir da primeira edição
italiana de 1988, da Il Mulino (o que parece sugerir um complô entre moleiros
malucos).
A edição que eu possuía tinha alguns outros textos, e apareceu sob o
título de “Allegro Ma Non Troppo” (aliás, transformado em peça de teatro, a que
assisti em Paris no século passado (eh oui!). Aparentemente era uma tradução improvisada,
tanto que a categoria dos “cretinos”, agora oficializada, aparecia nessa versão
como sendo apenas “crédulo”, o que é, digamos, muito generoso, mas não traz a
força do atual cretino (nem aliás, o conceito original em inglês de “helpless”).
Em todo caso, o livro era este: Allegro ma non troppo: Les lois fondamentales de la stupidité
humaine (Paris: Balland 1992); confesso que ainda não
consegui reencontrar esse livro em minha biblioteca caótica, para confrontar as
duas versões do texto principal, mas prometo fazê-lo, assim que retornar ao
Brasil.
Agora, a versão francesa que já vou citar foi feita a partir do
original em inglês, The Basic Laws of
Human Stupidity, mas o copyright pertence à Società editrice Il Mulino, de
Bolonha (aha!, os moleiros malucos sempre aparecem), e o ano indicado é o de
1988. Estranho, ma, cosi è, si vi pare.
O copyright da tradução francesa, agora oficial, é de maio de 2012, da grande
editora universitária, este que tenho em mãos:
Carlo M. Cipolla:
Les Lois Fondamentales de la Stupidité Humaine
(Traduit de l’Anglais par Laurent Bury; Paris: Presses
Universitaires de France, 2012, 72 p.; ISBN: 978-2-13-060701-4; 7 euros).
Mas a edição do Kindle, que acabo de carregar da Amazon (me custou
US$ 5,83 e foi recebido em menos de 10 segundos), traz como edição impressa em
inglês, da Il Mulino, o ano de 2011 (vá lá entender moleiros malucos), o mesmo
para a edição Kindle (cujo ISBN é este: 978-88-15-30700-2). Vou conferir as
versões, para poder confrontar linguajar e conceitos, em francês e em inglês,
embora os argumentos sejam bem mais importantes do que as palavras usadas.
Creio já ter resumido, em trabalhos anteriores, o essencial do
pensamento de Cipolla sobre quão perigosa é nossa existência num planeta que
tem uma quantidade fixa, talvez relevante, de pessoas perfeitamente estúpidas.
Não vamos nos enganar, os estúpidos não são os incultos – como eu sempre alerto
a propósito dos “meus” idiotas – já que pessoas que não tiveram oportunidade de
estudar são simplesmente ignorantes, mas podem ser pessoas perfeitamente
normais, afáveis e até sensatas (embora sempre propensas a cair no risco de
resvalar na idiotice ou na estupidez). Carlo Maria Cipolla é absolutamente
categórico: estúpidos podem ser encontrados nos meios universitários, e até
mesmo entre os prêmios Nobel (do que não duvido, pois de vez em quando eu ouço
besteiras das grossas de um ou outro literato que se mete a falar de economia
ou de política).
Talvez eu deva agora simplesmente resumir o “pensamento” – eu até
diria o “divertimento” – de Cipolla em torno dessa questão relevante para o
futuro da humanidade, e selecionar alguns trechos que mais me impactaram nesta
nova versão agora lida e apreciada (como desde o primeiro contato). Somos
primos filosóficos, eu e Cipolla, ele bem mais famoso do que eu, obviamente,
mas creio que dividimos concepções quase idênticas sobre os perigos que nos
rondam, com tantos estúpidos soltos por aí. Em todo caso, já adianto que
concordo inteiramente com sua quinta (e derradeira) lei fundamental, que
sintetiza o conjunto da análise extremamente rigorosa que ele conduz em seu
opúsculo, que alguns chamariam de textículo:
“O indivíduo estúpido é o
tipo de indivíduo mais perigoso que existe.”
Retomemos, porém, do início, com as cinco leis fundamentais em sua
sequência lógica. Cipolla começa dizendo que a humanidade está em estado
lamentável, o que, aliás, sempre foi o caso: desde Darwin sabemos que temos
origens comuns com seres inferiores do reino animal. Mas os humanos têm de
suportar uma dose ainda maior de problemas, cuja fonte é uma categoria especial
de sua raça: “Esse grupo é muito mais poderoso do que a Máfia, o complexo
militar-industrial ou a internacional comunista; se trata de um grupo
desprovido de estatuto, sem estrutura nem constituição, sem chefe nem
presidente, que consegue, no entanto, funcionar de maneira perfeitamente
coordenada, de tal maneira que a atividade de cada membro contribui para
ampliar e tornar mais forte e mais eficaz a de todos os outros.” (p. 13-14).
A primeira lei já é de uma brutalidade desconcertante:
Todos nós subestimamos
sempre inevitavelmente o número de indivíduos estúpidos existentes no mundo.
Essa lei parece muito vaga e simplista, mas o fato é que pessoas que
julgávamos racionais e inteligentes se revelam espantosamente estúpidas; e,
todos os dias, sem esperar, somos assediados, nos lugares e circunstâncias mais
imprevistos, por pessoas estúpidas. Vamos fazer alguns testes para saber se é
verdade?
A segunda lei, parece incrível, recusa a igualdade fundamental do
ser humano:
A probabilidade de que um
indivíduo seja estúpido é independente de quaisquer outras características
desse mesmo indivíduo.
Cipolla chegou à conclusão, depois de muita pesquisa e estudo, de
que existe um número constante e regular de indivíduos estúpidos em toda e
qualquer categoria de grupos humanos, ou seja, o mesmo percentual,
independentemente de ser grande ou pequeno esse grupo; os estúpidos existem entre
trabalhadores manuais e entre universitários, da mesma forma e inapelavelmente.
Como ele diz: “Mais impressionante ainda é o resultado entre os
professores. Que a universidade seja grande ou pequena, de prestígio ou
obscura, eu constatei que uma mesma fração, constante, era constituída de seres
estúpidos. Isto me surpreendeu tanto que eu procurei estender a pesquisa a um
grupo especialmente escolhido, uma autêntica elite: os laureados do Prêmio
Nobel. O resultado confirmou esse poderio supremo da Natureza: uma mesma
proporção de prêmios Nobel era formada de estúpidos.” (p. 23-24). A ideia foi
difícil de digerir, reconhece ele, mas os resultados empíricos ofereciam a
prova dessa verdade incontornável. “A Segunda Lei é uma lei de ferro, que não
admite exceções”.
Cipolla faz então um intervalo técnico para apresentar em forma
gráfica suas descobertas, distribuindo a raça humana em quatro grandes
categorias em eixos vertical e horizontal, como se faz habitualmente com a
pesquisa científica. Na direita superior dos eixos Y e X, com sinais positivos,
estão os seres inteligentes; à esquerda deles figuram os cretinos, aqueles que
podem fazer o bem aos demais, sem no entanto beneficiar-se disso (mas a
situação pode variar, como veremos); abaixo dos inteligentes, situam-se os
bandidos, os que buscam seu próprio benefício causando prejuízo aos demais, mas
também existem bandidos estúpidos. Finalmente, no canto inferior esquerdo, com
dois sinais amplamente negativos, estão os estúpidos, aqueles que causam danos
aos demais, sem jamais retirar qualquer benefício para si próprios. Os ganhos e
perdas podem, portanto, ser expressos graficamente, e o pesquisador poderá
conduzir uma análise de custo-benefício dessas categorias (e como!).
Passemos, portanto, à Terceira Lei Fundamental (que é também,
segundo Cipolla, uma regra de ouro):
É estupido aquele que causa
danos a um outro indivíduo ou um grupo de indivíduos, ao mesmo tempo em que não
retira de sua ação nenhum benefício para si mesmo, podendo inclusive incorrer
em prejuízos.
Seres racionais, como eu e você, podemos ficar céticos ante essa
lei, mas ela parece confirmada por todas as pesquisas de Cipolla.
O capítulo V do pequeno livro de Cipolla é dedicado a uma questão
técnica: a distribuição de frequências, o que dá um triste resultado para os
estúpidos. Passons...
O capítulo VI, extremamente curto, trata de uma questão relevante:
“Estupidez e Poder”. Estamos falando aqui da condição de todos nós, que podemos
ser afetados profundamente pelos estúpidos que ascendem a posições de mando na
sociedade. No mundo moderno, os conceitos de casta e classe foram eliminados, a
religião tem pouco poder, e assim, no sistema democrático, aquela fração
constante e regular de estúpidos pode se encontrar entre aqueles que foram
chamados a exercer o poder.
O Capítulo VII, também reduzido, trata da potência da estupidez, o
que, mais uma vez, comprova que esse tipo de relação pode contribuir para
reforçar os vínculos entre esses indivíduos e as perdas que eles ocasionam;
eles geralmente nos surpreendem, ao surgir inopinadamente e cometer seus atos estúpidos;
mesmo que tomemos consciência do ataque, não podemos fazer nada, argumenta
Cipolla, pois ele é feito de maneira não racional.
Agora chegamos à Quarta Lei Fundamental, que estipula que:
Os não-estúpidos sempre
subestimam a potência destruidora dos estúpidos. Em especial os não-estúpidos
esquecem sempre que em todos os tempos, em todos os lugares, em quaisquer
circunstâncias, tratar ou se associar com pessoas estúpidas se revela ser,
inapelavelmente, um erro custoso.
Finalmente, o último capítulo, de macroanálise, chega à Quinta Lei
Fundamental:
O indivíduo estúpido é o
tipo de indivíduo o mais perigoso.
E o corolário dessa lei é esta aqui:
O indivíduo estúpido é mais perigoso que o
bandido.
Após algumas análises de distribuição, Cipolla reconhece que
cretinos inteligentes e bandidos inteligentes podem, eventualmente, causar
algum benefício para si mesmos ou até o bem-estar numa dada sociedade, mas
jamais isso pode ocorrer com os verdadeiramente estúpidos. Como eles causam
perdas para todos, a sociedade se empobrece e é conduzida à ruina.
Resumindo, os países dinâmicos conseguem controlar os seus estúpidos,
mantê-los isolados, evitando, assim, males maiores. Mas, nos países menos dinâmicos,
a fração de cretinos e bandidos se aproxima do canto inferior esquerdo, o que
se revela fatal para a sociedade: “Essa mudança na composição da população não-estúpida
reforça inevitavelmente a potência destruidora da fração estúpida e o declínio
torna-se inelutável. É o desastre”. (p. 63)
O livro se termina por algumas páginas com gráficos em branco, para
que cada leitor possa anotar e classificar os seres humanos com os quais ele
tem de tratar.
Eu, sinceramente, me vi tentado a, imediatamente, preencher as seções
em branco com alguns nomes daqueles que ascenderam, por assim dizer, a posições
de mando e prestígio, mas me contive. Não tanto por falta de tempo, mas por
falta de espaço. Eu tenho antes de fazer várias cópias dessas últimas páginas...
Paris, 2396: 20 Maio 2012.
Um comentário:
Hahaha. Excelente. Não conhecia o blog nem Cipolla. Grato.
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